Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0410/14.6BELRA
Data do Acordão:03/04/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
RESCISÃO DE CONTRATO
CRÉDITOS VENCIDOS APÓS DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Sumário:I - No caso do imposto de selo (“IS”) abrangido por benefício fiscal contratualmente condicionado ao desenvolvimento de projeto, sob pena de rescisão contratual em caso de incumprimento, se esta rescisão veio a ocorrer em data posterior à declaração de insolvência da contraente, a declaração de insolvência não determinou o vencimento da obrigação de IS, nos termos do art. 91.º do C.I.R.E.
II - Ao respetivo crédito, vencido, assim, em data posterior à declaração de insolvência, aplica-se o disposto no artigo 180.º n.º 6 do C.P.P.T., o que constitui um regime especial para os processos de execução fiscal, afastando a regra geral do art. 88.º, n.º 1, do C.I.R.E.
Nº Convencional:JSTA000P25662
Nº do Documento:SA2202003040410/14
Data de Entrada:12/10/2019
Recorrente:A..................., SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

I.1. A…………………….., S.A. – em liquidação e Massa Insolvente da A………………….., S.A. – em liquidação, melhor identificadas nos autos, interpõem recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, exarada em 30/09/2019, que julgou totalmente improcedente a oposição à execução fiscal intentada no âmbito da dívida de Imposto de Selo e juros compensatórios, do ano de 2005 e no valor de € 441.928,64.

I.2. Formularam alegações que terminaram com o seguinte quadro conclusivo:

1.º A douta sentença recorrida julgou integralmente improcedente a oposição judicial deduzida no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2089201301050150, instaurado pela administração tributária para cobrança coerciva de IS, devido no ano de 2005, no montante total de € 441.928,64;

2.º O Tribunal a quo considerou que a dívida exequenda em apreço consubstancia um crédito vencido após a declaração da insolvência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 180.º, n.º 6, do CPPT, razão pela qual, não se impunha a sustação do processo de execução fiscal e a sua apensação ao processo de insolvência da A………………, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 180.º do CPPT;

3.º Todavia, o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento de direito, porquanto desconsiderou a ocorrência dos factos tributários, os quais, tiverem lugar em momento anterior à declaração da insolvência;

4.º O artigo 180.º, n.º 1 e n.º 2 do CPPT impõe que os processos de execução fiscal pendentes, ou que venham a ser instaurados, sejam sustados, e determinada a apensação ao processo de insolvência;

5.º O artigo 180.º, n.º 6, do CPPT consagra uma exceção a esta regra, determinando que o processo de execução relativo créditos vencidos após a declaração de insolvência prossiga os seus trâmites normais até à extinção da execução, sem, contudo, prejudicar a tramitação do processo de insolvência e sem que possam ser penhorados bens apreendidos no âmbito daquele processo;

6.º De acordo com o CIRE, todas as obrigações da insolvente, geradas em data anterior à declaração de insolvência e não subordinadas a condição suspensiva, consideram-se vencidas na data da declaração de insolvência; (cf. neste sentido, Tribunal Central Administrativo Norte, em acórdão de 12.10.2011, proferido no processo n.º 01096/11);

7.º Deste modo, na delimitação do conceito de crédito (tributário) vencido à data da insolvência deverá relevar-se a data em que se verificou o facto tributário;

8.º A LGT dispõe que a relação jurídica tributária se constitui com o facto tributário (cf. Artigo 36.º, n.º 1, da LGT), sendo, portanto, da ocorrência deste que emerge o crédito tributário;

9.º Assim, outra conclusão não poderá ser extraída que não seja a de que o crédito tributário se considera vencido para efeitos do disposto no artigo 180.º, n.º 6, do CPPT sempre que o facto tributário se tenha verificado em momento anterior à declaração de insolvência (cf. neste sentido, Tribunal Central Administrativo Norte, em acórdão de 12.10.2011, proferido no processo n.º 01096/11.5BEBRG);

10.º Se, como defende o Tribunal a quo, não for relevado para este efeito o facto tributário, estar-se-á a permitir à administração tributária que ajuste a qualificação do seu crédito, bastando para o efeito que emita a liquidação de imposto depois da declaração de insolvência;

11.º O CIRE consagra e trata de forma diferenciada dois tipos de dívidas: (i) as dívidas da insolvência, cujo fundamento é anterior à insolvência; e (ii) as dívidas da massa insolvente as quais são constituídas no decurso do processo de insolvência, as quais devem ser satisfeitas antes daquelas;

12.º Ora, pelo simples facto de a administração tributária ter emitido o ato tributário de liquidação após a declaração de insolvência, permitir-se-ia que o seu crédito fosse pago preferencialmente (cf. artigo 172.º do CIRE) e se instaurado processo de execução fiscal, o mesmo pudesse prosseguir (cf. artigo 180.º do CPPT), em clara violação do princípio da igualdade dos credores;

13.º Pelo que, também o contexto sistemático-legal impõe que na interpretação do conceito de crédito vencido consagrado no artigo 180.º, n.º 6, do CPPT seja relevada a data em que ocorreu o facto tributário e em que se constitui a obrigação tributária;

14.º Uma vez que o facto tributário ocorreu em 2005, i.e. em data anterior à insolvência da A………., conclui-se que tais créditos se consideram vencidos antes da data da insolvência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 180.º do CPPT;

15.º Assim, em face de todo o exposto, não pode a sentença recorrida manter-se.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e nessa medida julgada totalmente procedente a oposição judicial, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

Sendo o valor do recurso superior a € 275.000,00, requer-se que, verificando-se os pressupostos, sejam as Oponentes dispensadas do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.

I.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

I.4. O Magistrado do Ministério Público junto do STA emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento, com os seguintes fundamentos:

“(…) Como melhor se alcança da análise da motivação sub judice, a Recorrente, invocando, erro de julgamento da matéria de direito, pretende com o presente recurso jurisdicional a revogação por este tribunal ad quem da, aliás, douta sentença proferida pelo tribunal a quo.

Ora resulta expressamente da lei e é univocamente reconhecido pela jurisprudência que o âmbito do presente recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria nelas não inserida, ressalvados os casos do seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282º, nº 5 a 7 do CPPT e 635º, nº 4, do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável ex. vi do artigo 281º do CPPT.

Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato

DO MÉRITO DO RECURSO

O Mmº Juiz a quo a julgou a oposição improcedente.

Para tanto, considerou que as dívidas exequendas se venceram após a declaração de insolvência, pelo que nada obsta à instauração de execução fiscal para cobrança das mesmas, nos termos doo artigo 180º, nºs 1 e 6, do CPPT.

A Oponente, ora Recorrente, discorda desse entendimento, entendendo que as dívidas exequendas se venceram antes da data em que foi declarada insolvente, o que obsta à instauração de execução fiscal para a sua cobrança.

Vejamos se lhe assiste razão

A sustação dos processos de execução fiscal pendentes e dos que vierem a ser instaurados após a declaração de insolvência não se aplica aos créditos vencidos após esta declaração, os quais seguirão os termos normais até à extinção da execução (artigo 180º nº 6, do CPPT).

Porém, o prosseguimento da tramitação normal não deve “…inutilizar o esforço de recuperação da empresa e de satisfação equilibrada dos direitos dos credores…o que seria uma solução manifestamente desacertada, atentos os fins de interesse público e social que estão subjacentes àqueles.

Assim, a interpretação razoável daquele nº 6, que se compagina com a unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9º nº 1 do Código Civil), é a de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência (...) se forem penhorados bens não apreendidos naqueles processos de falência ou recuperação ou insolvência (…)” (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 2011 página 324).

Este entendimento tem sido sufragado por jurisprudência consolidada (acórdãos do STA de 24/10/2001, processo nº 26 344; 15/11/2006 processo nº 625/06; 12/11/2009 processo nº 102/09; 14/04/2010 processo nº 51/10; 6.04.2011 processo nº 981/10; 7/09/2011 processo nº 326/11, disponíveis em www.dgsi.pt).

Ora, é inquestionável que a relação tributária se constitui com o facto tributário, configurado no preenchimento da previsão de uma norma de incidência tributária (artigo 36º nº 1, da LGT).

No entanto, o vencimento da obrigação corresponde ao momento em que o devedor deve cumprir a sua obrigação (Ana Prata Dicionário Jurídico 2ª edição Almedina p. 607).

Nesta conformidade, a obrigação tributária exequenda emergente de Imposto de Selo (IS) cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 18/04/2013 corresponde a um crédito da Fazenda Pública vencido após a declaração de insolvência, datada de 3/02/2009 (cf., alíneas J) e O), do probatório, a fls. 7 e 8, da sentença, 232 e 232/vo, do processo físico).

Nesta conformidade, afigura-se-nos que o recurso não merece provimento

CONCLUSÃO

Destarte, nos termos e com os fundamentos expostos deverá ser negado provimento ao recurso e, em consequência, manter-se integralmente a douta sentença recorrida.”

II. Objeto do recurso.

Sendo de delimitar o objeto de recurso de acordo com as conclusões dos recorrentes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que seja possível ou se imponha conhecer (artigos 608.º n.º2, 635.º n.º 4, 663.º n.º1 e 679.º do C.P.C.), resulta para apreciação:

- se ocorre erro de julgamento de direito quanto à interpretação do conceito de crédito vencido, previsto no artigo 180.º n.º 6 do C.P.P.T. e, em relação com tal, se podia ser instaurada execução fiscal, nos termos deste art. 180.º, em data posterior à declaração de insolvência da primeira recorrente.

- se é de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º n.º 7 do R.C.P..

III. Fundamentação

III. 1. Tal como consta da sentença recorrida, encontra-se fixada a seguinte factualidade:

A) Em 02-06-2000, a sociedade A………………., S.A. celebrou com o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI) um contrato de investimento e de concessão de incentivos financeiros, com período de vigência até 31-12-2009, cuja minuta foi aprovada por Resolução do Conselho de Ministros n.º 53/2000, publicada em Diário da República em 24-06-2000, tinha por objeto a concessão de um incentivo financeiro para a execução de um projeto de investimento no montante total de 1.322.711.000$00 (€ 6.597.654,65). - (cfr. doc. n.º 2 junto com a p.i. a fls. 34 a 77 dos autos).

B) O documento mencionado na alínea antecedente tinha também por objeto, para além do mais, a concessão à Oponente de benefícios fiscais contratuais, temporários e condicionados, os quais configuravam o incentivo fiscal ao desenvolvimento do projeto, com período de vigência desde o início da realização do projeto de investimento até 31 de Dezembro de 2009. - (cf. anexo I do doc. n.º 2 junto com a p.i. a fls. 34 a 77 dos autos).

C) Consta da cláusula quarta do documento anexo identificado na alínea anterior que o incentivo fiscal era "(...) composto pelos seguintes benefícios fìscais cumulativos:

a) Crédito fiscal em sede de IRC até ao máximo de Esc. 1.299.385.000$00 (...);

b) Isenção de Contribuição Autárquica, até 31 de Dezembro de 2009 inclusive, relativamente aos prédios utilizados pela sociedade na actividade desenvolvida no âmbito do projeto, sob condição do reconhecimento pela Assembleia Municipal de Santarém do interesse do mesmo para a região;

c) Isenção do Imposto Municipal de Sisa relativamente a imóveis adquiridos pela Sociedade até 31 de Dezembro de 2009;

d) Isenção do Imposto do Selo devido em todos os actos ou contratos necessários à realização do projeto incluindo o relativo à emissão da garantia bancária a favor do IAPMEI;

e) O crédito fiscal em sede de IRC consiste na dedução ao montante apurados nos termos da alínea a) do n.º 1 do Artigo 71.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.”. - (cf. anexo I do doc. n.º 2 junto com a p.i. a fls. 34 a 77 dos autos).

D) Consta da cláusula décima do contrato de concessão de benefícios fiscais que o "Não cumprimento dos objectivos e obrigações estabelecidos (...)", o "Não cumprimento atempado das obrigações fiscais (...)" e a "Prestação de informações falsas (...)" conduzem à resolução do contrato a qual é declarada por Resolução do Conselho de Ministros.”. - (cf. anexo I do doc. n.º 2 junto com a p.i. a fls. 34 a 77 dos autos).

E) Consta da cláusula décima primeira do documento anexo I ao contrato de investimento descrito em A), designadamente quanto aos efeitos da resolução do contrato de concessão de benefícios fiscais que a resolução "(...) implicará a perda total dos benefícios fiscais que constituem o incentivo fiscal concedidos nos termos deste contrato e ainda a obrigação de, no prazo de 30 dias a contar da respectiva notificação e independentemente do tempo entretanto decorrido desde a data da verificação dos respectivos factos geradores do impostos, pagar nos termos da Lei as importâncias correspondentes às receitas fiscais não arrecadadas, acrescidas de juros compensatórios (...) havendo lugar a procedimento executivo, verificando a falta de pagamento até ao termo daquele prazo de 30 dias.”. - (cf. anexo I do doc. n.º 2 junto com a p.i. a fls. 34 a 77 dos autos).

F) Com data de 22-09-2006 a Oponente endereçou carta à Agência Portuguesa para o Investimento [(APD), atualmente Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP)], a informar a situação económica e financeira da sociedade, bem como o plano para a respetiva viabilização. - (cf. doc. n.º 3 junto com a p.i. a fls. 78 a 83 dos autos).

G) Com data de 03-09-2008, a Direção de Serviços de IRC endereçou à Oponente, mediante registo com aviso de receção, o oficio n.º 16.992, onde consta, designadamente, o seguinte:

Projecto de decisão: Resolução do Contrato dos Benefícios Fiscais, previstos no art.º 39.º n.º 1, actual art.º 41 do EBF e regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 409/99, de 15 de Outubro.

A resolução do Contrato dos Benefícios Fiscais fundamenta-se no facto de se haver concluído, após procedimento inspectivo de acompanhamento dos objectivos contratuais estabelecidos para o projecto de investimento, pelo incumprimento do estipulado na alínea c) da Cláusula Sétima do Contrato dos Benefícios Fiscais, concretamente valor mínimo de execução do projecto igual a 41,3%, ou seja Grau de Cumprimento Contratual menor que 80%, circunstância que tem subjacente o não cumprimento dos objectivos contratuais, e o desencadear do procedimento previsto na Cláusula 10.ª alínea a) do Contrato. (…).”. - (cf. doc. n.º 5 junto com a p.i. a fls. 91 a 93 dos autos).

H) A Oponente exerceu por escrito o correspondente direito de audição prévia sobre o projeto identificado na alínea que antecede, nos termos que constam de fls. 95 a 104 dos autos.

I) Com data de 06-11-2008, a Oponente remeteu à AICEP exposição sobre a sua condição económica e financeira da sociedade, sobre o trabalho desenvolvido para a viabilização da sociedade e salientada a importância da renegociação do contrato de investimento para dar continuidade ao projeto de recuperação da sociedade. – (cf. doc. n.º 7 junto com a p.i. a fls. 105 a 115 dos autos).

J) Em 03-02-2009, no proc.º n.º 288/09.1TBSTR que correu termos no 3.º Juízo de Competência Especializada Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, a Oponente A……………….., S.A. foi declarada insolvente. – (cfr. anúncio n.º 1510/2009, de 18-02-2009, publicado no DR, 2.ª S., n.º 34 de 18-02-2009, a fls. 116 dos autos).

K) Em 02-07-2009 a AICEP endereçou à Oponente ofício a informar que por deliberação da Comissão Executiva de 29-05-2009, irá dar início ao procedimento de rescisão do contrato celebrado em 02-06-2000. – (cfr. doc. de fls. 130 dos autos).

L) Em 12-01-2011 foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 4/2011, a qual no seu n.º 4 declara "(...) nos termos do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 409/99, de 15 de Outubro, as seguintes resoluções dos contratos de concessão de benefícios fiscais: (...) e) Contrato celebrado em 2 de Junho de 2000, com a A…………………., S.A., na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 53/2000, de 6 de Junho.". - (cfr. doc. de fls. 132 e 133 dos autos).

M) Em 16-04-2013 o Serviço de Finanças de Santarém emitiu certidão de dívidas da Oponente e remeteu a mesma ao Digno Magistrado do Ministério Público do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santarém para efeitos de reclamação dos créditos junto do processo de insolvência, identificado em J). – (cfr. docs. de fls. 166 a 170 dos autos).

N) Em 23-04-2013 deu entrada no Serviço de Finanças de Santarém oficio dos Serviços do Ministério Público da Comarca de Santarém com o seguinte teor:

(cfr. fl. 172 dos autos).

O) Em 10-05-2013 o Serviço de Finanças de Santarém instaurou contra a Oponente o processo de execução fiscal n.º 2089201301050150 IS, para cobrança de dívida de Imposto do Selo do ano de 2005, no montante total de € 441.928,64, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 18-04-2013 – (cfr. fls. 7 e 29 a 31 dos autos).

P) Com data de 02-12-2013, o Serviço de Finanças de Santarém remeteu via postal registado com prova de depósito, carta de citação para o processo de execução fiscal identificado na alínea antecedente, em nome de A………………, S.A, na pessoa do Administrador B……………….. – (cfr. fls. 29 a 33 dos autos).

Q) Na mesma data, o Serviço de Finanças de Santarém remeteu via postal registado com prova de depósito, carta de citação para o processo de execução fiscal identificado na alínea antecedente, em nome A………………, S.A, na pessoa do Administrador de Insolvência C………….... – (cfr. fls. 162 a 164 dos autos).

R) Em 10-12-2013, o Administrador da Insolvência da Oponente entregou no Serviço de Finanças de Santarém oficio com o seguinte teor:


(cfr. doc. de fls. 161 dos autos).

S) Em 20-01-2014, foi registada a entrada no Serviço de Finanças de Santarém da petição inicial da presente Oposição. – (cfr. carimbo aposto na folha de rosto da p.i. a fls. 8 dos autos).

III. 2. Do erro de julgamento quanto à interpretação do conceito de crédito vencido, previsto no artigo 180.º n.º 6 do C.P.P.T. e se podia ser instaurada execução fiscal, nos termos deste art. 180.º, em data posterior à declaração de insolvência da primeira recorrente:

Na sentença recorrida considerou-se que só a partir da data da liquidação, “a dívida tributária se torna certa, exigível e líquida, podendo assim ser objeto de execução fiscal, à semelhança do que sucede, aliás, com a generalidade das obrigações jurídicas, nos termos do art.º 713.º do CPC. (Vide, no sentido exposto, J. L. Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal, 2007, 3.ª edição, Coimbra Editora, págs. 255 e 256; José lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, 2003, Coimbra Editora, págs. 243 e 244; acórdão do Pleno da Secção do CT, de 15.04.2015, processo n.º 01087/14; e, acórdãos do STA, de 29.02.2012, processo n.º 0885/11, e, de 04.03.2015, processo n.º 0903/14), disponíveis em www.dgsi.pt.)”.

Ora, as recorrentes invocam quanto ao crédito em causa não se encontrar vencido à data da declaração de insolvência, o acórdão do T.C.A. Norte de 12-1-2011, proferido no processo 01096/11.5BEBRG, segundo o qual, “quanto a todas as obrigações da Insolvente, geradas em data anterior à declaração de insolvência e não subordinadas a condição suspensiva, consideram-se vencidas na data da declaração da insolvência”, bem como que a relação tributária está constituída com o facto tributário (art. 36.º nº 1 da L.G.T.), ou seja, “sempre que o crédito tributário se tenha verificado em momento anterior à declaração de insolvência” é de considerar vencido.

Vejamos.

No caso do “IS” (imposto de selo) que veio a ser liquidado, o mesmo encontrava-se abrangido por benefício fiscal contratualmente condicionado ao desenvolvimento de projeto, a executar pela 1.ª recorrente até 31-12-2009, sob pena de rescisão contratual em caso de incumprimento, conforme resulta das alíneas B) a E) da matéria de facto.

Acontece que esta rescisão veio a ocorrer, em data posterior à declaração de insolvência que é de 3-2-2009, conforme consta ainda das alíneas J) e L) da matéria de facto.

Ora, trata-se de situação bem diversa da apreciada no acórdão proferido pelo T.C.A. Norte, no qual, aliás, se salvaguarda os créditos sujeitos a condição suspensiva, conforme previsto no art. 102.º do C.I.R.E..

Com efeito, neste artigo 102.º encontram-se regulados “os efeitos sobre os negócios em curso”, os quais ficam sujeitos a um princípio geral que é aplicável a “qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte”: o de “o cumprimento ficar suspenso até que o administrador declare optar pela execução ou recusar o cumprimento”.

Ora, as recorrentes não invocam que tal tenha ocorrido, nem tal resulta da alínea R) da matéria de facto, pese embora aí figurar que o dito administrador considera que o crédito ora em causa devia ter sido reclamado no processo de insolvência.

Contudo, nada aí se adianta quanto a ter exercido ou não a dita opção, sem a qual a consequência é, conforme acima referido, o cumprimento ficar suspenso.

Esta era a situação em que se mantinha o contrato referente a benefícios fiscais até que veio a ser rescindido, nos termos da alínea L da matéria de facto.

Ou seja, a declaração de insolvência não determinou o vencimento da obrigação em causa do insolvente, nos termos do art. 91.º do C.I.R.E., regra que apenas era aplicável “a obrigações não subordinadas a uma condição suspensiva”.

Aliás, de acordo com o art. 50.º n.º 1 do C.I.R.E., “consideram-se créditos sob condição suspensiva aqueles cuja verificação ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação (…) de um acontecimento futuro e incerto”, o que é aplicável a “contratos bilaterais em curso à data da declaração de insolvência.

Conforme Maria do Rosário Epifânio considera em Manual de Direito da Insolvência, ed. Almedina, 2014, a pág. 177-179, no quadro do art. 102.º do C.I.R.E. várias hipóteses são possíveis: o administrador da insolvência exercer a dita opção, a fim de que o crédito fique englobado na massa insolvente; nada dizer, podendo a outra parte requerer que seja fixado prazo para aquele tomar posição, nos termos do n.º2 do art. 102.º; ou recusar o cumprimento, aplicando-se então o previsto no art. 102.º n.º3.

No caso não resulta que o “IS” em causa se tenha vencido com a declaração de insolvência, nem por opção do administrador de insolvência.

Impõe-se, pois, confirmar o decidido quanto a se tratar de crédito vencido posteriormente àquela declaração, bem como que o “processo de execução fiscal aqui em causa, instaurado em nome da Oponente foi devidamente instaurado e, bem assim, que o mesmo deve prosseguir os seus normais termos, em conformidade com o disposto no art.º 180.º, n.º 6, do CPPT.”

Trata-se de um regime em que “nada obsta a que após a declaração de insolvência sejam instauradas execuções fiscais contra a sociedade insolvente, possibilidade que constitui um regime especial para os processos de execução fiscal (afastando a regra geral do art.º 88.º, n.º 1, do CIRE)”, conforme se fundamenta na sentença recorrida.

Reitera-se o entendimento do S.T.A. quanto a após a declaração de insolvência ser possível a instauração de processos de execução fiscal “se forem penhorados bens não apreendidos naquele processo” - assim, no acórdão de 6-4-2011 proferido no processo 0981/10, citado pelas próprias recorrentes nas suas a legações. Aliás, de acordo com o n.º 3 do art. 88.º do C.I.R.E., a execução fiscal destina-se então aos “efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto”.

Assim, e sem necessidade de outras considerações, conclui-se que não assiste razão às recorrentes.

III. 3. Se é de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º n.º 7 do R.C.P.:

Consideramos que, sendo o valor em causa de € 463 295,37, significativamente superior ao de € 275 000,00, e que as recorrentes não utilizaram meios dilatórios, para além do que legalmente lhes é permitido, é de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º n.º 7 do R.C.P., pois seria desproporcional exigir tal pagamento.

IV. Decisão

Os Juízes Conselheiros na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso e confirmam a sentença recorrida.

Custas pelas recorrentes, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 4 de março de 2020. - Paulo Antunes (relator) - Aragão Seia -Joaquim Condesso.