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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:024/21.4BCLSB
Data do Acordão:06/26/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:PEDRO MACHETE
Descritores:INFRACÇÃO DISCIPLINAR
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
LEI DE AMNISTIA
DISCIPLINA DESPORTIVA
COMPETIÇÃO DESPORTIVA OFICIAL
REGULAMENTO DISCIPLINAR
INFRACÇÕES AOS REGULAMENTOS DESPORTIVOS
CLUBES DESPORTIVOS
AMNISTIA
REINCIDÊNCIA
Sumário:I - Da amnistia de infrações disciplinares prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, decorre apenas o efeito essencial mínimo e típico de qualquer amnistia – impedir que o agente agraciado sofra a sanção que lhe poderia vir a ser (ou que já lhe foi) aplicada pela prática de uma infração –, nos termos da delimitação positiva e negativa operada pelos preceitos legais aplicáveis, razão por que, na ausência de outras determinações, a conformação concreta de tal efeito – incluindo o alcance dos conceitos utilizados naqueles preceitos necessários à referida conformação – decorre necessariamente das regras estatuídas no regime jurídico disciplinar aplicável, enquanto legislação subsidiária ou complementar.
II - No caso das infrações disciplinares desportivas no âmbito de competições desportivas profissionais, tal regime consta dos regulamentos disciplinares aprovados na sequência da habilitação legal constante do artigo 29.º do regime jurídico das federações desportivas (RJFD), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, nomeadamente e no respeitante ao futebol profissional, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP).
III - O RDLPFP, além de não poder incidir autonomamente sobre matérias abrangidas pela reserva de lei formal nem violar o princípio geral da preferência de lei, encontra-se positiva e materialmente vinculado pelas regras e princípios constantes do artigo 52.º e seguintes do RJFD (cfr. o artigo 2.º do RDLPFP), entre os quais se encontra a definição do sentido e alcance do conceito de reincidência para efeitos do regime das infrações disciplinares desportivas (artigo 57.º).
IV - Tal conceito deve assim, e por força do artigo 57.º do RJFD, ser entendido no âmbito de aplicação do RDLPFP em termos idênticos ao conceito homólogo jurídico-penal; ou seja, o artigo 53.º, n.º 2, do RDLPFP deve ser aplicado à luz das exigências dos artigos 75.º e 76.º do Código Penal.
V - Reconduzindo-se o conceito regulamentar de reincidência ao conceito jurídico-penal legalmente imposto, não ocorre qualquer deslegalização ou remissão normativa por parte da Lei da Amnistia, no sentido de se estar perante uma lei que “confere a atos de outra natureza o poder de interpretar ou integrar qualquer dos seus preceitos”, tal como visado no artigo 112.º, n.º 5, da Constituição: não é a norma legalmente pré-determinada do RDLPFP respeitante à reincidência que interpreta e integra o conceito de reincidência do artigo 7.º, n.º 1, alínea j), da Lei n.º 38-A/2023; inversamente, é este último que, na ausência de outras pré-determinações legais, toma a primeira como condição para ser operativo num dado âmbito, aplicando-se aí nos termos pré-estabelecidos.
VI - Por outro lado, os preceitos regulamentares que executam em relação à Liga Portuguesa de Futebol Profissional o regime disciplinar próprio das federações desportivas legalmente previsto – respetivamente, os artigos do RDLPFP e o artigo 52.º e seguintes do RJFD – devem, por força do princípio da legalidade, ser interpretados e aplicados em conformidade com este último.
VII - A verificação da reincidência no âmbito jurídico-penal para o qual remete o artigo 57.º do RJFD não se basta com a verificação de pressupostos formais, mas exige cumulativamente uma apreciação casuística de ordem material: a de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
VIII - No caso vertente, a decisão sancionatória – que data de 2018 – observou as exigências referidas em VI. e VII. supra: a condenação da arguida com uma agravação justificada pela reincidência deveu-se também à ponderação de que as sanções disciplinares por infrações dos espetadores averbadas no seu cadastro disciplinar não lhe serviram de suficiente advertência.
IX - Inexiste, por conseguinte, qualquer erro de julgamento do tribunal recorrido em não amnistiar a infração por que a arguida foi punida disciplinarmente (cfr. o artigo 7.º, n.º 1, alínea j), da Lei n.º 38-A/2023 – requisito negativo da reincidência).
Nº Convencional:JSTA000P32421
Nº do Documento:SA120240626024/21
Recorrente:A..., SAD
Recorrido 1:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL (CONSELHO DE DISCIPLINA - SECÇÃO PROFISSIONAL)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento: