Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02721/23.0BELSB |
Data do Acordão: | 07/11/2024 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | ANA CELESTE CARVALHO |
Descritores: | AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA MEIO PROCESSUAL ADEQUADO INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS |
Sumário: | I - A questão fundamental de direito que vem suscitada respeita à adequação do meio processual de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, previsto nos artigos 109.º e seguintes do CPTA, para fazer tramitar a ação e decidir os correspetivos pedidos, designadamente, de autorização de residência, nos termos do regime legal do artigo 88.º da Lei n.º 23/2007, de 04/07, de forma a decidir se foi inobservado o requisito da subsidiariedade inerente ao meio processual e se a intimação intentada é o meio idóneo à obtenção da autorização de residência. II - Tal questão de direito foi objeto de decisão num processo em tudo semelhante, que tramitou neste Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do artigo 148.º CPTA, referente ao julgamento ampliado do recurso, com a intervenção de todos os Juízes Conselheiros deste Supremo Tribunal, sob o Processo n.º 741/23.4BELSB, no qual se decidiu que a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias é o meio processual idóneo e adequado para a tutela jurisdicional das pretensões como as que ora se colocam nos presentes autos. |
Nº Convencional: | JSTA000P32540 |
Nº do Documento: | SA12024071102721/23 |
Recorrente: | AA |
Recorrido 1: | MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I – RELATÓRIO 1. AA, devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos termos do artigo 150.º do CPTA, do acórdão proferido em 08/02/2024, pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), que negou provimento ao recurso e, em consequência, manteve a decisão recorrida. 2. Por meio de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, o Autor demandou o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA (MAI)/ DIREÇÃO REGIONAL DE LISBOA, VALE DO TEJO E ALENTEJO DO SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS (SEF) (atualmente, Agência para a Integração, Migrações e Asilo – AIMA, IP), peticionando a intimação da Entidade Demandada a decidir a pretensão por si formulada em 15/03/2021 e, consequentemente, a emitir o seu título de residência com caráter urgente ou, caso se entenda que o pedido não foi objeto de deferimento, a declarar o deferimento tácito do mesmo, aplicando-se, em qualquer dos casos, uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de incumprimento do julgado. 3. Por sentença, de 02/10/2023, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL) julgou verificada a exceção dilatória inominada, por inobservância do requisito de subsidiariedade da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias e, consequentemente, absolveu a Entidade Demandada da instância. 4. Inconformado, o Autor recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), o qual, por acórdão de 08/02/2024, negou provimento ao recurso e, em consequência, manteve a decisão recorrida. 5. É deste acórdão do TCAS que vem interposto o presente recurso de revista, cujas alegações o Recorrente conclui da seguinte forma: “179°) A tese constante no Douto Acórdão do TCA Sul revela-se atentatória de um valor fundamental do Estado de Direito. 180°) Existe uma violação clara do direito à tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 268°,4 da Constituição da República Portuguesa. 181°) O Acórdão em apreço consiste num obstáculo, desproporcionado no acesso ao Direto e ao processo previsto no artigo 20° da Lei Fundamental. 182°) A providência cautelar é precária e enxertada a uma ação ordinária que visa somente decidir. 183°) Não tem sentido, emitir um título de residência para vir à posteriori decidir sobre o uso do mesmo, é de uma enorme contradição, um paradoxo. 184°) A providência a decretar excederia o efeito jurídico propiciado pela procedência da causa principal. 185°) Não é possível formular em processo cautelar, juízo sobre o preenchimento do requisito do fumus boni iuris previsto no n.º 1 do artigo 120° do CPTA. 186°) O Acórdão recorrido traduz claramente num benefício ao infrator AIMA IP que assume uma posição clara de inércia e de clara irresponsabilidade nos presentes autos. 187°) Ademais, existe uma evolução jurisprudencial no sentido de aclamar a Intimação para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias como o meio processual mais idóneo. 189°) A primeira evidência é promanada no Ac. do TCA SUL em 15.02.2018. 190º) Seguidamente o Acórdão da Suprema Instância de 11.09.2019 no âmbito do processo n° 1899/18.0 BELSB, que ditou que a Intimação, para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias constitui o meio processual idóneo para obter a emissão de uma decisão de autorização de residência em caso de decisão sonegada em virtude da inércia administrativa. 191º) O Recorrente tem uma proteção multinível no que respeito a direitos fundamentais, sendo-lhe aplicada a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e Convenção Europeia dos Direitos Humanos. 192°) Violou-se o Código Europeu da Boa Conduta Administrativa. 193°) Violou-se a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 194°) Violou-se o Tratado de Lisboa de Dezembro de 2009. 195°) Violaram os Ac. do STA de 1.2.2017, processo n° 01338/16, e o Ac. STA, de 16.05.2019, proferido no processo n° 02762/17.7 BELSB. 196°) Quanto maior o tempo da indocumentação, maior a sua exposição à clandestinidade, à precariedade e à exploração. 197°) Não é legalmente possível a tese da autonomia da urgência em matéria de Intimações para Defesa de direitos, liberdades e garantias. 198°) Não existe prazo legal para intentar uma Intimação Defesa de direitos, liberdades e garantias. 199°) Aquilo que se discute é de uma Justiça em tempo útil, rápida, eficaz, definitiva. 200°) A falta de um título de residência coloca em causa a dignidade da pessoa humana. 201°) o Recorrente está coibido de se movimentar, celebrar negócios civis, alcançar trabalho e até invocar apoio policial, sob o risco de expulsão. 202°) O Recorrente aguarda há mais de dois anos e meio por uma decisão. 203°) Está debaixo de intenso sofrimento, em pânico. 204°) A qualquer momento pode perder o seu investimento. 205°) Não revê a sua família há mais de cinco anos no ... que de si dependem. 206°) A jurisprudência dominante em matéria de decisões por inércia administrativa por parte do SEF nos tribunais portugueses de primeira instância, e no TCA SUL e TCA NORTE é no sentido de o presente meio legal ser o mais idóneo para melhor acautelar a nossa Constituição da República Portuguesa. 207°) O TCA Sul tem onze acórdãos atuais considerados provados e procedentes em situação idêntica com recurso ao presente meio legal. 208°) O Ac. do TCA SUL cria um entrave, obstáculo desproporcionado e injustificado no acesso ao Direito e ao processo previsto no artigo 20° da Lei Fundamental, retirando em definitivo o acesso a qualquer via processual, o que é profundamente injusto. 209°) Sentimento de Injustiça que cresce quando a Recorrida AIMA IP assume uma postura de inércia nos presentes autos. 210°) O Recorrente não sabe quanto tempo mais terá de aguardar. 211º) Vai ter de viver o resto da sua vida na ilegalidade, na clandestinidade. 212°) O TCA SUL não teve consciência. 213°) Demorou mais de cinco meses para decidir, prejudicando gravemente o Recorrente. 214°) O Recorrente ROGA por uma aplicação correta da Lei, por JUSTIÇA, por Humanismo. 215°) Violaram-se os artigos 1.º, 2.º, 12.º, 13.º, 15.º, 20.º, 26.º, 27.º, 36.º, 44.º, 53.º 58.º, 59.º, 64.º, 67.º,68.º, 268.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, artigos 7.º, 15.º e 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 6.º e 14.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e ainda o artigo 109.º CPTA, 120.º n.º 1 CPTA, e ainda os artigos 82.º n.º 1 e artigos 88.º n.º 2 das leis 23/2007 de 04/7, lei 59/2017 de 31/7 e lei 102/17 de 28/08 e lei 18/2022 de 25/08 e ainda os artigos 5.º,8.º,10.º, 13.º todos do CPA e ainda o artigo 607° n.º 4, do CPC. Violaram -se ainda a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamado pelo Parlamento Europeu, o Código Europeu da Boa Conduta Administrativa, violou-se o Tratado de Lisboa.”. Pede a procedência do recurso, com todas as legais consequências. 6. A Entidade Demandada, ora Recorrida, não apresentou contra-alegações. 7. O presente recurso de revista foi admitido, por acórdão proferido pela formação da apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo do STA, em 02/05/2024, referindo que “Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150° do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Feita uma tal apreciação, impõe-se-nos concluir pela admissão do presente recurso de revista. Efectivamente, e desde logo, a sintonia dos «tribunais de instância» no sentido do julgamento de procedência da excepção dilatória da falta de verificação do requisito da subsidiariedade assenta em fundamentos ainda discutidos na jurisprudência, como o demonstra, desde logo, o recente aresto deste STA que, apesar de ir na linha do que foi decidido pelo acórdão recorrido, mereceu um voto de vencido - AC STA de 16.11.2023, processo n° 0455/23.5BELSB; ver ainda AC STA de 11.09.2019 R° 01899/18.OBELSB, e arestos recentes desta Formação de Apreciação Preliminar, como o AC de 21.03.2024, in processo n.º 707/23.4BELSB, o AC de 04.04.2024, in processo n.º 180/23.7BECBR, AC de 04.04.2024, in processo 477/23.6BELSB e AC de 04.04.2024, in processo n.º 741/23.4BELSB. Assim, para além de estarmos perante uma «questão» de relevância jurídica, acresce a necessidade de clarificar e solidificar o sentido da sua resolução, no âmbito dos «casos concretos trazidos a juízo», o que é múnus do órgão máximo desta jurisdição.”. 8. O Ministério Público (MP) junto deste STA, notificado ao abrigo do n.º 1, do artigo 146.º e do n.º 2, do artigo 147.º do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, defendendo que “Assim, em nosso parecer, e s.m.o., será de julgar improcedente o presente recurso de revista, e, em consequência, de confirmar a decisão recorrida, porquanto, no caso dos autos, se mostra estar verificada a excepção dilatória inominada referida na decisão de 1ª instância, ou seja, a falta do requisito da subsidiariedade, que se assume, no anverso, como pressuposto processual específico da acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.”. 9. O processo vai à Conferência para julgamento, sem os vistos dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, por ser um processo urgente.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
10. Constitui objeto do presente recurso de revista decidir se o acórdão do TCAS, ao negar provimento ao recurso e, em consequência, ao manter na ordem jurídica a sentença recorrida, incorreu em erro de julgamento de direito ao rejeitar liminarmente o requerimento inicial por considerar inobservado o requisito da subsidiariedade inerente ao meio processual previsto nos artigos 109.º e seguintes do CPTA e por julgar que a intimação intentada não é o meio idóneo à obtenção da autorização de residência, em violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20.º e 268.º n.º 4 da CRP e ainda, dos artigos 1.º, 2.º, 12.º, 13.º, 15.º, 26.º, 27.º, 36.º, 44.º, 53.º, 58.º, 59.º, 64.º, 67.º, 68.º, 268.º, n.º 4 da CRP, dos artigos 7.º, 15.º e 41.º da CDFUE, dos artigos 5.º, 8.º, 10.º e 13.º do CPA, do artigo 607.º n.º 4 do CPC e dos artigos 82.º, n.º 1 e 88.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 04/07, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 59/2017, de 31/07, pela Lei n.º 102/17, de 28/08 e pela Lei n.º 18/2022, de 25/08.
III. FUNDAMENTOS
DE FACTO 11. O acórdão recorrido deu como provado o seguinte facto, acolhendo a factualidade provada na sentença proferida pela 1.ª instância: “1. Em 08 03 2023, o Requerente apresentou junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras uma manifestação de interesse ao abrigo do artigo 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho (cf. cópia do documento comprovativo de entrega de manifestação de interesse junta a fls. 1 e 2 do processo administrativo instrutor cf. de fls. 89 e 90 dos autos). Mais foi julgado inexistirem outros factos com relevância para a decisão da causa.”.
DE DIREITO 12. Importa entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional, nos termos invocados pelo Recorrente, designadamente, das conclusões da alegação do recurso, as quais delimitam o objeto do recurso, nos termos dos artigos 144.º, n.º 2 do CPTA e 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPTA. 13. A questão fundamental de direito que vem suscitada no presente recurso respeita à adequação do meio processual de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, previsto nos artigos 109.º e seguintes do CPTA, para fazer tramitar a ação dos presentes autos e decidir os correspetivos pedidos deduzidos, designadamente, de autorização de residência, nos termos do regime legal do artigo 88.º da Lei n.º 23/2007, de 04/07, de forma a decidir se foi inobservado o requisito da subsidiariedade inerente ao meio processual e se a intimação intentada não é o meio idóneo à obtenção da autorização de residência, em violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, em violação do conjunto das disposições legais invocadas pelo Recorrente. 14. A questão de direito colocada no presente recurso de revista foi já objeto de decisão num processo em tudo semelhante, que tramitou neste Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do artigo 148.º CPTA, referente ao julgamento ampliado do recurso, com a intervenção de todos os Juízes Conselheiros deste Supremo Tribunal, sob o Processo n.º 741/23.4BELSB. 15. Nos termos de tal decisão, decidiu este mais alto Tribunal que a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias é o meio processual idóneo e adequado para a tutela jurisdicional das pretensões como as que ora se colocam nos presentes autos, com os fundamentos ali expendidos e que aqui se reiteram e se dão integralmente por reproduzidos, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 94.º do CPTA, sem necessidade de reprodução textual, atento o facto de o texto integral da decisão se juntar em anexo, prosseguindo a finalidade de aplicação uniforme do direito, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 8.º do Código Civil. 16. O que redunda que o presente recurso deva ser julgado procedente, por provados os seus fundamentos, nos exatos termos decididos no Processo n.º 741/23.4BELSB, para cuja fundamentação se remete para todos os legais efeitos. DECISÃO Pelo exposto, acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, de harmonia com os poderes conferidos pelo disposto no artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, com a fundamentação constante do Acórdão proferido em 06 de junho de 2024, no Processo n.º 741/23.4BELSB, de que se junta cópia, e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para os devidos efeitos. Lisboa, 11 de julho de 2024. - Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho (relatora) - Cláudio Ramos Monteiro - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva. |