Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01676/20.8BELRS
Data do Acordão:07/11/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOÃO SÉRGIO RIBEIRO
Descritores:TRIBUTAÇÃO
DIVIDENDOS
LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
Sumário:I - A questão fundamental que se coloca é a de determinar se a legislação portuguesa, ao excluir de tributação os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a fundos de investimento mobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (artigo 22.º do EBF) e, por isso, residentes em território nacional, mas sujeitando a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por essas mesmas sociedades a fundos de investimento mobiliário que não tenham sido constituídos nem operem de acordo com a legislação nacional e, por isso, não residentes, configura uma restrição à livre circulação de capitais, não consentida pelo artigo 63.º do TFUE.
II - Pode concluir-se que o artigo 22.º do EBF, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13 de janeiro, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados, é incompatível com a liberdade de circulação de capitais que decorre do artigo 63.º do TFUE.
III - Nega-se provimento ao recurso.
Nº Convencional:JSTA000P32524
Nº do Documento:SA22024071101676/20
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 29-02-2024, que julgou procedente a impugnação judicial intentada por A..., igualmente identificada nos autos, contra os atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), que incidiram sobre dividendos auferidos em território nacional, com referência aos períodos de tributação de maio, junho, julho, setembro e dezembro de 2017, no valor total de € 817.370,65, e, em consequência, anulou os atos impugnados e condenou a ora Recorrente na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

1.2. A Recorrente conclui da seguinte forma as suas alegações de recurso:

«…
A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial à margem identificada, deduzida na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de retenção na fonte de IRC, que incidiu sobre dividendos que foram distribuídos ao Recorrido, no ano de 2017, por entidades residentes em território nacional, por ter considerado que o mesmo padece de vício de violação de lei, consubstanciado na violação da livre circulação de capitais, consagrada no art.º 63º do TFUE, e, consequentemente, do art.º 8º, nº 4 da CRP, que estatui o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito nacional.

B) A questão material que vem controvertida, prende-se, pois, em determinar se a legislação portuguesa, na redação em vigor à data dos factos tributários, ao excluir de tributação os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a fundos de investimento mobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (art.º 22º do EBF) e, por isso residentes em território nacional, mas sujeitando a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por essas mesmas sociedades a fundos de investimento mobiliário, que não tenham sido constituídos nem operem de acordo com a legislação nacional, e por isso não residentes, (in casu os Estados Unidos da América), configura uma restrição à livre circulação de capitais, não consentida pelo art.º 63º do TFUE.

C) O TJUE já deixou expresso em múltiplos Acórdãos que, em abstrato, o regime de tributação dos diferentes Estados Membros pode tratar de forma diferente residentes e não residentes, sendo que a relevância está em averiguar se, em concreto, tal se traduz na aplicação de uma tributação efetiva mais elevada sobre os não residentes, pois, em caso contrário, o regime não é discriminatório, nem consequentemente contrário ao direito comunitário.

D) O TFUE, no seu art.º 65º, admite que a proibição do estabelecimento de restrições aos movimentos de capitais não impede que um Estado-Membro defina um regime tributário diferente para os sujeitos que não se encontrem em idêntica situação, importando dessa forma determinar se estamos perante situações comparáveis, porquanto só existe discriminação quando o direito interno aplique regras diferentes a situações comparáveis ou sujeite situações diferentes a regime idêntico.

E) A sentença recorrida fez uma explanação do regime de tributação, em sede de IRC, aplicável aos OIC residentes (constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional) e não residentes (constituídos ou a operar de acordo com outra legislação), tentando demonstrar que a exclusão de tributação dos dividendos, prevista no n.º 3, do art.º 22º do EBF, aplicável apenas aos primeiros, só por si, configura uma restrição à livre circulação de capitais por oposição aos art.ºs 63º e 65º do TFUE.

F) Ora, entendendo-se que não cabe à AT, no presente âmbito, discutir as opções de política fiscal, sempre se dirá que qualquer regime fiscal aplicável a sujeitos passivos residentes é, normalmente, diferenciado do aplicável a não residentes, sem que, por isso, configure restrição às liberdades fundamentais previstas nas normas do TFUE ou colida com essas ou outras normas de direito fiscal internacional, nomeadamente, as CDT.

G) A sentença sob recurso não tomou em consideração o regime fiscal de forma abrangente; consideração essa que lhe permitiria percecionar do tratamento não discriminatório do regime aplicável aos OIC não residentes. De acordo com o anterior regime legal a tributação dos rendimentos era levada a cabo nos OIC, surgindo como premissa do novo regime legal substituir o anterior regime de tributação “à entrada” por um regime de tributação “à saída”, na esfera dos investidores.

H) E, conforme consta do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro que: “O regime legal hoje aplicável, cujas bases fundamentais constam do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, caracteriza-se pela tributação das mais-valias realizadas e demais rendimentos auferidos pelo organismo de investimento coletivo, independentemente dos custos suportados com a respetiva obtenção, o que tem vindo a penalizar a captação de capital estrangeiro.
Neste contexto, a Assembleia da República, por uma larga maioria, decidiu autorizar o Governo a rever o regime fiscal dos organismos de investimento coletivo, através da generalização do método de tributação «à saída», passando a tributar em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas os rendimentos auferidos pelos investidores. Adotando uma das principais tendências internacionais, o presente decreto-lei estabelece um regime que permitirá a fácil comparabilidade do desempenho dos organismos de investimento coletivo nacionais com os internacionais, aumentando a facilidade de divulgação internacional dos organismos de investimento coletivo portugueses, promovendo-se assim a poupança a longo prazo e o investimento em ativos com maior espetro de rendibilidade (…)”.

I) Contudo, mais resulta do Preâmbulo do citado diploma, nos termos que se transcrevem: “Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos organismos de investimento coletivo, recorrendo a um comparativo internacional..

J) E, assim, não obstante os OIC residentes, constituídos e a operarem nos termos da legislação nacional, beneficiem da isenção de retenção na fonte plasmada no n.º 3, do art.º 22º do EBF, regime não aplicável aos não residentes, verificamos decorrer do regime legal instituído pelo Decreto-Lei n.º 7/2015 a introdução da tributação em sede do Imposto do Selo dos OIC residentes, decorrente da criação de uma taxa incidente sobre o ativo global líquido dos organismos de investimento coletivo, com recurso a um comparativo internacional.

K) Deste modo, ainda que se encontrem isentos da retenção na fonte, nos termos decorrentes do n.º 3 do art.º 22º do EBF, os fundos residentes são tributados por via da aplicação de uma taxa fixa, por recurso a comparativo internacional, que incide sobre o ativo global líquido dos organismos de investimento coletivo. Já os fundos não residentes, considerando que a tributação é efetuada tendo por base unicamente os rendimentos percebidos no Estado da fonte, (Portugal no caso), se mostram excluídos de tal tributação, em sede de Imposto do Selo e por via da aplicação de taxa fixa.

L) Ora, tal regime, assim configurado, remete-nos desde logo para duas situações não comparáveis entre si, porquanto apelam, cada uma delas, a um regime jurídico distinto em que o elemento de conexão residência se implica, por um lado, a não aplicação da dispensa de retenção, também implica, por outro, a não aplicação da tributação em sede de Imposto do Selo a que se encontram sujeitos todos os fundos de investimento residentes em território nacional e que sejam constituídos e operem de acordo com a legislação nacional.

M) E a afirmação da ausência de comparabilidade entre a tributação dos fundos residentes e a tributação dos fundos não residentes no regime jurídico português resulta acrescida do regime fiscal da participation exemption, introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, nomeadamente, com a alteração dos n.ºs 3 a 9 do art.º 14º do CIRC, aplicável a partir de 01/01/2014, e que prevê a isenção, em sede de IRC, dos dividendos colocados à disposição dos investidores não residentes, como seria o caso do ora Recorrido, desde que verificadas e feita a prova do cumprimento das condições aí previstas. Sendo que, tal isenção se não mostra aplicável aos fundos de investimento residentes.

N) Por outro lado, convém lembrar a aplicação ao caso em apreço da Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada ente Portugal e os Estados Unidos da América, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 3/95, de 12 de Outubro, da qual resulta para o Recorrido a possibilidade de eliminação da dupla tributação internacional, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1, do art.º 25º da CDT, bem como da eliminação da dupla tributação económica internacional, com o cumprimento das condições vertidas na alínea b), do n.º 1, do art.º 25º da CDT.

O) Nos termos expostos, não só o regime legal aplicável aos fundos residentes se mostra não aplicável ao Recorrido, por ser OIC não residente, e não poder, por tal motivo, o Estado da fonte dos rendimentos, Portugal, tributar em sede de Imposto do Selo o seu ativo global líquido, por via da aplicação de taxa fixa, aplicável a todos os OIC residentes, como a eventual incompatibilidade entre a liberdade de circulação de capitais e o tratamento diferenciador resulta acrescidamente neutralizada por via da aplicação da CDT que permitirá ao Recorrido reaver o imposto pago em Portugal.

P) Ainda, não obstante a taxa de retenção na fonte aplicável aos rendimentos de capitais auferidos por residentes seja em geral de 25%, o Recorrido beneficia da dispensa parcial de retenção por via da aplicação da taxa de 15% decorrente da aplicação da CDT em vigor.

Q) No sentido explanado vai a jurisprudência do TJUE, e decorre do acórdão Pensioenfonds Metaal en processo C-252/14, caso aplicável mutatis mutandis ao caso sub judice, de acordo com o qual:
(…) A este respeito, há que salientar que a tributação que incide sobre os fundos de pensões residentes tem um objeto diferente da aplicada aos fundos de pensões não residentes. Assim, enquanto os primeiros são tributados pela totalidade dos seus rendimentos, calculados com base nos seus ativos deduzido o valor das suas dívidas, à qual é aplicada uma taxa de rendimento fixa, independentemente do recebimento efetivo dos dividendos durante o exercício fiscal em causa, os segundos são tributados pelos dividendos recebidos na Suécia durante esse exercício.
(…)
Para alcançar este objetivo, o conjunto dos ativos de um fundo de pensões residente é sujeito anualmente a uma tributação por taxa fixa, que reflete o rendimento desses ativos, independentemente do recebimento de um rendimento gerado pelos referidos ativos, em especial do recebimento dos dividendos.
Esta tributação dos rendimentos dos fundos de pensões residentes é exercida pelo Reino da Suécia, na sua qualidade de Estado de residência dos referidos fundos de pensões, que dispõe a esse título de um poder de tributação sobre os seus rendimentos globais.
Em contrapartida, no que respeita aos fundos de pensões não residentes na Suécia, este Estado Membro apenas dispõe, em conformidade com a convenção bilateral de prevenção da dupla tributação celebrada com o Reino dos Países Baixos, de um poder de tributação dos rendimentos gerados pelos ativos dos referidos fundos que se encontram na Suécia.
Assim, o Reino da Suécia tributa os rendimentos recebidos pelos fundos de pensões não residentes na sua qualidade de Estado de origem dos dividendos.
Na medida em que, nos termos da referida convenção, o Reino da Suécia não dispõe de um poder de tributação dos ativos de um fundo de pensões não residente, como os que estão em causa no processo principal, situados no seu território, a simples detenção de ativos na Suécia não pode, em contrapartida, dar lugar a uma tributação nesse Estado Membro.
(…)
Assim, há que constatar que, à luz do objetivo prosseguido pela legislação nacional, bem como do seu objeto e do seu conteúdo, um fundo de pensões não residente não se encontra numa situação comparável à de um fundo de pensões residente.”. (sublinhado e realce nossos)
De qualquer modo,

R) Invocando a sentença recorrida, in casu, a violação do disposto no art. 63º do TFUE, a verdade é que não ficou demonstrado, para além da mera contraposição entre aplicação de retenção na fonte a não residentes e a dispensa de retenção na fonte a residentes, decorrente do disposto no n.º 3, do art.º 22º do EBF, (e de que resulta em abstrato um tratamento diferenciado que, conforme supra constatado, se converte, mediante análise circunstanciada dos regimes legais aplicáveis a residentes e a não residentes, em mera diferença de regime não capaz de sustentar qualquer discriminação efetiva), de que forma se efetiva tal comparabilidade de situações, (que infirmámos), com desvantagem real para o Recorrido.

S) E, por isso, sem que seja apurado se o imposto retido ao Recorrido é recuperado no Imposto devido no país da residência, ou se aí se encontra sujeito a um regime de tributação idêntico ao que estão sujeitos os OIC residentes em Portugal, ou mesmo o imposto que sobre si incide enquanto residente nos EUA, não poderemos sustentar qualquer violação dos princípios comunitários invocados, por falta de demonstração em concreto do carácter discriminatório da norma contida no n.º 3, do art.º 22º do EBF (neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/02/2012, proferido no processo n.º 01017/11).

T) E, deste ponto de vista, cumpre referir o papel que desempenha a CDT entre Portugal e EUA, que permite que o imposto pago em Portugal seja deduzido nos EUA, com a recuperação pelo Recorrido do imposto retido em Portugal, mais se salientando o facto de serem os objetivos de tal convenção precisamente os de evitar a dupla tributação entre Estados.

V) Assim, como não existe para os Estados qualquer obrigação decorrente dos princípios comunitários de aplicar aos não residentes o tratamento dado a nacionais, pois que estamos, em conformidade com jurisprudência assente do TJUE, perante categorias de sujeitos passivos objetivamente diferentes (vide Acórdão de 14/02/1995, caso Shumacker, proferido no processo C-279/93, Acórdão de 11/08/1995, caso Wielockx, proferido no processo C-80/74, Acórdão de 11/08/2015, caso Gschwind, proferido no processo C-391/97), a situação comparável entre o Recorrido e as sociedades residentes em território nacional só seria passível de ser afirmada se o primeiro estivesse sujeito nos termos do regime fiscal de tributação dos rendimentos do Estado Norte-americano a um regime de tributação semelhante ao aplicável às sociedades residentes em território nacional, em termos de taxa aplicável, de determinação dos rendimentos e de obrigações fiscais. E tal facto não foi demonstrado nos autos.

W) Mais, nessa sequência impor-se-ia afirmar o tratamento discriminatório da norma em apreço, apenas e só se, considerando tal regime de tributação das sociedades residentes nos EUA e o imposto retido na fonte a título definitivo em Portugal, se concluísse pela tributação mais elevada no seu conjunto (veja-se, neste sentido o Acórdão Gerritse, de 12/06/2003, proferido no processo C-234/01). Prova que, nos termos do disposto no nº 1, do art.º 74º da LGT, não foi, a nosso ver efetuada pelo Recorrido.

X) Pelo que, demonstrando a AT não estarmos perante situações comparáveis face ao regime legal em causa aplicável a residentes e a não residentes, e concomitantemente, não tendo feito o Recorrido a prova, em concreto, do carácter discriminatório que invoca, não pode afirmar-se qualquer violação do princípio da liberdade de circulação de capitais, como erroneamente afirmou a sentença recorrida. E, pertinente na matéria é o Acórdão, a que se apela, do Supremo Tribunal Administrativo de 26/11/2014, proferido no processo n.º 01877/13, de acordo com o qual “Será pela análise concreta da tributação global dos dividendos tendo em conta a sua tributação em Portugal e na Holanda que se poderá verificar se o direito interno, nomeadamente as normas relativas à retenção na fonte, em princípio violadoras do artº 63º do TFUE, como disse o Tribunal de Justiça, em 6 de Outubro de 2011, no proc. C-493/09, na situação concreta, constituem uma restrição à livre circulação de capitais, proibida pelo indicado preceito.” (sublinhado e realce nossos)

Y) Assim, ao contrário do decidido na sentença recorrida, não é inequívoco que os OIC portugueses que pagam dividendos a entidades também elas nacionais estejam numa situação de vantagem relativamente às entidades residentes noutros países que efetuem operações semelhantes. E não se encontra provada a alegada ilegalidade da tributação dos referidos dividendos por restrição à livre circulação de capitais.

Z) Ademais, à Administração Tributária não se mostra legítimo deixar de proceder à aplicação das normas legais vigentes e, no caso, aplicáveis, uma vez que adstrita ao princípio da legalidade, e, por isso, estritamente vinculada ao cumprimento da lei, conforme o art.º 3º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável ex vi alínea c), do art.º 2º da LGT.

AA) Nestes termos, não pode o regime em causa ser configurado como tratamento discriminatório nem uma violação do art.º 63º da TFUE, decorrendo a tributação do disposto no nº 4, do art.º 87º, na alínea c), do n.º 1, do art.º 94º, nos n.ºs 1 e 2 do art.º 90º do CIRC e do nº 3, do art.º 22º do EBF a contrario, razão pela qual, a sentença recorrida ao decidir como decidiu, incorreu em erro de julgamento de direito, impondo-se a sua anulação e substituição por outra, que mantenha vigente na ordem jurídico-tributária, por legal, o ato de retenção na fonte de IRC impugnado.

BB) Não se vislumbrando, pois, qualquer ilegalidade no ato de retenção na fonte de IRC, não se pode manter, impondo-se a sua anulação, bem como o segmento decisório na parte em que condena a AT no pagamento de juros indemnizatórios.

CC) Não merecendo provimento a impugnação judicial deduzida pelo Recorrido, impor-se-á, também, a reforma da sentença recorrida quanto à condenação da AT, no pagamento das custas processuais.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser admitido e julgado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença recorrida, nos termos e com os fundamentos supra descritos, substituindo-a por acórdão que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial, com as legais consequências.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA …»

1.3. A Recorrida A..., contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

«…
1.ª A douta sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida na sequência da decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa n.º ...59, na qual se discutiu a legalidade do ato de retenção na fonte de IRC de 2017;

2.ª Em linha com a jurisprudência do TJUE (cf. acórdão AllianzGI-Fonds AEVN contra Autoridade Tributária e Aduaneira, processo C-545/09, de 17.03.2022), o Tribunal a quo concluiu que o normativo constante do artigo 22.º, n.º 3, do EBF colide com a liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 63.º do TFUE, razão pela qual, determinou a anulação dos atos tributários sub judice;

3.ª Não se conformando com o decidido, a Fazenda Pública interpôs o presente recurso imputando à sentença recorrida erro de julgamento de direito;

4.ª Entende a Fazenda Pública que as situações em confronto – OIC residente e OIC não residente – não são objetivamente comparáveis;

5.ª Neste ponto, cumpre trazer à colação o recente acórdão do TJUE, o qual se debruçou sobre do artigo 22.º, n.º 1 e n.º 3, do EBF com o princípio da livre circulação de capitais, tendo o TJUE concluído que “(…) o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.” (cf. acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, no processo n.º 545/19, de 17.03.2022);

6.ª Para efeitos de análise da comparabilidade – um dos elementos essenciais para aferir da existência de um tratamento discriminatório – a jurisprudência do TJUE tem vindo a eleger como critério de comparabilidade preponderante a sujeição a imposto do sujeito passivo (residente e não residente) [cf. acórdão Denkavit Internationaal (processo C-170/05, de 14.12.2006) e do acórdão Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation (processo C-374/04, de 12.12.2006)];

7.ª No acórdão AllianzGI-Fonds AEVN (processo C-545/19, de 17.03.2022) considerou-se que “(…) a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes (…)” (sublinhado nosso);

8.ª A legislação interna coloca no mesmo plano, para efeitos de IRC, os fundos de investimento não residentes e os fundos de investimento residentes, uma vez que: (i) os fundos de investimento não residentes são tributados em sede de IRC pelos rendimentos obtidos em território nacional (cf. artigo 4.º, n.º 2, do Código do IRC), sendo os dividendos por estes auferidos em território nacional sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 25% [cf. artigos 94.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3, alínea c), e 87.º, n.º 4, ambos do Código do IRC], ao passo que (ii) os fundos de investimento residentes são tributados em sede de IRC (cf. artigo 22.º, n.º 1, do EBF), mas beneficiam de uma exclusão de tributação dos dividendos (cf. artigo 22.º, n.º 3, do EBF);

9.ª Verifica-se assim que o critério de distinção estabelecido pela legislação portuguesa assenta exclusivamente no lugar da residência dos OIC, sujeitando apenas os OIC não residentes a uma retenção na fonte sobre os dividendos que auferem (cf. o referido acórdão AllianzGI-Fonds AEVN);

10.ª Pelo que, a situação de um OIC residente em Portugal é, para este efeito, comparável à de um OIC não residente (cf., neste sentido, as decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 528/2019-T, n.º 548/2019-T, n.º 926/2019-T, n.º 11/2020-T, n.º 922/2019-T, n.º 68/2020-T, n.º 166/2021-T, n.º 32/2021-T, n.º 215/2021-T, n.º 345/2021-T, n.º 133/2021-T, n.º 214/2021-T, n.º 127/2021-T, n.º 821/2021-T, n.º 593/2021-T, n.º 134/2021-T, n.º 382/2021-T, n.º 368/2021-T e n.º 817/2021-T, n.º 370/2021-T, n.º 623/2021-T, n.º 622/2021-T, n.º 621/2021-T, n.º 734/2021-T e n.º 129/2022-T, n.º 115/2022-T, n.º 620/2021-T, n.º 121/2022-T, n.º 545/2021-T, n.º 624/2021-T, n.º 816/2021-T, n.º 83/2021-T, n.º 746/2021-T, n.º 128/2022-T, n.º 135/2022-T, n.º 116/2022-T, n.º 114/2022-T, n.º 445/2022-T, n.º 663/2022-T, entre outras);

11.ª No que concerne à análise da comparabilidade, o TJUE tem também feito apelo ao propósito ou objetivo pretendido pelo legislador nacional [cf. neste sentido, os acórdãos AllianzGI-Fonds AEVN (processo C-545/19, de 17.03.2022) e Orange European Smallcap Fund, processo n.º C-194/06)];

12.ª O regime consagrado no artigo 22.º do EBF foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, o qual teve como desiderato conferir uma maior competitividade aos OIC e, por outro lado, eliminar a dupla tributação económica que anteriormente existia quanto ao rendimento pago pelos OIC aos investidores (cf. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro);

13.ª In casu, a aplicação de idêntico regime aos OIC não residentes, com a exclusão de tributação dos dividendos auferidos em território nacional, em momento algum põe em causa o propósito de eliminar a dupla tributação económica, mostrando-se, aliás, conforme ao mesmo, visto que os investidores do Recorrido estão sujeitos a tributação;

14.ª A Fazenda Pública sustenta que para efeitos da análise de comparabilidade deverá ser relevado o tratamento conferido em sede de Imposto do Selo (cf. verba 29 da TGIS);

15.ª Todavia, salvo o devido respeito não assiste razão à Fazenda Pública, uma vez que o Imposto do Selo não visa tributar o rendimento, mas o valor líquido global do OIC;

16.ª De facto, está em causa a tributação de uma realidade distinta – valor líquido do OIC – que, desde logo, não é suscetível de comparação com a tributação sobre o rendimento auferido – dividendos – e, que por outro lado, não releva qualquer diferença de tratamento ao nível do rendimento auferido por um OIC residente;

17.ª Neste sentido se pronunciou já a jurisprudência do TJUE no aludido acórdão AllianzGIFonds AEVN e ainda a jurisprudência arbitral (cf. neste sentido, exemplificativamente, decisão proferida no processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019);

18.ª Carece de absoluto fundamento a invocação pela Fazenda Pública do regime de participation exemption, visto que tal regime não constitui objeto da presente análise e, para além disso, a existência deste regime não coloca residentes e não residentes numa situação comparável;

19.ª E a este entendimento não se pode contrapor a jurisprudência do acórdão Pensioenfonds Metaal en Techniek (cf. processo n.º 252/14, de 02.06.2016), pois naquele caso os objectivos pretendidos pela norma de direito interno “(…) não pode ser alcançado pela tributação dos dividendos recebidos pelos fundos de pensões não residentes em conformidade com o método da taxa fixa (….)”, ou seja, por tributação em moldes idênticos aos dividendos auferidos por fundos de pensões residentes;

20.ª Em face do exposto, resulta evidente que o Recorrido se encontra numa situação objetivamente comparável à de um fundo de investimento residente;

21.ª Acresce que Recorrido não logrou demonstrar que o imposto pago em Portugal não foi recuperado no Estado da residência, uma vez que o Recorrido juntou aos presentes autos cópia das declarações de rendimentos (cf. docs. n.º 1 e n.º 2 do requerimento de 18.12.2023), tendo o Tribunal a quo dado como provado que “No período de tributação em que obteve os aludidos dividendos, o Impugnante não deduziu, nos EUA, a título de crédito de imposto, qualquer montante correspondente ao imposto retido na fonte em Portugal, nos termos referidos no ponto anterior (…)” (cf. alínea 7) da fundamentação de facto da sentença);

22.ª Pelo que o Recorrido logrou fazer prova de que não deduziu no Estado da residência o imposto suportado em Portugal;

23.ª Sem prejuízo, acresce referir que a jurisprudência do TJUE tem vindo a defender que os Estados-membros não se podem eximir do cumprimento das obrigações, in casu de assegurar a liberdade de circulação de capitais, nem pôr em causa o funcionamento do mercado interno, com fundamento no (desconhecimento quanto ao) tratamento que é conferido a determinado rendimento pelo Estado da residência [cf. acórdão Focus Bank ASA (processo E-1/04 de 23.11.2004)];

24.ª De notar que a Fazenda Pública se limita a invocar a possibilidade de eliminação da dupla tributação pela CDT, sem, contudo, fazer prova, a qual lhe era exigida (cf. neste sentido, acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 2143/05.5BELSB);

25.ª Em face do exposto, resulta evidente que o Recorrido se encontra numa situação objetivamente comparável à de um fundo de investimento residente;

26.ª A jurisprudência do TJUE tem vindo a considerar que o tratamento diferenciado em matéria de tributação de dividendos em função de o OIC ser residente ou não residente, configura um tratamento discriminatório [cf. neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC SA (processo C-338/11, de 10.05.2012) e acórdão Fidelity Funds (processo C-480/16, de 21.06.2018)];

27.ª Mais recente esta jurisprudência foi reafirmada no acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, processo C-545/19, de 17.03.2022, o qual se debruçou sobre o regime fiscal previsto no artigo 22.º do EBF;

28.ª Também o Supremo Tribunal Administrativo, num caso em tudo idêntico ao dos presentes autos, concluiu que o regime sob análise colide com a livre circulação de capitais (cf. acórdão de 13.09.2023, processo n.º 715/18.7BELRS);

29.ª Assim, resultando amplamente demonstrado que o Recorrido foi sujeito a um tratamento discriminatório, no que respeita à tributação dos dividendos auferidos em território nacional, não pode senão concluir-se que o artigo 22.º do EBF encerra uma violação do princípio da livre circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE, devendo o presente recurso ser julgado improcedente;

30.ª Sem prejuízo do exposto, caso se considere não assistir razão ao Recorrido, no que não se concede, porque está em causa uma questão de interpretação de Direito da União Europeia que suscita dúvidas, deverá submeter-se a respetiva interpretação ao Tribunal de Justiça da União Europeia competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE. A questão a apreciar pelo TJUE seria a seguinte: “É compatível com os artigos 63.º e 65.º do TFUE a disposição de direito nacional em causa nos presentes autos (cf. artigo 22.º, n.º 3, do EBF) que prevê um tratamento fiscal diferenciado para os dividendos distribuídos por uma sociedade residente nesse mesmo Estado-membro em função da residência do Organismo de Investimento Coletivo (OIC) que os aufere, excluindo de tributação os dividendos pagos por uma sociedade residente nesse Estado-membro a um OIC residente, mas sujeitando a tributação os mesmos dividendos quando pagos a um OIC não residente?
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA. …»

1.4. O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, emitiu douto parecer nos termos que se reproduzem:

«…

I. OBJECTO DO RECURSO.
1. O presente recurso vem interposto da sentença do TT de Lisboa que julgou procedente a ação de impugnação judicial intentada contra o ato de retenção na fonte em sede de IRC, no valor de € 817.370.65 euros, e determinou a sua anulação.
1.1 A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, por entender que a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação da lei.
1.2 Considera a Recorrente que «… não pode o regime em causa ser configurado como tratamento discriminatório nem uma violação do art.º 63º da TFUE, decorrendo a tributação do disposto no nº 4, do art.º 87º, na alínea c), do n.º 1, do art.º 94º, nos n.ºs 1 e 2 do art.º 90º do CIRC e do nº 3, do art.º 22º do EBF a contrario, razão pela qual, a sentença recorrida ao decidir como decidiu, incorreu em erro de julgamento de direito, impondo-se a sua anulação e substituição por outra, que mantenha vigente na ordem jurídico-tributária, por legal, o ato de retenção na fonte de IRC impugnado».
1.3 E termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que julgue a ação de impugnação improcedente.

2. Na sentença recorrida deu-se como assente que o Recorrido “é um fundo de investimento mobiliário constituído e a operar de acordo com a legislação dos Estados Unidos da América (EUA)”, que no exercício de 2017 era residente, para efeitos fiscais, nos Estados Unidos da América, tendo feito investimentos em participações sociais de sociedades com sede em Portugal, dos quais auferiu dividendos em 2017, sobre os quais foram feitas retenções na fonte à taxa de 15%, no montante total de € 817.370,65 euros, ao abrigo das disposições da CDT celebrada entre Portugal e os EUA, nos termos da alínea a) do nº2 do artigo 98º do CIRC.
Mais se deu como assente que tendo sido apresentada reclamação graciosa na qual se peticionou a anulação da tributação, tendo por fundamento a desconformidade do artigo 22º, nº3, do EBF, como o direito comunitário, por violação do princípio da livre circulação de capitais, consagrado non artigo 63º do TFUE, foi a mesma indeferida.

2.1 Para se decidir pela procedência da ação o tribunal “a quo” invocou Acórdão AllianzGI-Fonds AEVN contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, proferido em 17/03/2022 no âmbito do processo com o n.º 545/19, em que o TJUE concluiu que “(…) a restrição à livre circulação de capitais aqui em discussão apenas se poderia considerar neutralizada por efeito da aplicação da CDT celebrada entre Portugal e os EUA se o montante de imposto retido na fonte em Portugal tivesse sido integralmente deduzido pelo Impugnante no seu Estado de residência, ou seja, nos Estados Unidos da América. Ora, resulta da matéria de facto provada que, no período de tributação em que obteve os dividendos, o Impugnante não deduziu, nos EUA, a título de crédito de imposto, qualquer montante correspondente ao imposto retido na fonte em Portugal (cfr. ponto 7) do probatório). Consequentemente, a restrição à livre de circulação de capitais resultante da diferença de tratamento fiscal dos dividendos obtidos por fundos de investimento mobiliário consoante estes sejam residentes ou não residentes em Portugal para efeitos fiscais não pode, à luz da jurisprudência do TJUE, considerar-se neutralizada por efeito da aplicação da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América».

II. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO.
1. A questão que se coloca consiste em saber se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento, ao ter dado como verificada, no caso concreto, a violação do princípio da livre circulação de capitais, consagrado no artigo 63º, nº1, do TFUE, em resultado da aplicação do regime legal previsto no artigo 22º do EBF.
1.1 Conforme decorre da sentença recorrida questão similar à dos autos já foi apreciada pelo TJUE no acórdão de 17 de março de 2022, proferido no processo nº C- 545/19, tendo o tribunal concluído pela violação do assinalado princípio da livre circulação de capitais e rebatido toda a argumentação que vem alinhada nas alegações de recurso, a qual não traz qualquer inovação e repete argumentação que foi igualmente rebatida na sentença recorrida.
1.2 Também este tribunal, no acórdão do Pleno de 28/09/2023, proferido no processo nº 093/19.7BALSB, reafirmou esse entendimento, no sentido de que «O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção». E de que «A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia» (pontos II e III do sumário).
1.3 Em face do exposto, e atento que a Recorrente não invoca qualquer outro fundamento que não tenha sido apreciado nesses arestos, afigura-se-nos que se impõe reiterar essa mesma jurisprudência, confirmando-se a sentença recorrida, a qual fez um correto e exaustivo enquadramento legal e jurisprudencial da questão e não padece do erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente. …»

1.5. Cumpre apreciar e decidir em Conferência.


2. Fundamentação

2.1. De Facto

Com relevância para a decisão, a sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1) O Impugnante é um fundo de investimento mobiliário constituído e a operar de acordo com a legislação dos Estados Unidos da América (EUA) – cfr. fls. 39-46 do PA; facto não controvertido.

2) O Impugnante reúne capital de investidores, que, por sua vez, investe em acções de sociedades – cfr. fls. 39-46 do PA; facto não controvertido.

3) Os riscos do investimento referido no ponto anterior são partilhados pelos investidores – cfr. fls. 39-46 do PA; facto não controvertido.

4) Em 2017, o Impugnante era considerado residente, para efeitos fiscais, nos Estados Unidos da América – cfr. fls. 47 do PA; facto não controvertido.

5) Nos Maio, Junho, Julho, Setembro e Dezembro de 2017, foram pagos ao Impugnante dividendos relativos participações no capital social de sociedades com sede em Portugal, no valor total bruto de €5.449.137,59 – cfr. fls. 48-65 do PA; facto não controvertido.

6) Tais dividendos foram sujeitos, em Portugal, a retenção na fonte de IRC, à taxa de 15%, tendo sido entregue nos cofres do Estado, a esse título, o valor total de €817.370,65 – cfr. fls. 48-65 do PA; facto não controvertido.

7) No período de tributação em que obteve os aludidos dividendos, o Impugnante não deduziu, nos EUA, a título de crédito de imposto, qualquer montante correspondente ao imposto retido na fonte em Portugal, nos termos referidos no ponto anterior – cfr. documento n.º 1 junto com a resposta de 18/12/2023 (fls. 313-342 dos autos em suporte electrónico).

8) O Impugnante apresentou reclamação graciosa contra os actos de retenção acima indicados – cfr. fls. 1 e seguintes do PA.

9) Em 11/08/2020, foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante, com os seguintes fundamentos – cfr. fls. documentos n.ºs 1 e 2 da p.i. e fls. não numeradas do PA:

«26- Quanto à alegada desconformidade das normas legais internas com o Direito da União Europeia, mais precisamente, a não consideração destes rendimentos para efeitos do apuramento do lucro tributável, prevista no n.º 3 do artigo 22.º do EBF e sua impossibilidade de aplicação aos rendimentos distribuídos aos Organismos de Investimento Coletivo com sede fora de Portugal, cumpre dizer o seguinte:

27- Através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (1), procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando, no que aqui importa ressaltar, a redação do artigo 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (2), conforme resulta do n.º 1 do artigo 22.º do EBF e Circular n.º 6/2015 (3).

28- Com a nova redação, estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código de IRS, conforme resulta do n.º 3 do referido artigo 22.º do EBF.

29- Exclusão esta não aplicável à reclamante – pessoa coletiva de direito norte americano – por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do artigo 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido.

30- A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nos artigos 63.º e seguintes do TFUE, concretização do artigo 18.º do TFUE, aplicável entre Estados-membros que integram a UE.

31- Não obstante, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, é permitido que os Estados-membros apliquem “(…) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal.

32- Evidenciando-se que, ao contrário do que se verifica com o IVA, não existe no TFUE uma previsão quanto à harmonização de impostos sobre o rendimento ou tributação direta (4), embora, numa tentativa de aproximação de legislações dos Estados-membros, a mesma encontre alguma expressão, nos artigos 114.º e 115.º do referido Tratado.

33- Cumpre referir que não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, nem tão pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo (5), atendendo ao disposto nos artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT, a Administração Tributária deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artigo 281.º da CRP.

34- E, por outro lado, não pode a AT aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.

35- Sendo que a jurisprudência trazida à colação pela reclamante respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo, quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, com o TFUE.

36- Todavia, sempre se dirá que, de acordo com Paula Rosado Pereira (6), “(…) no Caso Schumaker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (…)”, considerando a autora que “A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspectiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação consagradas no TFUE.”

37- Pelo exposto, é de indeferir o presente pedido.

38- Acrescenta-se, ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do artigo 43.º da LGT, não assiste à reclamante o direito a juros indemnizatórios.

ii. Factos não provados

Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

iii. Motivação

A convicção do Tribunal fundou-se na prova documental constante dos autos, referenciada ao longo da enunciação da matéria de facto dada como provada, tendo sido ainda considerados, ao abrigo do artigo 110.º n.º 7 do CPPT, os factos não controvertidos, considerando-se como tais os factos alegados pela Impugnante e não expressamente impugnados pela Fazenda Pública.


2.2. De Direito

A questão fundamental que se coloca é a de determinar se a legislação portuguesa, na redação em vigor à data dos factos tributários, ao excluir de tributação os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a fundos de investimento mobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (artigo 22.º do EBF) e, por isso, residentes em território nacional, mas sujeitando a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por essas mesmas sociedades a fundos de investimento mobiliário que não tenham sido constituídos nem operem de acordo com a legislação nacional e, por isso, não residentes (in casu os Estados Unidos da América), configura uma restrição à livre circulação de capitais, não consentida pelo artigo 63.º do TFUE.

Esta questão não é nova, tendo sido apreciada uma situação em tudo idêntica por este Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 13-09-2023, processo n.º 715/18.7BELRS (subscrita por vários Acórdãos subsequentes deste mesmo Tribunal, designadamente nos processos: n.º 0802/21.4BELRS, de 08-05-2024; n.º 0806/21.7BELRS e n.º 0755/19.9BELRS, ambos de 29-05-2024 e n.º 0757/19.5BELRS de 05-06-2024).

Por aderimos aos fundamentos aí expressos e no sentido de promover uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil), remetemos para o referido acórdão (integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt), destacando o excerto que de seguida se transcreve:


«…

Como referimos, o Tribunal recorrido assentou a sua decisão no acórdão do TJUE, de 17 de março de 2022, proferido no processo C-545/19. Sobre este acórdão a AT não se pronuncia nas suas conclusões de recurso, designadamente não afasta a doutrina que dele emana ao caso em apreço.

Ora, no acórdão em referência estava em causa um reenvio prejudicial apresentado no âmbito de um litígio que opunha a AllianzGI-Fonds AEVN à Autoridade Tributária e Aduaneira (Portugal), a respeito da retenção na fonte do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas relativo aos anos de 2015 e 2016. E discutia-se a compatibilidade do artigo 22.º do EBF com o artigo 63.º (livre circulação de capitais) do TFUE, tendo o TJUE concluído que:

O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado - Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

Esta jurisprudência, proferida relativamente a uma OIC de um país Membro da União Europeia, aplica-se manifestamente a uma OIC de um País Terceiro, uma vez que por força do artigo 63.°, n.° 1, do TFUE, a livre circulação de capitais aplica-se tanto aos fluxos de capitais entre Estados-Membros como entre Estados-Membros e países terceiros, sem nenhuma condição de reciprocidade (Acórdão de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen (C-436/08 e C-437/08). Esta característica distingue a livre circulação de capitais de todas as outras liberdades do mercado interno, uma vez que estas se aplicam exclusivamente no território dos Estados-Membros. …»

Em síntese, pode concluir-se que o artigo 63.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que implique que os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC residente num Estado terceiro, sejam objeto de retenção na fonte; por contraponto aos dividendos distribuídos a um OIC aí residente que não estariam sujeitos a essa retenção.

No exercício de comparabilidade que tem em vista aferir se existe uma situação de discriminação é necessário, porém, determinar se, no âmbito de outras disposições aplicáveis, ocorrerá uma neutralização da eventual discriminação, preservando, assim, a compatibilização de um determinado regime legal com o princípio da livre circulação de capitais. Neste contexto, a recorrente convocou, como factos a ter em conta, por um lado a circunstância de apenas estarem sujeitos a tributação em sede de Imposto de Selo, os fundos de investimento residentes em território nacional que sejam constituídos e operem de acordo com a legislação nacional; e, por outro, a existência de uma Convenção sobre Dupla Tributação entre Portugal e os EUA que implicaria uma tributação atenuada em Portugal.

Relativamente ao Imposto de Selo consideramos que ainda que haja uma diferença de tratamento, esta não tem relevo quando o que está em causa é a determinação da existência de uma discriminação a nível, unicamente, da tributação de rendimento, não sendo, portanto, de considerar o que acontece no contexto de outros impostos.

No que respeita à existência de uma convenção sobre dupla tributação (CDT) que, num número considerável de Estados, como é o caso de Portugal, implica uma receção automática no direito interno, a ponderação do seu impacto tem, naturalmente, de ser tida em conta. Devendo, na decisão de um determinado caso, o órgão judicial nacional levar em consideração os efeitos das mencionadas convenções sobre dupla tributação no respetivo direito nacional, antes de concluir se duas situações comparáveis são, ou não, tratadas de forma diferente, ou se duas situações diferentes são tratadas da mesma forma (cfr. acórdão Bouanich do T.J.U.E. de 13/03/2014, Processo C-375/12; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 13/12/2023, rec.1481/20.1BELRS). Isto é, o tratamento discriminatório pode ser neutralizado por via da aplicação da CDT que, através da eliminação dos seus efeitos, faculta a possibilidade de compatibilizar o regime fiscal em causa com o princípio da livre circulação e capitais.

O Supremo Tribunal Administrativo também já teve a oportunidade de salientar que, para que se possa considerar ocorrida a neutralização, não basta a previsão de um qualquer método de crédito na convenção, sendo necessária uma neutralização consumada, isto é, que o sujeito passivo seja efetivamente capaz de deduzir a retenção sofrida na fonte ao imposto a suportar na residência (acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 9 de julho de 2014, no recurso n.º 01435/12).

Ora, resulta do n.º 7 do probatório que «[n]o período de tributação em que obteve os aludidos dividendos, o Impugnante não deduziu, nos EUA, a título de crédito de imposto, qualquer montante correspondente ao imposto retido na fonte em Portugal». De onde decorre que o tratamento diferenciador dispensado à recorrida não pôde ser neutralizado por via da aplicação da CDT.

Por tudo o que referimos, sai reforçado o entendimento de que o artigo 22.º do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados, é incompatível com a liberdade de circulação de capitais que decorre do artigo 63.º do TFUE.

3. Decisão

Face ao exposto nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que excede € 275.000,00, considerado, sobretudo, o cariz remissivo desta decisão colegial.

Lisboa, 11 de julho de 2024.- João Sérgio Feio Antunes Ribeiro (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.