Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:015/06
Data do Acordão:06/28/2006
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BAETA DE QUEIROZ
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL.
ESTABELECIMENTO COMERCIAL.
DIREITO AO TRESPASSE E ARRENDAMENTO.
BENS MÓVEIS.
REMIÇÃO.
PRAZO.
Sumário:I - A penhora do direito ao trespasse e arrendamento de estabelecimento comercial equivale à do estabelecimento, enquanto universalidade.
II - Constando do auto de penhora várias verbas, a primeira das quais o direito ao trespasse e arrendamento do estabelecimento, e os demais bens móveis que nele se encontravam, devem entender-se estas últimas como mera discriminação dos activos do estabelecimento, e não como verbas autónomas.
III - Nas circunstâncias descritas no número anterior, apresentando o proponente cuja proposta foi aceite um preço global para os bens em venda, não pode o titular do direito de remição pretender remir exclusivamente os bens móveis.
IV - O prazo para o exercício do direito de remição termina com a elaboração do auto de transmissão e entrega dos bens, e não com a da acta de abertura das propostas apresentadas em carta fechada.
Nº Convencional:JSTA00063312
Nº do Documento:SA220060628015
Data de Entrada:02/21/2006
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART16.
CPTA02 ART13.
ETAF02 ART26 ART38.
CPC67 ART894 ART913.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1. A…, residente no Porto, recorre da sentença da Mmª. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a reclamação do despacho do órgão da Administração que indeferiu «o pedido de remissão dos bens vendidos na execução fiscal».
Formula as seguintes conclusões:
«1
Tendo apenas sido proferido despacho de arrematação e não de adjudicação, ou transmissão e entrega dos bens objecto de venda na execução supra vendida, é tempestiva a remição requerida pelo recorrente.
2
Pelo que, com a devida vénia, o Meritíssimo Juiz "a quo", na decisão recorrida, faz errada interpretação e aplicação do disposto no art° 913° al. c do C.P.Civil;
3
Por outro lado, sendo do conhecimento do recorrente e dos demais intervenientes na execução, incluindo chefe da Repartição de Finanças e arrematante, não fazia qualquer sentido que se requeresse a remição de um bem (direito ao arrendamento e trespasse) objecto de venda em outros autos executivos, conforme se comprovou na própria execução.
Termos em que, nos melhores de direito (...), deve o presente recurso merecer provimento e consequentemente revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que defira a remição requerida pelo recorrente, por legal e tempestiva (...)».
1.2. Não há contra-alegações.
1.3. O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal é de parecer que na 3ª conclusão o recorrente alega um facto não fixado na sentença recorrida, pelo que não é este o Tribunal competente para apreciar o recurso, que assim se não funda, exclusivamente, em matéria de direito.
1.4. Notificado deste parecer, o recorrente contraria-o, dizendo que o facto por si afirmado está demonstrado na execução fiscal.
1.5. O processo tem os vistos dos Exmºs. Adjuntos.
2. A matéria de facto vem assim fixada:
«1
No Serviço de Finanças do Porto 7 foi instaurado o processo de execução fiscal que corre termos sob o n° 3387-91/101016.6 em que é executado A…, para pagamento de dívidas à Segurança Social e IVA no valor de Esc: 1.610.430 (cfr. folhas 9 dos autos);
2
Em 20/12/93 foram penhorados, para garantia da quantia exequenda, os bens descritos no auto de penhora a fls. 9 e 10 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
3
Por despacho do Chefe dos Serviços de Finanças do Porto 7 de 06/06/95 foi designado o dia 11/07/95 para se proceder à venda dos bens penhorados por proposta em carta fechada e cujo valor base correspondia ao constante do referido auto.
4
Em 11/07/95, tendo-se aberto a única proposta apresentada, na presença do executado e do proponente ..., procedeu-se à venda dos bens pelo valor global de Esc.: 2.100.000$00, conforme "Acta de Abertura e Apreciação de Propostas" a fls. 39 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
5
Em 11/07/95 o proponente/comprador procedeu ao depósito na Tesouraria da Fazenda Pública de Esc.: 700.000$00 correspondente a um terço do preço dos bens vendidos (cfr. fls. 47 dos autos);
6
Em 26/07/95 o proponente/comprador procedeu ao depósito na Tesouraria da Fazenda Pública de Esc.: 1.400.000$00 correspondente à "parte restante do preço respeitante as arrematação efectuada no processo de execução fiscal n° 1016.6/91 ap. conforme Acta elaborada em 11 do corrente e constante a fls 39 da referida execução" (cfr. fls. 66 dos autos);
7
Em 15/09/95 o ora reclamante, A…, filho do executado, requereu, nos termos do disposto no artigo 2° alínea f) do C.P.C. e artigos 912° e 913° al. c) do C.P.C. a remissão exclusivamente dos bens móveis vendidos nos referidos autos de execução (cfr. fls. 90 e 91 dos autos).
8
Em 03/04/2003 o Chefe do Serviço de Finanças do Porto 7 proferiu o seguinte despacho “A folhas 90 dos presentes autos vem A…, requerer a remissão dos bens móveis objecto da venda efectuada no dia 11 de Julho de 1995, excluindo desse pedido de remissão o direito ao arrendamento e trespasse.
Dos elementos constantes do processo, verifica-se que os bens vendidos foram adjudicados em 26 de Julho de 1995, com o pagamento total do preço de aquisição (fls. 66) , e que o pedido de remissão deu entrada no dia 15 de Setembro de 1995.
O artigo 913°, alínea a) do C.P.Civil fixa como prazo para o exercício deste direito a data da adjudicação dos bens.
Verifica-se assim que tal prazo não foi cumprido o que, desde logo implica a improcedência do pedido.
Por outro lado a penhora do direito ao trespasse e arrendamento do estabelecimento constitui um todo que não permite separar o seu recheio, tal como consta na alínea a) do n° 2 do art. 115° do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Dec. Lei n° 301 -B/90 de 15 de Outubro.
Ora fazendo os bens móveis parte integrante do estabelecimento, não é possível fazer na remissão a sua separação, até porque a compra foi feita globalmente.
Nestes termos indefiro o pedido.
Notifique-se.
Porto e Serviço de Finanças do Porto 7, 2003-04-03
O Chefe do Serviço de Finanças
Assinatura ilegível" (cfr. despacho a fls. 315 dos presentes autos)
9
O Reclamante foi notificado em 10/04/2003 do despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças do Porto 7 datado de 03/04/2003 (cfr. aviso de recepção a fls. 316 verso dos presentes autos).
10
A presente reclamação foi deduzida em 28/04/2003 (cfr. fls. 324 dos presentes autos)».
3.1. Importa começar por conhecer da questão suscitada pelo Exmº. Procurador-Geral Adjunto, que questiona a competência do Tribunal para apreciar o recurso, por este se não fundar, exclusivamente, em matéria de direito.
A questão merece imediata e prioritária apreciação face ao disposto nos artigos 16º nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) aprovado pela lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro (anteriormente, artigo 3º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA).
Na verdade, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) só é competente para conhecer dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1ª instância se em causa estiver, apenas matéria de direito. Versando o recurso, também, matéria de facto, competente é, não já o STA, mas o Tribunal Central Administrativo (TCA). É o que dispõem os artigos 26º alínea b) e 38º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela lei nº 107-D/2003, de 31 de Dezembro, e já antes estabeleciam os artigos 32º nº 1 alínea b) e 41º nº 1 alínea a) do anterior ETAF, aprovado pelo decreto-lei nº 129/84, de 21 de Março, na redacção dada pelo decreto-lei nº 229/96, de 29 de Novembro.
Diz o Exmº. Procurador-Geral Adjunto que o recorrente invoca, na terceira conclusão retirada das suas alegações, «facto omitido na fundamentação fáctica de decisão, sujeito à formulação de um juízo pelo tribunal, expresso no binómio provado/não provado». Tal facto é que «o direito ao trespasse e arrendamento já tinha sido vendido em outro processo executivo na data da apresentação do pedido de remição (...). Salvo melhor compulsação não consta do processo qualquer documento oficial que comprove o facto».
Ora, acontece que tal documento está, efectivamente, junto ao processo, sob a forma de certidão emitida pelo Tribunal da execução, constituindo fls. 122 a 125.
Como assim, estamos perante um acto processual, ainda que praticado em outro feito que não o presente, neste documentado, pelo que a sua consideração se impõe a este Tribunal, muito embora não possua poderes de cognição sobre a matéria de facto.
Deste modo, o recorrente não controverte os juízos sobre a matéria de facto efectuados pelo Tribunal recorrido, antes se limita a invocar um facto que, porque adquirido para o processo, pode ser atendido por este Tribunal de recurso.
Improcede, pelo exposto, a questão suscitada pelo Exmº. Procurador-Geral Adjunto, sendo este Tribunal competente para apreciar o recurso.
3.2. A pretensão do recorrente, de ser admitido a remir parte dos bens vendidos, na sua qualidade de descendente do executado, foi indeferida por razões de duas ordens:
1ª - por ser intempestivo o seu pedido, dado a assinatura do título de transmissão ter sido efectuada em 11 de Julho de 1995 e o pedido de remição datar de 15 de Setembro seguinte;
2ª - por a adjudicação ter sido global, e o recorrente apenas pretender exercer o seu direito relativamente a uma parte dos bens.
Ambos os fundamentos foram acolhidos pela sentença recorrida, e foi com base neles que negou provimento à reclamação do despacho do órgão da Administração que dirige a execução fiscal.
3.3. O primeiro fundamento não se afigura pertinente.
A venda foi efectuada por propostas em carta fechada, cuja abertura ocorreu em 11 de Julho de 1995 – ponto 4 da matéria de facto fixada.
Como houvesse uma única proposta, «procede[u]-se à venda aceitando a proposta apresentada», conforme a acta de fls. 39, dada por reproduzida no ponto 4 da matéria de facto.
Mas, determinando o artigo 894º do Código de Processo Civil (na redacção vigente ao tempo, que é a referida para todos os artigos que adiante se apontem), que «o auto de transmissão e entrega dos bens só será lavrado depois de paga ou depositada a totalidade do preço», não foi logo elaborado esse auto.
Na verdade, o preço só ficou integralmente pago em 26 de Julho de 1995, de acordo com o ponto 6 da matéria de facto.
Mas não se noticia que em momento algum tenha sido lavrado o referido auto de transmissão e entrega dos bens.
De resto, em 15 de Setembro de 1995, quando o recorrente pretendeu exercer o seu direito de remição, logo afirmou que «ainda não se procedeu à entrega dos bens móveis».
Informação que em 21 seguinte voltou a vir ao processo, desta vez com origem no proponente escolhido, que se queixou de que «ainda não lhe foram entregues os bens».
O que é credível, tendo em atenção que, de acordo com o já falado documento de fls. 122 a 125, o direito ao trespasse e arrendamento do mesmo estabelecimento fora adjudicado a outrem numa execução a correr num tribunal cível.
Atento este contexto, não podia afirmar-se, como se faz na sentença, que «tendo o título de transmissão sido assinado em 11 de Julho de 1995», o recorrente estava fora de tempo, em 15 de Setembro seguinte, para exercer o seu direito de remição.
Ao assim decidir, a sentença parece ter confundido a acta de abertura das propostas de fls. 39, documento a que se refere o nº 4 do artigo 894º do Código de Processo Civil, com o auto de transmissão e entrega de bens a que alude o nº 6 do mesmo artigo, de que no processo não há rasto, e cuja emissão fixa o termo do prazo para exercer o direito de remição, conforme o disposto na última parte da alínea c) do artigo 913º do mesmo diploma.
3.4. O bem penhorado – direito ao trespasse e arrendamento de um estabelecimento comercial – constitui uma universalidade, devendo entender-se as verbas descritas no auto de penhora, para além da primeira, como consubstanciando uma discriminação dos bens que integram o estabelecimento a que se refere a verba nº 1, e não como enumeração de outras verbas autónomas, correspondentes a outros bens não incluídos no estabelecimento.
O proponente cuja proposta foi aceite apresentou um preço global, e de outro modo não podia ser.
Ao titular do direito de remição não atribui a lei a faculdade de, posteriormente, apresentar uma proposta sua, diferente da aceite, mas, tão só, a de se substituir àquele proponente fazendo seus os bens que ele ia adquirir, nas mesmas e precisas condições.
Assim, o recorrente não podia pretender remir parte dos bens, excluindo o direito ao trespasse e arrendamento.
Por um lado, porque esse direito consumia tudo quanto o proponente havia de adquirir por força da aprovação da sua proposta. Além desse direito, nada mais havia para alienar no âmbito da execução.
Por outro lado, porque, tratando-se de uma universalidade, relativamente à qual fora proposto um preço, para uma eventual remição parcial havia que calcular o preço de cada um dos bens – tarefa impossível, a que, de resto, o recorrente não meteu ombros.
Com este fundamento, que não com o antes apreciado, é de confirmar a sentença recorrida.
4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, negando provimento ao recurso, manter a sentença impugnada.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 50% a procuradoria.
Lisboa, 28 de Junho de 2006. – Baeta de Queiroz (relator) – Pimenta do Vale – Brandão de Pinho.