Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0544/15.0BECBR 01234/17
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
AJUDAS DE CUSTO
TRABALHO
DOMICÍLIO NECESSÁRIO
Sumário:I - Na situação versada é de adoptar o conceito de “domicílio necessário”, em função da noção que dele nos dá o artigo 2.º do já citado Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril, nos termos do qual se considera domicílio necessário, para efeitos de abono de ajudas de custo a localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço; a localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa da referida na alínea anterior ou a localidade onde se situa o centro da sua actividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções.
II - Provado que está que os trabalhadores da recorrente foram contratados para trabalhar num país estrangeiro, sendo aí o seu local de trabalho, e que não houve mudança do local de trabalho contratualmente previsto ou deslocações por força da prestação ocasional do trabalho fora do local habitual ou por força da transferência das instalações da sua entidade patronal, é forçoso concluir que as prestações auferidas por aqueles a título de ajudas de custo integravam a respectiva retribuição ou remuneração de trabalho, constituindo um complemento desta.
III - Não é pelo facto de o trabalho ser prestado no estrangeiro, sem mais, que a entidade patronal pode suportar, a título de ajudas de custo, as despesas de alojamento e alimentação do trabalhador.
IV - Relevante, para efeitos da atribuição de ajudas de custo, é que o trabalhador esteja deslocado relativamente ao seu local de trabalho fixado no contrato e que, por força dessa deslocação, incorra em despesas que devem ser suportadas pela entidade patronal porque efectuadas ao serviço e a favor desta.
V - Sem embargo da designação “ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro”, em bom rigor, os montantes em causa não têm natureza compensatória, mas sim remuneratória, devendo ser base de incidência de contribuições para a segurança social, nos termos dos artigos 44.°, 46.° e 47.° do CRC.
Nº Convencional:JSTA000P26137
Nº do Documento:SA2202007010544/15
Data de Entrada:11/08/2017
Recorrente:A......, LDA
Recorrido 1:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. - CENTRO DISTRITAL DE COIMBRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1– Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A…………., Lda., melhor identificada nos autos, visando a revogação da sentença de 28-07-2017, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou totalmente improcedente a impugnação que deduzira contra as liquidações oficiosas de contribuições para a Segurança Social, dos anos de 2013 e 2014, no valor total de € 759.229,80.

Não se conformando, nas suas alegações, formulou a recorrente A………., Lda. as seguintes conclusões:

“i) Para efeitos de determinação do direito a ajudas de custo dos trabalhadores privados ou no exercido de funções públicas há que distinguir entre trabalho prestado pelos trabalhadores dentro do país e o trabalho prestado no estrangeiro;
ii) O direito a ajudas de custo por trabalho prestado dentro do país rege-se pelo disposto nos art.°s 1.º e 2.º DL. n.° 106/98, de 24/04, sendo esse direito a ajudas de custo definido em função do domicílio necessário do trabalhador;
iíi) Porém, o trabalho prestado pelo trabalhador no estrangeiro rege-se pelo disposto nos art.ºs 1.º e 2.º do DL. n.° 192/95, de 28/07, sendo o conceito de domicílio necessário alheio a este regime;
iv) O referente, no caso de trabalho prestado no estrangeiro, para efeito de aplicação das regras de ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro é o país de residência dos trabalhadores contratados a partir do qual se deslocam e não o domicílio necessário definido no art° 2.° DL. n.° 106/98, de 24/04 relativamente ao trabalho prestado dentro do país;
v) Para a definição daquele referente é inócuo que o contrato de trabalho firmado entre as partes seja pelo tempo correspondente a uma certa empreitada e que o local de trabalho ajustado para a prestação desse trabalho segundo o contrato seja apenas no estrangeiro, nos termos constantes do probatório da decisão recorrida, mas apenas que os trabalhadores se desloquem do país da sua residência para o estrangeiro;
vi) Não dispondo a recorrente de sede, sucursal, estabelecimento ou qualquer estrutura jurídica organizacional no estrangeiro, concretamente em …………, Bélgica, sendo ela uma empresa nacional e sendo os trabalhadores por si contratados e pelo pagamento de cujas remunerações está obrigada (que não a empresa belga contra-parte no contrato de empreitada) residentes em Portugal, verificam-se todos os pressupostos materiais e legais para que o trabalho prestado no estrangeiro justifique a aplicação do regime de ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro.
Termos em que e nos mais de direito, devem Vossas Excelências julgarem provido este recurso e, consequentemente revogarem a sentença recorrida, proferindo douto acórdão que julgue a impugnação procedente com todas as legais consequências.”

Houve contra-alegações em que o recorrido Instituto de Segurança Social, I.P. conclui da seguinte forma:

“I. Em Fevereiro de 2012, a Recorrente alargou o seu objecto social à serralharia civil, fabricação de estruturas e elementos similares em metal e construção e reparação de embarcações metálicas. Nessa sequência, passou a fornecer à empresa francesa B……., mão-de-obra à hora para realização de uma empreitada em ………., Bélgica, pelo que celebrou contratos de trabalho a termo incerto com vários trabalhadores (cerca de 80 em 2013 e 100 em 2014) com as categorias profissionais de soldadores, eletromecânicos, montadores e encarregados.
II. Foi esclarecido em sede de fiscalização que todos os trabalhadores contratados para executar a prestação de serviços para a empresa francesa B………….., assinaram contratos com o mesmo clausulado, e que bem sabiam, na data de celebração do contrato, que o local de trabalho habitual seria …………, na Bélgica. Verificou-se ainda que, efectivamente, todos prestaram serviço unicamente naquele local — ………… (Bélgica) -, única empreitada em curso naquela data.
III. Foi também apurado que durante todo o tempo em que vigorou o contrato de trabalho, os trabalhadores receberam o vencimento base, acrescido de subsídio de férias, subsídio de Natal e ajudas de custo e que os montantes processados a título de ajudas de custo, relatados nos mapas intitulados “mapas de ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro”, eram calculados com base na informação relativa à assiduidade dos trabalhado recebida, por e-mail, do supervisor da empreitada residente na Bélgica,
IV. As ajudas de custo eram processadas em função dos dias em que o trabalhador esteve a prestar trabalho na Bélgica, independentemente de se tratar de dia útil ou dia de descanso semanal, exactamente nos mesmos termos como era efectuado o pagamento da retribuição
V. Não basta a mera qualificação de determinado montante como “ajuda de custo”, para que assim fique excluído de base de incidência quer para efeito de segurança social, quer para efeitos fiscais. Com efeito, importa apurar se o montante qualificado como “ajuda de custo” corresponde à situação factual que justifica o pagamento, ou seja, se efectivamente existiu deslocação do local de trabalho habitual a serviço da entidade empregadora.
VI. Encontra-se demonstrado que não existiu assim qualquer deslocação ao serviço da entidade empregadora, ora Recorrente, porque os respectivos trabalhadores tinham como local habitual de trabalho (domicílio necessário) a localidade de ……….., na Bélgica.
VII. Os trabalhadores não foram incumbidos pela Recorrente para se deslocarem temporariamente a outro local, que não estivesse contratualmente fixado, para aí, excepcionalmente, desempenharem quaisquer tarefas inerentes às suas funções, findas as quais regressariam, depois de certo período, ao seu local de trabalho para onde foram inicialmente contratado.
VIII. Os trabalhadores apenas se deslocaram das suas residências em Portugal para ………., Bélgica, contratualmente fixado como o seu local de trabalho, e não se encontra comprovada qualquer deslocação relativamente ao local de trabalho contratualmente fixado, a saber, ………, Bélgica.
IX. Assim, não obstante a designação de “ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro”, em bom rigor, os montantes em causa não têm natureza compensatória, mas sim remuneratória, devendo ser base de incidência de contribuições para a segurança social, nos termos dos artigos 44.°, 46.° e 47.° do CRC.
X. Neste sentido, concluiu o Acórdão do Tribunal Constitucional n° 296/2004, proferido no processo n.° 190/04, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido no processo n° 00598/03, de 11/11/2003, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido no processo n.° 01006/04,6BEBRG, de 08/11/2007.”

Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso e que se transcreve na parte que interessa:

“(…) II. 1. Como já assinalámos supra, a Recorrente veio estribar a sua discordância da sentença recorrida no facto de ter aplicado o conceito de “domicílio necessário”, em função da noção que dele nos dá o artigo 2.º do já citado Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, nos termos do qual: “Sem prejuízo do estabelecido em lei especial, considera-se domicílio necessário, para efeitos de abono de ajudas de custo:
a) A localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço;
b) A localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa da referida na alínea anterior;
c) A localidade onde se situa o centro da sua atividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções”.
Insurgiu-se, pois, a Recorrente, quanto a este entendimento, pugnando pela aplicabilidade, tão-somente, do Decreto-Lei n.º 192/95, de 28 de julho, que regula a atribuição de ajudas de custo por deslocações em serviço público ao estrangeiro e no estrangeiro.
Ora, na ótica do Ministério Público, o tribunal a quo fez uma correta e adequada interpretação do regime legal aplicável, ao pôr ênfase na causa que determinou a atribuição das ajudas de custo, a saber, a deslocação temporária do trabalhador do seu local de trabalho, ao serviço e por conta da entidade patronal e, outrossim, a finalidade que presidiu a essa atribuição, justamente a compensação do beneficiário por despesas que não teria feito, se não ocorresse essa deslocação.
Na verdade, nada obsta, antes se impõe o recurso ao aludido conceito de “domicílio necessário”, deste modo conjugando e compatibilizando as disposições legais que prevêem o regime jurídico do abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública, quando deslocado em serviço público em território nacional, com as que contemplam a atribuição de ajudas de custo por deslocações do referido pessoal em serviço público, ao estrangeiro e no estrangeiro.
Na verdade, a unidade do sistema jurídico e a consideração do bloco de legalidade vigente, nesta específica matéria, postulam a aplicação de um regime com pressupostos legais idênticos, quer o pessoal da Administração Pública se desloque em serviço público em território nacional, quer ao estrangeiro e no estrangeiro.
Acresce que o legislador, no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, assumiu, expressa e inequivocamente, que adotou o conceito de domicílio necessário consagrado no artigo 87.° do Código Civil, importando, assim, essa noção do direito privado.
Ademais, ao assim decidir, a julgadora do TAF de Coimbra ponderou o contributo, para a solução desta vexata quaestio, dado pela jurisprudência constante e uniforme dos tribunais superiores desta jurisdição, mormente, do TCA Norte e do TCA Sul.
Na verdade, a título exemplificativo, no mesmo sentido da sentença em crise, o Ministério Público chama à colação, v. g., os Acórdãos do TCA Norte, tirados em 02/02/2017, no Processo n.º 00512/04.7BEPNF, de 08/11/2007, no Processo n.º 01006/04.6BEBRG e de 14/10/2004, no Processo n.° 00140/04 (todos disponíveis in www.dgsi.pt, tal como os que iremos mencionar, de seguida).
Por seu turno, sufragando a mesma posição doutrinal, o Venerando TCA Sul proferiu os doutos arestos de 29/03/2011, no Processo n.º 04592/11, de 13/01/2004, no Processo n.º 00669/03, de 30/09/2003, no Processo n.º 00700/03, de 17/03/2004, no Processo n.º 06285/01, de 11/11/2003, no Processo n.º 00598/03 e de 16/04/2002, no Processo n.° 6274/02.
Acresce que, neste domínio, este Colendo STA, nos processos submetidos ao seu superior escrutínio, colocou o acento tónico na questão de saber a quem incumbe o ónus da prova, ao firmar que “I - As ajudas de custo, atribuídas ao trabalhador, têm natureza remuneratória somente na parte que excede o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado, face ao disposto no art.° 2. n.° 3, al. d) do CIRS. // II – O ónus de prova de tal excesso, como da verificação da falta dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, recai sobre a Administração Tributária (sem sublinhado no original; cfr. os doutos Acórdãos de 22/05/2013, no Processo n.º 0146/13 e de 06/03/2008, no âmbito do Processo n.º 01043/07).
II. 2. Revertendo ao caso que nos ocupa e à concreta questão em causa, o Ministério Público enfatiza que esta exigência do domínio processual, imposta pelo Colendo STA, foi respeitada e cumprida, porquanto, como assinalou, argutamente, a M.° Juíza de Direito do TAF a quo, “(..,) o que a Segurança Social apurou e a Impugnante não negou — foi que, prevendo os contratos de trabalho, celebrados com os trabalhadores, os locais de trabalho, que coincidam com a obra para a qual foram contratados e tendo apurado (no que também não foi contrariado pela Impugnante) que não tinha havido deslocações desse local contratualmente previsto, não se verificava o requisito da existência de uma deslocação do “domicílio necessário”, do local contratualmente fixado” (cfr. fls. 243 verso in fine e 244 do p. f.)
Ademais, o caso vertente assume contornos fáctico-jurídicos similares aos que estiveram subjacentes aos aludidos doutos arestos tirados pelo TCA Sul e pelo TCA Norte, merecendo, deste modo, idêntico tratamento. (…)”.
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Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.


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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. A Impugnante, a partir de Junho de 2012, alargou o seu objecto social à serralharia civil, fabricação de estruturas e elementos similares em metal e construção e reparação de embarcações metálicas e passou a fornecer à empresa francesa B………….. mão-de-obra para a realização, em ………, na Bélgica, de uma empreitada, a qual durou até Junho de 2014 (acordo, relatório de inspecção, a fls. 181 e ss. do processo de averiguações apenso e Certidão Permanente da sociedade, a fls. 26 e ss. deste processo apenso);
2. No âmbito do Processo de Averiguações n.° 201400110292, do Departamento de Fiscalização, Unidade de Fiscalização do Centro, Núcleo de Fiscalização Beneficiários e Contribuintes, Sector de Coimbra do Instituto de Segurança Social, I.P., no dia 25-11-2014, foi inquirida a trabalhadora da Impugnante à data a que se refere a inspecção, C…………….., cujo auto de declarações tem o seguinte teor:
“Questionada sobre a sua categoria profissional, declarou exercer funções de administrativa, tendo a seu cargo o tratamento de toda a documentação que suporta os pagamentos de todos os trabalhadores da empresa, em articulação com a contabilidade, bem como os próprios pagamentos aos trabalhadores, em regime por transferência bancária.
Questionada sobre a activídade desenvolvida pela empresa, esclareceu que em fevereiro de 2012 esta alargou o seu objecto social à serralharia civil, fabricação de estruturas de elementos similares em metal e construção e reparação de embarcações metálicas, tendo na sequência desta alteração do seu objecto social passado a fornecer mão obra à hora para realização de uma empreitada em ………., na Bélgica, para a empresa B…………, sua única cliente até maio de 2014. Mais esclareceu que nesta data foram expulsos dessa obra e cessaram o contrato com aquela empresa por incumprimento, tendo ficado sem exercer esta actividade. Questionada, esclareceu que, para a prossecução a partir de fevereiro de 2012 desta actividade, contrataram vários trabalhadores de forma crescente, todos para a empreitada da empresa B…………, sita em ………., na Bélgica. Mais esclareceu que com todos foi celebrado contrato de trabalho a termo incerto que duraria o tempo que durasse esta empreitada e que todos conheciam na data da celebração destes contratos que o local de trabalho seria ………, na Bélgica, conforme estava estipulado nos contratos. Questionada, referiu que todos os trabalhadores contratados prestaram unicamente serviço naquele local, única obra que a empresa tinha em curso. Questionada, referiu que a minuta dos contratos de trabalho usada é comum a todos os trabalhadores, uma vez que todos estavam na mesma situação.
Questionada quanto ao modo de retribuição destes trabalhadores, referiu que os mesmos durante todo o tempo em que vigorou o contrato, receberam o vencimento base, acrescido de subsídio de férias, subsídio de Natal e ajudas de custo. Questionada, referiu que as ajudas de custo processadas a todos os trabalhadores eram mensalmente pagas com base na informação que o gerente da empresa que geria lá na Bélgica a empreitada lhe fornecia, por mail, relativamente aos dias trabalhados pelos trabalhadores. Conforme esclareceu com base nesta informação preenchia os “mapas resumo de ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro” que serviam também de recibo das mesmas. Mais esclareceu que no cálculo dos montantes de ajudas de custo a pagar eram incluídos também os dias de descanso, tal e qual como faziam relativamente à retribuição, pagando sempre ajudas de custo, quando era paga a retribuição, ou seja, o vencimento base.” (cfr. auto de declarações, de fls. 55 a 58 do processo de averiguação apenso);
3. Em Dezembro de 2014 foi elaborado pela Impugnada um projecto de relatório, sancionado superiormente, o qual foi acompanhado por “Mapas de Apuramento de Remunerações Referentes ao Ano de 2013” e “(…) de 2014”, dos quais constam individualizados os trabalhadores e os montantes corrigidos, bem como as taxas e os valores das contribuições, que se dão por integralmente reproduzidos, projecto que tem, nomeadamente, o seguinte teor: “(...) Na mesma data, notificámos três trabalhadores da entidade empregadora (D………, NISS …………, E……….., NISS .............., e F………, NISS ………..,) para comparecerem nos nossos serviços em 13-11-2014, a fim de serem inquiridos acerca das funções exercidas, locais de trabalho, valores e natureza dos montantes auferidos.
Na data fixada os trabalhadores notificados para inquirição não compareceram nos nossos serviços. O trabalhador E……….. justificou a falta com o facto de estar no estrangeiro a trabalhar O ofício enviado ao trabalhador F………… veio devolvido com a indicação de que ninguém atendeu e o trabalhador D…………. justificou a não comparência com declaração médica atestando que está internado em estado grave.
Consultado o SISS, foram contactados outros trabalhadores da entidade averiguada residentes na área geográfica de intervenção dos nossos serviços, a fim de agendar a sua inquirição. Não obstante, verificámos que todos se encontravam no estrangeiro a trabalhar por conta de outras entidades empregadoras.
Face ao exposto, em 13-11-2014, notificámos outros dois trabalhadores, G…………, NISS …….., e C………., NISS …………….para comparecerem no Serviço Local de Segurança Social da Figueira da Foz, em 25-11-2014, a fim de serem inquiridos.
(…)
Factos apurados
Na visita efetuada à sede da entidade averiguada, junto da trabalhadora C……….., NISS ………, encarregue do tratamento dos dados e da documentação que suporta o processamento dos vencimentos, bem como o cumprimento das obrigações da empresa perante a segurança social, obtivemos o esclarecimento de que a entidade averiguada, em fevereiro de 2012, alargou o seu objeto social à serralharia civil, fabricação de estruturas e elementos similares em metal e construção e reparação de embarcações metálicas.
Na sequência desta alteração do seu objeto social, a entidade averiguada passou a fornecer à empresa francesa B…………, mão-de-obra à hora para realização de uma empreitada em ………, Bélgica, prestação de serviços esta que durou até maio de 2014, data em que foram expulsos dessa obra, por incumprimento do contrato.
Conforme esta trabalhadora esclareceu, para prossecução desta atividade, a entidade averiguada contratou vários trabalhadores (cerca de 80 em 2013 e 100 em 2014) com as categorias profissionais de soldadores, eletromecânicos, montadores e encarregados, tendo celebrado com todos eles contratos de trabalho a termo incerto.
Da análise dos mapas de vencimento enviados pela entidade empregadora aos nossos serviços na sequência da nossa notificação (documento anexos), verificámos que esta pagou, no período em análise (2012, 2013 e 2014), os seguintes abonos:
- Vencimento Base: 956 882, 11€
- Subsídio de Férias e de Natal: 186 919,06€
- Subsídio de alimentação: 11 821,32€
Cruzados estes elementos com os registos de remunerações constantes do SISS, constatámos que os montantes acima mencionados suscetíveis de constituir base de incidência de contribuições para a segurança social estão a ser declarados e corretamente considerados, pois, apesar de algumas discrepâncias verificadas entre os dias de trabalho declarados pela entidade averiguada nas declarações de remunerações e os períodos de qualificação desses trabalhadores, não foram recolhidos elementos de prova suscetíveis de contrariar os elementos constantes do SISS.
Analisados os contratos de trabalho escritos celebrados com os trabalhadores afetos a esta prestação de serviços, constatámos que o clausulado é comum a todos e que, não obstante ser a Bélgica o local de trabalho estabelecido na cláusula 3°, estes previam também na cláusula 2ª, relativa à retribuição, o direito do trabalhador auferir ajudas de custo desde a saída até à sua chegada a Portugal (documentos anexos).
Esta cláusula contratual estipulava ainda que o montante era determinado “em função das necessidades e características do local”.
Da consulta efetuada aos documentos que suportaram o pagamento do abono ajudas de custo intitulados “mapas de ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro” (documentos anexos), confirmámos o acima exposto, uma vez que nestes mapas é relatado relativamente a todos os trabalhadores que estiveram afetos à referida prestação de serviços o pagamento do montante fixo diário de 111,81 €, cujo motivo de atribuição é a prestação de serviço de manutenção, serralharia e soldadura na localidade de ………, na Bélgica.
Analisados os balancetes de 2012, 2013 e 2014, verificámos que foram pagas ajudas de custo no ano de 2013 no montante total de 1 334 770,54€ e no ano de 2014 (até agosto) no montante total de 873 347,91€, sendo que os montantes pagos mensalmente a cada trabalhador constam dos mapas resumo enviados pela entidade averiguada a solicitação nossa, que aqui se dão como integralmente reproduzidos (documentos anexos).
Comparando estes mapas com os mapas resumo dos vencimentos, constatamos, pois, que a generalidade dos trabalhadores recebe mensalmente 1500€ de vencimento base, acrescido dos duodécimos de subsídio de férias e de Natal e 3500€, em média, de ajudas de custo.
Inquirido o trabalhador G……….., NISS ………….., este referiu que desempenha funções de mecânico na oficina sita nas instalações da sede da entidade averiguada, na Figueira da Foz, não tendo sido afeto à prestação de serviços que a entidade averiguada efetuou para a empresa francesa B……….. e como tal nunca tendo trabalhado senão naquele local.
Inquirida a trabalhadora C………….., NISS …………, esta reiterou os esclarecimentos proferidos aquando da nossa visita à sede da entidade averiguada relativos à atividade desenvolvida pela empresa, trabalhadores ao serviço, tipos de vínculos laborais vigentes, bem como relativamente aos procedimentos adotados quanto ao processamento dos vencimentos e/ou outros abonos.
Com efeito, a mesma clarificou que todos os trabalhadores contratados para executar a prestação de serviços para e empresa francesa B…………, assinaram contratos com o mesmo clausulado e que todos eles conheciam na data de celebração do contrato que o local de trabalho seria ……….., na Bélgica.
Acrescentou, ainda, que todos estes trabalhadores prestaram serviço unicamente naquele local, única empreitada à data em curso.
Quanto ao modo de retribuição, esclareceu que durante todo o tempo em que vigorou o contrato de trabalho estes trabalhadores receberam o vencimento base, acrescido de subsídio de férias, subsídio de Natal e ajudas de custo.
Quanto aos montantes processados a título de ajudas de custo, relatados nos mapas intitulados “mapas de ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro”, esclareceu que os mesmos eram calculados com base na informação relativa à assiduidade dos trabalhadores recebida, por mail, do supervisor da empreitada residente na Bélgica.
Segundo explicou, as ajudas de custo eram processadas em função dos dias em que o trabalhador esteve a prestar trabalho na Bélgica, independentemente de se tratar de dia útil ou dia de descanso semanal, tal como faziam relativamente à retribuição.
Direito
Nos termos do definido no artigo 258° do Código de Trabalho, com as alterações introduzidas pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, Lei n° 105/2009, de 14 de setembro, Lei n° 53/2011, de 14 de outubro e Lei n° 23/2012, de 25 de junho, o conceito de retribuição engloba aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, compreendendo a retribuição, a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente em dinheiro ou em espécie, sendo que, até prova em contrário, se presume constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.
A alínea a) do n.° 1 do artígo 260° do mesmo diploma, dispõe que não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte em que excedem as respetivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador.
A partir de 1 de janeiro de 2011, com a entrada em vigor da Lei n° 110/2009, de 16 de setembro, que aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (doravante apenas “Código Contributivo”), regulamentado pelo Decreto Regulamentar 1-A/2011, de 3 de janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei 55-A/2010 de 31 de dezembro, Lei 64-8/2011 de 30 dezembro e Lei 20/2012 de 14 de maio, Lei 66-8/2012, de 31 de dezembro e pela Lei 83-C de 2013 de 31 de dezembro, a matéria relativa à base de incidência contributiva passou a estar prevista em tal diploma, o qual, na esteira do regime anterior, se alicerça no conceito de remuneração definido no âmbito laboral.
Assim, prevê o art.° 44° do Código Contributivo, que se considera base de incidência contributiva “a remuneração ilíquida devida em função do exercício da atividade profissional ou decorrente da cessação do contrato de trabalho”.
Acrescenta o n.° 1 do art.° 46.º do aludido código, que se consideram remunerações “as prestações pecuniárias ou em espécie que nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos são devidas pelas entidades empregadores como contrapartida do seu trabalho”.
A alínea p) do n.° 2 do mesmo artigo, concretiza que integra a base de incidência contributiva, as importâncias pagas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte e outras equivalentes, nos termos dos limites previstos no Código Imposto Rendimento Singular doravante CIRS (cfr. n° 3).
O n.° 3 alínea d) art. 2.° do Código do IRS conjuntamente com o n.° 14 do mesmo artigo consagram os pressupostos substantivos do pagamento das ajudas de custo e da sua não tributação, que são:
- Os montantes serem auferidos enquanto ajudas de custo por realização de uma efetiva deslocação por parte de trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal;
- O pagamento de quantitativo diário não exceder os limites anualmente fixados para os servidores do estado.
Por sua vez, prevê ainda o n.° 5 do art.° 46. ° do Código Contributivo que constituem base de incidência contributiva todas as prestações que sejam atribuídas ao trabalhador, com caráter de regularidade, em dinheiro ou em espécie, direta ou indiretamente como contrapartida da prestação de trabalho, concretizando o art.° 47.° que uma prestação reveste caráter de regularidade quando “constitui direito do trabalhador, por se encontrar pré-estabelecida segundo critérios gerais, ainda que condicionais, por forma, que este possa contar com o seu recebimento, independentemente da frequência da concessão”. Verifica-se assim que, nos termos dos preceitos legais vindos de referir, as prestações regulares e periódicas pagas pelo empregador ao trabalhador, independentemente da designação que lhes seja atribuída no contrato ou no recibo, só não serão consideradas parte integrante da retribuição se tiverem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho.
Com efeito, estes abonos têm como pressuposto e finalidade exclusiva a atribuição de uma compensação ao trabalhador subordinado, ou aos membros do órgão de gestão, pelas despesas por estes suportadas em consequência de deslocações do seu local de trabalho habitual, ao serviço da empresa, não devendo, pois, ser entendidas como parte integrante da remuneração.
Na ausência de um regime geral ou especial aplicável às relações jurídico-laborais de direito privado na matéria de atribuição destes abonos, tem servido de referência para todas os trabalhadores por conta de outrem o quadro normativo estabelecido para as deslocações dos funcionários públicos ao serviço do Estado, o Decreto-Lei 106/98 de 24 de abril, sendo que as regras definidas neste diploma (apenas aplicável aos colaboradores da Função Pública) não obstam a que as empresas privadas livremente estabelecessem os montantes e as condições em que estas ajudas eram abonadas, nem adotem outro tipo de suporte (boletim itinerário) diferente daquele que está previsto para aquela categoria de funcionários.
Assim, a atribuição do abono de ajudas de custo pressupõe a realização de despesas excecionais resultantes de uma efetiva e pontual deslocação dos trabalhadores do seu local habitual de trabalho ao qual deverão regressar e onde deverão permanecer assim que a deslocação terminar, sendo que esta deslocação deverá ainda ser efetuada por motivos de serviço.
Desde logo, mister é que tenha ocorrido uma efetiva deslocação do local de trabalho. A deslocação em serviço só existe quando qualquer trabalhador de determinada empresa, possuindo um determinado local habitual de trabalho, é incumbido/obrigado pela empresa a deslocar-se temporariamente a outro local, não contratualmente fixado, para aí, excecionalmente, desempenhar quaisquer tarefas inerentes às suas funções regressando sempre, depois de mais ou menos tempo, ao seu local de trabalho para onde foi inicialmente contratado.
Assim, apenas se o trabalhador for deslocado ocasionalmente para local diferente daquele para que foi contratado e onde se encontra a exercer a sua atividade (domicílio necessário) se poderá considerar, desde que preenchidos os pressupostos legais de atribuição e respetiva documentação, o pagamento de ajudas de custo.
De todo o modo, a atribuição destes abonos deve sempre respeitar critérios de razoabilidade que possam ser justificados pela empresa e pelo trabalhador junto da Administração Fiscal e de Segurança Social, no sentido de não colocarem em causa a sua natureza compensatória e não retributiva.
Na verdade, não obstante o já citado artigo 46°, n° 2, alínea p) e n° 3 do Código Contributivo, determinar que não se consideram remunerações as ajudas de custo ou as isentar dentro de certos limites de tributação em sede de IRS, não basta alegar que se trata de “ajudas de custo” para que determinados montantes que são pagos adquiram essa natureza.
Deste modo, por força do consagrado nestes preceitos, as deslocações efetuadas pelo trabalhador para o seu local de trabalho, não são suscetíveis de determinar o direito ao abono de ajudas de custo porquanto o legislador apenas visou abarcar as situações em que o trabalhador é deslocado do seu local de trabalho por motivos de serviço.
Neste sentido tem vindo também a ser entendido pela jurisprudência, designadamente, a constante do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido no Processo n° 01006/04.6BEBRG, 2ª Secção Contencioso Tributário, em 8.11.2007, donde se extrai o seguinte: “( ... ) Relevante, para efeitos da atribuição de ajudas de custo, é que o trabalhador esteja deslocado relativamente ao seu local de trabalho e que, por força dessa deslocação, incorra em despesas que devem ser suportadas pela entidade patronal porque efetuadas ao serviço e a favor desta”.
De igual modo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11/04/2005, Processo 0415404 refere: “só integra o conceito de ajudas de custo ou de outras equivalentes, as importâncias destinadas a pagar despesas reais (de transporte, alojamento ou alimentação) feitas pelo trabalhador por virtude da deslocação em serviço e não também despesas ficcionadas ou hipotéticas”.
Também no Acórdão do Tribunal Constitucional n°296/2004, Processo 190/04, vemos a validação deste entendimento pela 3.ª secção do Tribunal Constitucional que não hesitou em considerar como elemento essencial para a qualificação de pagamentos de “ajudas de custo” a não efetividade das deslocações e a realidade das despesas. O Tribunal Constitucional reafirmou que o mais relevante para efeitos da atribuição de ajudas de custo, é o facto de um trabalhador estar deslocado relativamente ao seu local de trabalho e que por força dessa deslocação, incorra em despesas que devem ser suportadas pela entidade patronal dado que foram efetuadas ao serviço e a favor da mesma. Neste acórdão o tribunal constitucional considerou que: “para efeitos de tributação em IRS, são inócuos o local da sede da entidade patronal ou o local de residência habitual do trabalhador”.
Nos termos do consagrado, tanto na legislação fiscal, como na legislação da segurança social, as ajudas de custo devem assumir um caráter excecional, meramente compensatório e não remuneratório, destinando-se apenas a ressarcir despesas extraordinárias, não incorporáveis no rendimento de trabalho, e só por isso isentas, dentro dos limites legais, de tributação, quer em sede de IRS, quer em sede de Segurança Social (cf. respetivamente, artigo 2°, n° 3, alínea d), do CIRS, e artigo n.° 46, n.° 2 alínea p) e n.° 3, do Código Contributivo.
Conclusões
No que respeita aos montantes pagos a título de ajudas de custo relatados nos “mapas de ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro” (documentos anexos), concluímos que carece de fundamento legal o procedimento adotado pela entidade averiguada de excluir estes montantes da base de incidência contributiva para a segurança social, pois não foi apurada para o seu pagamento causa diversa da remuneração do trabalho.
Com efeito, comprovámos que todos os trabalhadores contratados para executar a prestação de serviços para a empresa francesa B…………, assinaram contratos com o mesmo clausulado, que todos eles conheciam na data de celebração do contrato que o local de trabalho habitual seria ………., na Bélgica e que efetivamente todos prestaram ser unicamente naquele local, única empreitada à data em curso.
Ora as ajudas de custo têm como pressuposto e finalidade exclusiva a atribuição de uma compensação ao trabalhador pelas despesas por este suportadas em consequência de deslocações efetivas e pontuais do seu local de trabalho habitual, ao qual é suposto que regresse e onde deverá permanecer assim que a deslocação terminar (domicílio necessário), sendo inócuos à caracterização dos abonos enquanto ajudas de custo o local da sede da entidade patronal ou o local de residência habitual do trabalhador.
Na situação em apreço entendemos que não existe deslocação ao serviço da empresa porque os trabalhadores da entidade averiguada possuindo como local habitual de trabalho (domicílio necessário) ………., na Bélgica, não foram incumbidos pela empresa de se deslocarem temporariamente a outro local, não contratualmente fixado, para a excecionalmente, desempenharem quaisquer tarefas inerentes às suas funções, findas as quais regressariam, depois de mais ou menos tempo, ao seu local de trabalho para onde foram inicia ente contratados.
Ou seja, no caso vertente a situação apurada é precisamente a inversa na medida em que, não só as alegadas ajudas de custo não assumem carácter excecional relativamente à prestação de trabalho, na medida em que são processadas ao longo de todo o período em que vigora a relação laboral como, ainda mais relevante, não se verifica qualquer deslocação do local de trabalho contratualizado.
Para prestar serviço à entidade empregadora, os trabalhadores viram-se obrigados a deslocar, mas esta deslocação realizou-se das suas residências em Portugal para o seu local de trabalho, em ………., Bélgica, não tendo ocorrido relativamente ao seu local de trabalho qualquer deslocação.
Ora deste modo, resulta inequívoco que não existe na situação em apreço deslocações do seu local de trabalho habitual.
A cresce que o facto de os contratos preverem que o montante de ajudas de custo a pagar era determinado “em função das necessidades e das características do local” bem como a desproporção existente entre os montantes pagos a título de ajudas de custo e a título de vencimentos base demostram bem que não existe uma relação causa efeito entre a existência de despesas reais (de transporte, alojamento ou alimentação) e o pagamento destes montantes, mas antes e tão somente a necessidade da empresa de retribuir a especial onerosidade do trabalho decorrente do facto de este ser prestado no estrangeiro.
Com efeito, considera-se elucidativa a circunstância de o montante das remunerações base pagas pela entidade averiguada (no montante em média de 1500 € mensais) corresponder na maior parte dos casos a valores que se aproximam do salário mínimo nacional do país destino, valores estes que não representariam incentivo económico bastante que justificasse o trabalho no estrangeiro pelos trabalhadores, se não surgisse, precisamente, tal incentivo no pagamento de verbas sob a designação de “ajudas de custo” (no montante em média de cerca de 3500€ mensais) que correspondem em regra ao dobro do valor da remuneração base declarada.
Assim sendo, concluo que não obstante a designação de “ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro” estes montantes não têm natureza compensatória, mas sim remuneratória, pelo que devem ser base de incidência de contribuições para a segurança social.
Propostas
Face ao exposto, proponho que a entidade averiguada seja notificada, por carta registada, nos termos do disposto nos arts. 100º e 101° do CPA e na alínea c) do art. 3° do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, da intenção deste Serviço de proceder à elaboração das correspondentes declarações de remunerações com os elementos em falta, nos termos do mapa de apuramento anexo. (...)” (fls. 128 e ss. do PA apenso);
4. Notificada, veio a Impugnante exercer o seu direito de audição, por requerimento remetido à Segurança Social, por correio registado com data de 19-12-2014, que aqui se dá por integralmente reproduzido, defendendo a natureza compensatória das ajudas de custo pagas e não remuneratória, já que, apesar de estarem previstas nos contratos, “foram estipuladas sem natureza normal e permanente, tendo sido fixada contratualmente (cf. n.° 3 da Cláusula 2ª dos Contratos de Trabalho) a menção expressa de que “... qualquer quantia paga ao segundo Outorgante — ao trabalhador deslocado — a título de subsídios ou qualquer outros, têm natureza facultativa ou precária…”, apesar de se tratar de uma quantia fixa, periódica, mensal, paga inclusivamente ao fim de semana de descanso, de ser superior ao vencimento mensal, e de “o local da prestação ser na Bélgica ou Holanda constituindo, na realidade, o seu domicílio necessário”, o alojamento e a alimentação dos trabalhadores eram providenciados com os montantes diários pagos a título de “ajudas de custo”, e que só assim permitia a contratação e habilitação para residir e alimentar cada um dos trabalhadores, já que “os € 1.500,00 de salário médio, sem as condições de ajuda à deslocação e permanência jamais permitiriam a cada trabalhador subsistir em país onde o nível do custo de vida é superior ao português”; mais defendeu que só estão sujeitas a incidência contributiva as ajudas de custo que excedam os limites legais e que há tratamento desigual entre os trabalhadores deslocados sazonalmente para determinada obra no estrangeiro, que têm direito as ajudas de custo, e os contratados directamente para trabalhar no estrangeiro, que não o têm, violando o princípio da igualdade previsto na CRP; terminou pedindo a reformulação da proposta para que fossem tributadas as ajudas de custo apenas na parte em que excederam os limites legais, ou seja, em € 22,46 (€ 111,81 - € 89,35 - limite legal); juntou documentos de despesas efectuadas no estrangeiro pelo ex-sócio e pelos trabalhadores no período da inspecção, indicando para ser ouvido o sócio-gerente, destinado a demonstrar que as ajudas de custo tinham por finalidade providenciar alojamento, deslocações, viagens e alimentação (fls. 149 e ss. do FA apenso);
5. Em 23-12-2014 foi elaborado o relatório final de inspecção, sancionado superiormente, que aqui se dá por integralmente reproduzido, que, para além do teor idêntico ao projecto de relatório a que se refere o ponto 3. supra, incluindo os mapas anexos, tem, ainda, o teor seguinte: “(...) Face ao exposto, foi a entidade averiguada notificada através do oficio n.° 113123, de 4-12-2014, por carta registada com aviso de receção, nos termos do disposto nos arts. 100º e 101° do CPA e na alínea c) do art. 3° do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, da intenção deste Serviço de proceder à elaboração das correspondentes declarações de remunerações com os elementos em falta, nos termos do mapa de apuramento anexo.
Em 22-12-2014, a entidade averiguada apresentou a resposta com o registo de entrada n.° 2467/2014 (documento anexo) e solicitou a inquirição do sócio gerente H…………..
Analisada a resposta apresentada, entendemos que esta não apresenta matéria de facto nem de direito suscetível de alterar o sentido da decisão comunicado á entidade averiguada.
Da matéria de facto
No que respeita à matéria de facto, nesta resposta a entidade averiguada alega, em suma, que os montantes pagos a título de ajudas de custo têm natureza compensatória e não remuneratória e como tal devem ser excluídos da base de incidência de contribuições para a segurança social, porquanto a intenção subjacente à atribuição daqueles montantes, foi compensar, indemnizar e reembolsar os trabalhadores por despesas efetuadas em serviço e em favor da sua entidade patronal, por forma a assegurar a subsistência dos mesmos num país onde o custo de vida é muito superior ao de Portugal.
Para demonstrar o acima exposto, apresentou cópias de comprovativos de despesas efetuadas no estrangeiro, no período em questão, pelo ex-sócio gerente da entidade averiguada, I……………… e por outros trabalhadores não identificados.
Com efeito, desta forma, a entidade averiguada não contrariou, mas antes reforçou os factos apurados, designadamente o facto de os trabalhadores afetos à prestação de serviços para a empresa francesa B………….., conhecerem na data de celebração do contrato que o local de trabalho habitual seria ………, na Bélgica, bem como o facto de todos terem prestado serviço unicamente naquele local, única empreitada à data em curso.
Assim sendo, não podemos deixar de entender que inexiste deslocação ao serviço da empresa, porque os trabalhadores da entidade averiguada possuindo como local habitual de trabalho (domicílio necessário)………, na Bélgica, não foram incumbidos pela empresa de se deslocarem temporariamente a outro local, não contratualmente fixado, para aí, excecionalmente, desempenharem quaisquer tarefas inerentes às suas funções, findas as quais regressariam depois ao local de trabalho para onde foram inicialmente contratados.
Acresce que, não basta alegar que a intenção subjacente à atribuição destes montantes foi compensar, indemnizar e reembolsar os trabalhadores por despesas efetuadas em serviço e em favor da sua entidade patronal, para que aquela se torne real.
Ora sendo os “mapas resumo das ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro” que sustentam o pagamento das ajudas de custo elaborados com base na assiduidade dos trabalhadores, não é possível estabelecer uma relação causa efeito entre as despesas reais (de transporte, estadia e alimentação) e o pagamento destes montantes e como tal não podemos concluir pela natureza compensatória dos abonos em questão”
Com efeito, os “mapas resumo das ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro” relatam o pagamento do montante mensal médio de 3500 €, montante este que seria claramente excessivo se a sua função fosse unicamente compensar despesas de estadia e alimentação, designadamente por comparação deste montante ao da remuneração base (1500 €).
O facto notório de o custo de vida na Bélgica ser superior ao de Portugal e a premissa de que a prestação de trabalho em local que diste da residência do trabalhador é suscetível de gerar ao mesmo despesas de deslocação, alojamento e alimentação, não comprovam, só por s que existe relação entre as despesas reais e o pagamento destes montantes.
Da matéria de direito
No que respeita à matéria de direito, a entidade averiguada vem defender que apesar de os montantes em questão serem uma quantia fixa, mensal, paga mesmo em dias de descanso semanal e em montantes superiores aos do vencimento base, estes montantes não têm uma natureza normal e permanente, uma vez que o n.° 3 da Cláusula 2ª dos Contratos de trabalho estabelece que “qualquer quantia paga ao trabalhador a título de subsídios ou outros tem natureza facultativa ou precária”,
Mesmo que admitíssemos face ao disposto no n.° 3 da Cláusula 2ª dos Contratos de Trabalho, que a atribuição de subsídios não diferenciados poderia estar na disponibilidade das partes, o que jamais seria o caso da retribuição, não é esta a situação dos montantes pagos a título de ajudas de custo, pois estes estão previstos em normativo autónomo do contrato de trabalho (n.° 2 da Cláusula 2.ª), que estabelece que “terá o trabalhador direito a auferir ajudas de custo, desde a saída até á sua chegada a Portugal, em montante a determinar em função das necessidades e das características do local”,
Deste normativo resulta ser a ratio do pagamento destes montantes a efetiva necessidade da empresa de retribuir a especial onerosidade do trabalho decorrente das características do local de trabalho, ou seja do facto de a prestação de trabalho obrigar o trabalhador a permanecer longe da família, num país estrangeiro e onde o custo de vida é superior ao de Portugal.
Naturalmente, na negociação de um qualquer contrato de trabalho, a entidade empregadora pondera as especificidades da atividade profissional objeto da contratação, tais como a sua complexidade, o horário praticado, e obviamente, também, as características do local de trabalho, convencionando a retribuição e não as ajudas de custo como a contrapartida própria da atividade profissional em causa e adaptando aquela a cada situação concreta.
Na referida resposta, a entidade averiguada sustenta também que deve ser base de incidência de contribuições para a segurança social apenas a parte das ajudas de custo que excedesse os limites fixados para os servidores do estado nos termos do n.° 3 do art. 46° do CIRS e do artigo 46°, n° 2, alínea p) e n° 3 do Código Contributivo, ou seja o montante diário de 22,46 € e não de 111,81 €, constante dos nossos mapas de apuramento.
Não obstante, só seria atendível a proposta apresentada pela entidade averiguada, se no caso em apreço estivéssemos perante verdadeiras ajudas de custo, o que, como acima demonstrámos, não se verifica.
Por outro lado, a entidade averiguada, não obstante reconhecer e aceitar que o local de trabalho de trabalho habitual dos trabalhadores é a Bélgica e que no caso em apreço existe uma única deslocação, que é efetuada da residência dos trabalhadores em Portugal para o seu local de trabalho em ……….., na Bélgica, deslocação esta que dura por todo o tempo do contrato, alega, ainda, na sua resposta, que os nossos serviços violam o princípio da igualdade consagrado no art. 13° da Constituição da República Portuguesa, ao considerarem que inexiste na situação em apreço uma deslocação dos trabalhadores do seu local de trabalho habitual, porquanto estamos a tratar de forma desigual os trabalhadores que são contratados para laborar num local de trabalho fora de Portugal, relativamente aos que se lá deslocam esporadicamente ao serviço das suas entidades empregadoras.
Ora, não colhe, também, o argumento apresentado, pois, o que os nossos serviços distinguiram, por aplicação dos diplomas legais acima mencionados, foram as situações em que há despesas decorrentes da deslocação dos trabalhadores do seu local de trabalho habitual, despesas estas que sendo comprovadas conferem aos mesmos o direito a auferir de ajudas de custo, da situação que se verifica no caso em apreço, em que não há deslocação senão a dos trabalhadores da sua residência para o seu local de trabalho, deslocação esta que por ser comum a todos os que trabalham, mais não conferiu aos trabalhadores da entidade averiguada que o direito a auferir a retribuição adequada ao trabalho que executaram.
Quanto à inquirição do sócio-gerente H…………………., somos de opinião ser impertinente a realização desta diligência, nesta fase do procedimento, uma vez que a resposta em sede de audiência de interessados não acrescentou factos novos, e que todos os factos que sustentam as conclusões vertidas no presente relatório foram já objeto de apreciação e pacificam ente aceites pela entidade averiguada.
Face ao exposto, concluímos que para o pagamento pela entidade averiguada, no período compreendido entre Fevereiro de 2013 e Junho de 2014, dos montantes intitulados de ajudas de custo e relatados nos “mapas de ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro” não foi apurada causa diversa da remuneração do trabalho, pelo que carece de fundamento legal o procedimento adotado pela entidade averiguada de excluir estes montantes da base de incidência contributiva para a segurança social.
Com esta conduta, nos meses de Fevereiro de 2013 a Abril de 2014 a entidade averiguada obteve para si vantagem patrimonial ilegítima superior a 7500€, incorrendo na prática do crime de fraude contra a segurança social, previsto no art. 106° do RGIT.
Propostas
Assim sendo, proponho que o presente relatório seja remetido à Unidade de Prestações e Contribuições do cdist Coimbra para que se proceda à elaboração das correspondentes declarações de remunerações com os elementos em falta, nos termos dos mapas de apuramento em anexo.
Proponho também o apuramento da responsabilidade criminal da entidade averiguada pelos indícios recolhidos da prática do crime de fraude contra a segurança social, previsto no art. 106° do RGIT, nos meses em que a entidade averiguada obteve para si vantagem patrimonial ilegítima superior a 7500€, tendo para o efeito elaborado os correspondentes autos de notícia.” (fls. 181 a 196 do PA apenso);
6. O relatório que antecede foi notificado à Impugnante através do ofício n.° 1228, de 06-01-2015, enviado por carta registada com AR, assinado em 07-01-2015 (fls. 196 e respectivo AR do PA apenso);
7. Através de requerimento, entrado na Segurança Social em 21-01-2015, que aqui se dá por reproduzido, a ora Impugnante veio “reclamar” do relatório final que antecede, defendendo que o mesmo não se tinha pronunciado sobre o seu direito de audição, nem o sócio gerente tinha sido ouvido, como requerido (fls. 197 e ss. do PA apenso);
8. Por despacho do Director da Unidade de Fiscalização do Centro, de 23-02-2015, que aqui se dá por reproduzido, foi a reclamação que antecede indeferida (fls. 213 e 214 do PA apenso);
9. O despacho que antecede foi notificado à impugnante por ofício n.° 19168, de 25-02-2015, remetido por carta registada com AR, assinado em 26-02-2015 (fls. 211 e 212 do PA apenso);
10. Pelo ofício n.° 26605, de 15-03-2015, enviado através de carta registada com AR, assinado em 20-03-2015, foi a Impugnante notificada para pagamento voluntário da dívida resultante do apuramento oficioso das contribuições, a que se referem os pontos anteriores, no valor total de € 306.159,59, no prazo de 30 dias (fls. 36 a 38 do “processo de registo de apuramento oficioso e liquidação oficiosa” apenso);
11. Pelo ofício n.° 47786, de 27-05-2015, enviado através de carta registada com AR, assinado em 23-05-2015, sob o assunto “Repetição de notificação para pagamento voluntário de dívida emergente de apuramento oficioso de contribuições relativas a diversos trabalhadores e membros de órgãos estatutários.
Liquidação oficiosa de contribuições — valor € 759 229,80”, foi a Impugnante informada que, por ter havido lapso, a notificação a que se refere o ponto anterior tinha ficado sem efeito, e que ficava notificada para pagamento voluntário da dívida resultante do apuramento oficioso das contribuições, no valor total de € 759 229,80, no prazo de 30 dias (fls. 80 a 89 do “processo de registo de apuramento oficioso e liquidação oficiosa” apenso);
12. Em 03-06-2015 deu entrada neste TAF a presente impugnação, remetida por correio registado com data de 02-06-2015 (fls. 2 a 41 dos autos);
Mais se provou que:
13. As quantias designadas de “ajudas de custo” processadas pela Impugnante tinham por base “Mapas de ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro”, preenchidos pela empresa com base em informação sobre assiduidade fornecida pelo supervisor da empreitada residente na Bélgica (acordo — artigos 12° e 14° da p.i. e auto de declarações da funcionária, a que se refere o ponto 2. supra, bem como projecto e relatório de inspecção, parcialmente transcritos em 3. e 5. supra);
14. Os valores pagos a título de “ajudas de custo” tinham o valor fixo diário de € 111,81, eram pagos durante todo o tempo em que vigoraram os contratos de trabalho e em dias seguidos do mês, fosse dia útil ou de descanso (acordo — artigos 12° a 14° da p.i., auto de declarações da funcionária da Impugnante, a que se refere o ponto 2. supra e projecto e Relatório de Inspecção parcialmente transcritos em 3. e 5. supra e alguns exemplos destes mapas, juntos ao PA, a fls. 59 a 88);
15. Os trabalhadores a que se referem as correcções aqui impugnadas — cfr. Mapas de Apuramento de Remunerações, que se dão por reproduzidos — celebraram com a Impugnante, nos anos de 2013 e 2014, contratos de trabalho de trabalho a termo incerto, sendo que neles consta como local de trabalho a obra para a qual foram contratados, tendo a Cláusula 3ª “Local de Trabalho”, idêntica em todos eles, o seguinte teor: “O local de trabalho será na obra denominada na Bélgica ou na Holanda, ou o que resultar de transferência legalmente admissível, estando o Segundo Outorgante adstrito às deslocações inerentes às suas funções ou indispensáveis à sua formação profissional.” (acordo — artigo 47° da p.i., projecto e relatório final de inspecção, parcialmente transcritos nos pontos 3. e 5. supra e alguns desses contratos juntos ao PA apenso, a fls. 34 a 38 e 122 a 126);
16. Os contratos de trabalho celebrados previam, nas respectivas cláusulas 2ª n.° 2, o direito dos trabalhadores auferirem “ajudas de custo” “desde a saída até à sua chegada a Portugal, em montante a determinar em função das necessidades e das características do local” (cfr. exemplos de contratos de trabalhos juntos ao PA a fls. 34 a 38 e 122 a 126, acordo — arts. 10°, 45° e 62° da p.i. e projecto e relatório de inspecção, parcialmente transcritos supra, em 3. e 5.);
17. Durante o período em que duraram os contratos os trabalhadores não foram deslocados para local diferente daquele para o qual tinham sido contratados (acordo — 9°, 13°, 44° e 47° da p.i., auto de declarações de uma funcionária da empresa, transcrito em 2. supra e projecto e Relatório de Inspecção, parcialmente transcritos em 3. e 5. supra).

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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença que julgou totalmente improcedente a impugnação, padece de erro de julgamento, por ter aplicado o conceito de “domicílio necessário”, inserto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24/04, ao invés de aplicar o Decreto-Lei n.º 192/95, de 28/07, que regula a atribuição de ajudas de custo por deslocações em serviço público ao estrangeiro e no estrangeiro.
Vejamos.
Brota nas conclusões recursórias que, no essencial, a Recorrente esteia a sua insurgência contra a sentença recorrida no que toca ao emprego do conceito de “domicílio necessário” ínsito no artigo 2.º do mencionado Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril, que lhe confere o seguinte conceito:
“Sem prejuízo do estabelecido em lei especial, considera-se domicílio necessário, para efeitos de abono de ajudas de custo:
a) A localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço;
b) A localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa da referida na alínea anterior;
c) A localidade onde se situa o centro da sua atividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções”.
Ao invés, perfilha a recorrente o entendimento de que seria adequável ao caso o regime do Decreto-Lei n.º 192/95, de 28 de Julho, que estabelece a atribuição de ajudas de custo por deslocações em serviço público ao estrangeiro e no estrangeiro.
A recorrida sustenta que não basta a mera qualificação de determinado montante como “ajuda de custo”, para que assim fique excluído de base de incidência quer para efeito de segurança social, quer para efeitos fiscais, relevando apenas que o montante qualificado como “ajuda de custo” corresponda à situação factual que justifica o pagamento, ou seja, se efectivamente existiu deslocação do local de trabalho habitual a serviço da entidade empregadora. E in casu está demonstrada a inexistência de deslocação ao serviço da entidade empregadora, ora Recorrente, porque os respectivos trabalhadores tinham como local habitual de trabalho (domicílio necessário) a localidade de ……….., na Bélgica, não tendo sido incumbidos pela Recorrente para se deslocarem temporariamente a outro local, que não estivesse contratualmente fixado, para aí, excepcionalmente, desempenharem quaisquer tarefas inerentes às suas funções, findas as quais regressariam, depois de certo período, ao seu local de trabalho para onde foram inicialmente contratado. Significa que os trabalhadores apenas se deslocaram das suas residências em Portugal para ………., Bélgica, contratualmente fixado como o seu local de trabalho, e não se encontra comprovada qualquer deslocação relativamente ao local de trabalho contratualmente fixado, a saber, ……., Bélgica pelo que, apesar da designação de “ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro”, em bom rigor, os montantes em causa não têm natureza compensatória, mas sim remuneratória, devendo ser base de incidência de contribuições para a segurança social, nos termos dos artigos 44.°, 46.° e 47.° do CRC, isso em linha com a jurisprudência uniforme dos tribunais superiores que cita, a saber, o Acórdão do Tribunal Constitucional n° 296/2004, proferido no processo n.° 190/04, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido no processo n° 00598/03, de 11/11/2003, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido no processo n.° 01006/04,6BEBRG, de 08/11/2007.
O EPGA junto deste Tribunal também ampara que o tribunal a quo fez uma correta e adequada interpretação do regime legal aplicável, ao pôr ênfase na causa que determinou a atribuição das ajudas de custo, a saber, a deslocação temporária do trabalhador do seu local de trabalho, ao serviço e por conta da entidade patronal e, outrossim, a finalidade que presidiu a essa atribuição, justamente a compensação do beneficiário por despesas que não teria feito, se não ocorresse essa deslocação.
Por antecipação, diga-se que também nós acompanhamos esse entendimento.
Assim e em primeiro lugar, é o conceito de “domicílio necessário” acolhido na sentença o aplicável pois, como enfatiza o EPGA, só deste modo se conjugam e compatibilizam as disposições legais que prevêem o regime jurídico do abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública, quando deslocado em serviço público em território nacional, com as que contemplam a atribuição de ajudas de custo por deslocações do referido pessoal em serviço público, ao estrangeiro e no estrangeiro.
Em reforço dessa tese pontifica o facto de o legislador, no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril, ter justificado a adopção do conceito de domicílio necessário consagrado no artigo 87.° do Código Civil, extrapolando essa noção do direito privado a qual, como se denota na sentença recorrida, vem desde há muito sido considerada pela jurisprudência constante e uniforme dos tribunais superiores desta jurisdição, como se manifesta em inúmeros acórdãos destacando-se os do TCA Norte, prolatados em 02/02/2017, no Processo n.º 00512/04.7BEPNF, em 08/11/2007, no Processo n.º 01006/04.6BEBRG e em 14/10/2004, no Processo n.°00140/04 e os do TCA Sul em 29/03/2011, no Processo n.º 04592/11, em 13/01/2004, no Processo n.º 00669/03, em 30/09/2003, no Processo n.º 00700/03, em 17/03/2004, no Processo n.º 06285/01, em 11/11/2003, no Processo n.º 00598/03 e em 16/04/2002, no Processo n.°6274/02, todos consultáveis em www.dgsi.pt..
Resulta dessa jurisprudência a consideração de que nem todas as remunerações, recebidas pelos trabalhadores das respectivas entidades patronais, assumem a natureza de retribuição, pois que, existem algumas que, não tendo qualquer correspectividade em relação ao trabalho prestado, visam apenas compensá-lo por despesas efectuadas em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram por aquele suportadas (cfr. artigo 87.° do Dec.-Lei n.°49.408, de 24 de Novembro de 1969 - L.C.T.).
Característica essencial dessas prestações é o facto de representarem uma compensação ou reembolso pelas despesas a que o trabalhador foi obrigado na sequência de deslocações ou novas instalações ao serviço do empregador, inexistindo na sua percepção qualquer correspectividade em relação ao trabalho (cfr. Jorge Leite e Coutinho de Almeida, in "Colectânea de Leis do Trabalho", pág. 89 e segs.; Menezes Cordeiro, in "Manual de Direito do Trabalho", págs. 721 e segs. e Monteiro Fernandes, in "Direito do Trabalho", vol. l, 8ª edição, págs. 361 e segs.).
Daí que, o que verdadeiramente releva para efeitos da atribuição de ajudas de custo, é que o trabalhador esteja deslocado relativamente ao seu local de trabalho e que, por força dessa deslocação, incorra em despesas que devem ser suportadas pela entidade patronal, porque efectuadas ao serviço e a favor desta, sendo que a deslocação tem sempre de ser aferida relativamente ao local do domicílio necessário do trabalhador.
No entanto, cabe à A.T. o ónus de provar a existência dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, isto é, o encargo de provar que se verificam os factos, que integram o fundamento previsto na lei, para que seja ela a liquidar o tributo, que o contribuinte deixou de liquidar, compete-lhe demonstrar a existência e conteúdo do facto tributário.
Na verdade, como demonstra o EPGA no seu douto Parecer, o STA-SCT tem colocado o acento tónico na questão de saber a quem incumbe o ónus da prova, ao firmar que
“I - As ajudas de custo, atribuídas ao trabalhador, têm natureza remuneratória somente na parte que excede o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado, face ao disposto no art.° 2. n.° 3, al. d) do CIRS.
II – O ónus de prova de tal excesso, como da verificação da falta dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, recai sobre a Administração Tributária (sem sublinhado no original; cfr. os doutos Acórdãos de 22/05/2013, no Processo n.º 0146/13 e de 06/03/2008, no âmbito do Processo n.º 01043/07).”
Ora, tudo isso foi acatado na sentença recorrida no passo em que expende que “(…) o que a Segurança Social apurou e a Impugnante não negou — foi que, prevendo os contratos de trabalho, celebrados com os trabalhadores, os locais de trabalho, que coincidam com a obra para a qual foram contratados e tendo apurado (no que também não foi contrariado pela Impugnante) que não tinha havido deslocações desse local contratualmente previsto, não se verificava o requisito da existência de uma deslocação do “domicílio necessário”, do local contratualmente fixado” (cfr. fls. 243 verso in fine e 244 do p. f.)
Ademais, o caso vertente assume contornos fáctico-jurídicos similares aos que estiveram subjacentes aos aludidos doutos arestos tirados pelo TCA Sul e pelo TCA Norte, merecendo, deste modo, idêntico tratamento. (…)”.
Assim à guisa de conclusão, em louvação da jurisprudência consonante dos Tribunais Superiores diremos que a sentença não é passível das censuras que lhe são desferidas, antes é digna de ser confirmada por ter feito uma exímia interpretação e aplicação do bloco de legalidade aplicável ao caso concreto, porquanto:
· O conceito de “domicílio necessário”, em função da noção que dele nos dá o artigo 2.º do já citado Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril, nos termos do qual se considera-se domicílio necessário, para efeitos de abono de ajudas de custo a localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço; a localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa da referida na alínea anterior ou a localidade onde se situa o centro da sua actividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções.

· Provado que está que os trabalhadores da recorrente foram contratados para trabalhar num país estrangeiro, sendo aí o seu local de trabalho, e que não houve mudança do local de trabalho contratualmente previsto ou deslocações por força da prestação ocasional do trabalho fora do local habitual ou por força da transferência das instalações da sua entidade patronal, é forçoso concluir que as prestações auferidas por aqueles a título de ajudas de custo integravam a respectiva retribuição ou remuneração de trabalho, constituindo um complemento desta.
· Não é pelo facto de o trabalho ser prestado no estrangeiro, sem mais, que a entidade patronal pode suportar, a título de ajudas de custo, as despesas de alojamento e alimentação do trabalhador.
· Relevante, para efeitos da atribuição de ajudas de custo, é que o trabalhador esteja deslocado relativamente ao seu local de trabalho fixado no contrato e que, por força dessa deslocação, incorra em despesas que devem ser suportadas pela entidade patronal porque efectuadas ao serviço e a favor desta.
· Sem embargo da designação de “ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro”, em bom rigor, os montantes em causa não têm natureza compensatória, mas sim remuneratória, devendo ser base de incidência de contribuições para a segurança social, nos termos dos artigos 44.°, 46.° e 47.° do CRC.
Do que vem dito, improcedem inelutavelmente as conclusões do recurso e deve ser aprovada a sentença recorrida.

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3- Decisão:

Termos em que acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º n.º 7 do R.C.P., correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a €275.000, atento o grau de complexidade do processado, a conduta dos litigantes e a utilidade económica das pretensões das partes.
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Lisboa, 1 de Julho de 2020. - José Gomes Correia (relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.