Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada, interpôs recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., S.A., devidamente identificada nos autos, do indeferimento da reclamação graciosa contra o acto tributário de autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (doravante CESE) e respectivos juros compensatórios, referente ao ano de 2018, no valor global de € 132.500,04.
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
I - O tribunal a quo fundamenta essencialmente a sentença com a jurisprudência extraída do acórdão do Tribunal Constitucional nº 101/2023 de 16/03/2023 respeitante à CESE de 2018, que se decidiu pela inconstitucionalidade da al. d) do art. 2º do RCESE por violação do art. 13º da Constituição (fundamentalmente, em resultado da alteração feita aos nºs. 2 e 4 do art. 4º do DL 55/2014 de 09/04 (FSSSE) operada pelo DL 109-A/2018 de 07/12, que entrou em vigor em 08/12/2018, onde se passou a prever que até 1/3 das receitas da CESE se destinariam ao financiamento das políticas sociais e ambientais do sector energético e que as restantes receitas da CESE se destinariam ao financiamento da dívida tarifária do sector elétrico).
II - E o tribunal a quo fundamenta, pois, o seu juízo de inconstitucionalidade e consequente desaplicação da al. e) e, também, da al. d) do art. 2º da RCESE (o impugnante apresentou posteriormente um requerimento a dizer que, afinal, se enquadrava na al. d) do art. 2º da RCESE), dizendo, em suma, que a CESE é uma contribuição financeira e que, em resultado da alteração feita aos nºs. 2 e 4 do art. 4º do DL 55/2014 de 09/04 operada pelo DL 109-A/2018 de 07/12, a partir de 2018 deixou de se verificar o nexo necessário entre as prestações públicas que a CESE se destina a financiar e o grupo de sujeitos passivos que exercem actividades de transporte, distribuição ou armazenamento de gás natural, dado que a maior parcela da CESE passou a ter como objectivo a redução da dívida tarifária do sector eléctrico e que não claras as razões por que o legislador teve ao passar a exigir aos operadores do subsector do gás natural que participassem nos encargos daí decorrentes, dado que não deram origem estes nem daí tiram qualquer benefício e, dizendo mais, que não foram estabelecidos critérios que imponham que uma parte da receita da CESE seja afecta ao financiamento de todos os operadores económicos incluídos no âmbito da incidência subjectiva, dado que, no limite, o Governo pode afectar toda a receita da CESE à redução da dívida tarifária do subsector eléctrico, podendo deixar a receita de ser afecta ao subsector do gás natural, pelo que, sem outras considerações, decide retirar daqui um juízo de inconstitucionalidade e desaplicar as normas da RCESE acima mencionados por violação do artigo 13º da CRP e anular a autoliquidação da CESE do ano de 2018 e decretar o pagamento de juros indemnizatórios por prestação de garantia indevida.
III - Ora, refira-se, desde já, que não concordamos, de todo, com o decidido pelo tribunal a quo, dado que a alteração feita aos nºs. 2 e 4 do art. 4º do DL 55/2014 de 09/04, operada pelo DL 109-A/2018 de 07/12, não se aplica à CESE de 2018, porquanto a incidência da CESE neste ano se refere aos activos reconhecidos na contabilidade com referência a 01/01/2018 (cfr. arts. 2º e 3º, nºs. 1 e 5 da RCESE), pelo que tal alteração, com entrada em vigor em 08/12/2018, não se pode aplicar à CESE de 2018 sob pena de ilegalidade, dado que esta apenas incide apenas e exclusivamente sobre os activos reconhecidos na contabilidade em 01/01/2018 (e não sobre os activos reconhecidos posteriormente a esta data, em 08/12/2018).
IV - Por outro lado, refira-se que, posteriormente ao mencionado acórdão 101/2023 do TC de 16/03/2023, foram prolatados pelo menos mais 4 acórdãos também proferidos por esse alto Tribunal, a saber, o acórdão do TC nº 296/2023 de 25/05/2023, o acórdão do TC nº 338/2023 de 06/06/2023, o acórdão do TC nº 372/2023 de 07/06/2023 e o acórdão do TC nº 369/2023 de 07/06/2023, todos também relativos à CESE de 2018, onde se decidiu em todos eles pela não inconstitucionalidade, não só das normas constantes das als. d) e e), como de qualquer das normas constantes das outras alíneas do art. 2º da RCESE (assim como pela não inconstitucionalidade de outras normas neles invocadas, mormente dos arts. 3º, 4º 11º e 12º, também da RCESE).
V - E a jurisprudência que se retira dos citados acórdãos do TC referentes à CESE de 2018 aplica-se igualmente à CESE do mesmo ano objecto dos presentes autos, dado que as normas em causa nesses arestos incluem as normas que se discutem nos presentes autos, ou seja, as mencionadas als. d) e e) do art. 2º da RCESE.
VI - E em todos esses mais recentes arestos do TC (onde, pelo menos num desses arestos se chama à colação e contraria o mencionado acórdão do TC nº 101/2023) se retira, entre outros fundamentos de não inconstitucionalidade, que as receitas da CESE se destinam ao FSSSE e que é este fundo, constituído não só pelas receitas da CESE como por outras transferências e que é com todas estas receitas previstas para o fundo que se vai financiar a dívida tarifária e as políticas sociais e ambientais do sector energético (e não financiar só com as receitas da própria CESE, pelo que a alteração promovida pelo DL 109-A/2018 de 07/12 ao regime jurídico do FSSSE se mostra irrelevante em termos da aferição da constitucionalidade das normas que integram a RCESE).
VII - E retirando-se ainda desses mais recentes arestos do TC que a cobrança da CESE oferece estabilidade ao sector energético e que todos os operadores deste sector, onde os impugnantes do sector do gás se integram, extraem como vantagem o benefício de grupo de não se acharem confrontados com um sector instável, nomeadamente desorganizado ou em rutura e, ainda, da necessidade do equilíbrio ambiental e de racionalização da exploração dos recursos nacionais, assim como da medida transitória e excepcional da redução da dívida tarifária, daí que se compreenda a chamada ao financiamento da acção pública neste domínio, constituindo, pois, todos estes considerandos um nexo causal entre a actividade da impugnante e a prestação que lhe é exigida através da CESE, pelo que também por esta via falece o juízo de inconstitucionalidade aduzido pelo tribunal a quo.
VIII - Pelo exposto, tendo em conta que alteração feita aos nºs. 2 e 4 do art. 4º do DL 55/2014 de 09/04, operada pelo DL 109-A/2018 de 07/12, não se aplica à CESE de 2018 e tendo em conta as decisões de não inconstitucionalidade, onde se incluem as normas constantes das als. d) e ) do art. 2º da RCESE, proferidas em pelo menos quatro acórdãos do Tribunal Constitucional, cuja jurisprudência se pode aplicar à CESE autoliquidada nos presentes autos, não devendo tais normas ser desaplicadas por inconstitucionalidade, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento e deve ser anulada ou revogada a sentença recorrida, mantendo-se a autoliquidação da CESE do ano de 2018 na ordem jurídica, não sendo devidos quaisquer juros indemnizatórios por prestação de garantia no processo de execução fiscal.
A Impugnante contra - alegou, formulando as seguintes conclusões:
A. O Acórdão do TC n.º 296/2023 – em que o recurso interposto pela AT assenta em parte – erram ao pressupor que a discussão em causa nos autos se encontra praticamente esgotada em controvérsias resolvidas desde o Acórdão n.º 7/2019 e que assim é porque a questão da conformidade constitucional da CESE estaria fundamentalmente dependente de se saber se aquela constitui um verdadeiro imposto ou antes uma contribuição financeira.
B. Com efeito, após aquele Acórdão n.º 7/2019, relativo à CESE em vigor em 2014 (o primeiro ano de vigência do tributo), este Tribunal foi construindo, reiterando e consolidando uma jurisprudência, relativa inicialmente aos anos de 2015 a 2017, da qual resulta que a justificação da CESE – mesmo admitindo que ela é uma contribuição financeira – se manteria apenas enquanto se mantivessem também as obrigações internacionais do Estado português ligadas à emergência do reequilíbrio das contas públicas, obrigações essas vertidas primeiro no Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) e depois no Procedimento por Défice Excessivo (PDE). Ora, como nem um nem outro estavam já em vigor em 2018, a consequência lógica e previsível daquela jurisprudência seria a de que a partir daquele ano a CESE teria perdido a sua razão de ser.
C. O Acórdão n.º 101/2023 (que fundamenta o presente recurso), relativo a 2018 (como os presentes autos), tem por subjacente o conteúdo dessa jurisprudência. Em parte, é um corolário ou uma consequência lógica da mesma. Isto significa que o Acórdão n.º 296/2023 não foi proferido em contradição apenas com o Acórdão n.º 101/2023: apesar de relativamente a este a contradição ser directa e completa, porque existe um contraste quanto à argumentação e ao sentido da decisão, essa contradição existe igualmente, na dimensão da argumentação, relativamente a todo o percurso jurisprudencial que desembocou naquele aresto.
D. No entanto, além de dar importância ao facto de em 2018 se terem deixado de se verificar as condições gerais de excecionalidade financeira que, segundo a jurisprudência anterior, justificavam a vigência extraordinária da CESE (designadamente a vigência do PAEF e do PDE), o Acórdão n.º 101/2023 acrescenta um outro elemento de análise fundamental: no que concerne ao contexto específico do sector energético que justificou a criação da CESE, o TC sublinha que, partir de 2018, também a trajetória de redução da dívida tarifária do SEN – o principal objetivo concreto da medida – significa que o tributo deixou de ter o mesmo sentido de urgência que tinha quando foi criado.
E. Essa aceleração da redução da dívida tarifária resultou da decisão política de transferir em 2018 a receita necessária para o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético, entidade à qual cabe aplicar a receita da CESE aos fins legalmente previstos (segundo o Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril) – isto na sequência de uma alteração ao seu regime produzida pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de Dezembro. Antes de tal intervenção legislativa, o Fundo estava obrigado a dirigir apenas um terço daquela receita para o objetivo de redução da dívida tarifária do SEN, enquanto dois terços da mesma seriam destinados a outras políticas gerais de sustentabilidade energética. Após a alteração legal, o Fundo passou a poder aplicar à redução da dívida tarifária dois terços da receita da CESE, podendo utilizar até um terço da mesma no financiamento de outras
medidas.
F. Daqui o Acórdão retira que a CESE é inconstitucional a partir de 2018 por referência às empresas que não integram o sector da produção de eletricidade. Isto é: dado que a receita da CESE passou a servir maioritariamente para financiar a redução da dívida tarifária do SEN, não faz sentido exigi-la às empresas que não são do sector eletroprodutor.
G. Neste sentido, a alínea d) do artigo 2.º do regime da CESE vigente em 2018 é inconstitucional, por quebra do nexo causal entre os objectivos do tributo e os operadores que actuam no sector do gás natural, como a Recorrida.
H. A Recorrida adere ao conteúdo do Acórdão n.º 101/2023, que no seu entender deve prevalecer na ordem jurídica sobre a decisão aqui em crise, por constituir uma melhor subsunção da realidade da CESE de 2018 aos princípios constitucionais aplicáveis. De resto, assim é porque todos os demais pressupostos em que o Acórdão n.º 296/2023 assenta - e que no seu conjunto constituem uma tentativa de refutar a tese central do Acórdão n.º 101/2023 (a de que o Decreto-Lei n.º 109-A/2018 produziu a mudança fundamental identificada pelo Acórdão n.º 101/2023) – são igualmente erróneos.
I. Desde logo, o Acórdão n.º 296/2023 não tem razão quando diz que o Decreto-Lei n.º 109- A/2018, de 7 de Dezembro, não introduziu qualquer alteração à finalidade das receitas geradas pela CESE, mas apenas à finalidade de todas as disponibilidades financeiras integradas no património do Fundo, advenientes das cinco fontes de receita legalmente previstas. Não tem razão porque a CESE é a única receita do Fundo: não só é a única que se encontra realmente prevista (todas as demais receitas se encontram inscritas na lei enquanto meramente hipotéticas ou potenciais, em termos simplesmente programáticos) como não se conhecem que outras fontes geraram efectivamente receita para o Fundo.
J. Saliente-se, ademais, que a criação do Fundo é contemporânea da criação da CESE. Ambos foram criados no mesmo ensejo legislativo (o tributo na Lei do Orçamento do Estado para 2014, para vigorar a partir do início do ano e ser cobrado até Outubro; o Fundo no Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, a tempo de vir a gerir a receita da CESE). Ora, antes da existência deste Fundo, o Estado já assumia a responsabilidade de políticas no sentido da sustentabilidade do sector energético, sem que para tal tenha tido a necessidade de criar semelhante instrumento jurídico. Só o criou então para lhe atribuir a gestão desta nova receita, a provinda da CESE. Por isso, analisar a CESE como se se tratasse de simplesmente mais uma receita do Fundo é um erro. Sem a CESE, o Fundo pura e simplesmente não existiria.
K. Essa relação é evidente no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 55/2014, seja na identificação indubitável da relação causal entre a criação da CESE e a necessidade de criar o fundo, seja no facto de apenas se referir à receita daquele tributo. Mas importa referir também que, na parte normativa do Decreto-Lei, mais concretamente na alínea b) do artigo 2º, se estatui expressamente que é “mediante a receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o sector energético prevista no artigo 228º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro” que se deve garantir o objectivo “da redução da dívida tarifária do Sistema Eléctrico Nacional (SEN)”. No artigo 5º, concretiza-se depois, em pormenor, a forma como a “contribuição” deve ser aplicada àquele objectivo: segundo os n.ºs 1 e 2, o montante da CESE consignada à redução da dívida tarifária “é deduzido aos custos de interesse
económico geral (CIEG) a repercutir em cada ano na tarifa de uso global do sistema aplicável aos clientes finais e comercializadores”.
L. Perante a vontade legislativa traduzida quer no preâmbulo quer na parte dispositiva do Decreto-Lei, não se percebe como pode o TC pensar que, quando falamos do destino das receitas do Fundo, não é do destino das receitas da CESE que estamos realmente a falar. Mais: revela-se que é errada a afirmação do Acórdão n.º 296/2023 segundo a qual “nunca o artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, nem na sua redação originária, nem na introduzida pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, alguma vez estabeleceu uma regra de afetação da receita da CESE a determinadas despesas do Fundo para a Sustentabilidade do Setor Energético”.
M. O TC diz a esse propósito que ‘a prioridade definida no sobredito preceito respeita às “verbas do FSSSE”, ou seja, a todas as disponibilidades financeiras integradas no património do Fundo, advenientes das cinco fontes de receita legalmente previstas (cfr. Artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, acrescidas dos excedentes transportados de exercícios anteriores - cfr. n.º 2), não à coleta obtida de uma delas, fosse o caso da CESE. Todavia, o TC esquece o que resulta da alínea b) do artigo 2º e do artigo 5º: no que concerne às receitas do Fundo destinadas à redução da dívida tarifária do SEN, o legislador impôs que elas fossem especificamente as receitas da CESE. Em face disto, é também errada a afirmação do Acórdão n.º 296/2023 de que o valor de receita anual da CESE é apenas um “parâmetro de limitação de certas categorias de despesa do Fundo, tendo em vista garantir o equilíbrio da sua orçamentação e da sua conta final”, ou um “valor de referência para o limite à despesa com políticas do setor energético”.
N. De qualquer modo, sempre se diga que, mesmo que considerássemos como válida a interpretação do Acórdão n.º 296/2023, no sentido formalista e artificial de que a alteração legal de 2018 implicou uma mudança da chave de repartição das receitas do Fundo, e não da receita da CESE, não se compreende porque é que a conclusão quanto à inconstitucionalidade do tributo relativamente aos operadores que não são do sector eléctrico haveria de ser distinta da retirada pelo Acórdão n.º 101/2023. É que, nessa hipótese, então pelo menos a título potencial ou nocional a receita da CESE teria passado de estar afecta em um terço à redução da dívida tarifária da electricidade para está-lo na proporção de dois terços. O que, em rigor, significaria o mesmo que a Recorrida aqui defende (à semelhança do Acórdão n.º 101/2023) quanto à importância na análise da constitucionalidade da CESE da mudança no peso relativo da sua receita na prossecução dos objectivos do Fundo.
O. Prosseguindo, é igualmente errado o que o Acórdão n.º 296/2023 diz quanto ao facto de a CESE ter um nexo relevante com os operadores do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN) por o regime legal do tributo prever a utilização da receita em fins específicos ligados à sustentabilidade daquele sistema, ou seja, por a receita contributiva obtida das empresas daquele sector, tendo por fonte o valor e excedentes de contratos de aprovisionamento em regime de “take-or-pay” estar alocada ao alívio dos encargos tarifários inerentes à utilização global do sistema (UGS) de gás natural pelos operadores das respetivas redes de transporte e de distribuição.
P. Aqui, o Tribunal omite algo que é essencial e inviabiliza totalmente a conclusão retirada: é que a receita identificada não resulta do tributo em causa nestes autos, mas de um outro, em cuja base de incidência subjectiva o legislador nem sequer integrou os operadores das redes de transporte, distribuição ou armazenamento de gás natural (os sujeitos passivos abrangidos pela alínea d) do artigo 2º do regime da CESE), como a Recorrida. Esse outro tributo especificamente dirigido ao alívio dos encargos tarifários inerentes à UGS de gás natural foi enxertado no regime da CESE após criação desta no artigo 228º da Lei n.º 83º- C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014).
Q. O tributo em causa nos presentes autos é a CESE original ou propriamente dita, criada pela Lei do Orçamento do Estado (para simplificar, podemos chamá-la de “CESE I”). Por sua vez, o tributo que serve especificamente, e em exclusivo, para a atenuação dos encargos tarifários do SNGN (um tributo que tem características que o tornam decisivamente distinto daquele primeiro, até porque diz respeito a factos que nada têm a ver com aqueles em que assenta) – chamemos-lhe “CESE II” - foi criado pela Lei n.º 33/2015, de 27 de Abril, para ser cobrada uma só vez, tendo depois sido estipulado um adicional, igualmente para ser cobrado apenas uma vez, pelo artigo 264º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017).
R. A CESE II foi dirigida ao (único) comercializador do SNGN titular de contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime de take-or-pay, previstos no artigo 39º-A do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho, celebrados em data anterior à entrada em vigor da Directiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento e do Conselho, de 26 de Junho, e que fornece gás ao comercializador de último recurso grossista, no âmbito da actividade de compra e venda de gás natural para fornecimento aos comercializadores de último recurso retalhistas, aos centros electroprodutores com contrato de fornecimento outorgado em data anterior a 27 de Junho de 2006 e a outras entidades. A lei encontra-se construída em termos gerais e abstractos (refere-se, no plural, às entidades que integram o sistema energético nacional como comercializadores do SNGN); porém, esta regra de incidência abrangeu efectivamente apenas um sujeito passivo, (a B..., S.A. que é a única entidade que cabe na incidência do tributo.
S. Portanto, em conclusão: o objectivo a que o Acórdão n.º 296/2023 alude - a redução dos custos de acesso à rede de gás natural, incorporados nas facturas de consumo final – não é prosseguido com a receita gerada pelo tributo aqui em causa, mas por um outro tributo distinto, que não incide sobre a Recorrida nem sobre os restantes operadores que se dedicam ao transporte, distribuição ou armazenamento de gás natural. Logicamente, esse objectivo não será inviabilizado pela declaração nos presentes autos da inconstitucionalidade da norma neles analisada (a alínea d) do artigo 2º do regime da CESE). Assim sendo, é totalmente desprovida de sentido a tese do Acórdão n.º 296/2023, de que entre a CESE e a Recorrida existe uma relação de bilateralidade típica das contribuições financeiras, com base no pressuposto de que a receita do tributo por ela suportada reverte também para o fim da redução dos encargos tarifários do SNGN.
T. Seja como for, independentemente dos argumentos do Acórdão n.º 296/2023 referidos anteriormente, insiste-se ainda no aresto que os operadores do SNGN têm com o objectivo da dívida tarifária do SEN uma relação suficiente para que os consideremos integrados na “lógica grupal” da CESE. Isto na medida em que, resumidamente, como o gás tem um papel fundamental na produção de electricidade, as empresas do SNGN sofreriam um impacto grande com a redução da procura de electricidade que se verificaria caso o Estado não tivesse implementado as políticas de controlo dos preços ao consumidor que redundaram na criação da dívida tarifária e as que, financiadas pela CESE, posteriormente se dirigiram à redução dessa dívida. Também este pressuposto está errado.
U. Para se perceber porquê, convém lembrar o que é que na realidade essa “lógica grupal” das contribuições financeiras significa. O que ela significa é que, para cumprimento do princípio da equivalência (concretizador do princípio da Igualdade), este tipo de tributos tem de representar a contrapartida de prestações de que os respectivos sujeitos passivos são presumíveis causadores ou presumíveis beneficiários.
V. Quanto à primeira das relações aludidas - a relação de presumível causalidade existente entre uma contribuição e os seus sujeitos passivos –, ela deve ser uma relação de causalidade especial entre a actividade pública que é preciso financiar e a actividade do universo de agentes económicos que lhe dá origem. E, quando se diz que a causalidade tem de ser especial, quer-se dizer que a necessidade de intervenção regulatória dos poderes públicos tem de decorrer directamente da natureza da actividade dos particulares ou da natureza das opções estratégicas destes.
W. Portanto, se por referência devemos ter a actividade dos particulares, enquanto factor que gera a situação de desequilíbrio ou o risco de sustentabilidade que determinam a intervenção pública, então a lógica das contribuições pressupõe que os universos de sujeitos passivos considerados sejam grupos económicos bem delimitados. Isto é, necessitasse que o universo de sujeitos passivos de uma determinada contribuição se limite àqueles que, em virtude da natureza da sua actividade ou das suas opções estratégicas, forçaram directamente a intervenção das entidades públicas. Dito de modo reflexo: não tem lógica exigir a determinados operadores o pagamento desse tributo se ele servir para colmatar uma falha de mercado para a qual aqueles não contribuíram directamente.
X. Pois bem: a dívida tarifária, cuja atenuação o legislador identifica como objectivo da CESE, define-se, latu sensu, como a diferença entre o custo real da geração de energia eléctrica, do seu transporte, distribuição e comercialização, e os custos recuperados pelas tarifas aplicadas em razão do consumo da mesma. É verdade que, como se diz no Acórdão n.º 296/2023, ela “é produto directo da forma como foi liberalizado o mercado de energia”.
No entanto, não é um produto das opções dos sujeitos passivos da CESE. A dívida tarifária é o resultado de opções políticas exclusivas do Estado tomadas no âmbito dessa liberalização do mercado da energia (da energia eléctrica, bem entendido), conjugadas depois com opções políticas e legislativas no sentido de impedir a formação livre dos preços da actividade do sector eléctrico e a total repercussão de custos, também estes fixados por decisão administrativa.
Y. Quer isto dizer que o que deu lugar ao problema em causa não foi a qualquer aspecto concreto da actividade dos operadores privados – qualquer aspecto intrínseco ou decorrente de decisões tomadas em regime de liberdade estratégica. Mais: se assim é quando estamos a falar dos próprios operadores do sector electroprodutor, por maioria de razão o é com ainda mais intensidade quando falamos dos operadores do sector do gás natural ou de outro qualquer sector, que não da electricidade: a dívida tarifária não resultou de quaisquer opções político-legislativas dirigidas a esses sectores. Estes não podem ser considerados, pois, efectivos ou presumíveis causadores, directos ou especiais, do problema da dívida tarifária (a dívida tarifária não é um fenómeno comum a todo o sector económico da energia, sendo antes o produto da forma como ao longo dos anos foi
sendo estruturado – apenas – o subsector da produção de electricidade).
Z. De resto, que sentido faz a afirmação do Acórdão n.º 296/2023, segundo a qual a dívida tarifária é “filha da privatização e da oportunidade de negócio capturada pelas empresas que atuam no setor energético e é daí que resulta a necessidade de regulação pública”? Estamos a falar da privatização ocorrida no sector eléctrico. Portanto, mesmo aceitando para benefício da discussão que nesse processo houve uma “oportunidade de negócio capturada” por algumas empresas, não é verdade o que o TC escreve logo a seguir – que essa oportunidade foi “capturada pelas empresas que atuam no setor energético”, em geral. Como é óbvio, as empresas do sector do gás natural não “capturaram” negócio algum na privatização do sector da electricidade.
AA. No que concerne, agora à segunda relação que também pode legitimar a criação de contribuições – a relação de presumível benefício –, ela implica que haja uma relação de benefício também especial entre os sujeitos passivos e a intervenção pública, no sentido em que os primeiros são beneficiados directamente pela segunda. Daí, de novo, a indispensabilidade de um grupo de sujeitos passivos limitado ao sector a que as entidades públicas pretendem dar mais sustentabilidade ou equilíbrio, e em cujas regras mexem directamente. Não é possível integrar no âmbito de sujeição de uma contribuição operadores económicos que retirem apenas um benefício reflexo da actividade financiada pelo tributo. Nesse caso, estaremos a falar de operadores de sectores em cujas regras a actividade pública financiada pela contribuição não toca.
BB. Remetendo para o caso vertente, é óbvio que as políticas públicas orientadas para o controlo dos preços da electricidade – quer as que originaram o diferimento dos custos através da constituição da dívida tarifária quer as que depois serviram para reduzir essa dívida - beneficiam em geral toda a economia. O Acórdão n.º 296/2023 até refere, no lote dos beneficiários, a “indústria” e o “público consumidor”. É inevitável que assim seja, porque é da razão de ser da electricidade (uma fonte de energia de importância central) que as vicissitudes do seu custo constituam reflexamente vicissitudes nos custos de produção de todos os sectores económicos – e que se repercutam em todo o “público consumidor”. Vemo-lo perfeitamente na actualidade: a crise inflacionista a que assistimos, traduzida no aumento de preços generalizado em todos os sectores, deriva em boa parte do aumento dos custos de produção das fontes de energia. Porém, significa isso que seria legítimo criar uma contribuição financeira, aplicável a toda a economia, para combater os custos da inflação? Certamente que não. Esse tributo seria ou uma contribuição inconstitucional, por violação do princípio da equivalência, ou então um puro imposto extraordinário.
CC. Por outro lado, conforme refere o Acórdão n.º 296/2023, os custos da electricidade também têm influência no universo dos fornecedores das empresas electroprodutores, sejam elas fornecedoras de gás ou de qualquer outro bem, porque, se o aumento do preço da energia eléctrica tem o efeito previsível de reduzir a sua procura, terá igualmente o efeito reflexo de reduzir a necessidade de aquisição de matérias-primas e outros factores de produção. Só que, de novo, se estamos perante uma contribuição financeira, que serve para financiar uma actividade estadual regulatória dirigida a (e provocada por características próprias de) um determinado sector económico, não faz sentido incluir no escopo do tributo o universo de fornecedores das empresas que o constituem (empresas fora do sector), ou parte dele, com o argumento de que, “em potência”, os bens ou serviços que estas últimas empresas fornecem se acabarão por transformar no bem que o sector intervencionado produz.
DD. O TC presume, pois, que, em todo o longo processo de intervenção estadual que aqui temos em conta – o que começou com a liberalização do sector eléctrico, prosseguiu com as políticas de controlo de custos na factura dos consumidores finais, com a criação da dívida tarifária e da CESE –, o legislador teve em mente uma interligação ou uma relação de solidariedade natural entre os operadores do SEN e do SNGN. Sucede que, para além de essa relação não poder legitimar a CESE fora do campo das empresas do sector eléctrico (pelo menos, a partir de 2018), nos termos do exposto, a verdade é que essa hipotética relação nunca esteve na mente do legislador.
EE. Ela não esteve na mente do legislador, desde logo, quando o sector eléctrico e o sector do gás natural tiveram processos de liberalização completamente autónomos e com regras completamente distintas. Por exemplo, a renegociação dos contratos em que assenta a actividade das concessionárias do subsector do gás não desembocou no pagamento às mesmas de quaisquer compensações: pelo contrário, o equilíbrio económico dos contratos de concessão do subsector do mercado do gás natural foi obtido através da solução de alargamento do prazo das concessões e da reavaliação dos activos afectos à prossecução das actividades concessionadas.
FF. Além disso, que o legislador não teve em mente qualquer relação de solidariedade natural e inevitável entre o SEN e o SNGN resulta óbvio, igualmente, do facto de que, como vimos acima, quando se tratou de criar um tributo para financiar uma intervenção regulatória em ordem à sustentabilidade do SNGN, o legislador criou uma CESE específica (a CESE II) cobrada apenas ao sector do gás natural. Seguindo a lógica do Acórdão n.º 296/2023, o legislador poderia ter decidido cobrar também a CESE II ao sector da electricidade, usando por exemplo o argumento de que, face à percentagem que o gás representa no cômputo das matérias-primas da produção de electricidade, então a sustentabilidade do sector eléctrico depende da sustentabilidade do sector do gás natural. Não fez, claro, precisamente porque às contribuições financeiras tem de subjazer uma relação de causalidade especial e benefício directo, que não se compadece com considerações de causalidade ou benefício reflexos ou indirectos, acerca da situação de sujeitos fora do perímetro do sector económico intervencionado com a receita de uma determinada contribuição.
GG. Após a discussão anterior, que parte de pressupostos relacionados com a incidência subjectiva da CESE, o Acórdão n.º 296/2023 acrescenta por fim que o facto de a base de incidência objectiva da CESE ser o valor global dos activos das empresas abrangidas não implica também a quebra de nexo entre a medida e os sujeitos passivos, uma vez que aquele valor representa a dimensão das empresas e, quanto maior essa dimensão, maior é o seu impacto potencial na sustentabilidade do sector energético, cuja garantia é função da CESE. Nestes termos, conclui o Acórdão, também por esta via se cumpre a regra da equivalência ou bilateralidade subjacente às contribuições financeiras.
HH. Esta tese do Acórdão n.º 296/2023 não pode prevalecer. Além de, em geral, um critério ad valorem como este ser próprio dos impostos (ele serve para captar a capacidade contributiva e implica, consequentemente, uma dupla tributação dos lucros – directamente, por via do IRC, e presuntivamente, por via da tributação do valor dos activos), o mais importante, na lógica da presente discussão é lembrar que o valor do activos das empresas do sector energético não é directamente proporcional ao impacto potencial que elas representam na sustentabilidade do mesmo. Daí que o valor do activo não seja um critério adequado, quando apreciado à luz dos objectivos da própria CESE. Ou seja, é contraditório com a própria teleologia da medida.
II. Repare-se, com efeito, antes de mais, que a CESE abrange de modo igual actividades com impacto e risco totalmente distintos, em sectores diversos (petróleos, electricidade, gás, armazenagem, transporte, refinação, etc.). Uma determinada actividade pode significar um risco ou um impacto muito maior ou muito menor do que o que é representado pelo valor dos activos de uma qualquer empresa que a prossiga. Termos em que o risco ou impacto não é de todo medido pelo valor dos activos.
JJ. Depois, em regra, os activos de maior valor são aqueles que apresentam menor risco e impacto na sustentabilidade do sector energético: se determinados activos das empresas energéticas têm um valor elevado, por comparação com outros, pode perfeitamente ser porque são tecnologicamente mais avançados e/ou mais recentes, caso em que o seu valor está contabilisticamente menos amortizado ou depreciado. Ora, se são tecnologicamente mais avançados e/ou mais recentes, então são mais eficientes e menos poluentes. Isto é, são mais valiosos porque são mais sustentáveis. Isto é, podemos dizer que, em boa medida, o valor dos activos é inversamente proporcional ao seu impacto na sustentabilidade ambiental e energética.
KK. Como conclusão de tudo o que vem dito, deve o Acórdão n.º 296/2023 ser anulado – e, nessa medida, desembocar na anulação dos actos tributários impugnados nos presentes autos –, prevalecendo neste Tribunal a posição segundo a qual a alínea d) do artigo 2.º do regime jurídico da CESE, vigente em 2018 através do artigo 280.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro (a Lei do Orçamento do Estado para 2018), é inconstitucional, em face pelo menos da aprovação do Decreto-Lei n.º 109-A/2018, o qual significou que a CESE deixou de constituir um tributo ao qual subjaz uma relação de bilateralidade constitucionalmente aceitável entre a receita gerada e os sujeitos passivos do subsector do gás natural.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
Cumpre decidir.
2. Fundamentação
2.1.Remete-se para a matéria de facto que consta da decisão recorrida, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida (cf. artigo 663.º, n.º 6, do CPC, aplicável ex vi do artigo 679.º do mesmo Código).
2.2. O direito
Está em causa no presente recurso a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial que tinha como objecto a autoliquidação da CESE referente ao ano de 2018 e, em consequência, anulou a referida autoliquidação e condenou a Fazenda Pública a indemnizar a Impugnante pelos prejuízos decorrentes das garantias indevidamente prestadas.
Para assim decidir, a sentença recorrida estribou-se (nos termos do artigo 8.º, n.º3 do CC que invoca) no juízo de inconstitucionalidade proferido pelo Tribunal Constitucional (TC) no Acórdão n.º 101/2023, de 16/3/2023, e consequente desaplicação do artigo 2.º, alíneas d) e e) do Regime da CESE (RCESE), por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Com efeito, após transcrição (parcial) do referido Acórdão do TC, concluiu-se na sentença recorrida que: “[a]qui chegados, verificando-se que todos os considerandos adotados pelo Tribunal Constitucional, relativos ao sector do gás natural, são aplicáveis ao caso dos presentes autos, na medida em que a Impugnante é uma sociedade anónima, com sede em território português, que se dedica à atividade de aprovisionamento e distribuição de gás natural e outros gases combustíveis canalizados (cf. ponto 1) dos factos provados), não resta outra alternativa a este Tribunal que não a de considerar que a autoliquidação da CESE, efetuada pela Impugnante, referente ao período de tributação de 2018, no valor de € 132.288,80 (cf. ponto 2 dos factos provados) e correspondente liquidação de juros compensatórios (…), objeto da presente Impugnação judicial, padece de vício de violação de lei, por ilegalidade derivada da inconstitucionalidade do disposto no artigo 2.º, alíneas d) e e) do Regime da CESE, por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, devendo, por isso, proceder -se à respetiva desaplicação de tais normas no caso concreto (…)”.
A Fazenda Pública insurge-se contra o assim decidido, argumentando, no essencial: que (i) a alteração feita aos nºs. 2 e 4 do artigo 4º do DL 55/2014 de 09/04, operada pelo DL 109-A/2018 de 7/12, não se aplica à CESE de 2018; (ii) foram proferidas decisões de não inconstitucionalidade, onde se incluem as normas constantes das alíneas d) e ) do artigo 2º do RCESE, proferidas em pelo menos quatro acórdãos do Tribunal Constitucional (acórdãos nº 296/2023, de 25 de Maio de 2023; nº 338/2023 de 6 de Junho de 2023, n.º 372/2023, de 7 de Junho de 2023 e nº 369/2023 de 7 de Junho de 2023, todos também relativos à CESE de 2018), cuja jurisprudência se pode aplicar à CESE autoliquidada nos presentes autos, não devendo tais normas ser desaplicadas por inconstitucionalidade.
Sucede que as questões aqui em causa, precisamente em relação à CESE do ano 2018, foram recentemente apreciadas pelo Plenário do Tribunal Constitucional nos acórdãos n.º 381/2024 (Processo n.º 1117/2021) e 382/2024 (Processo 1236/2021), ambos de 14 de Maio de 2024 (e em que a posição sufragada no acórdão n.º 101/2023, de 16 de Março, seguida na sentença recorrida, parece ainda não ter vingado na jurisprudência constitucional), no sentido de, como defende a ora Recorrente, a aplicação das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de Dezembro não se colocar quanto à CESE do ano de 2018 (o momento em que nasceu a obrigação tributária ocorreu em momento anterior à entrada em vigor da lei) e não julgar inconstitucional o disposto no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, mantido em vigor pelo artigo 280.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro.
E não vislumbramos qualquer motivo que justifique afastamento desta posição jurisprudencial, que, por isso, aqui se acolhe.
Em linha com a posição de não desconformidade constitucional tem, aliás, vindo este Supremo Tribunal Administrativo a decidir, de forma uniforme e reiterada, incluindo quanto à CESE relativa a anos posteriores ao aqui em causa (cf. acórdãos de 11 de Outubro de 2023, Processo 01074/22.9 BEPRT; de 8 de Novembro de 2023, Processo 0742/20.4BESNT e 0323/20.2BEMDL; de 20 de Dezembro de 2023, Processo 01339/20.4BELRS; de 8 de Maio de 2024, Processo 0321/21.9BECTB), remetendo-se em especial para a fundamentação jurídica adoptada no acórdão de 20 de Dezembro de 2023, no Processo 01339/20.4BELRS, que aqui também se reitera, uma vez que as questões aí apreciadas são as mesmas que aqui se colocam, sendo que as alegações e as contra-alegações ali produzidas são praticamente idênticas às do presente recurso, e cuja junção aos autos nos dispensamos de fazer por se encontrar integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Deste modo, é de concluir pela legalidade da autoliquidação impugnada com a consequente improcedência da impugnação judicial.
Procede, pois, o presente recurso.
3.Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação judicial.
Custas, na 1.ª instância e neste STA, pela Recorrida.
Lisboa, 3 de Julho de 2024 - Fernanda de Fátima Esteves (relatora) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Anabela Ferreira Alves e Russo. |