Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01810/03 |
Data do Acordão: | 06/22/2004 |
Tribunal: | 2 SUBSECÇÃO DO CA |
Relator: | ANTÓNIO MADUREIRA |
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL. PRISÃO. INCÊNDIO. DEVER DE VIGILÂNCIA ACTIVIDADE PERIGOSA. |
Sumário: | I - A ilicitude da actuação ou omissão dos entes públicos apenas releva, para fins indemnizatórios, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual destes, se se situar no âmbito da protecção das normas violadas, o que se não verifica relativamente a danos sofridos por um recluso, em virtude de um incêndio intencionalmente provocado por outro recluso, pelo facto de estarem numa cela dez reclusos, quando, em princípio, o seu alojamento devia ser em celas individuais. II - Proibindo o Regulamento de execução da medida de prisão, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 256/79, de 1 de Agosto, e o Regulamento Interno de um estabelecimento prisional, para que aquele remete, a detenção, pelos reclusos, de meios de produção de fogo, a ilicitude dessa detenção apenas pode resultar da falha de vigilância dos guardas desse estabelecimento. III - Não se tendo apurado ao certo o meio concreto que foi utilizado no incêndio referido em I., e partindo do princípio de que pode ter sido um simples fósforo, aceita-se perfeitamente que, por mais rigorosa que essa fiscalização pudesse ser, era possível ocultá-lo, pelo que não é de considerar verificada conduta ilícita dos guardas prisionais. IV - A guarda de presos em estabelecimentos prisionais fechados e a sua vivência nesses estabelecimentos pode configurar uma actividade perigosa, mas não excepcionalmente perigosa, pelo que os danos resultantes dessa vivência não estão abrangidos pelo artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21/11/67. |
Nº Convencional: | JSTA00060614 |
Nº do Documento: | SA12004062201810 |
Data de Entrada: | 11/11/2003 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | ESTADO PORTUGUÊS |
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL. |
Objecto: | SENT TAC PORTO. |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO. |
Área Temática 1: | DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA. |
Legislação Nacional: | DL 48051 DE 1967/11/21 ART2 ART8. CCIV66 ART483 ART493. REGULAMENTO DE EXECUÇÃO DA MEDIDA DE PRISÃO APROVADO PELO DL 256/79 DE 1979/08/01 ART18 ART110 ART119 ART209 ART210 ART219. |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC 47940 DE 2003/06/25. |
Referência a Doutrina: | GOMES CANOTILHO RLJ N3816 PAG83. ANTUNES VARELA DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL 8ED V1 PAG541. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO 1. 1. A..., com os devidos sinais nos autos, propôs, no Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) do Porto, acção, com processo ordinário, contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a sua condenação em responsabilidade civil pelos danos corporais, morais e perdas que sofreu em virtude de um incêndio na cela onde se encontrava preso, no Estabelecimento Prisional de Guimarães. A matéria de facto foi julgada pelo tribunal colectivo e, em 21/04/2003, foi proferida sentença absolutória, com fundamento em que o Réu Estado não cometeu qualquer facto ou omissão geradores de responsabilidade. É dessa sentença que vem agora interposto o presente recurso. O Autor alegou e formulou conclusões, que, de útil, dizem: - A causa de pedir não se limita actuação culposa dos guardas prisionais, mas também à actuação do Estado enquanto responsável pela organização e funcionamento do sistema prisional, designadamente que não foram retirados aos reclusos os meios de fazer fogo e materiais inflamáveis, não foi exercido o dever de vigilância, não existiam meios de detecção de incêndios e as condições de sobrelotação e falta de isolamento durante a noite em relação aos demais detidos, estando em prisão preventiva com mais nove reclusos, alguns deles a cumprir pena. - A posse dos meios para fazer fogo estava proibida, uma vez que apenas os objectos permitidos podiam estar na posse dos detidos e por serem substâncias que representavam perigo para a vida e saúde, podendo ser utilizados como arma ou instrumento de tortura, violava os artigos 119.º, n.º 1 e 110.º`, n.º 6, do DL 265/79, de 1 de Agosto. - Se tivessem sido cumpridas estas normas e as dos artigos 18.º, n.ºs 1 e 4, 209.º, n.º 1, e 210.º, n.º 1 do mesmo diploma, o incêndio não teria acontecido, nem provocado as lesões de que sofreu. - É aplicável a presunção de culpa do artigo 493.º, n.º 2, do CC, e o disposto no artigo 8.º do DL 48 051, de 21 de Novembro de 1967, uma vez que se trata de uma actividade de risco, devido ao tipo de pessoas que frequentam os estabelecimentos, não se podendo considerar um incêndio provocado em consequência de um plano de fuga como circunstância não previsível. 1. 2. Contra-alegou o Exm.º Magistrado do Ministério Público, sustentando, em síntese, que não se podia conhecer das agora invocadas violações do Decreto-Lei n.º 265/79, de 1/8, por constituírem alteração da causa de pedir e, por outro lado, que é de manter a absolvição do Réu, por se não verificar o pressuposto da ilicitude. 1. 3. Foram colhidos os vistos dos Exm.ºs Juízes Adjuntos, pelo que cumpre decidir. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2. 1. OS FACTOS: A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: Da matéria de facto assente: A) No dia 13 de Julho de 1999, o Autor foi indiciado da prática de um crime de roubo (p. e p. no art.º 210.º, n.º 1, do Cód. Penal) num estabelecimento comercial de pronto a vestir; B) Por este motivo, foi-lhe aplicada uma medida de coacção, pelo que teve de aguardar julgamento em regime de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Guimarães; C) Como é evidente, o Autor ficou sujeito a prisão preventiva contra a sua vontade; D) Sendo certo que, a partir de então, o réu Estado passou a obrigá-lo a viver e permanecer num espaço confinado; E) No dia 17 de Julho de 1999, entre as 4 e as 5 horas da manhã, deflagrou um incêndio no Estabelecimento Prisional de Guimarães, onde se encontrava detido o Autor; F) De facto, o Autor encontrava-se na cela n.º 29, juntamente com mais 9 reclusos; G) Um desses reclusos ateou o fogo dentro da cela, designadamente aos colchões; H) Na altura, o Autor estava a dormir e acordou envolvido pelas chamas e pelo fumo, que já estava a consumir a sua cama; I) Antes dos factos em causa, não foram retirados aos reclusos, incluindo aqueles que foram colocados na mesma cela do Autor, os meios para fazerem fogo; J) Assim como não foram retirados dessa cela os materiais inflamáveis, mas sim, pelo contrário, colocados colchões, mantas e cobertores facilmente inflamáveis; L) O fogo propagou-se rapidamente, atingindo o Autor; M) Depois de ser retirado da cela, o autor foi transportado para o hospital, ficando internado em Coimbra, na Unidade de Queimados, onde esteve dois dias; N) Seguidamente, foi transferido para o Hospital de Caxias, onde esteve internado durante dois meses; O) Após dois meses, deixou o Hospital de Caxias e veio para Guimarães, em meados de Setembro; P) Como consequência directa, necessária e suficiente, o Autor sofreu queimaduras nas pernas, braços, face e nariz; Q) Por isso, o Autor teve de ser submetido a uma intervenção cirúrgica, no Hospital de Caxias, às duas pernas, abrangendo a zona dos joelhos até aos tornozelos; R) À data do incêndio, o Autor tinha 36 anos; S) Nas camaratas não existem detectores de incêndio; Da matéria de facto controvertida: 1.° Apesar do fumo e das chamas que se espalhavam por toda a cela, nenhum guarda prisional detectou o fogo, sendo certo que igualmente não existia, nem funcionou, qualquer sistema automático de detecção de incêndios; 2°, 5.° e 30.° Os guardas prisionais, quando alertados para o facto da existência de um incêndio no interior da cela, pelo facto de o Autor e os seus colegas estarem aos gritos e a bater na porta a chamar por ajuda, abriram a porta e retiraram do seu interior os reclusos, alguns já feridos; 9.° Não obstante a operação e todos os tratamentos a que foi submetido, o Autor ficou com o seu corpo irremediavelmente afectado e com graves lesões que lhe dificultam o movimento dos membros e o impedem de trabalhar normalmente; 10.º Com efeito, o Autor ficou marcado para sempre com cicatrizes e lesões espalhadas por todo o corpo que além de o afectarem esteticamente, tornaram a pele, músculos e tendões rígidos, dificultando os movimentos; 11.º Sendo certo que sempre que o Autor efectua os movimentos normais, tais como andar, baixar-se, dobrar as pernas ou até correr, sofre dores horríveis; 12.º Em consequência das queimaduras sofridas no incêndio, o Autor ficou com uma incapacidade permanente geral de 10%; 16.º Deste modo, devido às lesões sofridas, o Autor ficou com a sua saúde definitivamente afectada e diminuída a sua capacidade de ganho; 18.º,19.º e 20.º Com as graves sequelas provocadas pelo incêndio, o Autor experimentou e experimenta, dores fortes e uma grande tristeza, angústia e sofrimento pelo facto de ter ficado incapacitado e ter noção das suas lesões e limitações; 21.º Além disso, o Autor ficou defeituoso para sempre, chamando a atenção de todas as pessoas que com ele se encontram e deixando chocados os que o conheciam antes do acidente; 22.º Aliás, o Autor não pode sequer frequentar uma praia ou qualquer local público, tal como piscinas ou parques desportivos, onde surja a possibilidade de mostrar o seu corpo, pois a extensão de cicatrizes causa repulsa a outras pessoas; 23.º Consequentemente, o Autor sofreu e sofre um profundo desgosto, sente-se marginalizado e tem justo receio de encarar o futuro; 24.º O incêndio deflagrou, não em resultado de qualquer circunstância previsível, para a qual o Réu deveria estar precavido, mas em consequência de um plano urdido pelo recluso B...; 25.º, 26.º, 27.º e 28.º O recluso ... congeminou o incêndio com o propósito de provocar grande quantidade de fumo, por forma a serem os reclusos, por intoxicação, evacuados para o hospital de onde esperavam poder pôr-se em fuga. Na execução deste plano, no dia e hora acima referenciados, pegou fogo ao colchão da cama. Ateado o incêndio procurou evitar que os companheiros desde logo se apercebessem, por não interessar que os guardas fossem de imediato prestar socorro. Tentou, por isso, transportar o colchão incendiado para um espaço livre junto à casa-de-banho; 29.º Só que, no decurso dessa operação, com o melhor arejamento do colchão, o fogo propagou-se rapidamente e alastrou a outros objectos; 31.º Os quais, logo que ouviram o barulho, de imediato se dirigiram ao local, tendo aberto a camarata e retirado os reclusos; 32.º O estabelecimento estava sob permanente vigilância dos guardas, que prontamente ocorreram ao local do incêndio; 33.º Não tendo chegado mais cedo por não terem sido de imediato chamados pelos reclusos, nem haver qualquer indício de que algo de anormal se passava no interior da camarata; 37.º Os beliches encontravam-se por forma a permitir passagem entre eles e ao mesmo tempo proporcionar a existência de algum espaço livre na camarata, para melhor movimentação e uso comum dos reclusos; 39.º As queimaduras sofridas pelo autor atingiram a face, membro superior e inferior numa extensão aproximada de 20 % da superfície corporal. 2. 2. O DIREITO: 2. 2. 1. A sentença sob recurso, para concluir pela improcedência total da acção, considerou que a intervenção dos guardas prisionais que se seguiu ao incêndio foi pronta e rápida, na sequência dos alertas lançados pelo reclusos que se encontravam na cela em chamas. E também considerou que as consequências gravosas que resultaram para alguns dos reclusos foram devidas ao facto de o Autor do incêndio tudo ter feito para que os seus companheiros de cela não se apercebessem do que se estava a passar. Diz ainda a sentença que não se mostra viável que seja vedada a presos preventivos a posse de cigarros e os respectivos meios de fazer fogo, uma vez que, a acontecer tal facto, isso iria criar grande instabilidade dentro do estabelecimento prisional. Do que concluiu que o Réu Estado não cometeu qualquer facto ou omissão geradores de responsabilidade. O recorrente contrapõe que a matéria de facto provada é suficiente para se concluir pela ilicitude e se, não por culpa dos guardas de serviço de vigilância em concreto, ao menos por culpa na organização deficiente das condições de acomodação dos presos, deficiências em geral no modo de executar as regras prisionais e permissão aos presos da detenção de meios de fazer fogo nas celas, onde se acumulava também material inflamável. Em última análise, sustenta que seria aplicável presunção de culpa ou responsabilidade por actividade perigosa. 2. 2. 2. Comecemos, então, pela apreciação da ocorrência de responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos de gestão publica, que está regulada no Decreto-Lei n.º 48 051, de 21/11/67. Para que esta responsabilidade se verifique, é necessária a ocorrência cumulativa dos seguintes requisitos: acto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o acto (ilícito e culposo) e o dano – artigo 2.º, n.º 1, do referido Decreto-Lei. Por ter sido o requisito facto ilícito que foi considerado não verificado, e por a sua inverificação ser suficiente para a não ocorrência desta espécie de responsabilidade civil, iremos começar pela sua apreciação, só no caso de se considerar verificado, se justificando a apreciação dos restantes. Previamente, impõe-se apreciar a alegação feita pelo Exm.º Magistrado do Ministério Público, nas suas contra-alegações de recurso, de que a invocada violação do Regulamento da execução da medida de prisão, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 256/79, de 1 de Agosto, que o recorrente só nas alegações do presente recurso jurisdicional alegou, consubstancia uma alteração da causa de pedir, de que, por isso, não pode ser tomado conhecimento. De acordo com o estabelecido no artigo 664.º do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.º. Este preceito ressalva, quanto aos factos em que se pode fundar a decisão, os factos públicos e notórios (n.º 2) e os que sejam complemento ou concretização de outros que tenham sido oportunamente alegados e resultem da instrução e discussão da causa (n.º 3). Assim sendo, temos que o referido Regulamento pode ser aplicado por este STA, mas apenas aos factos dados como provados na sentença recorrida, que não são questionados por nenhuma das partes, pois que factos públicos e notórios não existem. Feita essa apreciação nestes termos, como se irá fazer, não se permitirá qualquer alteração da causa de pedir, antes se actuando dentro dos limites estabelecidos pelo referido artigo 664.º do CPC. Apreciando. Actos ilícitos são, de acordo com o estabelecido no artigo 6.º do referido DL 48 051, “os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios e ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”. O recorrente centra o seu ataque à sentença recorrida essencialmente, se não exclusivamente, no facto de não ter considerado existir ilicitude do próprio Estado, enquanto responsável pela organização e funcionamento do sistema prisional português, obrigado que está a garantir condições de segurança aos reclusos. Na verdade, no que respeita à inexistência de ilicitude decorrente da actuação dos guardas prisionais, considerada nos fundamentos determinantes da absolvição do Estado sintetizados nos dois primeiros parágrafos da parte 2.2.1. deste acórdão, nada disse. Apenas o facto de não terem sido retirados aos presos meios para fazer fogo foi atacado, o que tanto pode decorrer da não proibição desses meios, para o que aponta a alegada violação do artigo 119.º, n.º 1, do Regulamento da execução da medida de prisão, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 256/79, de 1 de Agosto, e do Regulamento interno do Estabelecimento Prisional de Guimarães, como de deficiente exercício do dever de vigilância. Os preceitos regulamentares que o recorrente considera terem sido violados são os seguintes: artigos 18.º, n.ºs 1 e 4; 110.º, n.º 6 ; 119.º, n.º 1; 209.º, n.º 1 e 210.º, n.º 1. O artigo 18.º dispõe, no seu n.º 1, que: os reclusos são alojados em quartos de internamento individuais. O artigo 110.º estabelece, no seu n.º 6, que: o recluso não pode ter à sua disposição medicamento ou substância em quantidade ou circunstâncias que representem um perigo para a vida ou perigo considerável para a sua saúde. O artigo 119.º dispõe, no seu n.º 1: o recluso pode apenas ter em seu poder os objectos cuja posse a lei e o regulamento interno autorizarem e ainda aqueles cuja posse seja permitida pela entidade encarregada da execução. O artigo 209.º determina, no seu n.º 1, que: o detido em prisão preventiva goza de presunção de inocência e deve ter um tratamento em conformidade, O artigo 210.º estabelece, no seu n.º 1, que: o regime normal de execução da prisão preventiva é o da vida em comum do detido com outros detidos e de isolamento durante a noite. O Regulamento interno do Estabelecimento Prisional de Guimarães, para que remete o referido artigo 119.º, de que se encontra cópia de fls 190 a 205 dos autos, diz expressamente quais são os objectos e produtos autorizados, entre os quais se não encontram cigarros nem fósforos ou isqueiros, assinalando que todos os que não forem mencionados são proibidos (negrito nosso). Feito este enunciado, apreciemos, então, se houve violação desses preceitos e, em caso afirmativo, se essa violação é geradora de ilicitude relevante para fins indemnizatórios. Na verdade, o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 48 051 estabelece, no seu n.º 1, o dever do Estado de indemnizar terceiros "pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições destinadas a proteger os seus interesses", o que significa que, tal como acontece com o disposto no artigo 483.º do CC, a ilicitude só releva para fins indemnizatórios se se situar no âmbito da protecção das normas violadas. A jurisprudência deste STA tem, por via de regra, afastado o direito à reparação quando a ilegalidade do acto invocado como gerador de responsabilidade seja meramente formal (cfr., neste sentido, por todos, o acórdão de 25/6/03, proferido no recurso n.º 47 940). E o mesmo entendimento subsiste na doutrina, tendo escrito, sobre o assunto, Gomes Canotilho, em anotação ao acórdão deste STA de 12/12/89, in Revista de Legislação e Jurisprudência, 3 816, pág. 83: "(...) entende-se (...) que tem sempre de existir uma específica referência de ordem jurídica objectiva aos direitos subjectivos do particular. Assim, por exemplo, a violação de normas jurídicas ou procedimentais não dará origem à responsabilidade por actos ilícitos se os preceitos procedimentais violados não tiverem uma qualquer referência à posição jurídico-material do interessado. Mas mesmo a violação de normas de direito material não postula obrigatoriamente o desencadeamento de esquemas de responsabilidade extracontratual se não existir uma conexão de ilicitude entre a norma e o princípio violado e a situação juridicamente protegida do particular (...)". Antunes Varela, in "Das obrigações em Geral", Vol. I, 8.ª edição, pág. 541 e seguintes, pronunciando-se sobre as formas de ilicitude, distingue entre a decorrente das normas que criam um direito subjectivo para o particular e a decorrente das normas que protegem interesses alheios, defendendo quanto a estas, que só existe ilicitude relevante para fins indemnizatórios quando à lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma norma legal, quando a tutela dos interesses particulares figure entre os fins da norma violada e que o danos se tenham verificado no círculo de interesses privados que a lei visa titular. O Regulamento considerado violado, que, como refere o seu preâmbulo, teve em conta particularmente as regras mínimas para o tratamento de reclusos propostas pela ONU em 1955 e pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa de 1973, visa essencialmente a organização eficaz dos estabelecimentos prisionais, tendo em conta o objectivo primordial da execução das medidas privativas de liberdade, que é a reintegração do recluso na sociedade (artigo 1.º, n.º 1), estabelecendo também regras especiais para a execução da prisão preventiva, partindo da ideia de que o arguido se presume inocente até sentença transitada em julgado (preâmbulo), o que implica que deva ter um tratamento em conformidade com essa situação (artigo 219.º, n.º 1). Expostos os princípios gerais, apreciemos os factos provados e façamos a sua subsunção legal, começando pela alegada violação dos referido preceitos do Regulamento em causa. O artigo 18.º estabelece, no seu n.º 1, que os reclusos são alojados em quartos de internamento individuais. O seu n.º 2 estabelece, porém, a necessidade de existência de instalações para grupos restritos, a utilizar quando as necessidades de observação o indicarem, o estado físico ou psíquico de qualquer recluso o aconselhe e exista perigo para a sua vida e saúde ou ainda quando a afluência ocasional assim o imponha, apenas podendo, em estabelecimentos de regime fechado, fora dos casos previstos no n.º 2, o internamento colectivo ser autorizado temporariamente e por razões temporárias (n.º 4). O n.º 3 fala ainda no alojamento em comum, se não forem de recear influências nocivas. Ora, no caso sub judice, o recorrente encontrava-se alojado em instalações juntamente com mais nove reclusos, não se tendo apurado as razões desse alojamento colectivo. Tanto quanto se depreende da norma, a mesma, ao estabelecer como regra o alojamento individual dos reclusos, visa proteger a intimidade destes, bem como afastar eventuais influências nocivas dos acompanhantes, nada levando a considerar que, no seu âmbito de protecção, esteja o perigo de incêndios. Aliás, perante a ocorrência de um incêndio, a existência de várias pessoas no mesmo alojamento até será um factor de mais rápido alerta, sendo certo que a possibilidade de fogo posto pelos próprios reclusos, para além de não estar no campo da normal previsibilidade, também seria compensada pelo aludido mais rápido alerta. O artigo 110.º, n.º 6, proíbe a posse, pelos reclusos, de medicamentos ou substâncias em quantidade ou circunstâncias que representem perigo para a vida ou perigo considerável para a sua saúde. Com ele, visa o legislador proteger o próprio detentor dessas substâncias e não os outros reclusos, pelo que também o evento danoso dos autos - a detenção de meios de fazer fogo - não está no âmbito de protecção desta norma. A conjugação do artigo 119.º do Regulamento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/79 com o Regulamento Interno do Estabelecimento Prisional de Guimarães aponta no sentido de que estava proibida a detenção, pelos reclusos, de meios de fazer fogo. E, assim sendo, a posse desses meios não pode ser imputada a falta de regulamentação sobre essa matéria, mas apenas a falha na fiscalização dessa posse por parte dos guardas prisionais. O tratamento em conformidade a que alude o artigo 209.º, n.º 1, do Regulamento, que o recorrente considera implicar o direito a não ser alojado em conjunto com reclusos em cumprimento de pena, não se pode considerar violado, porquanto se não provou que o recorrente estivesse alojado com presos nesta situação, sendo certo que, no seu âmbito da protecção, estão também eventuais influências nocivas dos acompanhantes e não o perigo de incêndios. Finalmente e ainda no campo da violação do Regulamento em causa, também o seu artigo 210.º, n.º 1, não foi violado, pois que o que ele determina não é que os presos preventivos devam estar alojados em quarto individual, mas sim que, durante a noite, o seu regime é de isolamento, ou seja, que não podem sair dos seus alojamentos para fazerem vida em comum com os outros reclusos, como podem fazer durante o dia. As restantes violações do regime prisional invocadas pelo recorrente não têm relevância directa no caso nem se reportam a factos alegados e provados. Do que ficou dito resulta que as violações do Regulamento invocadas pelo recorrente ou não se verificaram ou, quando se verificaram, os danos delas resultantes não caem no âmbito dos interesses protegidos pelas respectivas normas, donde resulta não haver, nesta parte, ilicitude relevante para efeitos indemnizatórios. Passemos, então, a apreciar os outros factos considerados pelo recorrente como determinantes da falta de organização do serviço prisional no estabelecimento em causa, a saber: não terem sido retirados da camarata onde deflagrou o incêndio os materiais inflamáveis; não existirem nela detectores nem extintores de incêndios. No que respeita aos materiais inflamáveis, não se vê por que outros equipamentos podiam ser substituídos os efectivamente utilizados. Na verdade, tendo em conta a necessidade de repouso dos reclusos, não é normal a impossibilidade de utilização de colchões não inflamáveis, que, a verificar-se, teria de determinar a sua substituição por material de dureza incompatível com o apontado fim do descanso dos reclusos. E o mesmo se diga de necessidade de utilização de mantas e cobertores. Relativamente à inexistência de detectores e de extintores de incêndios, consideramos que a mesma se apresenta justificada. A falta de extintores pelo facto de, como refere a sentença recorrida, esses extintores poderem ser utilizados pelos reclusos como armas de agressão. A falta de detectores de incêndios, pelo facto de, existindo permanente vigilância dos guardas prisionais e elevado número de reclusos (potenciais detectores de incêndios), tal situação se mostrar normalmente adequada a preveni-los. Em face do exposto, impõe-se concluir pela inexistência de qualquer falta na organização dos serviços do Estabelecimento Prisional de Guimarães que possa ser considerado como determinante das lesões sofridas pelo recorrente, na sequência do incêndio que nela deflagrou. Resta ainda apreciar, no âmbito da responsabilidade civil por actos ilícitos, a conduta dos guardas prisionais. Em relação a estes, de acordo com a factualidade dada como provada, é de considerar que a sua intervenção foi pronta e rápida, na sequência dos alertas lançados pelos reclusos que se encontravam na camarata em chamas, tendo dela retirado, com rapidez, todos os reclusos que nela se encontravam, pelo que actuaram com a diligência que lhes era exigível. E, no que respeita à sua conduta relativamente à fiscalização dos reclusos quanto à posse de meios de produção de fogo, deparamo-nos logo com a dificuldade de se não saber ao certo o meio concreto que foi utilizado. Partindo do princípio de que pode ter sido um simples fósforo, aceita-se perfeitamente que, por mais rigorosa que essa fiscalização pudesse ser, era possível ocultá-lo. Donde se terá de extrair que, também quanto a esta matéria, não está apurada conduta ilícita dos guardas prisionais. Em face do exposto, é de considerar que não existe qualquer acção ou omissão do Estado, seja na organização dos serviços do Estabelecimento Prisional de Guimarães, seja na actuação, no caso em análise, do seu corpo de guardas, o que nos leva a concluir pela inexistência do requisito acto ilícito, o que impede, como foi referido, a verificação de responsabilidade civil extracontratual do Estado por actos ilícitos de gestão pública. Os danos sofridos pelo Autor não resultaram, na verdade, de qualquer acção ou omissão imputável ao Estado, de qualquer facto previsível para o qual deveria estar precavido, mas sim de um plano urdido pelo recluso António Marques de Oliveira (cfr. respostas aos quesitos 24.º e 28.º), que se apresenta como o verdadeiro responsável por esses danos e que o Autor pode demandar por responsabilidade civil e criminal e, se for caso disso, poderá ainda eventualmente recorrer à disciplina do apoio às vítimas dos crimes violentos, regulada pelo DL n.º 423/91, de 30 de Outubro. 2. 2. 3. O recorrente defende ainda que, in casu, a não se considerar ocorrer responsabilidade civil por actos ilícitos, que a apontada falta de verificação do requisito acto ilícito afasta só por si, tornando inútil a apreciação da alegada presunção de culpa, sempre seria de considerar a existência de responsabilidade civil por actividade perigosa. Aceitando que a guarda de presos em estabelecimentos prisionais fechados configure uma actividade perigosa, consideramos que se não verifica, no caso sub judice, qualquer responsabilidade do Estado. É que, contrariamente ao que acontece nos actos de gestão privada, em que existe responsabilidade objectiva no âmbito da simples actividade perigosa (cfr. artigo 493.º, n.º 2 do CC), nos actos de gestão pública essa responsabilidade só se verifica no âmbito das actividades excepcionalmente perigosas (cfr. artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 48 051). A diferença de tratamento radica na consagração de que é razoável exigir aos particulares o risco próprio da vida em colectividade e da sua organização, ou seja, da actividade administrativa, até limites aceitáveis de perigosidade, só havendo responsabilidade quando esses limites forem ultrapassados, o que só se deve considerar em casos excepcionais, isto é, de muito elevada perigosidade. E, quanto a nós, não é de aplicar essa excepcional perigosidade às situações de organização interna do sistema prisional e de vivência em regime de reclusão. 3. DECISÃO Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento ao recurso. Custas pelo Autor, devendo-se ter em conta o benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido. Lisboa, 22 de Junho de 2004. - António Madureira – Relator – São Pedro – Rosendo José ( Vencido cfr. declaração junta).- Voto vencido porque entendo que o recorrente deve ser indemnizado. Em resumo as razões são estas: O requisito da ilicitude na responsabilidade dos entes públicos não tem que se reportar á conduta ilícita de um agente concreto, pode resultar de um conjunto de actos jurídicos e actuações materiais que infrinjam normas legais ou regulamentares ou as regras de ordem técnica e de prudência comum, como decorre do artigo 6.º do DL 48051, mesmo que tais faltas apenas possam ser imputadas em geral à organização e modo de funcionamento do serviço sem se determinar exactamente qual o responsável concreto. Existe ilicitude por falta de cumprimento de normas regulamentares sobre o alojamento dos presos e produtos na sua posse bem como na organização da guarda de uma prisão em que eram alojados durante a noite dez presos na mesma cela, dispondo de meios de fazer fogo de forma que um deles teve oportunidade de atear fogo aos colchões e demais material combustível e de manter inicialmente a combustão afastada dos restantes até atingir um grau de intensidade tal que veio a provocar queimaduras e lesões graves em alguns dos detidos na cela, e somente depois os guardas de serviço tiveram possibilidade de intervir . O regulamento aprovado pelo DL 256/79, de 1 de Agosto visa proteger os presos e necessariamente a respectiva vida e integridade física. Esta posição assenta nas seguintes premissas: Nada se provou quanto a saber se o serviço de guarda estava organizado devidamente em condições de satisfazer as necessidades do estabelecimento, ainda que logo se suscitem dúvidas sobre se este aspecto estava devidamente acautelado, em face da existência de nove ou dez presos dentro de uma mesma cela com meios de fazer fogo e com produtos inflamáveis, tudo de molde a fazer prever, em condições de ambiente prisional, situações de perigo de agressões graves entre presos e mesmo de fogo posto que exigem um serviço de guarda durante a noite corredor a corredor, isto é, muito próximo das celas e com guardas para um pequeno número de celas. Esta necessidade é notória quando se faz pernoitar numa camarata um grande número de presos, pessoas cujo comportamento é em considerável número de casos muito perigoso para todos aqueles que de alguma maneira têm de com eles conviver, para além de a situação de encarceramento criar comportamentos e reacções violentas, ou agravar as reacções deste tipo. Tendo em vista a protecção das pessoas e necessariamente, portanto, do seu interesse primordial de preservação da vida e integridade física e também para permitir que a prisão sirva como via para a recuperação, o serviço prisional está sujeito a normas regulamentares que exprimem as necessidades especiais próprias da actividade, que são de restrição em relação aos presos e de obrigações de "facere" em relação ao estado que mantém o serviço. A inobservância destas normas pode ser, por si só, um índice de deficiente funcionamento do serviço, uma vez constatado que este se não conforma com os "standards" que o Estado considerou normais ou adequados. A este respeito o recorrente aponta a inobservância dos artigos 18.º n.s 1 e 4 e 210.º n.º 1 ; 119.º n.º 1 e 3; 19.º.ª ; 85.º; 87.º; 92.º; 110.º n.º 6; 209.º n.º 1 do DL 256/79, de 1 de Agosto. O artigo 12.º n.º 1 do DL 265/79 determina que é garantida a completa separação dos reclusos em função do sexo, idade e situação jurídica, o que inculca a necessidade de manter os reclusos em prisão preventiva como era o caso do recorrente separado dos presos em cumprimento de pena. O recorrente entende que esta norma não foi observada, mas não se provou qual a situação jurídico penal dos restantes presos na camarata onde foi provocado o incêndio. O artigo 18.º n.º 1 dispõe sobre o alojamento o princípio geral: os reclusos são alojados em quartos de internamento individuais, apenas podendo ser alojados em instalações para grupos superiores a dois, em estabelecimentos de regime fechado, desde que se trate de "grupos restritos" por necessidades relativas aos próprios reclusos ou por razões temporárias e prementes (n.ºs 2, 3 e 4). No caso não se provou que existissem tais razões temporárias e prementes do serviço, mas esta prova cabia ao R. efectuá-la uma vez que sendo excepcional semelhante situação, ao A. apenas cabia provar, o que fez, que não eram cumpridas as condições normais legalmente exigidas para o internamento. Quanto à ordem e disciplina no estabelecimento estabelece o artigo 110º n.º 6 do mesmo DL que o recluso não pode ter à sua disposição medicamento ou substância em quantidade ou circunstâncias que representem um perigo para a vida ou perigo considerável para a sua saúde. O recorrente entende que esta regra não foi observada e foi causa directa dos factos porque o preso José António Marques Oliveira que congeminou e executou o incêndio tinha em seu poder meios de fazer fogo com os quais ateou o incêndio. A sentença considerou que não se mostra viável que presos preventivos sejam proibidos de ter cigarros e meios de fazer fogo o que criaria maior instabilidade no estabelecimento. Porém, não há dúvida, como resulta deste caso e de tantos outros em que os reclusos causam incêndios, que os meios de fazer fogo representam sempre nas cadeias um perigo para a vida e a segurança dos reclusos e por isso caem na previsão do n.º 6 do artigo 110.º e as facilidades concedidas para os presos fumarem terão de ser compensadas com outras medidas mais eficazes de vigilância e acompanhamento sob pena de se multiplicarem situações de grave risco para a vida e integridade física dos reclusos. Também aqui, portanto, os serviços criaram um factor adicional de risco em relação ao funcionamento normal que é o previsto no regulamento e que não se mostra compensado com outras medidas pelo que ele indicia deficiência no funcionamento do serviço. Em reforço deste entendimento vem o disposto no artigo 119.º n.º 1 que determina: "O recluso pode apenas ter em seu poder os objectos cuja posse a lei e o regulamento interno autorizarem e ainda aqueles cuja posse seja permitida pela entidade encarregada da execução". O Regulamento interno apenas permite pequenos objectos de uso pessoal o que não inclui meios de fazer fogo, mesmo para fumadores, uma vez que estes são sempre meios perigosos em ambiente prisional. O artigo 209.º n.º 1 determina que o detido em prisão preventiva goza de presunção de inocência e deve ter um tratamento em conformidade, o que significa desde logo o direito a não ser alojado em conjunto com os reclusos em cumprimento de pena. Não se provou como se disse se o Recorrente estava alojado com presos em cumprimento de pena, ainda que este continue a afirmar que assim sucedia, mas incumbia-lhe fazer essa prova e não se mostra efectuada. O artigo 210.º n.º 1 do DL 265/79 estabelece que o regime normal de execução da prisão preventiva é o da vida em comum do detido com outros detidos e de isolamento durante a noite. Esta regra não estava a ser cumprida e é bem evidente que a situação não podia ter-se verificado se tivesse sido cumprida. As restantes disposições do regime prisional invocadas pelo recorrente não têm relevância directa no caso. Mas, do exposto já se pode retirar que não foram observadas normas e cuidados que são impostos pelo próprio regulamento e que o Estado definiu como obrigações mínimas no internamento dos reclusos em estabelecimentos prisionais, o que significa outras tantas deficiências de funcionamento, com afastamento da exigência média que se costumam qualificar como falta ou culpa do serviço e que ao lado da clássica culpa individual dos agentes pode configurar o ilícito como fundamento da responsabilidade dos entes públicos, tal como é enunciado no artigo 6.º do DL 48051, ao determinar que se consideram ilícitos os actos que violem normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração. E, também a culpa se deve considerar provada uma vez que o dano era previsível em abstracto, de tal modo que existem normas de actuação de nível legal cuja observância o teria evitado. Também não se afigura existirem dúvidas de que as normas regulamentares citadas visam não só evitar a fuga dos detidos e condições para a respectiva recuperação social, mas também a sua segurança e a dos restantes presos em termos de integridade física. E, nem se diga que o cumprimento das obrigações do DL 265/79 é desproporcionado em relação aos meios de que dispõem os serviços prisionais, porque sendo certo que esses meios são ainda em geral insuficientes é também revelador de culpa o facto de ainda não terem sido disponibilizados quando se trata de implementar a aplicação de uma regulamentação que data de 1979, isto é, com mais de 24 anos de vigência. Como refere a anotação 5 ao Contencioso Administrativo do Cons. Santos Botelho, pag. 662 "... Seria de todo em todo inadmissível que a Administração se viesse a valer das suas próprias incapacidades para se eximir das suas específicas responsabilidades". Consideram-se, portanto, reunidos os requisitos da ilicitude e da culpa tal como os do dano reparável e do nexo de causalidade entre o facto e o dano, por resultarem sem margem de dúvida dos factos provados. Lisboa, 22 de Junho de 2004. Rosendo José |