Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01927/21.1BELSB |
Data do Acordão: | 07/04/2024 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | SUZANA TAVARES DA SILVA |
Descritores: | CARREIRA DOCENTE FUNÇÕES DOCENTES |
Sumário: | Para efeitos do preenchimento do critério do artigo 10.º, n.º 3, alínea b) do Decreto-Lei n.º 132/2012, em que apenas está em causa a avaliação de experiência prévia como critério preferencial no acesso à carreira, exige-se a prestação de serviço em função docente por 365 dias, nos últimos seis anos, independentemente do número de horas leccionadas por semana. |
Nº Convencional: | JSTA000P32500 |
Nº do Documento: | SA12024070401927/21 |
Recorrente: | MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO |
Recorrido 1: | AA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I. RELATÓRIO
1. AA propôs no TAC de Lisboa acção administrativa urgente de procedimentos em massa contra o Ministério da Educação, na qual impugnou o acto final que aprovou a “Lista Definitiva de Ordenação de candidatos ao Concurso Externo 2021/2022, relativa ao Grupo 530 (Educação Tecnológica) (08/07/2021)”. Por sentença de 05.07.2023, o TAC de Lisboa julgou a acção totalmente procedente e condenou a Entidade Demandada a posicionar o A. na 2.ª prioridade concursal, praticando todos os actos necessários à reconstituição da carreira”.
2. A Entidade Demandada apelou para o TCA-Sul, o qual, por acórdão de 19/03/2024, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença.
3. Inconformado Ministério da Educação interpôs recurso de revista daquele acórdão, tendo o STA, por acórdão de 16.05.2024, decidido admitir a revista.
4. O A. apresentou contra-alegações, que culminaram com as seguintes conclusões: A. O Recorrente impugna o acórdão proferido na parte em que decidiu “negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos e em manter a sentença recorrida”, com fundamento na violação de Lei substantiva, inexistindo qualquer fundamento para a decisão judicial proferida – cfr. o Acórdão (Ref.ª 005174062 de 19.03.2024). B. O Recurso de Revista é admissível porquanto a questão substantiva nuclear que é seu objeto – a forma de contagem da prestação de funções docentes em situação de horário incompleto, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 10.º, n.º 3, alínea b), do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, sucessivamente alterado – assume, atento número de docentes potencialmente afectados (vários milhares), fundamental relevância social. C. Tal questão jurídica possui (i) inequívoca projeção para além da esfera individual dos intervenientes nesta instância, maxime, na esfera de todos os demais candidatos do concurso de docentes sub judice, sendo ainda (ii) previsível que a mesma questão se venha a colocar, repetidamente, quanto a futuros concursos relativos à carreira docente – cfr. os arts. 140.º, n.º 2 e 150.º, n.º 1, do CPTA; na Doutrina, AROSO DE ALMEIDA / FERNANDES CADILHA e RICARDO GUIMARÃES; e, na Jurisprudência, os acs. do Supremo Tribunal Administrativo de 15.10.2008 (RELATOR: LÚCIO BARBOSA), de 11.01.2019 (RELATOR: COSTA REIS) e de 12.10.2023 (RELATOR: FONSECA DA PAZ). Com efeito, D. A previsão legal da alínea b), do n.º 3 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, sucessivamente alterado, apenas permite que, quanto ao Recorrido, sejam contabilizados, para efeitos de concurso, os dias de serviço prestado enquanto Técnico Especializado no que respeita a formações cujas categorias se encontrem enquadradas no grupo de recrutamento 530 – Educação Tecnológica, além do demais serviço docente prestado no que toca a necessidades temporárias por substituição. E. É entendimento e prática uniformemente seguida pelo Recorrente que “para o apuramento de tempo de serviço prestado nos horários referidos incompletos, aplica-se a fórmula da proporcionalidade, quer a períodos de um ano, que não pode ultrapassar 365/366 dias, quer a períodos de um mês, que não pode ultrapassar 30/31 ou 28/29 dias, quer ainda ao período semanal que não pode exceder 7 dias, após aplicação da referida regra, com base no horário semanal completo correspondente a 22 horas ou 25 horas letivas”, sendo a fórmula a aplicar para o cálculo do apuramento de tempo de serviço prestado nos horários incompletos pelo Recorrido de “(n.º dias X n.º horas) : 22 horas”. F. Tal resulta, salvo o devido respeito pela opinião contrária formulada no acórdão objecto de Recurso, do disposto nos arts. 77.º e 132.º, n.ºs 1 e 4, do ECD, e do art. 26.º, n.º 2, do Estatuto da Aposentação, que devem presidir à interpretação do referido art. 10.º, n.º 3, alínea b), do Decreto-Lei n.º 132/2012 (elemento sistemático de interpretação jurídica), G. Sendo prática administrativa consolidada, constante do Manual da DGAE. H. Apenas tal interpretação garante, aliás, efectiva igualdade entre docentes, sendo, por isso, esta interpretação a conforme à Constituição – cfr. o art. 13.º da Lei fundamental. I. Apenas tal interpretação se mostra conforme à ratio legis do preceito: para efeitos de graduação de docentes (e, portanto, de prioridades), não é indiferente que um docente preste 22 horas de serviço semanal (horário completo) ou, apenas, 6 horas de serviço semanal (horário incompleto); o que as regras do concurso pretendem salvaguardar na graduação dos docentes é, em primeiro lugar, a sua experiência no exercício da função docente, sendo este o critério objetivo e determinante na graduação (elemento racional de interpretação jurídica). J. No ano letivo 2014/2015, o Recorrido prestou 85 (oitenta e cinco) dias de serviço docente, reportados a um horário semanal de 6 (seis) horas letivas, no grupo de recrutamento 530 - Educação Tecnológica, no Agrupamento de Escolas ..., ..., e não outro quantitativo – cfr. a Sentença Judicial (Ref.ª 009219023 de 05.07.2023) e o Acórdão (Ref.ª 005174062 de 19.03.2024). K. O Recorrido consta da lista definitiva de ordenação ordenado na 3.ª prioridade porquanto não preenche os requisitos a que alude a alínea b), do n.º 3 do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, uma vez que não possui, para efeitos de concurso, 365 dias de serviço prestado nos últimos 6 anos, mas, apenas e só, 145 dias. Acresce que, L. Inexiste qualquer violação do putativo direito de audiência prévia do Recorrido, porquanto (i) o direito de audiência prévia não constitui um direito fundamental, nem, sequer, uma exigência constitucional, sendo certo que o que se encontra constitucionalmente consagrado é o princípio da participação dos interessados na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito – cfr. o art. 268.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa; e, na doutrina, AROSO DE ALMEIDA; e SARMENTO E CASTRO); (ii) o direito de audiência prévia não tem aplicação no âmbito dos presentes autos, em virtude da existência de legislação de caráter especial – o Decreto-Lei n.º 132/2012 – no âmbito da qual o princípio da participação dos interessados na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito, constitucionalmente consagrado, é concretizado pela possibilidade de reclamação dos interessados após a publicitação das listas provisórias de colocação, a qual não foi realizada pelo Recorrente por decisão a si exclusivamente imputável – cfr. o art. 14.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 132/2012); (iii) em momento prévio à publicação das listas definitivas, o Recorrido comunicou ao Recorrente que a sua candidatura havia sido objeto de reanálise e de alteração da sua prioridade concursal – cfr. a Sentença (Ref.ª da peça processual 008834979, de 29.06.2022); e (iv) por razões óbvias relativas à praticabilidade do concurso, o responsável pela direção do procedimento sempre poderia não proceder à audiência dos interessados. M. É ficcional qualquer inconstitucionalidade que se pretenda perspectivar neste âmbito porquanto inexiste qualquer norma constitucional violada. N. O acórdão proferido violou o disposto nos arts. 7.º, n.º 6, e 10.º, n.º 3, alínea b), e n.º 4, do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, sucessivamente alterado e, ainda, nos arts. 77.º e 132.º, n.ºs 1 e 4, do ECD e o art. 26.º, n.º 2, do Estatuto da Aposentação, devendo assim ser revogado. Nestes termos e nos demais de Direito julgados aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente Recurso de Revista, e, em consequência, ser revogado o acórdão datado de 19.03.2024, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, na parte em que decidiu “negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos e em manter a sentença recorrida”, por infundado, como é de JUSTIÇA!
5. O recorrido AA veio apresentar contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos: A. Vêm as presentes Contra-alegações apresentadas em resposta ao Recurso de Revista interposto pelo R. no processo supra identificado, do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 19/03/2024, no qual se concluiu pela total procedência da impugnação do acto administrativo sub judice, negando provimento a esse segmento do Recurso do R. e mantendo a Sentença recorrida, consubstanciando a condenação do R. a “…colocar o A. na 2.ª prioridade concursal, praticando todos os atos necessários à reconstituição da carreira do A.”. B. O dito Recurso de Revista não deve ser admitido já que não se mostra preenchida nenhuma das condições impostas por lei, para efeito da sua admissão. C. O douto Acórdão não merece qualquer censura ou reparo no que aos seus termos decisórios diz respeito, sem prejuízo de o mesmo poder/dever ser aperfeiçoado na sua fundamentação de facto e de direito, conquanto sem influência no alcance e âmbito do segmento decisório que o R. veio impugnar. D. Mais concretamente, deixamos ao prudente arbítrio de V. Exas. A conveniência em aperfeiçoar os factos M e T da matéria de facto dada por provada pelo TACL (… e que não chegaram a ser objecto de pronúncia pelo TCAS), atento o facto de o R. não ter logrado trazer ao processo a prova material que, no caso, se afigura imprescindível e indispensável para fazer a prova dos ditos factos – mais concretamente, a demonstração documental de que, efectivamente efectuou a notificação válida das decisões em causa e da data em que tal foi feito. E. Assim, entende o A. (Recorrido) que a redacção do Facto M) deverá passar a ser a seguinte: Em 6/6/2021, a DSCI formalizou decisão nos seguintes termos: “a candidatura foi objeto de reanálise. Verificou-se que tem um contrato ativo com o Ministério da Educação como Técnico Especializado e não no grupo de recrutamento 530; por outro lado, de acordo com os documentos comprovativos remetidos a estes serviços pela entidade de validação, o candidato não reúne os requisitos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27/06, na redação em vigor. Assim, nos termos do artigo 114.º do Código de Procedimento Administrativo, é V. Exa.ª notificado que se procederam às alterações seguintes na candidatura: campo 2.2.2 Lugar de colocação de “Agrupamento de Escolas / Escola Não Agrupada ME” para “Outros” e nos campos 4.3.3 e 6 passa a constar a 3.ª prioridade, mantendo-se a candidatura admitida a concurso”, cfr. fls. 26 e 27, do p.a., no entanto, a dita decisão não foi validamente notificada ao A. F. Mais entende o A. que, pelas mesmas razões, a redacção do Facto T) deverá passar a ser a seguinte; Em 4/1/2022, a Secretária de Estado da Educação indeferiu o recurso do Autor, cfr. fls. 64 a 66 do p.a., tendo-lhe este sido notificado em 19/1/2022. Nota: E não na data de 05/1/2022 referida no documento constante a fls.do p.a. G. O A. entende ainda que o tribunal a quo não fez uma correcta aplicação do direito quando considerou que os períodos contratuais referentes aos anos lectivos de 2015/2016 e 2017/2018 não eram válidos para efeito da determinação da sua prioridade concursal, pelo facto de corresponderem a contratações como Técnico Especializado, sob o entendimento de que os Técnicos Especializados não são Docentes, nem prestam funções docentes, já que, semelhante entendimento se mostra objectivamente contrário àquilo que o próprio legislador afirmou, explicitamente, em sentido contrário, a saber, que os Técnicos Especializados são Docentes e prestam funções docentes, conforme se retira do preâmbulo do Dec.-Lei n.º 338/2007, de 11 de Outubro, bem como do preâmbulo e art. 1.º do Dec.-Lei 132/2012. H. Assim sendo, o que se há-de entender é que o termo ‘docente’ é uma designação absolutamente genérica, que se refere a um qualquer indivíduo que exerce a actividade de professor no âmbito do sistema de ensino público ou equiparado, e que essa actividade é designada, de forma não menos genérica, por ‘actividade docente’, à qual corresponde a prestação de ‘funções docentes’. I. Forçoso é concluir que a distinção que o tribunal a quo estabeleceu entre os Docentes e os Técnicos Especializados, pretendendo que os segundos não só não são Docentes, como, ainda menos, prestam funções docentes, é completamente ‘artificial’ e está manifestamente dessintonizada do entendimento que o próprio legislador, expressamente e de forma muito clara, manifestou nessa matéria. J. Mais se diga que, aquilo que verdadeiramente releva nem sequer é o facto de os Técnicos Especializados serem, ou não serem, Docentes ou o tipo de concurso/contrato que esteve na base da sua contratação – aquilo que, nos termos do art. 10.º do Dec.-Lei 132/2012, releva é o facto de estes prestarem, ou não prestarem, funções docentes – e o entendimento do legislador é, inequivocamente, que os Técnicos Especializados prestam funções docentes. K. Mais se diga que, nada na lei permite considerar que no espírito do legislador estivesse outra coisa que não atribuir a 2.ª prioridade concursal aos candidatos que tivessem leccionado no sistema de ensino público, ou equiparado, durante 365 dias, nos últimos seis anos – portanto, sem limitar a dita actividade docente ao concreto grupo de recrutamento a que o candidato concorre. L. Esse entendimento é, aliás, o único que se mostra compaginável/compatível com o disposto no n.º 4/c do art. 10.º do dito Decreto-Lei n.º 132/2012. M. E, assim sendo, forçoso é considerar que os anos lectivos de 2015/2016 e de 2017/2018 também devem ser considerados válidos para efeito do cômputo dos ‘dias de prestação de funções docentes’ e da determinação da prioridade concursal do A., resultando na atribuição ao A. de um total de 1008 ‘dias de prestação de funções docentes’ nos seis anos lectivos de 2014/2015 a 2019/2020, ao invés dos 369 dias computados pelo tribunal a quo, sem prejuízo de esta alteração não determinar qualquer alteração nos termos da decisão proferida pelo tribunal a quo, na Sentença aqui em crise -termos que aqui louvamos. Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas.: a) Não deve ser admitido o Recurso de Revista interposto pelo R., por manifesta falta de fundamento para tal. Subsidiariamente, b) Devem os termos da decisão judicial aqui em crise ser mantidos, por não merecerem qualquer reparo. Concomitantemente; c) Deve o Recurso da dita decisão, apresentado pelo Réu, ser considerado completamente improcedente. Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
6. Notificado, nos termos do artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, a Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto Na decisão recorrida foi reputada como relevante a seguinte matéria de facto: A. O Autor é licenciado em Engenharia Mecânica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, tendo obtido ainda o grau de mestre em “Advanced Manufacturing Sciences”, pelo Cranfield Institute of Technology, do Reino Unido, Acordo; B. O Autor exerce desde 1982 a atividade de docência, inicialmente na Faculdade de Engenharia da Universidade d... ..., e posteriormente, desde 1997, em estabelecimentos de ensino público básico e secundário, Acordo C. No ano letivo de 2014/2015 o Autor foi colocado em sede de Contratação de Escola, no grupo de recrutamento 530 Educação Tecnológica, em horário temporário de 6 horas, por motivos de substituição de colega, tendo prestado 309 dias de serviço docente, de 27/10/2014 a 31/8/2015, cfr. informação prestada pelo R. a 17/3/2023 (artigo 11.º do requerimento em conjugação com o registo biográfico) D. No ano letivo de 2015/2016 o Autor foi colocado em sede de Contratação de Escola, enquanto Técnico Especializado para formação na categoria de Mecanotecnia (categoria disciplinar específica do grupo de recrutamento 530 Educação Tecnológica), tendo prestado 286 dias de serviço, cfr. registo biográfico junto aos autos E. No ano letivo de 2016/2017 o Autor prestou serviço docente durante 30 dias, no grupo de recrutamento 530 Educação Tecnológica, em horário temporário por motivos de substituição de colega, cfr. registo biográfico junto aos autos F. No ano letivo de 2017/2018 o Autor foi colocado em sede de Contratação de Escola, enquanto Técnico Especializado para formação não enquadrada numa categoria disciplinar específica do grupo de recrutamento acima mencionado, tendo prestado 353 dias de serviço, cfr. registo biográfico junto aos autos; G. No ano letivo de 2018/2019 o Autor prestou serviço docente durante 30 dias, no grupo de recrutamento 530 Educação Tecnológica, em horário temporário por motivos de substituição de colega, cfr. registo biográfico junto aos autos H. No ano letivo de 2019/2020 o Autor não prestou serviço docente, Acordo I. No ano letivo 2021/2022 o Autor foi opositor ao Concurso Nacional promovido pelo Ministério da Educação (doravante, ME), para o Grupo 530 (Educação Tecnológica), fls. 9, do p.a. J. O Réu publicou, com data de 21/04/2021, uma Lista Provisória de Ordenação, relativa ao Grupo 530, na qual o Autor aparece referenciado com o número de ordem 154, cfr. doc. 1, junto com a p.i. K. Na Lista Provisória de Ordenação é atribuída ao Autor a 2.ª prioridade concursal – correspondente à validação, pelos serviços administrativos do Agrupamento de Escolas ... (no qual, à data, o Autor se encontrava colocado), da prioridade indicada pelo Autor, aquando da formalização da sua candidatura; L. A publicação da referida Lista Provisória de Ordenação foi acompanhada da publicação, em 22/04/2021, do correspondente Verbete Provisório, no qual se pode constatar que a informação constante do mesmo é válida para efeito do “Concurso Externo” e dos concursos “Contratação Inicial” e “Reserva de Recrutamento”, sendo explicitamente referido que o Autor concorre aos referidos concursos na 2.ª prioridade, cfr. doc. 2, junto com a p.i. M. Em 6/6/2021, a DSCI notificou o A. nos seguintes termos: “...a candidatura foi objeto de reanálise. Verificou-se que tem um contrato ativo com o Ministério da Educação como Técnico Especializado e não no grupo de recrutamento 530; por outro lado, de acordo com os documentos comprovativos remetidos a estes serviços pela entidade de validação, o candidato não reúne os requisitos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27/06, na redação em vigor. Assim, nos termos do artigo 114.º do Código de Procedimento Administrativo, é V. Exa. notificado que se procederam às alterações seguintes na candidatura: campo 2.2.2 Lugar de colocação de “Agrupamento de Escolas / Escola Não Agrupada ME” para “Outros” e nos campos 4.3.3 e 6 passa a constar a 3.ª prioridade, mantendo se a candidatura admitida a concurso...”, cfr. fls. 26 a 27, do p.a. N. Em 08/07/2021, o Réu viria a publicar uma Lista Definitiva de Ordenação, relativa ao Grupo 530, na qual o Autor aparece referenciado com o número de ordem 275, cfr. doc. 3, junto com a p.i. O. A publicação da referida Lista Definitiva de Ordenação foi acompanhada da publicação, em 09/07/2021, do correspondente Verbete Definitivo, no qual se pode constatar que a informação constante do mesmo é válida para efeito do “Concurso Externo” e dos concursos “Contratação Inicial” e “Reserva de Recrutamento”, sendo agora referido que o Autor concorre aos referidos concursos na 3.ª prioridade, cfr. doc. 4, junto com a p.i. P. Atenta a discordância do Autor com a sua ordenação na 3.ª prioridade concursal, este, em 12/07/2021, interpôs recurso hierárquico, cfr. doc. 5, junto com a p.i., e fls. 40, do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido Q. Em 21/10/2021, foi dado o parecer da Diretora Geral da Administração Escolar, sobre o recurso do Autor, e remetido o mesmo para Despacho da Secretária de Estado da Educação, cfr. fls. 65, do p.a. R. Até data da entrada da ação o Réu ainda não se tinha pronunciado sobre o mencionado recurso hierárquico, apesar de o Autor ter, por duas vezes (em 13/08/2021 e em 12/10/2021), insistido em que lhe fosse dada resposta, sendo-lhe dito que o recurso se encontrava em análise e que quando houvesse decisão superior seria notificado, cfr. docs. 6 e 7, juntos com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido S. O Autor intentou a presente ação no dia 2/11/2021, cfr. informação SITAF T. Em 4/1/2022, a Secretária de Estado da Educação indeferiu o recurso do Autor, tendo-lhe sido notificado em 5/1/2022, cfr. fls. 64 a 66, do p.a.
2. De direito
2.1. A única questão que vem suscitada no presente recurso é a de saber se existiu ou não erro de julgamento do acórdão recorrido na interpretação que fez do disposto no artigo 10.º, n.º 3, alínea b) do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de Junho. Mais concretamente, a questão controvertida cinge-se ao sentido que deve ser atribuído à expressão “que tenham prestado funções docentes em pelo menos 365 dias nos últimos seis anos escolares”. A Entidade Demandada e aqui Recorrente entende que, por estar em causa serviço docente prestado em horários incompletos (no caso 6h por semana), se tem de aplicar uma fórmula que permita calcular o tempo correspondente em termos de horário completo. Considera que essa é a interpretação correcta da norma, à luz do elemento sistemático da interpretação jurídica, por aplicação conjunta do disposto nos artigos 77.º e 132.º, n.ºs 1 e 4 do Estatuto da Carreira Docente e do artigo 26.º, n.º 2 do Estatuto da Aposentação, assim como à luz do elemento racional, pois trata-se de assegurar prioridade a quem dispõe de experiência no exercício de funções docentes. Já o A. e aqui Recorrido entende que na interpretação do sentido da norma em apreço prevalece o elemento literal – de que está em causa o número de dias de leccionação no sistema de ensino público ou equiparado, independentemente do número de horas diárias ou semanais – por ser o único compaginável com os objectivos do próprio regime jurídico em causa.
2.2. As instâncias julgaram o caso segundo a interpretação sufragada pelo aqui Recorrido. Na sentença do TAC de Lisboa pode ler-se, com interesse para a decisão, o seguinte: “[…]De acordo com o nº 1 do artigo 38º do Decreto-Lei nº 132/2012, na versão atual, as necessidades temporárias de serviço docente e de formação em áreas técnicas específicas podem ser asseguradas pelos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, mediante contratos de trabalho a celebrar com pessoal docente ou pessoal técnico especializado. Ou seja, o nº 1 do artigo 38º do Decreto-Lei nº 132/2012, ao invés de equiparar os contratos de serviço docente aos contratos de formação em áreas técnicas, traça uma linha de demarcação entre os primeiros contratos, a celebrar com pessoal docente, e os segundos contratos, a celebrar com pessoal técnico especializado. Ora, no ano letivo de 2015/2016 e 2017/2018, o Autor não prestou serviço como docente mas como técnico especializado, pelo que não lhe pode ser contabilizado esse tempo de serviço, para os efeitos do supra citado artigo 10º, nº 3, al. b). Todavia, considerando que o A. exerceu 309 dias de funções docentes (não relevando para a norma o tempo de serviço, mas os dias de prestação de serviço docente) nos anos de 2014/2015, resulta que exerceu 369 dias de funções docentes nos últimos seis anos, pelo que assiste razão ao A., devendo o R. ser condenado a colocar o A. na 2ª prioridade concursal, praticando todos os atos necessários à reconstituição da carreira do A. […]”. Já no acórdão recorrido escreveu-se a este propósito que: “[…] Conforme decisão antecedente relativamente ao “facto provado C”, o recorrido, no ano letivo 2014/2015, prestou 309 dias de serviço docente. Portanto, isto basta para proceder a ação, tendo o recorrido prestado nos últimos 6 anos 369 dias de funções docentes. A decisão do Tribunal a quo sobre o assunto explicita que “...no ano letivo de 2015/2016 e 2017/2018, o Autor não prestou serviço como docente, mas como técnico especializado, pelo que não lhe pode ser contabilizado esse tempo de serviço, para os efeitos do supra citado artigo 10º, no 3, al. b). Todavia, considerando que o A. exerceu 309 dias de funções docentes (não relevando para a norma o tempo de serviço, mas os dias de prestação de serviço docente) nos anos de 2014/2015, resulta que exerceu 369 dias de funções docentes nos últimos seis anos, pelo que assiste razão ao A., devendo o R. ser condenado a colocar o A. na 2ª prioridade concursal, praticando todos os atos necessários à reconstituição da carreira do A...”. E esta decisão deve manter-se, porque conforme ao direito aplicável, considerando a decisão deste Tribunal relativamente ao “FACTO C”, por provado. […]”
No essencial, embora sem se alongarem na fundamentação, as Instâncias concordaram em que a interpretação correcta da norma era a que permitia contabilizar todos os dias de leccionação a título de exercício de funções docentes (excluindo, portanto, o exercício de funções como técnico especializado) para perfazer os 365 dias e não apenas os dias correspondentes ao exercício daquelas funções a tempo completo ou em horário docente completo, o qual teria de ser apurado segundo uma fórmula que atentasse na exigência de uma correspondência a horário lectivo completo (22h semanais). 2.3. E a interpretação do artigo 10.º, n.º 3, alínea b) do Decreto-Lei n.º 132/2012 subjacente às decisões proferidas pelas instâncias afigura-se juridicamente correcta. Vejamos. 2.3.1. O artigo em crise dispunha o seguinte na redacção em vigor à data dos factos: «(…) 4 - O disposto na alínea a) do número anterior é aplicado aos docentes que tenham exercido ou exerçam funções em:
E o Recorrente entende que a decisão não atentou no elemento sistemático, em especial no complemento de sentido que caberia retirar da conjugação da norma acabada de transcrever com o disposto nos seguintes artigos: «[…]
Artigo 132.º
Mas sem razão.
2.3.2. O que está em causa no artigo 10.º, n.º 3, alínea b) do Decreto-Lei n.º 132/2012 é o número de dias em que um candidato a um concurso de recrutamento externo (alguém que ainda não faz parte da carreira) do pessoal docente dos ensinos básico e secundário leccionou aulas como docente, uma vez que esse requisito lhe permite integrar o grupo da 2.ª prioridade no recrutamento, na medida em que, face aos outros candidatos, dispõe já de alguma experiência como docente em estabelecimentos de ensino públicos ou equiparados, expressamente indicados como tal para este efeito, pelo legislador, no n.º 4 do mesmo artigo 10.º do referido Decreto-Lei n.º 132/2012. Ora, o exercício daquele tipo de funções para efeitos deste concurso de recrutamento externo há-de ser sempre (como no caso dos autos) por períodos limitados de tempo, com horários incompletos e parciais, em regra em regime de substituição de docentes contratados como tal, que estejam temporariamente impedidos e pelo período em que dura esse impedimento. Já os artigos invocados pelo Recorrente para impor a conversão do tempo parcial em tempo de serviço lectivo completo disciplinam questões diferentes e com racionalidades distintas, como é o caso do regime jurídico da antiguidade entre os docentes, previsto nas invocadas normas do ECD, e do artigo do Estatuto da Aposentação. Naquele caso, seja porque está em causa um posicionamento relativo entre docentes, que exige uma harmonização de critérios, seja porque estamos perante a produção de efeitos financeiros, em que a contagem do tempo de serviço está associada à remuneração auferida e correspectivos descontos, é óbvio que se tem de impor, como “métrica” da igualdade relativa (no caso da antiguidade) para o cálculo do tempo de serviço, a actividade correspondente ao tempo de serviço total (ou seja, apurado por referência a um horário lectivo completo). Mas aquela exigência (tempo de serviço contabilizado segundo as regras do trabalho a tempo total) não é imprescindível para se fixar a contagem de tempo lectivo necessário para que a “experiência prévia” possa ser condição preferencial no âmbito do recrutamento externo para a carreira. Por outras palavras, inexiste uma razão para que o legislador tivesse que contabilizar a experiência docente prévia dos opositores a um concurso externo para a carreira docente segundo uma unidade de tempo de serviço total. Por isso, não é possível dizer, como sustenta o Recorrente, que a “letra” (o elemento gramatical da interpretação jurídica) do artigo 10.º, n.º 3, alínea b) do Decreto-Lei n.º 132/2012, quando nele se faz referência a 365 dias de prestação de serviço em função docente nos últimos seis meses, tenha de ser “corrigida” ou “complementada” com uma fórmula de cálculo que converta aqueles dias em dias correspondentes à prestação de serviço em função docente a tempo total (22h por semana). Pelo contrário, têm razão as instâncias quando concluem: i) que a formulação textual da norma adopta intencionalmente a expressão “prestação de serviço em função docente” em vez de “exercício de funções docentes”, para marcar a diferença entre tempo de serviço para efeitos laborais e sociais e exercício prévio da função docente como critério preferencial de recrutamento para a carreira no âmbito de um concurso externo; ii) que a racionalidade da norma é dar preferência no recrutamento a quem já exerceu, precária e limitadamente, a prestação de serviço na função docente, relativamente a quem, tendo igualmente a habilitação necessária, ainda não prestou serviço no exercício daquela função pelo tempo mínimo fixado pelo legislador; e iii) que o legislador fixou textualmente como tempo mínimo adequado para efeitos daquele critério preferencial no recrutamento os 365 dias em seis anos anteriores, sem limite mínimo de horas, devendo ser essa a regra a observar em obediência ao disposto na lei (princípio da legalidade). É também essa interpretação normativa que, pelas razões antes explicitadas, e aderindo ao critério interpretativo fixado pelas instâncias, consideramos correcta: para efeitos do preenchimento do critério do artigo 10.º, n.º 3, alínea b) do Decreto-Lei n.º 132/2012 exige-se a prestação de serviço em função docente por 365 dias, nos últimos seis anos, independentemente do número de horas leccionadas.
2.3.3. É certo que na fundamentação da decisão recorrida se alude, de forma algo confusa e cruzada, à fundamentação da matéria de facto a respeito das regras adoptadas para fixar o “facto C” e à fundamentação jurídica a respeito da correcta interpretação da norma do artigo 10.º, n.º 3, alínea b) do Decreto-Lei n.º 132/2012. Mas tal é irrelevante para o que aqui decidimos. Primeiro, apurou-se o sentido do preceito legal que constitui o objecto deste litígio, concluindo-se que dele cabe retirar que a contagem dos 365 dias de prestação de serviço em funções docentes nos últimos seis anos se faz pelo número de dias em que aquela tarefa tenha sido exercida, independentemente do número de horas semanais leccionadas, por ser esse o sentido que claramente se retira do teor literal do enunciado normativo e por estar em causa um critério de preferência em concurso de recrutamento externo e não uma situação equiparável a tempo de serviço para efeitos de antiguidade relativa ou para efeitos de aposentação. Segundo, concluiu-se que a decisão do acórdão recorrido está correcta quando considera que o A., e aqui Recorrido, preenche aquele requisito preferencial no concurso, atenta a prova documental apresentada. Assim, o que resulta do acórdão recorrido é que a decisão do TAC estava correcta, quer quanto à interpretação jurídica do artigo 10.º, n.º 3, alínea b) do Decreto-Lei n.º 132/2012, quer quanto à subsunção dos factos ao direito, segundo a dita interpretação normativa.
2.3.4. A questão da alegada não violação do direito de audiência prévia do A. no procedimento concursal (conclusões L e M das alegações) extrapola o âmbito do presente recurso, uma vez que a mesma não foi objecto de análise e decisão no acórdão recorrido e, como tal, não pode este tribunal pronunciar-se sobre a mesma, por extrapolar o âmbito da revista.
III – Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso. Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 4 de julho de 2024. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Helena Maria Mesquita Ribeiro - Cláudio Ramos Monteiro. |