Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0458/15.3BEFUN
Data do Acordão:05/04/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:ZONA FRANCA DA MADEIRA
DERRAMA
IMPOSTO EXTRAORDINÁRIO
Sumário:Constitui “imposto extraordinário” o que tiver sido instituído para vigorar durante um período limitado de tempo, ou porque lhe é estabelecido um período de vigência limitado, ou porque é enquadrado em medidas fiscais com carácter marcadamente temporário.
Nº Convencional:JSTA000P29340
Nº do Documento:SA2202205040458/15
Data de Entrada:11/22/2021
Recorrente:AT-RAM
Recorrido 1:A..........., S.A. (ZONA FRANCA DA MADEIRA)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A Fazenda Pública, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A………., SA (Zona Franca da Madeira) contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IRC, referentes aos exercícios de 2012 e 2013, no valor total de €704.680,96, referente a derrama regional, derrama municipal e juros compensatórios.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 254 a 280 do SITAF;
i. A decisão a quo contém um erro de julgamento, quanto aos pressupostos de direito, decorrente da aplicação à derrama regional (criada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, e prorrogada, para o ano de 2012, pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de março), da isenção estabelecida na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, prevista para “impostos extraordinários sobre lucros e despesas”.
ii. A aplicação à derrama regional do disposto na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, afronta o princípio da legalidade fiscal e o princípio da proibição da integração analógica e constitui violação ao disposto no n.º 2 do art.º 103.º e da alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º, ambos da CRP, e do n.º 4 do art.º 11.º da LGT.
A) Do erro na caracterização dogmática da derrama regional como “imposto extraordinário”
iii. O MM.º Juiz a quo concluiu que a derrama regional se enquadra na categoria de «imposto extraordinário sobre os lucros», por considerar que «a derrama regional foi criada e, assim, justificada, pela ocorrência de circunstâncias excecionais – prejuízos causados pela intempérie que assolou a ilha da Madeira em 20.2.2010 e consequente necessidade de receitas fiscais adicionais para fazer face àqueles prejuízos – assumindo, pois, um caráter temporário».
iv. Ora, a citada conclusão assenta em premissas que não consideraram todo o enquadramento normativo que está na génese da criação da derrama regional.
v. A derrama regional foi criada pelo art.º 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, e revisto pela Lei n.º 130/99, de 21 de agosto, com as alterações previstas na Lei n.º 12/2000, de 21 de junho, conjugados com o n.º 1 do artigo 56.º da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de março, e do artigo 2.º da Lei n.º 12- A/2010, de 30 de junho, que aprovou a lei de consolidação orçamental.
vi. O n.º 2 da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, aditou ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, os artigos 87.º-A, 104.º-A e 105.º-A, que criou o regime jurídico aplicável à derrama estadual, que se enquadra no conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC).
vii. Assim, a Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, demonstra que criação da derrama estadual tem uma finalidade de consolidação orçamental.
viii. Por consequência e com a mesma finalidade de consolidação orçamental, a Região Autónoma da Madeira adaptou o sistema fiscal nacional de derrama estadual às especificidades regionais, nos termos do n.º 1 do art.º 56.º da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de março, que deu origem à criação da derrama regional pelo art.º 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto.
ix. Uma análise detalhada do teor do preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, (diploma que operou a alteração do Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2010 e no qual foi criada a derrama regional), demonstra que a derrama regional não constitui nenhuma das formas de financiamento extraordinário da Região Autónoma da Madeira determinadas na Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho, (que fixou os meios que asseguram o financiamento das iniciativas de apoio e reconstrução na Região Autónoma da Madeira na sequência da intempérie de 20 de fevereiro de 2010).
x. Assim, não estando a derrama regional incluída no rol de meios de financiamento extraordinários previstas na Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho, não existe fundamento para concluir que a criação derrama regional foi criada, com carácter temporário e transitório, para fazer face aos prejuízos causados pela intempérie que assolou a Região Autónoma da Madeira em 20-02-2010, ao invés do que sucedeu na Sentença recorrida.
xi. Por consequência, a derrama regional não pode ser qualificada como um imposto extraordinário, porque as normas que estão na sua génese não tiveram como fim a obtenção de receitas extraordinárias, destinadas a necessidades orçamentais extraordinárias, por um período de tempo limitado.
xii. Na verdade, à semelhança da derrama estadual também a derrama regional tem a finalidade de consolidação orçamental, que não tem carácter extraordinário, nem temporário, como evidencia o cotejo do disposto na Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, com o preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto.
xiii. O facto de a vigência da derrama regional ter sido sucessivamente prorrogada pelos vários Orçamentos da Região Autónoma da Madeira, desde 2010, resulta apenas do cumprimento do princípios orçamentais da anualidade e da universalidade previstos, respetivamente, no n.º 1 e 4 do art.º 4.º e no n.º 2 do art.º 5.º, da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto (Lei de Enquadramento Orçamental, posteriormente alterada e republicada pela Lei n.º 52/2011, de 13 de outubro), aplicáveis aos orçamentos regionais nos termos do n.º 6 do art.º 2.º da mesma Lei, e em conformidade com a competência da Assembleia Legislativa da Região Autónoma para aprovação do orçamento regional, nos termos da n.º 1 do art.º 232.º da Constituição da República Portuguesa.
xiv. Com relevo para o ano de 2012 e 2013, em apreço nos presentes autos, o preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de março, que aprovou o Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2012, explica que este Orçamento «cumpre com os diversos princípios e regras orçamentais estabelecidos na Lei de Enquadramento do Orçamento, nomeadamente as regras da anualidade, do equilíbrio, da não consignação, do orçamento bruto, da especificação, da unidade e da universalidade» e que dá cumprimento ao Programa de Ajustamento Económico e Financeiro para os próximos anos e implementa medidas necessárias à sustentabilidade e estabilização das finanças públicas da Região e à salvaguarda dos seus compromissos financeiros.
xv. Foi neste contexto que o disposto no art.º 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, (inserido no Capítulo V, respeitante à «Adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais»), prorrogou a vigência do regime da derrama regional para o exercício de 2012, e atualizou a redação das normas, com o propósito de consolidação orçamental.
xvi. Considerando o regime jurídico, quer da derrama estatual, quer da derrama regional, ambos os tributos situam-se dogmaticamente no âmbito dos impostos ordinários (aqueles cujo o direito ao imposto se verifica enquanto se mantiver a situação prevista na lei para sujeição a imposto), sendo que os respetivos produtos constituem receitas que não se encontram consignadas a suportar despesas de natureza específica. xvii. Diante do exposto, ao invés do que ficou julgado na Sentença recorrida, a derrama regional não pode ser dogmaticamente qualificada como imposto extraordinário, porque não constitui receita extraordinária, nem se encontra consignada a suportar despesas extraordinárias que estejam taxativamente enumeradas nas leis orçamentais.
xviii. Por consequência, a derrama regional não é um imposto extraordinário.
B) Do erro na subsunção da derrama regional no âmbito do disposto na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho.
xix. Acresce que, a derrama regional é um tributo distinto do «imposto extraordinário sobre os lucros», pelo que não pode ser enquadrada, na previsão da alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho.
xx. Ao decidir que a Impugnante, enquanto entidade licenciada a operar na Zona Franca da Madeira, no ano de 2012, está isenta do pagamento de derrama regional, ao abrigo do disposto na alínea e) do art.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, constitui um erro de julgamento de direito, por violação do princípio da legalidade fiscal e da proibição de integração analógica no âmbito de benefícios fiscais.
xxi. Na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, o legislador consagrou um benefício fiscal de isenção do imposto extraordinário sobre lucros destinado às empresas instaladas na zona franca da Madeira, sendo que esse imposto foi criado, nos termos do nos termos do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro, como imposto acessório à contribuição industrial.
xxii. A aplicação desse benefício fiscal no âmbito da derrama regional, afronta o princípio da legalidade fiscal, previsto no n.º 2 do art.º 103.º da CRP, porque pretende fazer uma aplicação analógica do regime previsto na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, que se refere apenas ao imposto extraordinário sobre lucros e ao imposto extraordinário sobre despesas.
xxiii. Desde 1 de janeiro de 1989, as entidades instaladas na zona franca da Madeira deixaram de poder beneficiar da isenção que fora prevista na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, por inexistência jurídica do imposto extraordinário sobre lucros criado pelo art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro, por efeito da abolição da contribuição industrial.
xxiv. Se, a partir de 1 de janeiro de 1989, o legislador foi omisso quanto à previsão de uma norma que estipule para a derrama regional, (cujo regime legal que apenas surgiu pela primeira vez em 2010 e se tem mantido até ao presente), uma isenção idêntica àquela que estabelecera para o «imposto extraordinário sobre lucros» na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, não pode o intérprete substituir-se a legislador fazendo uma integração analógica.
xxv. A Sentença recorrida concretizou verdadeiramente uma integração analógica da derrama regional no âmbito da norma de isenção do «imposto extraordinário sobre lucros» prevista na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, e não uma interpretação extensiva, (aludida na parte final do art.º 10.º do EBF), porque não demonstrou que a letra da lei tenha ficado aquém do pensamento legislativo, ou seja, que o legislador quando consagrou a isenção prevista para o «imposto extraordinário sobre lucros» tenha pretendido nela incluir outro tributo de natureza idêntica à derrama regional.
xxvi. Diante do exposto, a Decisão do Tribunal a quo não deveria ter aplicado à derrama regional, impugnada nos presentes autos, a isenção prevista na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, existindo fundamento para Tribunal a quem reconhecer ser de afastar a aplicação desta isenção prevista para o «imposto extraordinário sobre lucros» à derrama regional, bem como concluir que os atos tributários impugnados são legais.

I.2 – Contra-alegações
Foram produzidas contra-alegações pela entidade recorrida no âmbito da instância de recurso com o seguinte quadro conclusivo:
A) No presente recurso jurisdicional, em face da sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo, discute-se a legalidade das correções relativas à derrama regional e correspetivos juros compensatórios plasmadas nas liquidações adicionais de IRC n.ºs 2014 8310035234, relativa ao exercício de 2012, e 2014 8310034882, relativa ao exercício de 2013, centrando-se a discordância das partes na questão de saber se a derrama regional preenche o conceito de imposto extraordinário sobre lucros e despesas e se, em consequência, a Recorrida, sendo uma entidade estabelecida na Zona Franca da Madeira, beneficia da isenção estabelecida no artigo 7.º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho;
B) A Recorrente, fazendo uma interpretação meramente literal do disposto no artigo 7.º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, sugere que essa isenção se aplicava tão-só ao imposto extraordinário sobre lucros criado pelo Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro, não abrangendo outros impostos extraordinários sobre lucros – designadamente, a derrama regional – que, embora revestindo as mesmas caraterísticas, não adotam essa designação;
C) Atentando na letra do artigo 7.º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, constata-se que o legislador não estabeleceu uma isenção de imposto extraordinário sobre lucros, mas antes uma isenção de impostos extraordinários sobre lucros e despesas. Assim, o legislador não só utilizou uma terminologia não inteiramente coincidente com a designação constante do Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro, como ainda utilizou o plural e não o singular, o que inequivocamente aponta no sentido de a mencionada isenção abranger uma pluralidade de realidades, não se cingindo por isso ao então designado imposto extraordinário sobre os lucros;
D) Considerando que o artigo 9.º, n.º 3, do CC impõe ao intérprete que, na sua tarefa interpretativa, presuma que o legislador se soube exprimir, não será lícito que considere que, ao referir-se a impostos extraordinários sobre lucros e despesas, o legislador pretendia antes referir-se ao imposto extraordinário sobre lucros, já que tal significaria assumir que foi utilizada uma expressão inadequada para traduzir o pensamento legislativo;
E) Também o elemento teleológico da interpretação aponta no sentido de que, através da consagração desta isenção, o legislador pretendeu abarcar um conjunto alargado de realidades, já que a mesma visa, conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho – que a instituiu – a promoção e captação de investimentos na Zona Franca da Madeira e esse objetivo não se coaduna com uma interpretação restritiva do artigo 7.º, alínea e), do mencionado Decreto-Lei;
F) Como perentoriamente concluiu esse Douto Tribunal ad quem em acórdão proferido a 2 de dezembro de 2020 no âmbito do processo n.º 0194/17.6BEALM, «A redação do preceito sustenta a sua aplicação a todos os impostos com a mesma natureza por mera interpretação declarativa. E não seria razoável que o legislador adotasse uma redação abrangente para reconduzir o benefício, que não foi temporalmente delimitado, a impostos específicos (…). E, assumindo que o legislador é coerente quando se refere a “impostos extraordinários” nos diversos diplomas que regulam o sistema fiscal e financeiro da Região Autónoma, não é de admitir que adote a mesma designação nesses diplomas para se referir a realidades distintas»;
G) Por outro lado, parece considerar a Recorrente que a isenção prevista no artigo 7.º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, foi tacitamente revogada com a entrada em vigor do EBF, o qual não estabelece semelhante isenção;
H) Analisando cuidadosamente o EBF, constata-se que este Código não contém qualquer norma que determine expressamente a revogação de benefícios fiscais avulsos anteriores, o que significa que, de acordo com o artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, do CC, só poderá sustentar-se a revogação tácita do artigo 7.º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho caso se verifique: (i) a incompatibilidade dessa isenção com o EBF ou (ii) a circunstância de o EBF passar a regular toda a matéria relativa aos benefícios fiscais, deixando de existir espaço para a subsistência de outras leis que estabeleçam benefícios fiscais;
I) Começando pela primeira das duas hipóteses, inexiste no EBF qualquer disposição incompatível com a subsistência do benefício fiscal estabelecido no artigo 7.º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, sendo por isso totalmente inadmissível sustentar-se a revogação do benefício por esta via;
J) Já quanto à segunda hipótese, identificam-se inúmeros benefícios fiscais existentes à data da aprovação do EBF que continuaram vigentes após a aprovação desse diploma, mesmo em matérias que passaram a estar reguladas no EBF – a título de exemplo, atente-se no benefício fiscal estabelecido no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 janeiro, que, como tem sido reiteradamente declarado pelo Centro de Arbitragem Administrativa, não foi tacitamente revogado pelo artigo 46.º (e, posteriormente, 49.º) do EBF;
K) A isto acresce que a Lei n.º 28/2021, de 18 de maio, veio elencar um conjunto de benefícios fiscais, estabelecidos entre 1986 e 1991 – como é o caso do benefício fiscal em causa nestes autos –, que caducaram e/ou foram tacitamente revogados, não se encontrando plasmado nesse diploma legislativo o benefício fiscal sub judice;
L) Assim, e em linha com o decidido por esse Douto Tribunal ad quem a 2 de dezembro de 2020 no âmbito do processo n.º 0194/17.6BEALM, «É sabido que a concentração da disciplina legal dos benefícios fiscais não serviu para eliminar a legislação avulsa que consagra benefícios fiscais, fora do âmbito estrito dos benefícios fiscais ali especificamente regulados. Assim, pelo facto de existir ali uma disposição dedicada aos benefícios fiscais na zona franca da Madeira, em sede de IRS e de IRC, não significa que as entidades licenciadas para ali operar não possam continuar a beneficiar de outros incentivos fiscais, designadamente de âmbito local ou regional»;
M) Finalmente, sustenta a Recorrente que a derrama regional não pode ser considerada um imposto extraordinário porque não visa a obtenção de receitas para cobrir necessidades orçamentais extraordinárias, motivo pelo qual entende ser inaplicável a isenção estabelecida no artigo 7.º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho;
N) Ora, os impostos extraordinários caraterizam-se (i) pelo objetivo de fazer face a necessidades orçamentais extraordinárias e (ii) pela limitação temporal da sua vigência;
O) Segundo o preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto – Orçamento Retificativo da Região Autónoma da Madeira para 2010, cujo artigo 3.º criou a derrama regional –, as medidas nele previstas visaram fazer face às «circunstâncias decorrentes da intempérie que assolou a Região Autónoma da Madeira no passado dia 20 de Fevereiro de 2010, que, além das lamentáveis perdas humanas, originou elevados prejuízos materiais, nomeadamente provocando a destruição de numerosas infraestruturas regionais, implicam novas necessidades orçamentais»;
P) Com efeito, de acordo com o referido preâmbulo, o diploma «visa criar as condições orçamentais necessárias para levar a cabo as intervenções de recuperação das infraestruturas regionais afetadas, as ações de recuperação da economia nos sectores produtivos afetados pela intempérie e as ações de alcance social de reposição das condições de vida das populações afetadas, procedendo-se à reafectação das dotações orçamentais da receita e da despesa orçamental»;
Q) É, assim, manifesto que, através da instituição da derrama regional, o legislador visou criar condições orçamentais para fazer face a uma situação absolutamente excecional, decorrente da intempérie que assolou a Região Autónoma da Madeira em 2010, sendo inequívoco que, contrariamente ao que sustenta a Recorrente, este tributo não foi criado para cumprir um objetivo permanente de consolidação da receita orçamental;
R) Ademais, a derrama regional tem também caráter temporário, tendo sido instituída através do orçamento retificativo da Região Autónoma da Madeira para 2010 (cfr. Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto), instrumento que tem, por natureza, caráter anual;
S) Pese embora a vigência da derrama regional venha, desde 2010, a ser repetidamente prorrogada através dos vários orçamentos da Região Autónoma da Madeira – quanto aos anos de 2012 e 2013, em causa nestes autos, a prorrogação foi efetuada através dos Decretos Legislativos Regionais nºs 5/2012/M, de 30 de março, e 42/2012/M, de 31 de dezembro, respetivamente –, certo é que se o legislador tributário pretendesse mantê-la em definitivo aprovaria o seu regime em diploma próprio, ao invés de proceder anualmente à respetiva prorrogação através de instrumentos temporários;
T) No mesmo sentido decidiu esse Douto Tribunal ad quem no já referido processo n.º 0194/17.6BEALM através de decisão proferida a 2 de dezembro de 2020, em sede da qual concluiu que «[A] derrama regional a que aludem os artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, é – quanto a nós, notoriamente – um imposto temporário. Porque foi integrada num diploma destinado a vigorar num só ano económico (…). Na verdade, o facto de a derrama regional ter sido «mantida» ou «renovada» em sucessivos diplomas que aprovaram os orçamentos da Região Autónoma da Madeira até confirma o carácter temporalmente limitado do imposto, visto que, através de tal procedimento legislativo, se condicionou a própria existência do imposto à sua criação em lei anual. Pelo seu lado, o facto de o preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, aludir a circunstâncias extraordinárias (decorrentes da intempérie que assolou a Região em 20 de fevereiro de 2010) que obrigaram a conceber formas de financiamento extraordinário, confirma que o legislador concebeu o imposto para vigorar durante um período limitado de tempo. E por isso inseriu todo o seu regime numa “lei temporária”»;
U) Tudo ponderado, necessariamente se conclui, em linha com a jurisprudência desse Douto Tribunal ad quem, pela total improcedência de todos os argumentos invocados pela Recorrente para sustentar a revogação da sentença recorrida, a qual deverá, assim, manter-se integralmente na ordem jurídica, com as demais consequências legais;
V) Como resulta da exposição supra, todos os argumentos invocados pela Recorrente no presente recurso foram objeto de apreciação recente por esse Douto Tribunal ad quem no âmbito do processo n.º 0194/17.6BEALM, aderindo a Recorrida inteiramente ao entendimento adotado nessa sede;
W) Neste contexto, e tendo em consideração o facto de o valor do recurso ser superior a EUR 275.000,00, ponderados a natureza e a complexidade da causa e, bem assim, o comportamento processual das partes, estão preenchidos os pressupostos, estabelecidos no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, para que seja determinada a dispensa de pagamento da taxa de justiça, o que se requer a esse Douto Tribunal ad quem.

I.3 Parecer do Ministério Público
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer com o seguinte conteúdo:
«PARECER
INTRODUÇÃO
A Fazenda Pública vem interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, datada de 8 de Julho de 2021, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, SA (Zona Franca da Madeira) do indeferimento tácito da reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IRC, referentes aos exercícios de 2012 e 2013, nas quais foi apurado o valor total de €704.680,96, relativo a derrama regional, derrama municipal e juros compensatórios (cf. fls. 224 a 246 do SITAF).
Como melhor se alcança da análise da motivação sub judice, a Recorrente imputa à douta sentença recorrida erro de julgamento da matéria de direito.
Decorrente da aplicação da isenção de imposto extraordinário sobre lucros prevista na alínea e) do artigo 7º do Decreto-Lei nº 165/86, de 26 de Junho à derrama regional relativamente ao período de 2012
Por violação do disposto nos artigos 103 nº 2 e 165, nº 1, alínea i), ambos da CRP e 11º, nº4, da LGT.
Ora resulta expressamente da lei e é univocamente reconhecido pela jurisprudência que o âmbito do presente recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria nelas não inserida, ressalvados os casos do seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282º, nº 5 a 7 do CPPT e 635º, nº 4, do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável ex. vi do artigo 281º do CPPT.
Cumpre-nos, pois, emitir parecer
DO MÉRITO DO RECURSO
Alega a Recorrente que a isenção prevista na alínea e) do artigo 7º, do Decreto-Lei nº 165/86, de 26 de Junho se aplica exclusivamente ao imposto extraordinário sobre lucros instituído pelo artigo 33º, do Decreto-Lei nº 119-A/83, de 28 de Fevereiro e regulamentado através do Decerto Regulamentar nº 66/83, de 13 de Julho,
O que dependia da prévia existência da contribuição industrial.
Ora, tendo sido revogada a contribuição industrial, também o imposto extraordinário sobre lucros-acessório daquela - deixou de vigorar pelo que foi esvaziado o âmbito de aplicação da isenção acima referida.
Ora sobre este ponto já se pronunciou o douto Acórdão do STA, datado de 2/12/2020, proferido no processo 0194/17.6BEALM, disponível em www.dgsi.pt, concluindo o seguinte:
“A correta interpretação destas conclusões não dispensa algum enquadramento: parece que a Recorrente não pretende pôr em causa que a derrama regional incida sobre uma parte do lucro tributável sujeito e não isento do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
E que, por ser calculada a partir do lucro tributável (ou de parte dele), deva ser considerada um «imposto sobre o lucro».
Se bem interpretamos, a ideia da Recorrente é que, ao aludir à «Isenção de impostos extraordinários sobre lucros e despesas», o legislador do Decreto-Lei n.º 165/86 citado pretendia reportar-se aos impostos que receberam essa específica designação.
Reconheça-se desde já que esse é um dos sentidos possíveis do texto da lei. Ao aludir a «impostos extraordinários sobre lucros» o legislador poderia ter em vista tanto os impostos que devam ser classificados com essa natureza como os impostos que tenham recebido essa específica designação.
Mas não é o sentido mais provável.
A redação do preceito sustenta a sua aplicação a todos os impostos com a mesma natureza por mera interpretação declarativa.
E não seria razoável que o legislador adotasse uma redação abrangente para reconduzir o benefício, que não foi temporalmente delimitado, a impostos específicos.
Por outro lado, as sucessivas Leis das Finanças Regionais continuaram a prever a existência de impostos extraordinários liquidados como adicionais ou sobre a matéria coletável de outros impostos muito para além da extinção dos «impostos extraordinários sobre lucros» criados pelo Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro – ver, por último, o artigo 25.º da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de março.
Pelo que o legislador não assumiu ali nenhuma conexão intrínseca ou relação de dependência entre estes impostos e a extinta contribuição industrial.
E, assumindo que o legislador é coerente quando se refere a «impostos extraordinários» nos diversos diplomas que regulam o sistema fiscal e financeiro da Região Autónoma, não é de admitir que adote a mesma designação nesses diplomas para se referir a realidades distintas.”
Nesta conformidade, afigura-se-nos, com o apoio do douto Acórdão acima citado, que o âmbito da aplicação da isenção estabelecida no artigo 7º, alínea e), do Decreto-Lei nº 165/86, de 26 de Junho não se limita ao imposto extraordinário sobre lucros criado pelo Decreto-Lei nº 119-A/83, de 28 de Fevereiro.
Consequentemente, o recurso deve improceder quanto a este segmento decisório.
Alega também a Recorrente que com a aprovação do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) passaram a estar estabelecidos neste diploma legal todos os benefícios fiscais à Zona Franca da Madeira (ZFM), não se prevendo qualquer isenção da derrama regional.
Ora, também sobre este ponto se pronunciou o douto Acórdão acima referido, tendo concluído:
“É sabido que a concentração da disciplina legal dos benefícios fiscais não serviu para eliminar a legislação avulsa que consagra benefícios fiscais, fora do âmbito estrito dos benefícios fiscais ali especificamente regulados.
Assim, pelo facto de existir ali uma disposição dedicada aos benefícios fiscais na zona franca da Madeira, em sede de IRS e de IRC, não significa que as entidades licenciadas para ali operar não possam continuar a beneficiar de outros incentivos fiscais, designadamente de âmbito local ou regional”.
Assim sendo, afigura-se-nos, com o apoio do douto Acórdão acima citado, que a isenção estabelecida no artigo 7º, alínea e) do Decreto-Lei nº 165/86, de 26 de Junho permaneceu vigente após a entrada em vigor do EBF.
Pelo que, com o devido respeito por melhor opinião, deve o recurso improceder também quanto a este segmento decisório. Finalmente, alega ainda a Recorrente que, mesmo que a isenção estabelecida na alínea e) do artigo 7º, do Decreto-Lei nº 165/86, de 26 de Junho estivesse ainda em vigor,
A mesma não se aplicaria à derrama regional uma vez que esta não consubstancia uma forma de financiamento extraordinário, motivo pelo qual nunca poderia ser qualificada como um imposto extraordinário.
Também sobre este ponto se pronunciou o douto Acórdão acima referido, tendo concluído:
[O] legislador utiliza a expressão «imposto extraordinário» para designar o imposto que é limitado temporalmente, ou porque lhe é estabelecido um período de vigência limitado, ou porque é enquadrado em medidas fiscais com carácter marcadamente temporário.
Ora, a derrama regional a que aludem os artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, é – quanto a nós, notoriamente – um imposto temporário.
Porque foi integrada num diploma destinado a vigorar num só ano económico, o diploma que alterou o orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2010.
Não obsta a tal o facto de ter sido mantida nos anos seguintes.
Na verdade, o facto de a derrama regional ter sido «mantida» ou «renovada» em sucessivos diplomas que aprovaram os orçamentos da Região Autónoma da Madeira até confirma o carácter temporalmente limitado do imposto, visto que, através de tal procedimento legislativo, se condicionou a própria existência do imposto à sua criação em lei anual.
Pelo seu lado, o facto de o preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, aludir a circunstâncias extraordinárias (decorrentes da intempérie que assolou a Região em 20 de fevereiro de 2010) que obrigaram a conceber formas de financiamento extraordinário, confirma que o legislador concebeu o imposto para vigorar durante um período limitado de tempo.
E por isso inseriu todo o seu regime numa «lei temporária».
Não obsta a tal o facto de os diplomas posteriores não fazerem referência a circunstâncias extraordinárias, visto que a temporalidade do imposto não depende absolutamente, em última análise, de uma justificação extraordinária.
A situação da derrama da Região Autónoma da Madeira é, por isso, totalmente distinta da derrama estadual e da derrama local.
A derrama estadual consta do artigo 87.ºA do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, tendo sido instituída para vigorar ordinariamente, isto é, em todos os exercícios.
A derrama local constava ao tempo do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro e consta atualmente do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (Lei das Finanças Locais).
Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional de 9 de abril de 2013 (acórdão n.º 197/2013), perdeu o carácter extraordinário porque se apresenta agora como um «mecanismo corrente de financiamento dos municípios».
Ou seja, a derrama local constitui atualmente uma receita ordinária dos municípios (que se repete, por natureza, todos os anos), embora o seu lançamento esteja dependente de uma deliberação anual.
No caso da derrama regional, porém, o regime fiscal respetivo foi integralmente inserido em lei do orçamento.
Obedecendo, assim, à ideia de que a receita por ela criada é uma receita extraordinária do exercício correspondente, sem prejuízo da sua renovação através de idêntico mecanismo. Contrapõe a Recorrente que a derrama regional não pode ser caracterizada como imposto extraordinário por ter uma finalidade de consolidação orçamental.
No entendimento deste tribunal, porém, os impostos que tenham sido instituídos com a finalidade de consolidação orçamental não deixam por isso de ser considerados impostos extraordinários, desde que tenham um carácter marcadamente temporário.
O que sucede é que essa característica já não pode derivar da finalidade com que foram instituídos, visto que a finalidade de consolidação orçamental não pode ser considerada uma finalidade extraordinária em si mesma.
Sempre se dirá que não é verdade que a derrama regional não tenha sido incluída no rol dos meios de financiamento extraordinários previstos na Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho.
Na verdade, todo o orçamento retificativo para a Região Autónoma da Madeira para 2010 tinha em vista «criar as condições orçamentais necessárias para levar a cabo as intervenções de recuperação» ditadas pelas circunstâncias decorrentes da intempérie que assolou a Região Autónoma da Madeira em 2010.
Por isso, a derrama regional foi então criada tendo em vista assegurar as dotações orçamentais de receita necessárias para responder às responsabilidades instituídas pelo artigo 8.º daquela Lei Orgânica. Ou seja, comparticipar na reconstrução através das receitas respetivas.
É possível que (como conclui a Recorrente – conclusão “xix”) a prorrogação para o ano de 2012 do regime que criou a derrama regional, determinada pelo artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de março, tivesse cumprido finalidades distintas. No entanto, não deriva daí que tivesse deixado de ser um imposto extraordinário. Porque voltou a ter uma duração limitada no tempo.
Na prática, o que ali sucedeu foi a criação da derrama regional para o ano de 2012, repristinando as normas instituídas para a criação de imposto equivalente de anos anteriores e limitando a sua vigência ao ano correspondente”. Nesta conformidade, estando demonstrada a finalidade extraordinária das receitas obtidas através da derrama regional e a limitação temporal da sua vigência, estão preenchidos os pressupostos de que depende a sua configuração como imposto extraordinário. Pelo que entendemos que o recurso deve improceder, também quanto a este segmento decisório.
CONCLUSÃO
Termos em que, com os fundamentos expostos deve ser negado provimento ao recurso e, em consequência, manter-se integralmente a douta sentença recorrida.»

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 224 a 246 e seguintes do SITAF:
1. No exercício de 2012 e até 02 de dezembro de 2013, a sociedade Impugnante encontrava-se licenciada para operar no âmbito do Centro Internacional de Negócios da Madeira – cfr. fls. 158 a 176 do Processo Administrativo (PA) apenso e doc. n.º 4 junto com a petição inicial.
2. Em 02 de dezembro de 2013, foi levada a registo o cancelamento da matrícula da Impugnante em virtude de fusão por incorporação transfronteiriça na sociedade “B…………., LTD.”, sediada no Reino Unido – cfr. fls. 158 a 176 do PA apenso e doc. n.º 4 junto com a petição inicial.
3. A sociedade Impugnante apresentou Declaração Modelo 22 do IRC, referente ao exercício de 2012, na qual foi apurado “um lucro tributável sem redução de taxa” de € 3.369.240,61 e onde foi inscrito no campo “derrama” um valor de € 0,00 – cfr. relatório inspetivo constante do doc. n.º 7 junto com a petição inicial.
4. No que se refere ao exercício de 2013, a Impugnante apresentou Declaração Modelo 22 do IRC, na qual foi apurado “um lucro tributável sem redução de taxa” de € 15.025.201,24 e onde foi inscrito no campo “derrama” um valor de € 0,00 – cfr. relatório inspetivo constante do doc. n.º 8 junto com a petição inicial.
5. Pela ordem de serviço interna n.º OI201400188, datada de 03 de abril de 2014, com o código de atividade 1212110228 e despacho de 04 de abril de 2014, foi realizada ação inspetiva à Impugnante, de âmbito parcial em IRC e extensão ao exercício de 2012 – cfr. relatório inspetivo constante do doc. n.º 7 junto com a petição inicial.
6. No dia 01 de agosto de 2014, foi emitido relatório de inspeção tributária relativo ao procedimento inspetivo efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI201400188, no qual se concluiu que: “O sujeito passivo (S.P.) «A………, S.A.», NIPC …………, sediado na Zona Franca da Madeira, tendo em 2012 apurado um lucro tributável sujeito ao regime geral sem redução de taxa no valor de € 3.369.240,61, não liquidou a derrama estadual nos termos do artigo 87.º-A do Código do IRC, adaptada à Região para a Derrama Regional, nos termos do art.º 3.º do Decreto-Legislativo Regional 14/2010/M, de 5 de Agosto. Desta forma, terá de ser efetuada uma correção ao apuramento do imposto, no valor de € 56.077,22 de acordo com o n.º 1 do art.º 4.º do DLR n.º 14/2010/M alterado pelo art.º 15.º do DLR 5/2012/M a efectuar como se demonstra do quadro seguinte:

[IMAGEM]

7. Sobre o relatório de inspeção mencionado no ponto anterior recaiu despacho de concordância do Diretor de Serviços de Inspeção Tributária, datado de 05 de setembro de 2014 – cfr. relatório inspetivo constante do doc. n.º 7 junto com a petição inicial.
8. A sociedade Impugnante foi notificada das correções resultantes da ação de inspeção efetuada a coberto da ordem de serviço n.º OI201400188, por ofício n.º 9.043, datado de 08 de setembro de 2014 – cfr. doc. n.º 7 junto com a petição inicial.
9. Por sua vez, pela ordem de serviço interna n.º OI201400241, datada de 30 de abril de 2014, com o código de atividade 1212110228 e despacho de 30 de abril de 2014, foi realizada ação inspetiva à Impugnante, de âmbito parcial em IRC e extensão ao exercício de 2013 – cfr. relatório inspetivo constante do doc. n.º 8 junto com a petição inicial.
10. No dia 01 de agosto de 2014, foi emitido relatório de inspeção tributária relativo ao procedimento inspetivo efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI201400241, no qual se concluiu que: “O sujeito passivo (S.P.) «A………, S.A.», NIPC ……….., sediado na Zona Franca da Madeira, tendo em 2013 apurado um lucro tributável sujeito ao regime geral sem redução de taxa no valor de € 15.025.201,24, não liquidou a derrama estadual nos termos do artigo 87.º-A do Código do IRC, adaptada à Região para a Derrama Regional, nos termos do art.º 3.º do Decreto-Legislativo Regional 14/2010/M, de 5 de Agosto. Desta forma, terá de ser efetuada uma correção ao apuramento do imposto, no valor de € 556.260,06 de acordo com o n.º 1 do art.º 4.º do DLR n.º 14/2010/M alterado pelo art.º 15.º do DLR 5/2012/M a efectuar como se demonstra do quadro seguinte:

[IMAGEM]

11. Sobre o relatório de inspeção mencionado no ponto anterior recaiu despacho de concordância do Diretor de Serviços de Inspeção Tributária, datado de 05 de setembro de 2014 – cfr. relatório inspetivo constante do doc. n.º 8 junto com a petição inicial.
12. A sociedade Impugnante foi notificada das correções resultantes da ação de inspeção efetuada a coberto da ordem de serviço n.º OI201400241, por ofício n.º 9.044, datado de 08 de setembro de 2014 – cfr. doc. n.º 8 junto com a petição inicial.
13. Na sequência das correções efetuadas em sede inspetiva foram emitidas as seguintes liquidações em nome da Impugnante: - Liquidação adicional de IRC n.º 2014 8310035234 reportada ao exercício de 2012, datada de 01 de dezembro de 2014 e de que resultou um valor a pagar a título de derrama regional de € 56.077,22, acrescidos de € 2.617,96 a título de juros compensatórios; - Liquidação adicional de IRC n.º 2014 8310034882 reportada ao exercício de 2013, datada de 19 de novembro de 2014 e de que resultou um valor a pagar a título de derrama regional de € 556.260,06, bem como € 75.126,01 de derrama municipal, acrescidos de € 14.599,72 a título de juros compensatórios – cfr. fls. 04 a 08 e 12 a 16 do PA apenso e docs. n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial.
14. No dia 07 de maio de 2015, a Impugnante apresentou junto da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, reclamação graciosa das liquidações adicionais de IRC n.ºs 2014 8310035234 e 2014 8310034882 mencionadas no ponto antecedente, peticionando a respetiva anulação dos montantes de derrama regional e de derrama municipal apurados e dos respetivos acrescidos – cfr. fls. 51 a 65 do PA apenso e doc. n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15. A presente impugnação judicial foi apresentada em 07 de dezembro de 2015 – cfr. fls. 01 e ss. dos autos (suporte digital).
16. Por despacho do Diretor Regional da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, datado de 06 de junho de 2016, em concordância com anterior informação n.º 40 VF, datada de 28 de abril de 2016, foi a reclamação graciosa referenciada no ponto 14. parcialmente deferida “e consequentemente anulado o montante parcial de € 75.126,01, referente a derrama municipal, exigido na liquidação reclamada n.º 2014 8310034882 do ano de 2013”, mantendo-se “a exigibilidade do montante de € 556.260,06, devido a título de derrama regional na referida liquidação n.º 2014 8310034882; e ainda do montante de € 56.077,21 devido a título de derrama regional na liquidação reclamada n.º 2014 8310035234 e respetivos juros compensatórios” – cfr. fls. 27 a 33 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 17. O representante legal da Impugnante foi notificado da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa por ofício n.º 11.506, em 21 de novembro de 2016 (data da assinatura do aviso de receção referente ao registo postal CTT RD 7253 0487 7 PT) – cfr. fls. 21 a 23 do PA apenso.

II.2 – De Direito
I. Vem o presente recurso interposto pela Recorrente Fazenda Pública, da douta sentença do TAF do Funchal que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela impugnante, ora Recorrida – A…………, S.A. (ZONA FRANCA DA MADEIRA) - contra as liquidações adicionais de IRC de 2014 reportadas aos exercícios de 2012 e 2013, na parte respeitante à derrama estadual.
Para decidir pela procedência da acção, considerou o Tribunal a quo, invocando a doutrina vertida pelo Supremo Tribunal Administrativo no seu acórdão de 02 de dezembro de 2020, proc. n.º 0194/17.6BEALM, disponível em www.dgsi.pt, que : “A derrama regional a que alude o artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de março, é um «imposto extraordinário sobre lucros» para os efeitos da alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho.
Deste modo, entendeu o Tribunal a quo que a entidade recorrida, sendo uma entidade licenciada a operar na Zona Franca da Madeira, encontrava-se isenta do pagamento de derrama regional, ao abrigo do disposto da alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho.

II. Inconformada com o assim decidido, vem a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal, alegando que “a decisão a quo contém um erro de julgamento, quanto aos pressupostos de direito, decorrente da aplicação à derrama regional (criada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, e prorrogada, para o ano de 2012, pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de março), da isenção estabelecida na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, prevista para “impostos extraordinários sobre lucros e despesas”.
Considera ainda, e ao contrário do que ficou julgado pela sentença sob recurso, que a derrama regional não pode ser qualificada como imposto extraordinário porque não é receita extraordinária, não constitui nenhuma das formas de financiamento extraordinário da Região Autónoma da Madeira determinadas na Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho. Ou seja, no entender da Recorrente, a derrama regional não deve ser caracterizada como imposto extraordinário, não estando por isso, sujeita à isenção prevista a na alínea e) do artigo 7º, do Decreto-Lei nº 165/86, de 26 de Junho, em violação do princípio da legalidade fiscal e da proibição de integração analógica.
Consequentemente, conclui a Recorrente que o Tribunal a quo…não deveria ter aplicado à derrama regional, impugnada nos presentes autos, a isenção prevista na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, pelo que o reconhecimento pelo Tribunal a quem da desaplicação desta isenção prevista para o «imposto extraordinário sobre lucros» à derrama regional conduzirá à conclusão que os atos tributários impugnados são legais.

III. Comecemos por proceder à análise do teor das conclusões das alegações de recurso formuladas pela Recorrente, as quais configuram, como é sabido, a delimitação do âmbito e objecto do recurso.
Uma vez analisadas as mencionadas conclusões, logo se infere que são duas as questões aí colocadas e que versam sobre a discussão de saber se a “derrama regional” em causa nos autos:
- se insere no conceito de “impostos extraordinários sobre lucros e despesas” e se subsume à previsão da alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho;
- se a Impugnante ora recorrida reunia os pressupostos necessários para beneficiar da isenção consagrada na alínea e) do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho.

IV. Ora, as questões aqui suscitadas, e tal como formuladas nas Conclusões do Presente Recurso, são rigorosamente idênticas àquelas constantes do Recurso que culminou no Acórdão prolatado por este Supremo Tribunal em 12 de Janeiro de 2022, no âmbito do Processo n.º 19/16, são quase integralmente idênticas às Conclusões que foram objecto de julgamento por este Supremo Tribunal, em 2 de Dezembro de 2020, no âmbito do Processo n.º 194/17 e, por fim, são substancialmente idênticas às Conclusões do Recurso decidido por este Supremo Tribunal, em 12 de Janeiro de 2022, no âmbito do Processo n.º 81/15 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
E em todas estas decisões, formulou-se um sentido interpretativo unívoco, segundo o qual: “II - Constitui «imposto extraordinário» o que tiver sido instituído para vigorar durante um período limitado de tempo, ou porque lhe é estabelecido um período de vigência limitado, ou porque é enquadrado em medidas fiscais com carácter marcadamente temporário.
III - A derrama regional a que alude o artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de março, é um «imposto extraordinário» porque, tendo sido integrada num diploma destinado a vigorar num só ano económico, lhe foi estabelecido um período de vigência limitado.
IV - A derrama regional a que alude o artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de março, é um «imposto extraordinário sobre lucros» para os efeitos da alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho.

V. Neste sentido, obedecendo ao disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil e usando da faculdade concedida pela 2.ª parte do n.º 5 do artigo 663.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e porque concordamos integralmente com o que aí ficou decidido e respetivos fundamentos, remetemos para a fundamentação jurídica adotada nos já acima referidos Acórdãos deste Supremo Tribunal, lavrados nos Processos n.º 19/16 e n.º 81/15 (ambos de 12 de Janeiro de 2022) e n.º 194/17 (de 2 de Dezembro de 2020).


III. CONCLUSÕES

Constitui “imposto extraordinário” o que tiver sido instituído para vigorar durante um período limitado de tempo, ou porque lhe é estabelecido um período de vigência limitado, ou porque é enquadrado em medidas fiscais com carácter marcadamente temporário.

IV. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao presente Recurso.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 4 de Maio de 2022. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - José Gomes Correia.