Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02453/23.0BELSB |
Data do Acordão: | 06/06/2024 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | JOSÉ VELOSO |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL APRECIAÇÃO PRELIMINAR CONTRATAÇÃO PÚBLICA EXCLUSÃO DE PROPOSTAS |
Sumário: | Não é de admitir a revista em que a questão essencial colocada contende com a justificação da exclusão de uma proposta, se a mesma está decidida de forma unânime e aparentemente correcta por ambos os tribunais de instância, e não se perfila como de importância fundamental. |
Nº Convencional: | JSTA000P32381 |
Nº do Documento: | SA12024060602453/23 |
Recorrente: | MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS |
Recorrido 1: | A..., LDA. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS [MNE] - demandado nesta «acção do contencioso pré-contratual» - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - de 11.04.2024 - que negou provimento à sua «apelação» e confirmou a sentença do TAC de Lisboa - de 04.01.2024 - que julgou procedente a acção intentada pela candidata excluída A..., LDA, e, em conformidade, anulou o acto impugnado - despacho de 06.07.2023, da Directora Adjunta do Departamento Geral de Administração da Secretaria Geral do MNE, praticado no procedimento por consulta prévia, correspondente ao processo nº18/..., para a «Aquisição de serviços para a conservação e digitalização do espólio fotográfico de AA [fotógrafo do Protocolo de Estado]» - na parte em que excluiu a proposta da autora, anulou o contrato já celebrado com a contra-interessada B... - ASSOCIAÇÃO CULTURAL, e o condenou a proferir acto de adjudicação à proposta da autora. Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «importância fundamental» da questão. A autora da acção - A..., LDA - contra-alegou, defendendo, para além do mais, a não admissão da revista por falta de verificação dos pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA. 2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. 3. Está em causa um procedimento de consulta prévia - ao abrigo do disposto na alínea c) do nº1 do artigo 20º do CCP, com envio de convite às ora autora, contra-interessada, e ainda C..., LDA - no qual a proposta da autora terminou excluída e adjudicada a proposta da contra-interessada B.... A autora - A..., LDA - «pediu» ao tribunal a anulação da exclusão da sua proposta - essencialmente por erro sobre os pressupostos legais quanto ao preenchimento das previsões dos artigos 72º ou 146º, nº2, alínea d), do CCP - com a consequente ilegalidade do acto de adjudicação e do contrato e, ainda, a condenação da entidade demandada a fazer a adjudicação à sua proposta. Os tribunais de instância deram-lhe razão, e, assim, por sentença do TAC de Lisboa foi julgado procedente o pedido e, nessa conformidade, anulados os actos de exclusão, de adjudicação, e o contrato entretanto celebrado, e condenada a entidade demandada a fazer a adjudicação à proposta da autora da acção, e por acórdão do TCAS foi negado provimento à apelação da entidade demandada e confirmado o decidido na sentença. Entendeu o tribunal de apelação, após análise jurídica do erro de julgamento de direito que foi invocado pelo apelante MNE, que, tal como na sentença se entendeu, não se verifica qualquer causa de exclusão da proposta da autora, concretamente as previstas no artigo 70º, nº2, alínea a), e 146º, nº2, alínea d), do CCP, padecendo o acto impugnado de erro nos pressupostos no que respeita à exclusão da proposta com fundamento na alínea d), do nº2, do artigo 146º, do CCP, e inexistindo motivo impeditivo do direito da autora à admissão da sua proposta - a saber, a causa de exclusão tipificada na alínea a) do nº2 do artigo 70º do CCP. Mais se entendeu no acórdão que, assim sendo, porque indevidamente excluída e porque apresentou o preço mais baixo - único critério de adjudicação - a proposta da autora teria de ser «ordenada em 1º lugar», daí resultando a ilegalidade da adjudicação e do contrato com a contra-interessada, e a necessidade de adjudicar a proposta da autora. Sobressai do arrazoado jurídico do acórdão do tribunal de apelação que contendo o cronograma apresentado pela concorrente o planeamento temporal dos serviços - enunciando por referência ao mês o seu início e fim, e estabelecendo uma relação de precedência entre as fases e actividades que enuncia com concretização adequada - inexiste qualquer aspecto da execução do contrato não submetido à concorrência pelo caderno de encargos que se mostre omitido, e, ainda, que a impossibilidade de a sugestão de cronograma permitir um controle da execução por parte da entidade demandada não configura a causa de exclusão prevista no artigo 70º nº2 alínea a), do CCP, e que a falta de detalhe do cronograma não consubstancia, per si, a causa de exclusão prevista na alínea a) do artigo 70º, nº2, do CCP, só a ela se subsumindo se essa insuficiência evidenciar uma lacuna quanto a algum concreto aspecto da execução do contrato. Novamente a entidade demandada, e apelante, discorda, e pede revista do decidido no acórdão do TCAS - confirmativo da sentença - apontando-lhe «erro de julgamento de direito» ao confirmar a sentença da 1ª instância. Alega que está em causa - a seu ver - o correcto cumprimento da condição de adjudicação exigida pelo ponto 9.1.4 do «Convite» - exige que a proposta seja constituída por sugestão de cronograma com descrição detalhada das fases e respectivas actividades que se propõe realizar e correspondente duração - e que, tal falta, não poderá deixar de ter como consequência a exclusão da respectiva proposta nos termos dos artigos 57º, nº1 alínea c), 70º, nº2 alínea a), e 146º, nº2 alínea d), do CCP. E deste modo, conclui, o acórdão recorrido, ao confirmar a sentença do tribunal de 1ª instância, desrespeitou esses artigos legais da contratação pública - a que acresce o artigo 72º, nºs 1 e 2 do mesmo diploma - incorrendo, assim, em erro de julgamento de direito. Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Ora, cumprirá ressaltar, à cabeça, que os dois tribunais de instância foram «unânimes» na decisão proferida, bem como na sua respectiva fundamentação, o que, obviamente, sem garantir a correcção do assim julgado, não deixa de constituir «sinal relevante» do seu aparente acerto. Dois tribunais, quatro juízes, convergiram num mesmo sentido, e fizeram-no, diga-se, alicerçados «numa análise jurídica dos factos provados» e «numa interpretação e aplicação do regime jurídico chamado a intervir» que se mostra lógica, coerente, sem contradições e sem erros manifestos, e, enquanto tal, justificativos da admissão da revista em nome da «clara necessidade de melhor aplicação do direito». E acrescente-se que as alegações de revista - que insistem no julgamento de improcedência desta acção -, não obstante se apresentarem doutas, não se mostram capazes de fazer sucumbir a fundamentação levada à decisão unânime dos dois tribunais de instância. Também não se evidencia, atentos os concretos contornos da factualidade que foi apurada, qualquer conflito com jurisprudência já existente nos tribunais superiores da jurisdição. Ademais, admitir este recurso seria abrir uma 3ª instância, o que não é permitido pela lei, sendo certo que a matéria que as recorrentes pretendem continuar a debater, que se prende, essencialmente, com o mérito da exclusão da proposta da autora com base no fundamento constante da «alínea a) do nº2 do artigo 70º e 146º nº2 do CCP», não obstante ser importante no âmbito da contratação pública, encontra-se abordada pela jurisprudência deste Supremo Tribunal com relativa frequência, e está decidida, neste caso concreto, de forma convincente a aparentemente correcta, esmorecendo, assim, a importância fundamental de repetir a sua abordagem pelo tribunal de revista. Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto pela entidade demandada. Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista. Custas pelo recorrente. Lisboa, 6 de Junho de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz. |