Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02746/12.1BELRS |
Data do Acordão: | 07/11/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | PEDRO VERGUEIRO |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL TAXA DE COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS DE SAÚDE NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA |
Sumário: | I - Em termos de omissão de pronúncia, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado. II - Com referência à matéria em apreciação nos autos, é manifesto que a pretensão da Recorrente está condenada ao insucesso, na medida em que, foi decidido que as liquidações sub judice tinham sido emitidas em execução do julgado anulatório, pelo que o regime previsto nos arts. 173º e 175º do CPTA era plenamente aplicável na situação em apreço, sobrepondo-se assim ao regime da caducidade do direito à liquidação, sendo que se alude expressamente às “novas” liquidações como “corretivas”, razão pela qual tal questão não deixou de ser tomada em conta, sem prejuízo de a mesma resultar da própria decisão quanto à não aplicação in casu do regime de caducidade do direito à liquidação. |
Nº Convencional: | JSTA000P32528 |
Nº do Documento: | SA22024071102746/12 |
Recorrente: | A... LDA |
Recorrido 1: | INFARMED – AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, I.P. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO “A..., Lda.”, devidamente identificada nos autos, notificada do Acórdão desta Secção do Contencioso Tributário, datado de 29-05-2024 e exarado a fls. 687 a 727 dos autos, vem arguir a sua nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 125.º do CPPT e na alínea d), primeira parte, do nº 1 e no nº 4 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, uma vez que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre questão suscitada pela recorrente na sua motivação de recurso que deveria ter apreciado, de acordo com os fundamentos vertidos no requerimento de fls. 736-742, concluindo no sentido da nulidade do Acórdão proferido nos presentes autos por omissão de pronúncia quanto à questão acima enunciada de saber se nos encontramos, ou não, no caso sub judice, perante liquidações correctivas das liquidações anuladas que tenham sido praticadas em execução (espontânea) do julgado anulatório proferido no proc. nº 80/07.8BELRS, nos termos previstos no nº 1 do artigo 125.º do CPPT e na alínea d), primeira parte, do nº 1 e no nº 4 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, a qual deverá ser suprida por V. Exas., conhecendo a questão que ficou por apreciar nos termos supra explanados. O ora Requerido respondeu, pugnando pelo indeferimento da pretensão formulada pela Requerente. O Ministério Público junto deste Tribunal tomou posição no sentido do indeferimento do requerido. Com dispensa de vistos, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vem o processo submetido à Conferência para julgamento. 2. ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DA PRETENSÃO A Requerente vem arguir a nulidade do Acórdão proferido por este Tribunal, por omissão de pronúncia, na medida em que o referido aresto não se pronunciou sobre questão suscitada pela recorrente na sua motivação de recurso e que consistia em saber se as liquidações sub judice são “liquidações corretivas“ das liquidações anuladas, tendo sido emitidas “em execução do julgado anulatório“ (sentença de anulação proferida na Impugnação judicial nº 80/07.8BELRS) ou são “liquidações novas não corretivas“ das liquidações anteriores e, assim, emitidas “na sequência“ da sentença proferida no âmbito da mencionada Impugnação judicial, mas não “em execução” desse julgado anulatório. Para a ora Requerente, a questão releva uma vez que, segundo afirma, «caso este Alto Tribunal tivesse apreciado esta questão e tivesse decidido que as liquidações sub judice eram liquidações novas, não corretivas das liquidações anuladas e liquidações que tinham sido emitidas na sequência da procedência da Impugnação Judicial nº 80/07.8BELRS, mas não propriamente emitidas em execução desse julgado anulatório, então a consequência a extrair dessa decisão seria necessariamente a de que o regime da execução do julgado anulatório previsto nos arts. 173º e 175º do CPTA não era afinal aplicável ao caso sub judice, sendo, sim, plenamente aplicável o regime da caducidade do direito à liquidação.» Diversamente, «caso a resposta fosse a de que, afinal, as liquidações sub judice eram liquidações corretivas das liquidações anuladas e que tinham sido emitidas em execução do julgado anulatório proferido no Procº nº 80/07.8BELRS, então a consequência era a de que o regime previsto nos arts. 173º e 175º do CPTA era afinal plenamente aplicável ao caso sub judice, sobrepondo-se assim ao regime da caducidade do direito à liquidação.» Assim, para a Requerente, importaria ter sido conhecido e decidido se, in casu, estavamos perante liquidações corretivas emitidas “em execução do julgado anulatório”, ou, diversamente, perante liquidações novas, não corretivas das liquidações anteriores, emitidas “na sequência“ da sentença proferida no âmbito da Impugnação judicial nº 80/07.8BELRS mas não em execução desse julgado anulatório, pois que o conhecimento de tal questão relevaria para poder ser decidido no sentido da aplicabilidade do regime da caducidade do direito à liquidação, ou, inversamente, da aplicabilidade do regime da execução de julgado anulatório previsto nos arts. 173º e 175º do CPTA, que se sobrepõe assim ao referido regime da caducidade do direito à liquidação. Conclui a Requerente que «tendo esta (dupla) questão sido arguida pela Recorrente na sua motivação de recurso e tendo este Alto Tribunal fundado a sua decisão na aplicação do regime da execução (espontânea) do julgado, previsto nos arts. 173º e 175º do CPTA, sem que tivesse previamente apreciado esta (dupla) questão (ou a tivesse julgado prejudicada), há que, com todo o devido respeito, concluir que este Alto Tribunal violou o dever de pronúncia que sobre si recaía e, consequentemente, a decisão proferida padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos previstos no nº 1 do artigo 125.º do CPPT e na alínea d), primeira parte, do nº 1 e no nº 4 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT.» Que dizer? Segundo o disposto no artigo 125º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, sendo que esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado. Nesta sequência, como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 03-02-2021, Proc. nº 02194/14.9BEPRT, www.dgsi.pt, “a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido (...) No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, "questões" e, por outro, "razões" ou "argumentos" para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das "questões") integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das "razões" ou "argumentos" invocados para concluir sobre as questões.” A partir daqui, e com referência à matéria em apreciação nos autos, é manifesto que a pretensão da Recorrente está condenada ao insucesso, na medida em que, tal como refere o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, foi decidido que as liquidações sub judice tinham sido emitidas em execução do julgado anulatório proferido no Proc. nº 80/07.8BELRS, pelo que o regime previsto nos arts. 173º e 175º do CPTA era plenamente aplicável na situação em apreço, sobrepondo-se assim ao regime da caducidade do direito à liquidação, sendo que se alude expressamente às “novas” liquidações como “corretivas”, razão pela qual tal questão não deixou de ser tomada em conta, sem prejuízo de a mesma resultar da própria decisão quanto à não aplicação in casu do regime de caducidade do direito à liquidação. Mas mais. Logo no enquadramento da matéria em apreço, depois de se ter entendido ser crucial indagar se a situação se mantém ou altera à vista do preceituado no artigo 175º do CPTA, isto é, considerando a liquidação efetuada no âmbito de execução de julgado, hipótese em que o prazo decisivo para a caducidade é o prazo para execução espontânea de decisões judiciais, como defende a Requerida, foi referido que “Para efeitos da delimitação do prazo de caducidade do direito a liquidação tributária, deve distinguir-se entre liquidação correctiva, operada na sequência de anulação de anterior acto de liquidação, e liquidação inovadora, no sentido de uma “nova liquidação, autónoma e distinta da anterior”, isto é, uma liquidação que nada tem a ver com a que a tenha precedido, além da circunstância de o seu aparecimento ter sido motivado pela anulação/revogação da originária. No caso de liquidação correctiva, o momento relevante para efeitos de delimitação do prazo de caducidade é o da emissão da liquidação inicial, não podendo considerar-se excedido esse prazo ainda que a liquidação correctiva venha a ocorrer depois de ultrapassado o prazo geral de quatro anos, sendo que no caso da liquidação inovadora considera-se que esta constitui acto tributário autónomo diverso do anterior, verificando-se a caducidade se, no momento da emissão deste novo acto, tiver já decorrido aquele prazo geral.”. Com este pano de fundo, é apontado mais adiante que “… nos casos, como o dos autos, em que o motivo de declaração de nulidade ou da anulação do acto impugnado foi um vício procedimental ou de forma (como falta de audição do contribuinte ou falta de fundamentação) ou incompetência, não haverá, em princípio, obstáculo, a que a Administração Tributária pratique um novo ato de liquidação expurgado do vício que motivou a anulação.”, o que deveria, desde logo, ter permitido à ora Requerente apreender a posição do Tribunal no domínio apontado. Para mais, colocou-se logo a seguir a questão de haver impedimento à prática de novo acto derivado dos prazos de caducidade da liquidação aplicáveis (artigo 45.º da LGT), tendo sido assumido que: “No entanto, o mais adequado entendimento do regime de execução de julgados será o de que, durante o período de execução espontânea, a Administração na sequência de anulação do acto, tem o referido “poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado” (artigo 173º nº 1 do CPTA), não tendo outras limitações que não sejam as derivadas da autoridade da decisão anulatória e as previstas no procedimento de execução de julgados. Durante este período de execução espontânea de julgados, a Administração Tributária não está a exercer o seu poder autónomo de praticar actos tributários, no âmbito do procedimento tributário próprio para essa prática, estando, antes, por força do disposto no artigo 100º da LGT, a exercer um poder/dever de executar o julgado criado pela decisão anulatória, poder esse a exercer no âmbito do procedimento especial de execução espontânea de julgados, regido, em primeira linha, pelas suas regras próprias, visando a “reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio” imposta por aquele artigo 100°, em que se inclui o restabelecimento da “situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”. Pela mesma razão de o poder/dever de executar decisões anulatórias ser autónomo em relação ao poder/dever geral de liquidar tributos, a Administração Tributária não está condicionada pelas limitações temporais que a lei estabelece para exercício deste último poder/dever, mas sim pelos limites temporais próprios da execução de julgados. Isto significa que, na sequência de anulação contenciosa de um acto de liquidação, por vício que não obsta à renovação do acto, a Administração Tributária poderá e deverá praticar, dentro do prazo de execução espontânea, um novo acto de liquidação expurgado do vício que foi fundamento da anulação, independentemente do decurso ou não do prazo de caducidade que valia para o exercício do primitivo poder autónomo de praticar o acto de liquidação. No entanto, apenas durante esse período legal de execução espontânea a Administração Tributária fica investida pela decisão anulatória no poder de praticar esse acto de liquidação, que não poderá ter eficácia retroactiva, por ser desfavorável ao contribuinte (nº 2 do referido artigo 173º). Não há, aqui, expectativas do sujeito passivo que mereçam protecção derivadas do decurso do primitivo prazo de caducidade do direito de liquidação, pois esta execução é corolário legal da decisão do processo arbitral em que foi parte, ou seja, a proibição de praticar actos dotados de eficácia retroactiva, que consta do nº 2 do artigo 173.º do CPTA, não é obstáculo à prática de um novo acto de liquidação em execução de julgado, com efeitos para o futuro. Assim, se a Administração Tributária não executar espontaneamente a decisão anulatória, praticando um novo acto de liquidação no prazo de execução espontânea, extinguir-se-á o poder de aquela praticar um novo ato que emana da decisão anulatória, pelo que a prática de novos actos só será possível se puder basear-se ainda no poder originário que é concedido à Administração Tributária para praticar actos de liquidação (...) se não tiver transcorrido já a totalidade do prazo de caducidade do direito de liquidação. Tal situação traduz a solução que, para além ser a que resulta linearmente dos textos legais, é a mais equilibrada, pois, encontrando a caducidade do direito de liquidação o seu fundamento específico na necessidade de certeza e segurança jurídica, não há obstáculo a que uma nova liquidação ocorra no período de execução de julgado, uma vez que, durante esse período, isso é algo com que o contribuinte deve contar. …”. A partir daqui, concluiu-se no sentido de que “… ocorrendo anulação do acto de liquidação - como sucedeu aqui - a AT não estava impedida (pelo contrário, a lei impõe-lhe o poder dever de o fazer) de praticar novo acto de liquidação referente ao mesmo facto tributário, sempre que cumpra as normas respeitantes à execução de decisões anulatórias (artigos 102º da LGT, 172º e 173º do CPTA, aplicável ex vi do referido artigo 102º da LGT), ou seja, o faça dentro do prazo para a execução das sentenças (à data de três meses) e no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado. …”, o que significa que, para além de ter enquadrado a questão e ter trilhado o caminho que deveria ter permitido à ora Requerente apreender a posição do Tribunal no domínio apontado, o Tribunal tomou uma posição clara no sentido da não aplicação in casu do regime de caducidade do direito à liquidação, realidade que necessariamente dissipou eventuais dúvidas (que, em rigor, já não tinham razão de ser) que a Recorrente pudesse ter sobre a matéria em apreço. Deste modo, é manifesto que não enferma o Acórdão em crise de vício que importe a sua nulidade, na vertente assinalada e que legitime, nessa sequência, a presente arguição de nulidade “sub judice” formulada pela ora Requerente que, assim, terá de ser desatendida. 3. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em indeferir a presente arguição de nulidade com referência ao Acórdão proferido nos autos. Custas pela Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc. Notifique-se. D.N.. Lisboa, 11 de julho de 2024. – Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos. |