Texto Integral: | Recurso jurisdicional da decisão que indeferiu a reclamação contra a nota discriminativa e justificativa no processo de impugnação judicial com o n.º 415/17.5BEMDL
1. RELATÓRIO
1.1 A AT recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela julgou improcedente a reclamação deduzida pelo Representante da Fazenda Pública contra a nota discriminativa e justificativa das custas de parte apresentada pela sociedade impugnante nos presentes autos, invocando, para os efeitos do n.º 5 do art. 280.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que a mesma está em contradição com cinco decisões de outros tribunais tributários, de que juntou cópias.
1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«1. Vem o presente recurso jurisdicional interposto do despacho que indeferiu a reclamação, apresentada pela Fazenda Pública, ora recorrente, da nota discriminativa e justificativa de custas de parte que lhe foi remetida pela parte vencedora;
2. A questão de direito, ora controvertida, já foi alvo de pronúncia em outros tribunais de igual grau ao do Tribunal a quo em pelo menos cinco decisões judiciais, externadas que foram em sentido oposto ao da decisão sob recurso;
3. O pagamento, à parte vencedora, do montante compensatório devido em razão das despesas que a mesma incorreu com os honorários do mandatário judicial está na dependência da comprovação, nos autos, do valor das aludidas despesas efectivamente suportado;
4. No caso dos presentes autos, a parte vencedora limitou-se a incluir na nota discriminativa e justificativa de custas de parte, o valor determinado nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º do RCP, sem fazer prova do montante efectivamente incorrido a título de honorários com os respectivos mandatários judiciais;
5. Inviabilizando, desse modo, aferir se as despesas incorridas pela parte vencedora, a título de honorários do respectivo mandatário judicial, foram superiores, iguais ou inferiores ao valor que resulta da fórmula de cálculo da compensação, ínsita no artigo 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP, que lhe seria devida por tais despesas.
6. É que, tal como sustenta a doutrina autorizada sobre a matéria, «A parte vencedora, no todo ou em parte, que tenha pago ao seu mandatário judicial os referidos honorários, com base na nota elaborada pelo último, em conformidade com as regras estatutárias, deve juntar o respectivo recibo» (Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais, anotado e comentado, 2011, 3.ª Edição, Almedina, pág. 362)».
1.3 A Recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.
1.4 O Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela remeteu os autos a este Supremo Tribunal e, aqui recebidos, o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso e notificada a ora Recorrida para, em prazo a fixar, comprovar o pagamento de honorários ao mandatário, com a seguinte fundamentação: «[…]
Alega a Recorrente que a reclamação deveria ter sido julgada procedente, uma vez que a Reclamada, ora Recorrida não comprovou qual o valor dos honorários do mandatário judicial, através da respectiva nota e/ou documento comprovativo do seu pagamento.
Vejamos se lhe assiste razão.
“De acordo com a alínea d) do art. 25.º do RCP, a parte indicará, em rubrica autónoma, as quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução.
Não se trata de um valor aleatório, pré-fixado, ou sem justificação, trata-se do valor pago a título de honorários, naturalmente documentado, com a liquidação dos impostos devidos.
Mas não pode incluir na nota discriminativa e justificativa qualquer valor pago a título de honorários, mesmo que efectivamente pago.
Como refere a parte final dessa alínea d) – salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º – só poderão constar de tal nota discriminativa e justificativa os honorários pagos aos mandatários, pela parte vencedora, que não excedam 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora.
Isto é, como se refere na alínea c) do art. 26.º, 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, é o valor que a lei impõe como limite para compensação da parte vencedora das despesas que haja suportado com honorários do mandatário judicial, evidentemente se tiver tido despesas e elas atingirem tal montante.
Assim, os referenciados artigos não prevêem, de modo nenhum, o pagamento (pela parte vencida) de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário, sem que esse valor tenha que ser justificado.
O que os referidos artigos prevêem é que esse é o limite imposto por lei para compensar a parte vencedora, naturalmente se tiver suportado despesas com honorários de mandatário judicial desse valor, ou superior, recebendo, o que tiver efectivamente pago, na totalidade quando o valor dos honorários se contenha dentro dos 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes” (Acórdão do STA, de 16/09/2015, processo n.º 01443/13, disponível em www.dgsi.pt).
Em idêntico sentido, os Acórdãos do STA, de 17/12/2019, processo n.º 0936/14.0BEVIS, também disponível em www.dgsi.pt e de 29/01/2020, processo n.º 346/14.0BEMDL, consultável no SITAF.
Nesta conformidade, perfilhando o entendimento expresso nos doutos Acórdãos acima mencionados, afigura-se-nos que a condenação depende de a parte vencedora apresentar e documentar a nota discriminativa e justificativa prevista na mencionada alínea c) do n.º 2 do artigo 25.º, do RCP, ou seja, a quantia paga a título de honorários.
O que, in casu, não sucedeu, conforme resulta da nota discriminativa e justificativa de parte em causa.
Adiantaremos ainda que se, nos termos do disposto no artigo 25.º, n.º 2, do RCP as quantias pagas a título de honorários apenas devem ser indicadas na nota, em rubrica autónoma, quando sejam iguais ou inferiores a 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida à parte vencedora.
-Devendo, neste caso, ser documentadas para que os referidos honorários sejam reembolsados pelo seu exacto valor-
Nenhum sentido faria não se exigir idêntica comprovação quando tais quantias sejam superiores a 50% pois, a não ser assim, a nota ficaria, por mera declaração (implícita) da parte que a elaborou, subtraída ao controle da sua legalidade.
Podendo, deste modo, originar uma situação de pagamento pela parte vencida à parte vencedora de uma quantia superior à legalmente devida, o que não configuraria uma compensação – cf. artigo 26.º, n.º 5, do RCP.
Do exposto, afigura-se-nos que o recurso merece provimento».
1.5 Cumpre apreciar e decidir.
* * *
2. FUNDAMENTOS
2.1 DE FACTO
2.1.1 Com interesse para a decisão a proferir, há que ter presente o seguinte circunstancialismo processual:
a) a ora Recorrida deduziu a presente impugnação judicial, que foi julgada procedente e, em consequência, foi anulado o acto que, em sede de 2.ª avaliação, fixou o valor patrimonial tributário relativamente a um artigo matricial em € 197.040,00 (cfr. sentença de fls. 170 a 174 do processo físico);
b) na sentença por que foi anulado esse acto, a ora Recorrente foi condenada em custas (idem);
c) na sequência da notificação da sentença, a Impugnante (ora Recorrida) apresentou em juízo e remeteu à ora Recorrente a nota discriminativa e justificativa das custas de parte (cfr. a nota a fls. 177 do processo físico);
d) nessa nota discriminativa e justificativa foi apresentada uma rubrica relativa a “compensação com honorários” do montante de € 612,00, tendo em conta a taxa de justiça de € 1.224,00 paga com a apresentação da petição inicial e não ter sido apresentada contestação (idem);
e) a Fazenda Pública reclamou dessa nota, na parte que se refere à compensação das despesas com honorários dos mandatários judiciais, por não comprovação do pagamento de honorários e seu montante, com o fundamento de que o mesmo deve ser efectuado documentalmente, mediante a junção do respectivo recibo (cfr. reclamação a fls. 180/181 do processo físico);
f) em resposta a essa reclamação, a ora Recorrida sustentou, não só que a lei não prevê como requisito a comprovação documental do pagamento dos honorários, como, subsidiariamente, que deveria ser notificada para apresentar o recibo, o que «por mera cautela de patrocínio», alegou fazer nesse momento (cfr. resposta à reclamação de fls. 184 a 187);
g) em conformidade com essa alegação aduzida a título subsidiário, a ora Recorrida apresentou com a resposta à reclamação um recibo, emitido pela sociedade de advogados a que pertencem os seus mandatários judiciais, do montante de € 1.599,00 (cfr. documento de fls. 188 do processo físico).
2.1.2 A decisão recorrida (a fls.191 do processo físico) é do seguinte teor:
«De acordo com o art. 26.º, n.º 3, al. c) do RCP, a parte vencida é condenada ao pagamento de 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior.
Este preceito dispõe o seguinte:
“2- Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos:
(…)
d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º;
(…)”
Portanto, e apesar de não fazer explicitamente menção de que os honorários suportados superam o montante de 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, tem se entender que, face ao disposto no art. 25.º, n.º 2, al. d) do RCP citado, a parte vencedora não está obrigada a indicar, em rubrica autónoma, as quantias pagas a título de honorários de mandatário, só estando obrigada a indicar tais quantias quando elas sejam inferiores.
Pelo exposto indefiro o requerido
Custas pela Requerente
Notifique». *
2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
2.2.1.1 Nos presentes autos foi proferida sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade ora Recorrida e condenou a Fazenda Pública nas custas.
A Impugnante apresentou nota discriminativa e justificativa das custas de parte na qual, para além do mais, fez constar uma rubrica denominada “Compensação com honorários”, na qual inscreveu o valor de € 612,00, correspondente a 50% das taxas de justiça pagas no processo, ou seja, à taxa de justiça paga pela apresentação da petição inicial (€ 1.224,00), uma vez que não foi apresentada contestação.
A Fazenda Pública reclamou dessa nota com o fundamento de que a Impugnante não comprovou os montantes requeridos a título de compensação com os honorários dos seus mandatários judiciais, sustentado, em síntese, que a nota discriminativa e justificativa deve ser «devidamente instruída, isto é, acompanhada da nota de honorários ou factura-recibo dos honorários, emitida pelo seu mandatário judicial, pois só assim se pode dar cumprimento ao disposto no artigo 26.º, n.º 5» do Regulamento das Custas Processuais (RCP).
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela indeferiu essa reclamação, adoptando o entendimento de que, nos termos do art. 26.º, n.º 2, alínea d), do RCP, «a parte vencedora não está obrigada a indicar, em rubrica autónoma, as quantias pagas a título de honorários de mandatário», a menos que essas quantias sejam inferiores a 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora.
2.2.1.2 Inconformada com essa decisão, a Fazenda Pública dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal, mantendo que a «prova do montante efectivamente incorrido a título de honorários com os respectivos mandatários judiciais», a efectuar pela parte vencedora com a apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, é imprescindível como meio de permitir à parte vencida «aferir se as despesas incorridas pela parte vencedora, a título de honorários do respectivo mandatário judicial, foram superiores, iguais ou inferiores ao valor que resulta da fórmula de cálculo da compensação, ínsita no artigo 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP, que lhe seria devida por tais despesas».
Atento o valor da nota discriminativa e justificativa e o montante em discussão – que é apenas o da compensação com honorários, no montante de € 612,00 – a Recorrente, ciente da inadmissibilidade do recurso nos termos do disposto no n.º 3 do art. 26.º-A do RCP (() «Da decisão proferida [sobre a reclamação da nota justificativa] cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC».), interpôs recurso ao abrigo do disposto no n.º 5 do art. 280.º do CPPT (() A que hoje – após a alteração do regime dos recursos em processo tributário introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro – corresponde o n.º 3 do mesmo artigo.), indicando cinco decisões de outros tribunais tributários em sentido divergente, de que juntou cópia.
2.2.1.3 Assim, as questões a apreciar e decidir são as de saber i) se o recurso é admissível e, na afirmativa, ii) se a decisão impugnada fez correcto, o que passa por indagar se a lei exige que com a nota discriminativa e justificativa das custas de parte, a parte vencedora apresente documento comprovativo do pagamento dos honorários ao seu mandatário judicial.
2.2.2 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
2.2.2.1 Uma vez que o recurso vem interposto ao abrigo do n.º 5 do art. 280.º do CPPT, cumpre, antes do mais, verificar da sua admissibilidade, tanto mais que a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior [cfr. art. 641.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC)].
2.2.2.2 Sendo inequívoco que as decisões judiciais apresentadas pela Recorrente decidiram a mesma questão que foi decidida pelo despacho ora sob recurso em sentido divergente, a admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto no então n.º 5 (actual n.º 3) do art. 280.º do CPPT apenas poderá ser posta em causa por todas essas decisões, a recorrida e as que foram apresentadas como suporte do recurso, não constituírem sentenças, mas antes serem decisões de reclamações da nota discriminativa e justificativa das custas de parte.
2.2.2.3 Poderá, pois, questionar-se se a possibilidade excepcional de recurso prevista à data no n.º 5 do art. 280.º do CPPT existe apenas para as sentenças – como parece indicar a letra do preceito, que estabelece: «A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior» – e já não para outras decisões judiciais que não sejam sentenças.
Embora a letra da lei no citado n.º 5 do art. 280.º do CPPT se refira a “sentenças” nenhuma razão existe para não estender a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência aí previsto a outras decisões judiciais que ponham termo ao processo ou ao incidente em causa. É que a teleologia da norma é a de obstar à permanência na ordem jurídica, por inviabilidade do recurso em razão do valor, de decisões judiciais que decidam ao arrepio da jurisprudência maioritária ou dos tribunais superiores. Essa razão de ser vale quer em relação às sentenças, quer em relação a decisões judiciais de outra natureza que ponham termo ao processo ou ao incidente. Ponto é que a decisão haja perfilhado solução divergente, relativamente à mesma questão de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, à adoptada em mais de três decisões do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior. É neste sentido que tem vindo a decidir este Supremo Tribunal (() Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em que se admitiu o recurso ao abrigo do n.º 5 do art. 280.º do CPPT de outras decisões que não sentenças:
- de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo com o n.º 281/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e64177d4692575e180257f310051f120;
- de 3 de Maio de 2017, proferido no processo com o n.º 141/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d1e9234b0ae8201d8025811c003b36ef;
- de 31 de Maio de 2017, proferido no processo com o n.º 441/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b625335889008b038025814e0039aeea.
).
O recurso é, pois, de admitir.
2.2.3 CUSTAS DE PARTE – EXIGÊNCIA DA COMPROVAÇÃO DO MONTANTE DE HONORÁRIOS EFECTIVAMENTE PAGOS AO MANDATÁRIO JUDICIAL
2.2.3.1 As custas de parte são um conceito normativo que corresponde, não a tudo quanto a parte vencedora despendeu com o processo, mas apenas àquela parte do que, tendo sido despendido, o CPC e o RCP permitem que a parte recupere em virtude de ter obtido vencimento (total ou parcial) na causa e na medida desse vencimento (cfr. arts. 529.º, n.º 4, e 533.º, do CPC). Nelas se inclui a compensação à parte vencedora das despesas suportadas com honorários do mandatário judicial por ela constituído, compensação que a lei computa em 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, a menos que o valor efectivamente pago a título de honorários seja inferior àquele [cfr. art. 533.º, n.º 2, alínea d), e art. 26.º, n.ºs 3, alínea c), e 5, do RCP].
Vejamos mais detalhadamente:
O art. 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP estabelece que a parte vencida é condenada, ao pagamento a título de custas de parte de «50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior».
Da referida nota discriminativa deve constar, em ordem ao consignado no art. 25.º, n.º 2, alínea d), do RCP, a «[i]ndicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º».
Sendo certo que «[o] valor referido na alínea c) do n.º 3 é reduzido ao valor indicado na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior quando este último seja inferior àquele, não havendo lugar ao pagamento do mesmo quando não tenha sido constituído mandatário ou agente de execução» (art 26.º, n.º 5, do RCP).
Da interpretação conjugada dos aludidos normativos resulta que as quantias pagas com honorários de mandatário devem ser indicadas em rubrica autónoma, só assim não sucedendo quando estas importâncias excedam o valor indicado no art. 26.º, n.º. 3, alínea c), ou seja, quando sejam superiores a 50% da soma das taxas de justiça que tenham sido pagas pela parte vencida e pela parte vencedora e isto porque, em tal hipótese, o direito da parte vencedora circunscreve-se ao limite ali consignado.
2.2.3.2 Do que vimos de dizer, resulta que o legislador entendeu proporcionar ao vencedor do pleito uma compensação, através das “custas de parte”, pelas despesas com honorários do mandatário judicial.
Essa compensação, que consta da condenação em custas [cfr. arts. 527.º, n.º 1, 529.º, n.º 1 e 607.º, n.º 6, todos do CPC, e art. 26.º, n.º 1, do RCP], será de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora [cfr. art. 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP], a menos que os honorários não tenham atingido esse valor, caso em que deverá ser inscrito o seu efectivo valor em rubrica autónoma na nota de custas de parte a apresentar pela parte vencedora, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art. 25.º do RCP.
Ou seja, o legislador, ao invés de – como, a nosso ver e em face das regras da responsabilidade civil, seria curial – pôr a cargo da parte vencida o pagamento integral das despesas que a parte vencedora efectivamente suportou com os honorários do seu mandatário judicial, entendeu (tal como o fazia anteriormente, através da procuradoria) estabelecer a forfait um montante que considerou ajustado para compensar a parte vencedora por essas despesas, incluindo-as nas custas de parte a suportar pela parte vencida.
No entanto, dada a natureza compensatória das custas de parte, o legislador entendeu também que apenas haveria lugar ao pagamento dessa compensação no que se refere aos honorários do mandatário judicial nos casos em que a parte vencedora haja constituído mandatário e que o montante da mesma deveria ser reduzido o montante efectivamente pago, caso este não atinja o limite fixado na alínea c) do n.º 3 do art. 26.º do RCP.
Como vimos também, o pagamento dessa compensação, como o de todos os itens que compõem as custas de parte, depende da apresentação pela parte vencedora à parte vencida da nota referida na alínea d) do n.º 2 do art. 25.º do RCP, a denominada nota discriminativa e justificativa.
2.2.3.3 Mas, será que, como sustenta a Recorrente, para que a parte vencedora tenha direito ao pagamento da compensação que a lei lhe confere relativamente às despesas que teve de suportar com honorários do seu mandatário judicial se exige que anexe à nota discriminativa e justificativa o recibo do pagamento desses honorários?
Salvo o devido respeito, nem o elemento literal [sendo este o ponto de partida e o limite da actividade hermenêutica, não podendo na tarefa hermenêutica extrair-se da letra da lei um sentido que não tenha nesta um mínimo de correspondência verbal, como resulta do n.º 2 do art. 9.º do Código Civil (CC)] nem qualquer outro elemento interpretativo permitem extrair da lei, designadamente do RCP, o sentido de que se exige à parte vencedora que tenha constituído mandatário judicial, em ordem a obter da parte vencida a compensação legalmente devida e fixada pelas despesas com honorários do mandatário judicial, a comprovação do pagamento desses honorários e, muito menos, mediante a apresentação do respectivo recibo; exige-se-lhe apenas a apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte.
Mal se compreenderia que o legislador não tivesse consagrado expressamente essa exigência na redacção da norma, caso seu o pensamento fosse o de que a parte vencedora ficasse obrigada a apresentar documento comprovativo do pagamento dos honorários ao mandatário judicial com a nota discriminativa e justificativa (cfr. art. 9.º, n.º 3, do Código Civil). Na verdade, se a lei pretendesse que com a nota discriminativa e justificativa das custas de parte a parte vencedora houvesse de apresentar um qualquer documento comprovativo do pagamento dos honorários ao seu mandatário judicial por certo não deixaria de o ter dito; tanto mais que essa exigência constituiria uma mudança radical relativamente a uma prática judiciária com várias dezenas de anos, uma vez que a procuradoria nunca exigiu a apresentação de qualquer comprovativo de pagamento de honorários ao mandatário judicial (() A procuradoria, de acordo com o disposto no art. 41.º do Código das Custas Judiciais (CCJ), era «arbitrada pelo tribunal, tendo em atenção o valor, a complexidade da causa, o volume e a natureza da actividade desenvolvida e ainda a situação económica do responsável, entre um décimo e um quarto da taxa de justiça devida» (n.º 1) e se o tribunal a não arbitrasse seria «igual a um décimo da taxa de justiça devida» (n.º 2).).
Ora, a lei não exige, em relação aos honorários pagos ao mandatário, a apresentação de qualquer comprovativo do seu pagamento, na medida em que prevê que a parte vencida seja condenada no pagamento de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial.
Aliás, a exigência de recibo só faria sentido se a opção legislativa tivesse sido – e não foi – a de que a parte vencida suportasse integralmente (ou na proporção em que foi vencida, no caso de o não ter sido na totalidade) as despesas suportadas pela parte vencedora com a constituição de mandatário judicial
Por outro lado, a apresentação da nota justificativa e discriminativa de custas de parte não equivale a um pedido de condenação da parte vencida ao pagamento dos honorários suportados pela parte vencedora, em que competiria ao autor a alegação e comprovação dos factos constitutivos do seu direito (cfr. art. 342.º do CC). A condenação foi já proferida (cfr. arts. 529.º, n.º 4, e 533.º, do CPC) e essa nota visa tão-só discriminar e liquidar a responsabilidade que resulta da condenação em custas (que nem sempre é total, mas proporcional ao decaimento) e interpelar o devedor para o pagamento.
Reitera-se que as custas de parte visam também indemnizar a parte vencedora pelos gastos que teve de suportar com o seu mandatário judicial, mas a indemnização por esse meio, tal como o legislador entendeu conformá-la, não equivale à totalidade dos gastos que teve que suportar com os honorários do seu mandatário, antes sendo essa indemnização fixada a forfait com referência ao montante das taxas de justiça pagas no processo.
Na tese sustentada pela Recorrente criar-se-ia por via interpretativa mais um requisito para a percepção das custas de parte (() É certo que SALVADOR DA COSTA perfilha entendimento diverso, afirmando: «[q]uanto aos honorários pagos pela parte vencedora ao seu mandatário judicial ou agente de execução. Nessa situação, a parte vencedora deve provar o pagamento dos créditos a que se reporta a primeira parte do disposto na alínea d) do n.º 2, deste artigo, juntando documento de quitação à nota de custas de parte. A falta de prova do referido pagamento é susceptível de ser suscitada pela parte vencida por via da reclamação da nota de custas de parte» (Regulamento das Custas Processuais, Almedina, 2018, 7.ª edição, anotação ao art. 25.º, págs. 228 e 229). Mas, salvo o devido respeito, o citado Autor nunca refere qual a norma ou princípio legal que suporta o seu entendimento.); requisito que, salvo o devido respeito, é manifestamente impertinente, como resulta do facto de o mesmo não poder ser observado em situações como aquelas em que o mandato judicial é exercido no âmbito de um contrato de trabalho ou em regime de avença, situações em que a parte vencedora não terá como comprovar a relação directa entre os pagamentos efectuados ao mandatário judicial e o concreto processo.
A interpretação sustentada pela Recorrente dá também origem a uma intolerável situação de desigualdade, na medida em que por certo ninguém sustentará a exigência de qualquer comprovativo de pagamento quando a compensação a título de custas de parte for devida pelo patrocínio de entidades públicas por licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, que a lei faz equivaler, para esse efeito, à constituição de mandatário judicial (cfr. art. 25.º, n.º 3, do RCP).
Poderá também questionar-se, pelo menos no que respeita às pessoas singulares, se a exigência de revelação do montante dos honorários pagos ao mandatário judicial não constituirá uma injustificada intromissão no domínio da esfera privada dos cidadãos.
2.2.3.4 Finalmente, a interpretação sustentada pela Recorrente parece transformar o incidente de reclamação da nota justificativa (que, a nosso ver, tem o seu âmbito delimitado à verificação da medida da responsabilidade, mediante aferição da correcção da liquidação efectuada pela parte vencedora) numa verdadeira “acção dentro de uma acção”, em que se poderia discutir não só o pagamento, como até o valor dos honorários pagos pela contraparte – eventualmente, com alegação e exigências de prova mais complexas do que a própria acção a que respeitam as custas de parte – numa solução legislativa que, manifestamente, não pode ter sido querida pelo legislador.
Se, porventura, a parte vencida souber (e, nos processos tributários, a AT sempre saberá se foi ou não emitido recibo e por que valor) ou tiver motivo sério para suspeitar que o valor dos honorários efectivamente pago pela parte vencedora ao seu mandatário não atingiu 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora e se na nota discriminativa não foi apresentado aquele valor [como o impõe a alínea c) do n.º 2 do art. 25.º do RCP], sempre poderá recusar o pagamento; e, se o credor avançar com a execução, poderá discutir o montante efectivamente pago a título de honorários em sede de oposição à execução (cfr. art. 731.º do CPC). Nem se diga que tal não será possível por o título executivo ser uma sentença. É que o título executivo neste caso é compósito, integrado pela sentença condenatória e pela certidão da nota discriminativa (que liquida a responsabilidade por custas de parte) e só aquela tem os seus fundamentos de oposição limitados pelo art. 729.º do CPC.
Mas, com todo o respeito pela tese da Recorrente, vemos como pouco plausível, primeiro, que os honorários do mandatário judicial não atinjam o limite fixado na alínea c) do n.º 3 do art. 26.º do RCP como compensação para essas despesas (() Aliás, são públicas as críticas da Ordem dos Advogados quanto à exiguidade da compensação legal.) e, segundo, que nas raras situações em que isso aconteça, o mandatário judicial da parte vencedora não faça constar da nota discriminativa o montante efectivamente recebido, incumprindo com o disposto no art. 25.º, n.º 2, alínea d), do RCP e com as suas obrigações profissionais e deontológicas.
Sempre salvo o devido respeito, parece querer erigir-se uma situação rara e patológica – de honorários efectivamente pagos de montante inferior ao referido limite legal e de incumprimento pelo mandatário judicial dos referidos deveres – como parâmetro para a interpretação da lei, entendimento que recusamos.
2.2.3.5 Uma nota final para realçar que, mesmo a subscrever-se a tese da Recorrente, a consequência nunca seria, sem mais, o deferimento da reclamação da nota discriminativa e justificativa; ao invés, previamente, sempre haveria que convidar a parte vencedora a apresentar o documento em falta, concedendo-se-lhe prazo para o efeito. No caso sub judice esse documento até já foi apresentado com as contra-alegações.
2.2.4 CONCLUSÕES
Por tudo quanto deixámos dito, o recurso não merece provimento, formulando-se as seguintes conclusões:
I - Na elaboração da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, as quantias pagas com honorários de mandatário devem ser indicadas em rubrica autónoma, salvo se estas importâncias excederem o valor indicado no art. 26.º, n.º. 3, alínea c), do RCP, ou seja, quando sejam superiores a 50% da soma das taxas de justiça que tenham sido pagas pela parte vencida e pela parte vencedora e isto porque, em tal hipótese, o direito da parte vencedora circunscreve-se ao limite ali consignado.
II - Não existe norma ou princípio legal que imponha que a nota discriminativa e justificativa de custas de parte seja acompanhada da nota de honorários e/ou do correspondente recibo. * * *
3. DECISÃO
Em face do exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, que ficou vencida no recurso [cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].
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Lisboa, 20 de Abril de 2020. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz. |