Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01322/22.5BELRS |
Data do Acordão: | 07/03/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ANABELA RUSSO |
Descritores: | PRINCÍPIO DA IGUALDADE CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA SOBRE O SECTOR ENERGÉTICO |
Sumário: | As normas que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético” não violam o princípio constitucional da igualdade, enquanto proibição de “tratamento igual do que é desigual. |
Nº Convencional: | JSTA000P32471 |
Nº do Documento: | SA22024070301322/22 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A..., S.A. |
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC |
Aditamento: | |
Texto Integral: | ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por “A... S.A.” contra a autoliquidação da “Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético” (CESE), relativa ao ano de 2021, no montante de € 4.973.093,30, veio interpor o presente recurso jurisdicional. 1.2. Nas alegações, que dirigiu a este Supremo Tribunal Administrativo, formulou as seguintes conclusões: «I - O tribunal a quo apresenta como único fundamento na sentença a jurisprudência extraída do acórdão do Tribunal Constitucional nº 101/2023 de 16/03/2023, proferido nos autos de recurso 480/22, referente à CESE do ano de 2018, que se decidiu pela inconstitucionalidade da al. d) do art. 2º do RCESE por violação do art. 13º da Constituição. II - E o tribunal a quo, invocando a referida jurisprudência do TC, à qual adere, nos termos do nº 3 do art. 8º do CC, fundamenta, pois, o seu juízo de inconstitucionalidade e consequente desaplicação da mencionada al. d) do art. 2º da RCESE, dizendo, citando o aresto, em suma, que a partir de 2018 o legislador reduziu os objectivos a que a CESE se dirige em termos tais, que deixou de ser possível afirmar que as concessionárias das actividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural podem ser consideradas responsáveis pela sua concretização, e muito menos presumíveis causadoras ou beneficiárias das prestações públicas que ao FSSSE (DL 55/2014 de 09/04) cabe providenciar e que obstam a que se possa firmar o necessário nexo entre tais prestações e o grupo dos sujeitos passivos que desenvolvem a referida actividade de transporte, distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural e que a CESE passou a ter como objectivo último apenas a redução da dívida tarifária do sector eléctrico a que a impugnante é alheia por não ter dado origem a este encargo, pelo que, sem outras considerações, decide retirar daqui um juízo de inconstitucionalidade e desaplicar a norma constante do artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE, por violação do artigo 13.º da CRP. III – Sucede, porém, que, posteriormente ao mencionado acórdão 101/2023 do TC de 16/03/2023, foram prolatados, pelo menos, mais 4 acórdãos também proferidos por este alto Tribunal, a saber, o acórdão do TC nº 296/2023 de 25/05/2023, o acórdão do TC nº 338/2023 de 06/06/2023, o acórdão do TC nº 372/2023 de 07/06/2023 e o acórdão do TC nº 369/2023 de 07/06/2023, todos também relativos á CESE de 2018, onde se decidiu em todos eles pela não inconstitucionalidade, não só da norma constante da al. d), como de qualquer das normas constantes das outras alíneas do art. 2º da RCESE (assim como pela não inconstitucionalidade de outras normas neles invocadas, mormente dos arts. 3º, 4º 11º e 12º, também da RCESE). IV – Sendo que a jurisprudência que se retira dos citados acórdãos do TC referentes à CESE de 2018 aplica-se à CESE autoliquidada de 2021 e objecto dos presentes autos, dado que uma das normas em causa nesses arestos é a mesma que ora se discute nestes autos, ou seja, a norma constante da al. d) do art. 2º da RCESE. V - E em todos esses novos e mais recentes arestos do TC (onde, pelo menos num desses arestos se chama à colação e contraria o referido acórdão do TC nº 101/2023), se retira, entre outros fundamentos de não inconstitucionalidade, que as receitas da CESE se destinam ao FSSSE e que este fundo é constituído não só pelas receitas da CESE como por outras receitas e que é com todas as receitas previstas para o fundo que se vai financiar a dívida tarifária e as políticas sociais e ambientais do sector energético (e não apenas o financiamento só com as receitas da CESE, pelo que a alteração promovida pelo DL 109-A/2018 de 07/12 ao regime jurídico do FSSSE se mostra irrelevante em termos da aferição da constitucionalidade das normas que integram a RCESE). VI – E retirando-se ainda desses recentes arestos, mormente do TC, que a cobrança da CESE oferece estabilidade ao sector energético e que todos os operadores deste sector, onde os impugnantes do sector do gás se integram, extraem como vantagem o benefício de grupo de não se acharem confrontados com um sector instável, nomeadamente desorganizado ou em rutura e, ainda, da necessidade do equilíbrio ambiental e de racionalização da exploração dos recursos nacionais, assim como da medida transitória e excepcional da redução da dívida tarifária, daí que se compreenda a chamada ao financiamento da acção pública neste domínio, constituindo, pois, todos estes considerandos um nexo causal entre a actividade da impugnante e a prestação que lhe é exigida através da CESE, pelo que se não se verifica qualquer inconstitucionalidade das normas que instituíram a CESE, mormente da invocada al. d) do art. 2ª da RCESE. VII - Pelo exposto, em face das decisões de não inconstitucionalidade, onde se inclui a norma constante da al. d) do art. 2ª da RCESE, proferidas em, pelo menos, quatro acórdãos do Tribunal Constitucional, cuja jurisprudência se pode aplicar à CESE autoliquidada nos presentes autos, tal norma não deve ser desaplicada por inconstitucionalidade, pelo que o tribunal a quo incorreu em erro na aplicação do direito e deve ser anulada ou revogada a sentença recorrida, mantendo-se a autoliquidação da CESE do ano de 2021 na ordem jurídica. 1.3. Contra-alegou a Recorrida encerrando as suas contra-alegações nos seguintes termos: «A. O Acórdão do TC n.º 296/2023 – em que o recurso interposto pela AT assenta em parte – erram ao pressupor que a discussão em causa nos autos se encontra praticamente esgotada em controvérsias resolvidas desde o Acórdão n.º 7/2019 e que assim é porque a questão da conformidade constitucional da CESE estaria fundamentalmente dependente de se saber se aquela constitui um verdadeiro imposto ou antes uma contribuição financeira. B. Com efeito, após aquele Acórdão n.º 7/2019, relativo à CESE em vigor em 2014 (o primeiro ano de vigência do tributo), este Tribunal foi construindo, reiterando e consolidando uma jurisprudência, relativa inicialmente aos anos de 2015 a 2017, da qual resulta que a justificação da CESE – mesmo admitindo que ela é uma contribuição financeira – se manteria apenas enquanto se mantivessem também as obrigações internacionais do Estado português ligadas à emergência do reequilíbrio das contas públicas, obrigações essas vertidas primeiro no Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) e depois no Procedimento por Défice Excessivo (PDE). Ora, como nem um nem outro estavam já em vigor em 2018, a consequência lógica e previsível daquela jurisprudência seria a de que a partir daquele ano a CESE teria perdido a sua razão de ser. C. O Acórdão n.º 101/2023 (que fundamenta o presente recurso), relativo a 2018 (como os presentes autos), tem por subjacente o conteúdo dessa jurisprudência. Em parte, é um corolário ou uma consequência lógica da mesma. Isto significa que o Acórdão n.º 296/2023 não foi proferido em contradição apenas com o Acórdão n.º 101/2023: apesar de relativamente a este a contradição ser directa e completa, porque existe um contraste quanto à argumentação e ao sentido da decisão, essa contradição existe igualmente, na dimensão da argumentação, relativamente a todo o percurso jurisprudencial que desembocou naquele aresto. D. No entanto, além de dar importância ao facto de em 2018 se terem deixado de se verificar as condições gerais de excecionalidade financeira que, segundo a jurisprudência anterior, justificavam a vigência extraordinária da CESE (designadamente a vigência do PAEF e do PDE), o Acórdão n.º 101/2023 acrescenta um outro elemento de análise fundamental: no que concerne ao contexto específico do sector energético que justificou a criação da CESE, o TC sublinha que, partir de 2018, também a trajetória de redução da dívida tarifária do SEN – o principal objetivo concreto da medida – significa que o tributo deixou de ter o mesmo sentido de urgência que tinha quando foi criado. E. Essa aceleração da redução da dívida tarifária resultou da decisão política de transferir em 2018 a receita necessária para o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético, entidade à qual cabe aplicar a receita da CESE aos fins legalmente previstos (segundo o Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril) – isto na sequência de uma alteração ao seu regime produzida pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de Dezembro. Antes de tal intervenção legislativa, o Fundo estava obrigado a dirigir apenas um terço daquela receita para o objetivo de redução da dívida tarifária do SEN, enquanto dois terços da mesma seriam destinados a outras políticas gerais de sustentabilidade energética. Após a alteração legal, o Fundo passou a poder aplicar à redução da dívida tarifária dois terços da receita da CESE, podendo utilizar até um terço da mesma no financiamento de outras medidas. F. Daqui o Acórdão retira que a CESE é inconstitucional a partir de 2018 por referência às empresas que não integram o sector da produção de eletricidade. Isto é: dado que a receita da CESE passou a servir maioritariamente para financiar a redução da dívida tarifária do SEN, não faz sentido exigi-la às empresas que não são do sector eletroprodutor. G. Neste sentido, a alínea d) do artigo 2.º do regime da CESE vigente em 2021 é inconstitucional, por quebra do nexo causal entre os objectivos do tributo e os operadores que actuam no sector do gás natural, como a Recorrida. H. A Recorrida adere ao conteúdo do Acórdão n.º 101/2023, que no seu entender deve prevalecer na ordem jurídica sobre a decisão aqui em crise, por constituir uma melhor subsunção da realidade da CESE de 2018 aos princípios constitucionais aplicáveis. De resto, assim é porque todos os demais pressupostos em que o Acórdão n.º 296/2023 assenta – e que no seu conjunto constituem uma tentativa de refutar a tese central do Acórdão n.º 101/2023 (a de que que o Decreto-Lei n.º 109-A/2018 produziu a mudança fundamental identificada pelo Acórdão n.º 101/2023) – são igualmente erróneos. I. Desde logo, o Acórdão n.º 296/2023 não tem razão quando diz que o Decreto-Lei n.º 109- A/2018, de 7 de Dezembro, não introduziu qualquer alteração à finalidade das receitas geradas pela CESE, mas apenas à finalidade de todas as disponibilidades financeiras integradas no património do Fundo, advenientes das cinco fontes de receita legalmente previstas. Não tem razão porque a CESE é a única receita do Fundo: não só é a única que se encontra realmente prevista (todas as demais receitas se encontram inscritas na lei enquanto meramente hipotéticas ou potenciais, em termos simplesmente programáticos) como não se conhecem que outras fontes geraram efectivamente receita para o Fundo. J. Saliente-se, ademais, que a criação do Fundo é contemporânea da criação da CESE. Ambos foram criados no mesmo ensejo legislativo (o tributo na Lei do Orçamento do Estado para 2014, para vigorar a partir do início do ano e ser cobrado até Outubro; o Fundo no Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, a tempo de vir a gerir a receita da CESE). Ora, antes da existência deste Fundo, o Estado já assumia a responsabilidade de políticas no sentido da sustentabilidade do sector energético, sem que para tal tenha tido a necessidade de criar semelhante instrumento jurídico. Só o criou então para lhe atribuir a gestão desta nova receita, a provinda da CESE. Por isso, analisar a CESE como se se tratasse de simplesmente mais uma receita do Fundo é um erro. Sem a CESE, o Fundo pura e simplesmente não existiria. K. Essa relação é evidente no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 55/2014, seja na identificação indubitável da relação causal entre a criação da CESE e a necessidade de criar o fundo, seja no facto de apenas se referir à receita daquele tributo. Mas importa referir também que, na parte normativa do Decreto-Lei, mais concretamente na alínea b) do artigo 2º, se estatui expressamente que é “mediante a receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o sector energético prevista no artigo 228º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro” que se deve garantir o objectivo “da redução da dívida tarifária do Sistema Eléctrico Nacional (SEN)”. No artigo 5º, concretiza-se depois, em pormenor, a forma como a “contribuição” deve ser aplicada àquele objectivo: segundo os n.ºs 1 e 2, o montante da CESE consignada à redução da dívida tarifária “é deduzido aos custos de interesse económico geral (CIEG) a repercutir em cada ano na tarifa de uso global do sistema aplicável aos clientes finais e comercializadores”. L. Perante a vontade legislativa traduzida quer no preâmbulo quer na parte dispositiva do Decreto-Lei, não se percebe como pode o TC pensar que, quando falamos do destino das receitas do Fundo, não é do destino das receitas da CESE que estamos realmente a falar. Mais: revela-se que é errada a afirmação do Acórdão n.º 296/2023 segundo a qual “nunca o artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, nem na sua redação originária, nem na introduzida pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, alguma vez estabeleceu uma regra de afetação da receita da CESE a determinadas despesas do Fundo para a Sustentabilidade do Setor Energético”. M. O TC diz a esse propósito que ‘a prioridade definida no sobredito preceito respeita às “verbas do FSSSE”, ou seja, a todas as disponibilidades financeiras integradas no património do Fundo, advenientes das cinco fontes de receita legalmente previstas (cfr. artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, acrescidas dos excedentes transportados de exercícios anteriores – cfr. n.º 2), não à coleta obtida de uma delas, fosse o caso da CESE. Todavia, o TC esquece o que resulta da alínea b) do artigo 2º e do artigo 5º: no que concerne às receitas do Fundo destinadas à redução da dívida tarifária do SEN, o legislador impôs que elas fossem especificamente as receitas da CESE. Em face disto, é também errada a afirmação do Acórdão n.º 296/2023 de que o valor de receita anual da CESE é apenas um “parâmetro de limitação de certas categorias de despesa do Fundo, tendo em vista garantir o equilíbrio da sua orçamentação e da sua conta final”, ou um “valor de referência para o limite à despesa com políticas do setor energético”. N. De qualquer modo, sempre se diga que, mesmo que considerássemos como válida a interpretação do Acórdão n.º 296/2023, no sentido formalista e artificial de que a alteração legal de 2018 implicou uma mudança da chave de repartição das receitas do Fundo, e não da receita da CESE, não se compreende porque é que a conclusão quanto à inconstitucionalidade do tributo relativamente aos operadores que não são do sector eléctrico haveria de ser distinta da retirada pelo Acórdão n.º 101/2023. É que, nessa hipótese, então pelo menos a título potencial ou nocional a receita da CESE teria passado de estar afecta em um terço à redução da dívida tarifária da electricidade para está-lo na proporção de dois terços. O que, em rigor, significaria o mesmo que a Recorrida aqui defende (à semelhança do Acórdão n.º 101/2023) quanto à importância na análise da constitucionalidade da CESE da mudança no peso relativo da sua receita na prossecução dos objectivos do Fundo. O. Prosseguindo, é igualmente errado o que o Acórdão n.º 296/2023 diz quanto ao facto de a CESE ter um nexo relevante com os operadores do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN) por o regime legal do tributo prever a utilização da receita em fins específicos ligados à sustentabilidade daquele sistema, ou seja, por a receita contributiva obtida das empresas daquele sector, tendo por fonte o valor e excedentes de contratos de aprovisionamento em regime de “take-or-pay” estar alocada ao alívio dos encargos tarifários inerentes à utilização global do sistema (UGS) de gás natural pelos operadores das respetivas redes de transporte e de distribuição. P. Aqui, o Tribunal omite algo que é essencial e inviabiliza totalmente a conclusão retirada: é que a receita identificada não resulta do tributo em causa nestes autos, mas de um outro, em cuja base de incidência subjectiva o legislador nem sequer integrou os operadores das redes de transporte, distribuição ou armazenamento de gás natural (os sujeitos passivos abrangidos pela alínea d) do artigo 2º do regime da CESE), como a Recorrida. Esse outro tributo especificamente dirigido ao alívio dos encargos tarifários inerentes à UGS de gás natural foi enxertado no regime da CESE após criação desta no artigo 228º da Lei n.º 83º- C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014). Q. O tributo em causa nos presentes autos é a CESE original ou propriamente dita, criada pela Lei do Orçamento do Estado (para simplificar, podemos chamá-la de “CESE I”). Por sua vez, o tributo que serve especificamente, e em exclusivo, para a atenuação dos encargos tarifários do SNGN (um tributo que tem características que o tornam decisivamente distinto daquele primeiro, até porque diz respeito a factos que nada têm a ver com aqueles em que assenta) – chamemos-lhe “CESE II” – foi criado pela Lei n.º 33/2015, de 27 de Abril, para ser cobrada uma só vez, tendo depois sido estipulado um adicional, igualmente para ser cobrado apenas uma vez, pelo artigo 264º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017). R. A CESE II foi dirigida ao (único) comercializador do SNGN titular de contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime de take-or-pay, previstos no artigo 39º-A do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho, celebrados em data anterior à entrada em vigor da Directiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento e do Conselho, de 26 de Junho, e que fornece gás ao comercializador de último recurso grossista, no âmbito da actividade de compra e venda de gás natural para fornecimento aos comercializadores de último recurso retalhistas, aos centros electroprodutores com contrato de fornecimento outorgado em data anterior a 27 de Junho de 2006 e a outras entidades. A lei encontra-se construída em termos gerais e abstractos (refere-se, no plural, às entidades que integram o sistema energético nacional como comercializadores do SNGN); porém, esta regra de incidência abrangeu efectivamente apenas um sujeito passivo, (a B..., S.A. que é a única entidade que cabe na incidência do tributo. S. Portanto, em conclusão: o objectivo a que o Acórdão n.º 296/2023 alude – a redução dos custos de acesso à rede de gás natural, incorporados nas facturas de consumo final – não é prosseguido com a receita gerada pelo tributo aqui em causa, mas por um outro tributo distinto, que não incide sobre a Recorrida nem sobre os restantes operadores que se dedicam ao transporte, distribuição ou armazenamento de gás natural. Logicamente, esse objectivo não será inviabilizado pela declaração nos presentes autos da inconstitucionalidade da norma neles analisada (a alínea d) do artigo 2º do regime da CESE). Assim sendo, é totalmente desprovida de sentido a tese do Acórdão n.º 296/2023, de que entre a CESE e a Recorrida existe uma relação de bilateralidade típica das contribuições financeiras, com base no pressuposto de que a receita do tributo por ela suportada reverte também para o fim da redução dos encargos tarifários do SNGN. T. Seja como for, independentemente dos argumentos do Acórdão n.º 296/2023 referidos anteriormente, insiste-se ainda no aresto que os operadores do SNGN têm com o objectivo da dívida tarifária do SEN uma relação suficiente para que os consideremos integrados na “lógica grupal” da CESE. Isto na medida em que, resumidamente, como o gás tem um papel fundamental na produção de electricidade, as empresas do SNGN sofreriam um impacto grande com a redução da procura de electricidade que se verificaria caso o Estado não tivesse implementado as políticas de controlo dos preços ao consumidor que redundaram na criação da dívida tarifária e as que, financiadas pela CESE, posteriormente se dirigiram à redução dessa dívida. Também este pressuposto está errado. U. Para se perceber porquê, convém lembrar o que é que na realidade essa “lógica grupal” das contribuições financeiras significa. O que ela significa é que, para cumprimento do princípio da equivalência (concretizador do princípio da Igualdade), este tipo de tributos tem de representar a contrapartida de prestações de que os respectivos sujeitos passivos são presumíveis causadores ou presumíveis beneficiários. V. Quanto à primeira das relações aludidas – a relação de presumível causalidade existente entre uma contribuição e os seus sujeitos passivos –, ela deve ser uma relação de causalidade especial entre a actividade pública que é preciso financiar e a actividade do universo de agentes económicos que lhe dá origem. E, quando se diz que a causalidade tem de ser especial, quer-se dizer que a necessidade de intervenção regulatória dos poderes públicos tem de decorrer directamente da natureza da actividade dos particulares ou da natureza das opções estratégicas destes. W. Portanto, se por referência devemos ter a actividade dos particulares, enquanto factor que gera a situação de desequilíbrio ou o risco de sustentabilidade que determinam a intervenção pública, então a lógica das contribuições pressupõe que os universos de sujeitos passivos considerados sejam grupos económicos bem delimitados. Isto é, necessitasse que o universo de sujeitos passivos de uma determinada contribuição se limite àqueles que, em virtude da natureza da sua actividade ou das suas opções estratégicas, forçaram directamente a intervenção das entidades públicas. Dito de modo reflexo: não tem lógica exigir a determinados operadores o pagamento desse tributo se ele servir para colmatar uma falha de mercado para a qual aqueles não contribuíram directamente. X. Pois bem: a dívida tarifária, cuja atenuação o legislador identifica como objectivo da CESE, define-se, latu sensu, como a diferença entre o custo real da geração de energia eléctrica, do seu transporte, distribuição e comercialização, e os custos recuperados pelas tarifas aplicadas em razão do consumo da mesma. É verdade que, como se diz no Acórdão n.º 296/2023, ela “é produto directo da forma como foi liberalizado o mercado de energia”. No entanto, não é um produto das opções dos sujeitos passivos da CESE. A dívida tarifária é o resultado de opções políticas exclusivas do Estado tomadas no âmbito dessa liberalização do mercado da energia (da energia eléctrica, bem entendido), conjugadas depois com opções políticas e legislativas no sentido de impedir a formação livre dos preços da actividade do sector eléctrico e a total repercussão de custos, também estes fixados por decisão administrativa. Y. Quer isto dizer que o que deu lugar ao problema em causa não foi a qualquer aspecto concreto da actividade dos operadores privados – qualquer aspecto intrínseco ou decorrente de decisões tomadas em regime de liberdade estratégica. Mais: se assim é quando estamos a falar dos próprios operadores do sector electroprodutor, por maioria de razão o é com ainda mais intensidade quando falamos dos operadores do sector do gás natural ou de outro qualquer sector, que não da electricidade: a dívida tarifária não resultou de quaisquer opções político-legislativas dirigidas a esses sectores. Estes não podem ser considerados, pois, efectivos ou presumíveis causadores, directos ou especiais, do problema da dívida tarifária (a dívida tarifária não é um fenómeno comum a todo o sector económico da energia, sendo antes o produto da forma como ao longo dos anos foi sendo estruturado – apenas – o subsector da produção de electricidade). Z. De resto, que sentido faz a afirmação do Acórdão n.º 296/2023, segundo a qual a dívida tarifária é “filha da privatização e da oportunidade de negócio capturada pelas empresas que atuam no setor energético e é daí que resulta a necessidade de regulação pública”? Estamos a falar da privatização ocorrida no sector eléctrico. Portanto, mesmo aceitando para benefício da discussão que nesse processo houve uma “oportunidade de negócio capturada” por algumas empresas, não é verdade o que o TC escreve logo a seguir – que essa oportunidade foi “capturada pelas empresas que atuam no setor energético”, em geral. Como é óbvio, as empresas do sector do gás natural não “capturaram” negócio algum na privatização do sector da electricidade. AA. No que concerne, agora à segunda relação que também pode legitimar a criação de contribuições – a relação de presumível benefício –, ela implica que haja uma relação de benefício também especial entre os sujeitos passivos e a intervenção pública, no sentido em que os primeiros são beneficiados directamente pela segunda. Daí, de novo, a indispensabilidade de um grupo de sujeitos passivos limitado ao sector a que as entidades públicas pretendem dar mais sustentabilidade ou equilíbrio, e em cujas regras mexem directamente. Não é possível integrar no âmbito de sujeição de uma contribuição operadores económicos que retirem apenas um benefício reflexo da actividade financiada pelo tributo. Nesse caso, estaremos a falar de operadores de sectores em cujas regras a actividade pública financiada pela contribuição não toca. BB. Remetendo para o caso vertente, é óbvio que as políticas públicas orientadas para o controlo dos preços da electricidade – quer as que originaram o diferimento dos custos através da constituição da dívida tarifária quer as que depois serviram para reduzir essa dívida – beneficiam em geral toda a economia. O Acórdão n.º 296/2023 até refere, no lote dos beneficiários, a “indústria” e o “público consumidor”. É inevitável que assim seja, porque é da razão de ser da electricidade (uma fonte de energia de importância central) que as vicissitudes do seu custo constituam reflexamente vicissitudes nos custos de produção de todos os sectores económicos – e que se repercutam em todo o “público consumidor”. Vemo-lo perfeitamente na actualidade: a crise inflacionista a que assistimos, traduzida no aumento de preços generalizado em todos os sectores, deriva em boa parte do aumento dos custos de produção das fontes de energia. Porém, significa isso que seria legítimo criar uma contribuição financeira, aplicável a toda a economia, para combater os custos da inflação? Certamente que não. Esse tributo seria ou uma contribuição inconstitucional, por violação do princípio da equivalência, ou então um puro imposto extraordinário. CC. Por outro lado, conforme refere o Acórdão n.º 296/2023, os custos da electricidade também têm influência no universo dos fornecedores das empresas electroprodutores, sejam elas fornecedoras de gás ou de qualquer outro bem, porque, se o aumento do preço da energia eléctrica tem o efeito previsível de reduzir a sua procura, terá igualmente o efeito reflexo de reduzir a necessidade de aquisição de matérias-primas e outros factores de produção. Só que, de novo, se estamos perante uma contribuição financeira, que serve para financiar uma actividade estadual regulatória dirigida a (e provocada por características próprias de) um determinado sector económico, não faz sentido incluir no escopo do tributo o universo de fornecedores das empresas que o constituem (empresas fora do sector), ou parte dele, com o argumento de que, “em potência”, os bens ou serviços que estas últimas empresas fornecem se acabarão por transformar no bem que o sector intervencionado produz. DD. O TC presume, pois, que, em todo o longo processo de intervenção estadual que aqui temos em conta – o que começou com a liberalização do sector eléctrico, prosseguiu com as políticas de controlo de custos na factura dos consumidores finais, com a criação da dívida tarifária e da CESE –, o legislador teve em mente uma interligação ou uma relação de solidariedade natural entre os operadores do SEN e do SNGN. Sucede que, para além de essa relação não poder legitimar a CESE fora do campo das empresas do sector eléctrico (pelo menos, a partir de 2018), nos termos do exposto, a verdade é que essa hipotética relação nunca esteve na mente do legislador. EE. Ela não esteve na mente do legislador, desde logo, quando o sector eléctrico e o sector do gás natural tiveram processos de liberalização completamente autónomos e com regras completamente distintas. Por exemplo, a renegociação dos contratos em que assenta a actividade das concessionárias do subsector do gás não desembocou no pagamento às mesmas de quaisquer compensações: pelo contrário, o equilíbrio económico dos contratos de concessão do subsector do mercado do gás natural foi obtido através da solução de alargamento do prazo das concessões e da reavaliação dos activos afectos à prossecução das actividades concessionadas. FF. Além disso, que o legislador não teve em mente qualquer relação de solidariedade natural e inevitável entre o SEN e o SNGN resulta óbvio, igualmente, do facto de que, como vimos acima, quando se tratou de criar um tributo para financiar uma intervenção regulatória em ordem à sustentabilidade do SNGN, o legislador criou uma CESE específica (a CESE II) cobrada apenas ao sector do gás natural. Seguindo a lógica do Acórdão n.º 296/2023, o legislador poderia ter decidido cobrar também a CESE II ao sector da electricidade, usando por exemplo o argumento de que, face à percentagem que o gás representa no cômputo das matérias-primas da produção de electricidade, então a sustentabilidade do sector eléctrico depende da sustentabilidade do sector do gás natural. Não fez, claro, precisamente porque às contribuições financeiras tem de subjazer uma relação de causalidade especial e benefício directo, que não se compadece com considerações de causalidade ou benefício reflexos ou indirectos, acerca da situação de sujeitos fora do perímetro do sector económico intervencionado com a receita de uma determinada contribuição. GG. Após a discussão anterior, que parte de pressupostos relacionados com a incidência subjectiva da CESE, o Acórdão n.º 296/2023 acrescenta por fim que o facto de a base de incidência objectiva da CESE ser o valor global dos activos das empresas abrangidas não implica também a quebra de nexo entre a medida e os sujeitos passivos, uma vez que aquele valor representa a dimensão das empresas e, quanto maior essa dimensão, maior é o seu impacto potencial na sustentabilidade do sector energético, cuja garantia é função da CESE. Nestes termos, conclui o Acórdão, também por esta via se cumpre a regra da equivalência ou bilateralidade subjacente às contribuições financeiras. HH. Esta tese do Acórdão n.º 296/2023 não pode prevalecer. Além de, em geral, um critério ad valorem como este ser próprio dos impostos (ele serve para captar a capacidade contributiva e implica, consequentemente, uma dupla tributação dos lucros – directamente, por via do IRC, e presuntivamente, por via da tributação do valor dos activos), o mais importante, na lógica da presente discussão é lembrar que o valor do activos das empresas do sector energético não é directamente proporcional ao impacto potencial que elas representam na sustentabilidade do mesmo. Daí que o valor do activo não seja um critério adequado, quando apreciado à luz dos objectivos da própria CESE. Ou seja, é contraditório com a própria teleologia da medida. II. Repare-se, com efeito, antes de mais, que a CESE abrange de modo igual actividades com impacto e risco totalmente distintos, em sectores diversos (petróleos, electricidade, gás, armazenagem, transporte, refinação, etc.). Uma determinada actividade pode significar um risco ou um impacto muito maior ou muito menor do que o que é representado pelo valor dos activos de uma qualquer empresa que a prossiga. Termos em que o risco ou impacto não é de todo medido pelo valor dos activos. JJ. Depois, em regra, os activos de maior valor são aqueles que apresentam menor risco e impacto na sustentabilidade do sector energético: se determinados activos das empresas energéticas têm um valor elevado, por comparação com outros, pode perfeitamente ser porque são tecnologicamente mais avançados e/ou mais recentes, caso em que o seu valor está contabilisticamente menos amortizado ou depreciado. Ora, se são tecnologicamente mais avançados e/ou mais recentes, então são mais eficientes e menos poluentes. Isto é, são mais valiosos porque são mais sustentáveis. Isto é, podemos dizer que, em boa medida, o valor dos activos é inversamente proporcional ao seu impacto na sustentabilidade ambiental e energética. KK. Como conclusão de tudo o que vem dito, deve o Acórdão n.º 296/2023 ser anulado – e, nessa medida, desembocar na anulação dos actos tributários impugnados nos presentes autos –, prevalecendo neste Tribunal a posição segundo a qual a alínea d) do artigo 2.º do regime jurídico da CESE, vigente em 2021 é inconstitucional, em face pelo menos da aprovação do Decreto-Lei n.º 109-A/2018, o qual significou que a CESE deixou de constituir um tributo ao qual subjaz uma relação de bilateralidade constitucionalmente aceitável entre a receita gerada e os sujeitos passivos do subsector do gás natural. LL. Finalmente, ao que antecede acresce que a receita da CESE – tendo em conta a sua relevância orçamental e a sua natureza – não se encontra devida e suficientemente orçamentada à luz do princípio da discriminação orçamental, previsto pelo disposto no artigo 105.º, n.º 1, da CRP, e da regra da especificação orçamental, decorrente do artigo 105.º, n.º 3 da CRP e do artigo 17.º da LEO, quer - para o que aqui releva – na Lei do Orçamento do Estado de 2014, quer na Lei do Orçamento do 2021. MM. Com efeito, a receita da CESE, na Lei do Orçamento do Estado para 2014, não é mencionada, especificamente, nem nos mapas orçamentais, nem nos desenvolvimentos orçamentais, concluindo-se que não se encontra inscrita de modo desagregado em nenhum mapa orçamental, do que decorre que, (i) no Orçamento do Estado para 2014 não é possível encontrar a receita da CESE no meio das demais receitas tributárias; (ii) não é, de todo, possível apurar o montante da receita que se previa arrecadar com a CESE; (iii) não foi cumprido o desiderato para o qual foi criada a CESE, isto é, a sua transferência, ainda que parcial, para o FSSSE. NN. Já no que respeita à Lei do Orçamento do Estado para 2021, no Mapa 6, referente a despesas obrigatórias, identifica-se, apenas o valor da despesa da CESE a transferir, não sendo possível determinar se esse é o valor total arrecadado com a sua cobrança nesse ano ou apenas parte dele. OO. Nestes termos, é indubitável que ocorreu violação grosseira do princípio da discriminação da regra da especificação orçamental, pois que, embora a receita decorrente da CESE em causa se presuma prevista nas aludidas Leis do Orçamento do Estado – neste caso, por referência aos anos de 2014 e 2021 –, a especificação e o desdobramento orçamental desta receita não respeitam, categoricamente, o disposto na CRP e na LEO. PP. Esta situação (i) permitiu a existência de um crédito orçamental secreto, resultado esse cujo impedimento constitui a razão de ser da previsão do princípio da especificação orçamental; (ii) potenciou a aprovação do orçamento sem que os Srs. Deputados tivessem conhecimento do montante da receita cuja cobrança autorizavam; (iii) não permite a fiscalização da execução orçamental, que compete também aos Srs. Deputados realizar, sacrificando o fator de accountability, também inerente à aprovação parlamentar do orçamento anual. QQ. Nesta medida, a receita escapou, inevitavelmente, ao crivo parlamentar, uma vez que a votação dos dois orçamentos em crise – e de todos os Orçamentos entre 2014 e 2023 -, foi efetuada sem pleno e cabal conhecimento do montante de receita previsto cobrar a título de CESE, o que é passível de permitir a utilização de verbas públicas para finalidades não previstas na Lei – o que é proibido pela CRP e, também, pela LEO, que determina, quer na redação de 2001, quer na de 2015, a nulidade dos créditos que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (ainda que essa utilização não se verifique). RR. Assim, a não especificação da receita em crise, concreta e individualizada, nos termos da CRP e da LEO, equivale, em termos práticos, à sua não inscrição – e, portanto, à sua não autorização – no correspondente Mapa da Lei do Orçamento do Estado. SS. Com a entrada em vigor do Código de Procedimento Administrativo (CPA), publicado em 7 de janeiro de 2015, pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, o legislador procedeu à anulação da antiga cláusula geral de nulidade do antigo CPA, passando a prever quatro novos casos de nulidade no atual artigo 161.º daquele diploma, de entre os quais a alínea k), onde se dispõe que são nulos “Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei”. Assim, o ato de (auto)liquidação da CESE aqui em apreço enferma de um vício gerador de ilegalidade abstrata, porquanto a sua liquidação e cobrança não terão sido devidamente autorizados em conformidade com a CRP e a LEO, o que está para além da mera inexigibilidade da dívida, sendo mesmo equiparável ao vício de inexistência do tributo. TT. No plano normativo, a violação do princípio da especificação orçamental localiza-se, por referência à CESE, em dois momentos fundamentais (i) no momento da criação do Regime jurídico da CESE, com a aprovação do artigo 228.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014, e (ii) no momento em que a sua vigência foi, prorrogada, para o ano 2021, por via do artigo 415.º, n.º 1, da Lei do Orçamento do Estado para esse ano (e em todos os outros anos, por via das sucessivas Leis do Orçamento do Estado ou de diplomas autónomos de autorização da sua cobrança). UU. Assim, a violação do princípio da especificação orçamental apresenta-se como uma doença congénita que contamina, em rigor, todas as normas que instituem e regulam a CESE. Do que antecede, suscita-se a inconstitucionalidade e a ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, (i) da norma que instituiu o regime jurídico da CESE, i.e. da norma resultante do artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013; (ii) da norma que manteve em vigor, no ano 2021, o regime jurídico da CESE, i.e. da norma contida no artigo 415.º, n.º 1, da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro; (iii) da norma que se retira do artigo 1.º do regime jurídico da CESE e que define o objeto do tributo; (iv) da norma que se retira do artigo 2.º do regime jurídico da CESE e que determina a incidência subjetiva do tributo; (v) da norma que se retira do artigo 3.º do regime jurídico da CESE e que determina a incidência objetiva do tributo; (vi) a norma que se retira do artigo 6.º do regime jurídico da CESE e que determina a taxa aplicável; (vii) a norma que se retira do artigo 11.º do regime jurídico da CESE e que determina a consignação da receita ao FSSSE, bem como (viii) da norma que se retira do artigo 12.º do regime jurídico da CESE e que determina a não dedutibilidade da CESE. VV. Em face de tudo quanto antecede, mal andou a sentença recorrida ao decidir no sentido do julgado. 1.4. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. 1.5. Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, submetem-se agora os autos à Conferência para julgamento. 2. OBJECTO DO RECURSO 2.1. Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)]. Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). 2.2. Tendo presente o que ficou dito, lida a sentença recorrida e os termos do recurso, a questão fulcral a decidir é, pois, a de saber se o Tribunal a quo errou de direito ao julgar que o artigo 2.º, al. d) do RCESE, é inconstitucional por violação do artigo 13.º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP). 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. Fundamentação de facto 1. A A... é uma empresa que integra o sector energético nacional, com sede em território nacional, quanto aos seus ativos relacionados com a atividade e concessionária da atividade Gestão Técnica Global do SNGN e de transporte de gás natural em alta pressão por gasodutos, na qualidade de operador da rede nacional de transporte ("RNTGN"), nessa qualidade desenvolvendo duas atividades – o transporte de gás natural (URT) e a gestão técnica global do sistema (UGS), facto não contestado; 2. A Impugnante configura uma sociedade comercial anónima, com sede em território nacional, área do Serviço de Finanças de Loures -1, cujo escopo é o exercício da atividade de transporte ou distribuição de energia por oleodutos – CAE 049500, encontrando-se coletada para o exercício da atividade, desde 04.10.2006, enquadrada para efeitos de imposto sobre o rendimento (IRC), no regime geral de tributação e, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal, considerada “contribuinte de elevada relevância económica e fiscal ” (facto não contestado); 3. Em 30.10.2021 a Impugnante através da declaração Mod.27 efetuou a autoliquidação onde apurou o montante de €4.973.093,30 referente a Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) - conforme documento n.º 1 junto com a Petição Inicial. 4. Em 07.03.2022, a sociedade impugnante deduziu Reclamação Graciosa daquela autoliquidação autuada com o n.º...22 que mereceu despacho de indeferimento datado de 04.05.2022 proferido pela Diretora Adjunta por Delegação de Competências da Unidade de Grandes Contribuintes (UGC), em face da Informação n.º...12, com a seguinte conclusão «Em conformidade com o exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o anterior Projeto de Decisão e as peças processuais carreadas pela Reclamante , somos a entender pelo indeferimento do pedido, de acordo com o teor do quadro-síntese identificado no intróito desta informação, com todas as consequências legais. Mais se informa que, em caso de Concordância Superior, se deve promover a notificação da Reclamante, nos termos do previsto nos artigos 3º a 41 do CPPT, com todas as consequências legais», conforme documento n.º 4 junto com a Petição Inicial. 5. Em 20.10.2021 a sociedade impugnante efetuou o pagamento do montante de CESE autoliquidado de €4.973.093,30, conforme documento n.º 5 junto com a Petição Inicial. 3.2. Fundamentação de direito 3.2.1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a Impugnação Judicial da autoliquidação da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético” (CESE), relativa ao ano de 2021, no montante de € 4.973.093,30, interposta pela ora Recorrente na sequência do indeferimento de reclamação graciosa por si apresentada tendo em vista a anulação da liquidação em apreço. 3.2.2. Para a Fazenda Pública a sentença padece de erro na aplicação do direito, o que justifica a sua revogação, sendo para tanto suficiente atentar na jurisprudência uniforme que nesta matéria vem repetidamente emitindo este Supremo Tribunal Administrativo. 3.2.3. Considerando que as questões suscitadas neste recurso, concretizadas na síntese das conclusões inicialmente reproduzidas, foram já objecto de julgamento por múltiplos acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo, incluindo por acórdão de 20 de Dezembro de 2023, proferido no processo n.º 1339/20.4BELRS, em que a signatária foi igualmente relatora, que não descortinamos razões que nos determinem a afastar-nos do que então aí ficou decidido e, bem assim, tendo ainda presente o preceituado no artigo 8.º, do Código Civil, acolhemos aqui integralmente a sua fundamentação e o decisório nele assumido. Assim sendo, e porque não se vislumbram que outras considerações pertinentes existam e devam realizar-se, concluímos que a decisão recorrida deve ser revogada por se mostrar infundado o julgamento de inconstitucionalidade que culminou na recusa de aplicação do artigo 2.º, alínea d), do Regime da CESE, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2021 pelo artigo 415.º, da Lei 75-B/2020, de 31 de Dezembro. 4. DECISÃO Termos em que, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em conformidade, julgar improcedente a Impugnação Judicial, mantendo integralmente na ordem jurídica a liquidação impugnada. Custas pela Recorrida, dispensando-se, o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que excede € 275.000,00, considerado, sobretudo, o cariz remissivo desta decisão colegial. Registe e notifique, dispensando-se a junção e notificação do presente acórdão acompanhado do acórdão para cuja fundamentação remetemos, uma vez que este se encontra integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt Lisboa, 3 de Julho de 2024. – Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – João Sérgio Feio Antunes Ribeiro (vencido nos seguintes termos: «A convicção de que a CESE é uma contribuição especial, reforçada a partir de 2019, e a jurisprudência do Tribunal Constitucional materializada nos acórdãos: 101/2023, de 16/03/20023; 196/2024 e 197/2024, de 12/03/2024 e 336/2024 de 23/04/20024 que consideramos serem relevantes para o devido enquadramento do caso sob julgamento, justificam o voto de vencido.») – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes. |