Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0360/12.0BECBR 449/18
Data do Acordão:02/12/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
DIVÓRCIO
PARTILHA
TORNAS
TRANSMISSÃO ONEROSA
ACÓRDÃO
VENCIMENTO
Sumário:A operação da partilha do património conjugal em caso de divórcio, que se traduza na adjudicação a um dos ex-cônjuges do imóvel e na renúncia do outro ex-cônjuge ao direito a receber as tornas, não constitui «alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis» para efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.
Nº Convencional:JSTA000P25596
Nº do Documento:SA2202002120360/12
Data de Entrada:05/03/2018
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........(E OUTROS)
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório

1.1. O Representante da Fazenda Pública interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a impugnação judicial «do estorno e acerto de liquidação de IRS referentes ao ano de 2010 e respetivos juros, tudo no saldo de € 8.841,68», interposta por A………., contribuinte fiscal n.º …….., com domicílio indicado em …….., ……….., ……-…… Pampilhosa da Serra, e esposa B…….., contribuinte fiscal n.º ……….., com o mesmo domicílio.

Recurso este que foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificado da sua admissão, apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

1. Nos presentes autos está em causa a partilha de um bem na sequência de divórcio, partilha esta que constitui um ato oneroso, subsumível à aI. a) do n.º 1 do art.º 10° do CIRS, por constituir um incremento patrimonial resultante de uma alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (no caso, um bem imóvel);

2. No entanto, a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo julgou totalmente procedente a impugnação, nos autos identificados supra, determinando a anulação da liquidação em análise, por considerar que apenas as mais-valias realizadas podem ser tributadas, pelo que, e resultando provado que o pagamento das tornas devidas ao Impugnante não foi efetuado, haverá que considerar que a liquidação em causa carece de facto tributário, o que determina a respetiva anulação;

3. No entanto, tal conclusão assenta, com todo o respeito pela douta sentença proferida, em erro na interpretação efetuada pela Mm.ª Juiz do art.º 10° do CIRS, que conduziu à decisão por tal procedência;

4. O CIRS não fornece diretamente um conceito próprio de transmissão de bens sujeitos a tributação em sede de mais-valias, todavia, e para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a titulo gratuito, aquele que haja sido considerado, ou que lhe serviria de base, se fosse devido, para efeito de liquidação do imposto do selo (IS), no caso de bens ou direitos adquiridos a titulo oneroso, aquele que tiver servido, ou que serviria de base, se fosse devido, para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT), e, por sua vez, o valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele, sendo o valor do terreno determinado pelas regras constantes dos referidos n,ºs 1 e 2, conforme se verifica pelo disposto no n.º 1 do art.º 45° e nos n.ºs 1, 2, 3 e 4 do art.º 46° do CIRS;

5. Pela leitura destas normas conclui-se que o legislador pretendeu fazer coincidir o conceito de transmissão para efeitos de IRS com o utilizado para efeitos de incidência de IS e/ou IMT, devendo entender-se que se opera uma transmissão a título gratuito quando ocorrer um facto suscetível de servir de base de incidência a IS, operando uma transmissão a título oneroso quando ocorrer um facto suscetível de servir de base de incidência a IMT, independentemente do imposto ser, no caso concreto, devido;

6. De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 1° do CIMT, "O imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) incide sobre as transmissões previstas nos artigos seguintes, qualquer que seja o título por que se operem", por sua vez, o n.º 1 do art.º 2° determina que "O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional” e, de acordo com a al. c) do n.º 5 do mesmo artigo "Em virtude do disposto no n.º 1, são também sujeitas ao IMT, designadamente: (...) c) O excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário";

7. Assim sendo, no caso de dissolução do casamento por divórcio, em que um dos ex-cônjuges ficou com o bem imóvel, e relativamente ao excesso da sua quota-parte, estar-se-á perante uma transmissão de bens ou direitos, para efeito de incidência de IMT, pois que adquire do outro cônjuge o direito que este detinha sobre o bem imóvel, pagando-lhe uma parcela, em compensação, vulgarmente denominada "tornas", e, correlativamente, para o outro ex-cônjuge, perante uma transmissão para efeitos de tributação em IRS, a título de mais-valias;

8. Tal conclusão decorre, necessariamente, do disposto no art.º 1°, n.º 1, 2°, n.º 1, n.º 5, al. c) e 4°, al. a), todos do CIMT, conjugado, com os art.º 10° e 46° do CIRS;

9. E isto não obstante o excesso da quota-parte resultante de ato de partilha por efeito de dissolução do casamento se encontrar excluído de tributação, em sede de IMT, de acordo com o disposto no n.º 6 do art.º 2° do CIMT, posto que só é afastado de tributação, o que se encontrava, a priori, sujeito;

10. Por sua vez, o art.° 44º do CIRS, na redação vigente à data, determinava que: 1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: (...) f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação. 2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida. (...) "

11. Da análise das citadas normas conclui-se que se consideram mais-valias quaisquer rendimentos acrescidos ao património do contribuinte, designadamente por via da transmissão onerosa de bens imóveis, ainda que alheios à atividade ou vontade da entidade em cujo património tal valorização se irá repercutir a final, e independentemente do destino de tais rendimentos;

12. Por sua vez, a vantagem patrimonial refere-se, assim, exclusivamente, à diferença entre os valores de realização e de aquisição, sendo totalmente irrelevantes, para efeitos da incidência do IRS, outras circunstâncias da alienação onerosa dos imóveis, designadamente o destino ou finalidade dada ao valor de realização;

13. Considerando-se os ganhos obtidos, de acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 10° do CIRS "no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, (...), sendo o "ganho sujeito a IRS é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (...) ", de acordo com o n.º 4 desta norma legal;

14. Conclui-se ainda que a circunstância de o alienante prescindir do valor de realização, e porque só se prescinde daquilo a que se tem direito, não impede a formação do ganho sujeito a tributação, o qual se gera em consequência da referida diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo aquela circunstância inócua para efeitos de aferição da sujeição a imposto;

15. É que, existindo um concreto acréscimo patrimonial, ou mais-valia, traduzida na diferença entre o preço de aquisição e o preço de alienação do imóvel, tal acréscimo entra efetivamente na esfera jurídica do sujeito passivo, ainda que este não receba qualquer valor pecuniário;

16. Pois, de facto, uma coisa é ter obtido ganho (ocasional, fortuito), que derivou da alienação onerosa de direitos reais (in casu direito de propriedade) sobre imóveis, outra bem diversa é o impugnante, ora recorrido, não ter recebido o valor que lhe cabia, sendo o impugnante, sem qualquer dúvida titular daquele rendimento resultante da dita alienação;

17. Pois o transmitente, ora recorrido, terá prescindido do valor a que tinha direito, pois declarou ter recebido as tornas a que teria direito, quando tal não ocorreu, mas, e ainda que o recorrido não houvesse prescindido das mesmas, o que não se concede, e apenas para meros efeitos de raciocínio se admite, sempre se demonstra o seu desinteresse na obtenção do valor de realização, apenas a ele imputável, não lançando mão das providências necessárias para reaver o seu crédito, obtendo, assim, a satisfação do seu direito, prescindindo, assim, e desta forma, desse direito;

18. E tendo o impugnante, ora recorrido, prescindido do valor de realização, pelos motivos que entendeu, estando, de resto, no seu pleno direito de o fazer, no plano do direito civil, quer ao nível do direito das obrigações, ao abrigo da liberdade contratual, quer ao nível dos direitos reais (direito de propriedade) por se tratar de direito disponível, não existe qualquer norma de delimitação negativa ou de exclusão tributária, estando tal ganho resultante da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis sujeito a tributação em sede de mais-valias, nos termos do n.º 1, aI. a) do art.º 10° do CIRS, e considerando-se o ganho obtido, no caso sub judice, "no momento da prática dos atos previstos no n.°1", ou seja, na data da partilha do património conjugal;

19. Pelo que a sentença deveria ter interpretado e aplicado o n.º 1, aI. a), nº 3 e n.º 4, todos do art.º 10° do CIRS, neste sentido e ao não fazê-lo violou justamente aquela norma legal e incorreu em erro de julgamento de direito;

20. De facto, aquelas normas deveriam e devem ser interpretadas e aplicadas no sentido de que o facto de o recorrido não ter recebido o valor do preço a que tinha direito, tal circunstância é fiscalmente irrelevante no sentido que, no plano do direito tributário, a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis nestes termos constituem um ganho, que se considera realizado na data dessa alienação, independentemente do destino que o seu titular dê a esse ganho, designadamente dele prescindindo;

21. No acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 2015-06-25, no proc.º 341/14, pode ler-se: "Conclui-se, portanto, que a sentença recorrida, ao julgar ilegal a liquidação impugnada, com fundamento em que, estando provado que a impugnante não recebeu os valores entregues a título de pagamento do preço do imóvel, então também não terá obtido qualquer ganho resultante de tal alienação, enferma do erro de julgamento de direito que a recorrente Fazenda Pública lhe imputa, por violação do disposto na aI. a) do nº 1 e no n.º 4 do art. 10° do CIRS (redacção à data). Carecendo, nessa medida, de ser revogada."

22. O Supremo Tribunal Administrativo, no seu acórdão proferido em 2016-09-21, no proc.º 0582/15, entendeu que: "(...) os Recorrentes incorrem num equívoco quanto à natureza do ganho sujeito a tributação. Como ficou dito em anterior acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, que seguiremos de perto (...) há efectivamente um ganho, que constitui mais-valia, e que se materializa na diferença entre o valor por que os prédios foram adquiridos pelo Recorrente e o valor por que saíram do património dele por via da dação em cumprimento. Tenha-se presente que «a mais-valia é um ganho que se materializa na diferença entre o valor por que um activo entrou no património individual e o valor por que dele saiu por força de um acto de disposição ou outro facto que, segundo a lei, constitua a realização de mais-valia» (Cfr. JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, IRS Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág. 431, que, igualmente, depois de referir que esta «formulação geral necessita, contudo, de alguma particularização e desta se ocupa o citado n.º 4 do artigo 10.º», bem como «tem de ser complementada por uma definição rigorosa do que seja valor de realização e valor de aquisição», salienta que «a diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, sem mais qualificações é o que define o ganho sujeito a imposto para as mais-valias prediais, resultantes de alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis» (sublinhado nosso).).” (...) É inequívoco, para efeitos de tributação em IRS, que se considera mais-valia sujeita a imposto a diferença positiva entre o valor de transmissão e o valor de aquisição resultante da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis [art. 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS]. (…) A vantagem patrimonial em causa refere-se, exclusivamente, à diferença entre os valores de realização e de aquisição, sendo totalmente irrelevantes, para efeitos da incidência do IRS, outras circunstâncias da alienação onerosa dos imóveis, designadamente o destino ou finalidade dada ao valor de realização. (...)."

23. Sendo certo que as situações em análise nos referidos acórdãos não são idênticas à do caso sub judice, também é certo que a análise conceptual à norma se mostra perfeitamente aplicável ao caso em análise;

24. Nestes termos, será de concluir que a liquidação adicional de IRS de 2010, efetuada aos impugnantes, ora recorridos, não enferma de qualquer ilegalidade, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica;

Pediu fosse dado provimento ao presente recurso e fosse, em consequência, revogada a sentença recorrida e substituída por douto acórdão que conclua pela legalidade da liquidação impugnada, mantendo a mesma.

Os Recorridos apresentaram contra-alegações que sintetizaram com a formulação das seguintes conclusões:

1. A douta sentença, da qual a Fazenda Pública interpôs recurso, não merece qualquer censura como se demonstrará.

2. Em 22/07/2010, foi decretado o divórcio e a partilha conjugal entre o Impugnante marido e C………..

3. Na partilha do património conjugal foi identificado como único bem a partilhar o prédio urbano sito na Rua ………., nº .., da freguesia da ………, destinado a habitação, descrito sob o nº 7600 na Conservatória do Registo Predial de Pampilhosa da Serra e inscrito na matriz sob o artigo 2842, com o valor patrimonial de €151.143,00 e valor atribuído de €151.143,00.

4. O prédio referido no ponto anterior foi adjudicado a C…….., tendo o Impugnante direito a receber tornas.

5. O Impugnante marido não recebeu de C………., o valor de €75.571,50 a título de tornas.

6. Pelo Serviço de Finanças de Pampilhosa da Serra, foi dirigido ao Impugnante o ofício nº 535, com data de 2011-11-14, "para no prazo de 15 dias a contar da notificação...apresentar a declaração de substituição de IRS do ano de 2010, sob pena de procedimento contra-ordenacional e fixação de rendimento por iniciativa da DGCI, ao abrigo da alínea b) do nº2 do artigo 65° do Código do IRS. Outros rendimentos do ano: Por Processo de Partilha nº344 de 2010 exarado no Cartório Notarial de Pampilhosa da Serra, alienou, pelo valor de 75571,50€, a sua parte no património do casal dissolvido" - ofício de fls 26 do PA, que se dá por integralmente reproduzido.

7. Em 16/01/2012 foi emitida em nome dos Impugnantes Nota de liquidação de IRS relativa ao ano de 2010, na qual se apurou o valor a pagar de €8.632, 12.

8. Em 20/01/2012, foi emitido ofício com vista a dar conhecimento aos Impugnantes da liquidação de IRS do ano de 2010, no montante de €8,422,38 e de juros compensatórios no valor de €205,82, com o acréscimo de estorno de reembolso indevido de €209,56 e de juros compensatórios no montante de €3,92, perfazendo tal liquidação o montante global de €8.841,68, com data limite de pagamento de 29/02/2012, a qual teve por base a declaração referida no ponto 8 e como valor de realização de mais-valias o montante de €75.571,50

9. Os factos dados como provados pelo Tribunal, basearam-se nos depoimentos prestados por C……….. e D………., cujo Tribunal valorou como credíveis e conhecedores da realidade dos mesmos

10. A testemunha C…….. (ex-mulher do Impugnante marido) afirmou perentoriamente que não pagou qualquer quantia a este em resultado da partilha do prédio em causa nos presentes autos, "em virtude de se tratar da morada da família e de terem acordado que o bem ficaria para a filha de ambos no futuro", aliás à semelhança do que acontece em muitas partilhas de casais dissolvidos, em que convencionam e acordam que os bens fiquem para os filhos de ambos, referindo que nenhum dos dois teria recursos para entregar qualquer quantia a título de tornas pela partilha do prédio em causa nos autos, reafirmando que não pagou qualquer quantia ao ex-cônjuge.

11. A testemunha D………, referiu que conhece o dissolvido casal há mais de 25 anos, sendo que exerce as funções de contabilista do impugnante desde 2010, afirmando que na primeira declaração de rendimentos entregue pelo Impugnante, não foi introduzido o anexo G, pelo facto de não ter havido pagamento de tornas e que esse anexo só foi apresentado na declaração de substituição, após ofício das Finanças nesse sentido.

12. Que preencheu a declaração de substituição porquanto o Chefe do Serviço Local de Finanças insistiu pelo respetivo preenchimento, justificando que acatou as instruções das Finanças, pela necessidade de manter boas relações com os Serviços de Finanças, com quem tem de trabalhar diariamente, fruto da sua atividade profissional e que só o fez porque as Finanças chegaram a ameaçar com penhora no ordenado do ora impugnante, caso não fosse preenchida nova declaração com o valor de aquisição reportada à data da inscrição na matriz.

13. A douta sentença considera que o documento particular simples não menciona o valor recebido, não lhe podendo ser atribuído qualquer valor probatório nessa parte, devendo dar-se como provado, atendendo e recorrendo à prova testemunhal que se afigura credível, que o Impugnante marido não recebeu a título de tornas o valor de €75.571,50.

14. A sentença, ao dar como provado que o Impugnante marido não recebeu a título de tornas o valor supra referido de €75.571,50, considera que não existiu qualquer incremente patrimonial na esfera patrimonial do Impugnante marido, para efeito de tributação de mais-valias, concluindo pela não existência de facto tributário.

15. Não existindo tornas, dando-se como provado que o Impugnante Marido as não recebeu, não pode haver lugar à tributação

16. Só podem ser tributadas as mais-valias realizadas, sendo a mais-valia "a diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição"

17. Não tendo sido provado que o pagamento de tornas por parte da ex-cônjuge C……… ao aqui Impugnante A……… ocorreu, e que este foi no valor de €75.571,50, a liquidação em causa carece de facto tributário, o que determina a respetiva anulação, como a douta sentença o refere expressamente.

18. A própria Fazenda Pública, nas suas alegações, numa tentativa de justificar a liquidação, refere exemplos de situações que em nada são comparáveis ao caso concreto admitindo inclusive essa não semelhança.

19. A Autoridade Tributária, pretende que os contribuintes em apreço, efetuem o pagamento de um Imposto, que não é devido, já que não existiu qualquer recebimento de qualquer quantia a título de tornas, por parte do Impugnante marido.

20. A própria Autoridade Tributária reconhece que o Impugnante marido não recebeu qualquer quantia a título de tornas.

21. Se não existiram tornas, não há qualquer ganho a título de Mais-valias.

22. Se assim não fosse, o contribuinte teria de suportar um imposto por uma Mais-Valia que não recebeu, ficando numa situação deveras caricata e ingrata.

23. Situação de uma total injustiça e poder-se-ia falar inclusive num caso flagrante de enriquecimento sem causa por parte da Autoridade Tributária, já que estaria a cobrar um imposto partindo do pressuposto de uma mais-valia ou incremento patrimonial inexistente

24. Existindo assim uma errónea qualificação dos rendimentos e valores patrimoniais na liquidação adicional de 2010, que deverá ser anulada.

25. Devendo manter-se a sentença recorrida, considerando que a liquidação em causa carece de facto tributário, o que determina a sua anulação, julgando procedente e provada a impugnação judicial.

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que deve dar-se provimento ao recurso e deve ser revogada a sentença recorrida, mais se devendo ordenar a baixa dos autos a fim de serem apreciadas as demais questões suscitadas pelo impugnante.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



2. Das questões a decidir

A única questão a decidir é a de saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao concluir que a liquidação impugnada carece de facto tributário.



3. Dos fundamentos de facto

Na douta sentença recorrida foram julgados provados os seguintes factos: (...)

1. Em 22/7/2010, foi decretado o divórcio e a partilha do património conjugal entre o Impugnante e C………..

(cfr. Partilha do património conjugal, doc. a fls. 9 e segs. do PA);

2. Na partilha do património conjugal foi identificado como único bem a partilhar o prédio urbano sito na Rua ………., n.º …, da freguesia da ……….., destinado a habitação, descrito sob o nº 7600 na Conservatória do Registo Predial de Pampilhosa da Serra e inscrito na matriz sob o artigo 2842, com o valor patrimonial de €151.143,00 e valor atribuído de €151.143,00.

(cfr. Partilha do património conjugal, doc. a fls. 9 e segs. do PA);

3. O prédio referido no ponto anterior foi adjudicado a C……….., tendo o Impugnante direito a receber tornas no valor de €75.571,50.

(cfr. Partilha do património conjugal, doc. a fls. 9 e segs. do PA);

4. Em 1/7/2010, foi celebrado entre o Impugnante e C……… acordo de partilha do património, o qual se encontra assinado por ambos sem reconhecimento das respetivas assinaturas, nos seguintes termos:

«(...)

PRIMEIRA
(…)

- À Outorgante mulher, C…………, é adjudicada a verba única, correspondente ao prédio urbano, artigo 2842 da freguesia da ………..
SEGUNDA
- O Outorgante marido, A………., declara tornas recebidas.

(…)».

(cfr. Acordo de partilha do património a fls. 13 do PA);

5. O Impugnante não recebeu de C…….. o valor de €75.571,50 a título de tornas referido nos pontos anteriores.

6. Em 5/7/1997 foi emitido ofício destinado a dar conhecimento ao Impugnante da fixação do valor patrimonial do prédio a que os autos se reportam no montante de 5.400.000$.

(cfr. Oficio a fls. 23 do PA e Declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz a fls. 21 e segs. do PA);

7. Em 2006, o prédio referido nos pontos anteriores foi objeto de avaliação em sede de IMI tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial atual de €151.143,00 e o valor patrimonial tributário de €145.680,00.

(cfr. Caderneta predial urbana a fIs. 14 e segs. do PA);

8. Pelo Serviço de Finanças de Pampilhosa da Serra foi dirigido ao Impugnante o ofício n.º 535, com data de 2011-11-14, «(...) para, no prazo de 15 dias a contar da data de notificação - (...) — apresentar a declaração de substituição de IRS do ano de 2010, sob pena de procedimento contra-ordenacional e fixação de rendimentos por iniciativa da DGCI, ao abrigo da alínea b) do n° 2 do art° 65º do Código do IRS. (...) Outros rendimentos do ano: Por Processo de Partilha n° 344 de 2010, exarado no Cartório Notarial de Pampilhosa da Serra, alienou, pelo valor de 75 571,50€, a sua parte no património do casal dissolvido.» - ofício de fls. 26 do PA, que se dá por integralmente reproduzido.

9. Em 30/12/2011, os Impugnantes submeteram a Declaração de substituição de IRS Modelo 3 relativa a 2010 fazendo constar, no respetivo anexo G relativo a Mais-valias, o valor de realização de €75.571,50, no ano de 2010, e o valor de aquisição de €13.467,55, no ano de 1996.

(cfr. fls. 28 do PA e Declaração Modelo 3 de IRS, a fls. 29 e segs. do PA);

10. Em 16/1/2012, foi emitida em nome dos Impugnantes a nota de liquidação de IRS relativa ao ano de 2010, na qual se apurou o valor a pagar de €8.632,12.

(cfr. Liquidação a fls. 17 do PA);

11. Em 20/1/2012, foi emitido ofício com vista a dar conhecimento aos Impugnantes da liquidação de IRS do ano de 2010 no montante de €8.422,38 e de juros compensatórios no valor de €205,82, com o acréscimo de estorno de reembolso indevido de €209,56 e de juros compensatórios no montante de €3,92, perfazendo tal liquidação o montante global de €8.841,68, com data limite de pagamento de 29/2/2012, a qual teve por base a declaração referida no ponto 8 e como valor de realização de mais-valias o montante de €75.571,50.

(cfr. Demonstração de acerto de contas a fIs. 16 do PA e admitido por acordo);



4. Dos fundamentos de Direito

4.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que, concluindo pela inexistência de qualquer incremento na esfera patrimonial do sujeito passivo quando este prescinde das tornas devidas pela partilha do imóvel do dissolvido casamento e sua adjudicação ao outro ex-cônjuge, julgou ilegal a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares que resultou do apuramento das mais-valias devidas pela «alienação onerosa» desse imóvel.

Com o assim decidido não se conforma a Recorrente, por entender que o tribunal de primeira instância fez errada interpretação do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares [doravante identificado pela abreviatura “CIRS”] – ver a terceira conclusão do recurso. E fez errada interpretação deste dispositivo legal porque, no seu entendimento, a partilha do património conjugal em caso de divórcio, de que derive a adjudicação a um dos ex-cônjuges do imóvel que fez parte do património do casal constitui «alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis» para efeitos da alínea a) do n.º 1 deste artigo 10.º - ver a décima oitava conclusão do recurso.

Para chegar a tal conclusão, a Recorrente desenvolve o seguinte raciocínio silogístico: premissa maior – deriva dos artigos 45.º e 46.º do CIRS que o conceito de transmissão de bens sujeitos a tributação em sede de mais-valias coincide com o que é utilizado para efeitos de IMT (nas transmissões onerosas); premissa menor – deriva da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis [doravante sob a abreviatura “CIMT”] que o ato de divisão ou partilhas de que derive excesso da quota-parte para o adjudicante e o direito a tornas para o outro constitui transmissão a título oneroso para efeitos de IMT; conclusão – deriva da conjugação destes dispositivos que o ato de divisão ou partilhas de que derive excesso da quota-parte para o adjudicante e o direito a tornas para o outro constitui «alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis» para efeitos da alínea a) do n.º 1 deste artigo 10.º.

Entendemos porém, ressalvando sempre o respeito devido por posição diversa, que o raciocínio da Recorrente assenta em premissas erradas.

Quanto à premissa maior: dos artigos 45.º e 46.º do CIRS não pode deduzir-se que o conceito de «alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis» a que alude a alínea a) do n.º 1 do seu artigo 10.º coincide com o conceito de «transmiss[ão], a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito», do artigo 2.º do CIMT, porque aqueles artigos 45.º e 46.º não servem para a determinação do elemento material do facto tributário, mas para a determinação do seu elemento quantitativo.

Ou seja, os dispositivos que a Recorrente invoca na quarta conclusão do seu recurso não concorrem para a determinação do fenómeno de natureza económica que o artigo 10.º do CIRS sujeita a tributação: pressupõem que essa determinação está adrede efetuada. A sua função é apenas a fornecer os critérios jurídicos a que deve obedecer a medição da realidade tributável.

A nosso ver, ao aludir, na alínea a) do n.º 1 deste artigo 10.º, à «alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis» sem qualquer outra especificação, o legislador está servir-se de um termo próprio do direito civil. E deriva do artigo 11.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária que, sempre que no CIRS sejam empregues termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados com o sentido que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da própria lei que o emprega.

E deve sublinhar-se que, se o legislador pretendesse mesmo incluir no conceito de «alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis» da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º a partilha desses bens não poderia prescindir-se de o fazer, logo ali. Porque a questão da natureza jurídica da partilha é muito controversa na doutrina, mas tem prevalecido o entendimento de que, ao menos a partilha hereditária, «tem um caráter marcadamente declarativo, limitando-se a determinar ou a materializar os bens que compõem o quinhão hereditário» e não «um caráter constitutivo ou translativo, pois a aquisição hereditária não decorre de recíprocas alienações e aquisições entre os co-partilhantes» [Cit. Rabindranath Capelo de Sousa, in «Lições de Direito das Sucessões», Volume II, 2.ª edição 1990, págs. 358 a 359; sobre a natureza declarativa da partilha hereditária na jurisdição comum ver, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de fevereiro de 2014, no processo n.º 9088/05.7TBMTS.P1.S1; na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, pode ver-se o acórdão de 7 de março de 2018, no processo n.º 917/17].

E não deve olvidar-se que, nos termos da lei civil, o divórcio tem os mesmos efeitos jurídicos da dissolução por morte, salvas as exceções consagradas na lei – artigo 1788.º do Código Civil.

Mas se quisermos assegurar-nos de que no conceito de «alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis» da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º não vai incluído, por princípio, o fenómeno de natureza económica que vulgarmente se designa por «partilha», bastará atentar na alínea seguinte, onde precisamente o legislador sentiu necessidade de estender o conceito de alienação onerosa de valores mobiliários de forma a incluir aí – expressamente – o valor atribuído em resultado da partilha correspondente.

Quanto à premissa menor: ao contrário do que alega a Recorrente, também não deriva da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT que o ato de divisão ou partilhas de que derive excesso da quota-parte para o adjudicante e o direito a tornas para o outro constitui transmissão a título oneroso para efeitos daquele imposto.

O que deriva daquele dispositivo legal é apenas que, havendo excesso da quota-parte para um dos sujeitos da partilha (fenómeno em que o legislador se enquista precisamente para desconsiderar a natureza do ato de partilha) esse excesso também fica sujeito a IMT, abstraindo da questão de saber se a operação em que se insere tem natureza translativa ou onerosa.

A alínea c) do n.º 2 daquele artigo 5.º alberga, por isso, situações em que, por vontade expressa do legislador, se entendeu estender o âmbito de incidência de IMT ao efeito que uma operação da partilha gera na esfera patrimonial de um dos seus sujeitos. Abstraindo da natureza da partilha, em vez de a definir.

E em lado nenhum se diz ali que, simetricamente, a quota-parte a que o outro teria direito em ato de divisão ou partilhas deva ser tratado como alienação onerosa. Para efeito nenhum. Essa é uma extrapolação da exclusiva responsabilidade da Recorrente, que pretende fazer refletir, a partir do lado inverso ao do fenómeno considerado numa norma manifestamente excecional de um imposto, uma norma de incidência geral noutro imposto.

E a verdade é que não poderia fazer-se uma tal extrapolação. Se mais não fosse porque, se o ingresso de um imóvel no património do adjudicante revela capacidade contributiva em impostos sobre o património independentemente das tornas que tenha a pagar ao outro, o inverso já não é verdadeiro: abrir mão de um imóvel ou do direito a uma parte dele sem nenhum correspectivo patrimonial não revela nenhuma capacidade contributiva de quem aliena. Nem em impostos sobre o património nem em impostos sobre o rendimento.

De qualquer modo, e mesmo que fosse de entender que a alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT contém um conceito alargado de transmissão onerosa por forma a nele incluir genericamente a operação da partilha (no que não se concede) e se pudesse extrapolar do dispositivo em causa um conceito de transmissão onerosa que pudesse migrar acriticamente para impostos sobre o rendimento (no que também não se concede), então o que havia a dizer era que que o ato de partilha com excesso da quota-parte só era havido como transmissão onerosa se não resultasse de dissolução do casamento em regime de comunhão de bens ou de adquiridos.

Porque é o que deriva do n.º 6 do mesmo dispositivo legal.

Ou seja, a própria norma onde a Recorrente pretende surpreender uma incidência geral com vocação sistémica (e, por isso, transponível até para impostos de outra natureza) exceciona do seu âmbito as situações sobre as quais pretende fazer incidir nos presentes autos.

A este respeito, o que defende a Recorrente é que só é excluído da tributação o que se encontrava a priori sujeito. Mas, não é assim. As situações de não sujeição não se confundem com as de isenção (que, em IMT, são consagradas noutros dipositivos). As situações de não sujeição são aquelas sobre as quais o legislador entende a priori não deverem estar sujeitas a tributação.

Como é óbvio, se nenhuma das premissas é válida juridicamente, também não pode validar-se juridicamente a conclusão que nelas se apoia.

4.2. Na décima conclusão e seguintes do seu recurso, a Recorrente acrescenta alguns argumentos com os quais pretende reforçar a conclusão principal e que, apesar de não sustentarem por si só o ato impugnado, merecem ser autonomamente analisados.

O primeiro tem a ver com o próprio conceito de «rendimento-acréscimo» para efeitos de mais-valias. Entende a Recorrente, a este propósito, que «se consideram mais-valias quaisquer rendimentos acrescidos ao património do contribuinte, designadamente por via da transmissão onerosa de bens imóveis».

Na verdade não é assim. As mais-valias não são uma categoria residual de incrementos patrimoniais onde caem todos os acréscimos patrimoniais, nem sequer todos os acréscimos patrimoniais que tenham caráter fortuito. Pode até dizer-se que no conceito tributário de mais-valias só cabem as mais-valias típicas, isto é, as que são como tal definidas no artigo 10.º do CIRS. É o que resulta da alínea a) do n.º 1 do seu artigo 9.º.

O caráter residual é atribuído à categoria G de rendimentos, no qual se inserem as mais-valias. Dele deriva apenas que as mais-valias típicas (as que são tipificadas no artigo 10.º) só integram rendimentos dessa categoria se não couberem nos rendimentos de outras categorias.

Assim, também não se consideram mais-valias imobiliárias todos os ganhos decorrentes de operações que envolvam bens imóveis. Apenas os das operações sobre bens imóveis que caibam na definição do artigo 10.º e que não caibam noutras categorias.

Por isso referia o saudoso Prof. Saldanha Sanches que, «[a]o contrário do que se passa com os rendimentos de trabalho ou com os rendimentos de capital, em que o princípio é o da tributação de qualquer ganho proveniente de um certo facto, nas mais-valias temos um regime casuístico e sem um princípio ordenador» (in «Manual de Direito Fiscal», Coimbra Editora, 3.ª edição 2007, pág. 316).

O segundo, tem a ver com o conceito de «valor de realização». O Recorrente considera mais-valia realizada a que resulte de operação que confira o direito ao seu recebimento, «ainda que este [o titular do direito] não receba qualquer valor pecuniário». E, por isso, considera irrelevante, para os efeitos da tributação, que o Recorrido não tivesse recebido qualquer quantia a título de tornas.

Deve começar por observar-se que a falta de recebimento do valor do ganho não é irrelevante para efeitos da tributação em mais-valias. Porque uma das razões que levou o legislador a não tributar as mais-valias latentes foi precisamente as dificuldades de liquidez que, potencialmente, traria aos contribuintes.

De qualquer modo, entende-se que só se pode falar na realização de um ganho quando este é efetivamente convencionado, isto é, quando os intervenientes estabelecem uma contrapartida pela adjudicação do imóvel a um deles.

Ora, quem prescinde das tornas na própria operação da partilha não está a abrir mão do ganho obtido nessa operação, mas a renunciar ao próprio direito de ganhar com ela, isto é, prescindir do direito respectivo, a exercer no ato da partilha. Aliás, quem declara recebido o que, conscientemente, não recebeu efectivamente só pode estar a alhear-se do direito a receber.

Quando o interveniente na partilha prescinde do próprio direito às tornas, e não apenas do direito a receber o montante correspondente, não há, por isso, nenhum ingresso patrimonial. Não há – sublinhe-se – nenhuma realização patrimonial, nenhum valor a receber ou que tenha sido colocado à sua disposição.

De resto, na partilha dos bens do dissolvido casamento não está subjacente, em regra, nenhum ato de gestão patrimonial, traduzido no aproveitamento da valorização dos bens comuns. Resulta, na maioria dos casos, da necessidade de reorganização da vida pessoal dos ex-cônjuges e – quando esteja em causa a casa de morada de família – pode resultar da necessidade de assegurar a estabilidade do núcleo familiar e minorar o impacto do próprio divórcio para os filhos do casal. Há muitas situações em que se prescinde das tornas para viabilizar a própria partilha (ou até o próprio divórcio), porque o ex-cônjuge que fica com o imóvel nem sequer tem com que o pagar.

Na vigésima primeira e vigésima segunda conclusões, a Recorrente faz alusão a dois acórdãos deste tribunal que, no seu entendimento, aproveitam ao recurso: os acórdãos de 25 de Junho de 2015 (no processo n.º 341/14) e de 21 de Setembro de 2016 (no processo n.º 0582/15).

Importa contrapor que esses arestos trataram de situações muito diversas daquela que aqui analisamos: no primeiro, o dissolvido casal decide alienar o imóvel aos pais de um dos ex-cônjuges, que decide prescindir do recebimento do preço que lhe cabia; no segundo, o dissolvido casal entrega o imóvel ao banco credor em operação de dação em pagamento. Em nenhum dos casos estamos perante uma operação de partilha mas de uma operação na sequência da partilha.

Uma nota final para dizer que as práticas que possam constituir a evasão fiscal mediante acordos simulatórios entre os ex-cônjuges devem ser prevenidas pelo próprio legislador em disposições específicas e proporcionadas à finalidade respectiva, que não passam (ou não devem passar) pelo alargamento indiscriminado da incidência mas por instrumentos que permitam separar essas situações daquelas em que nem sequer há rendimentos a tributar.

De todo o exposto decorre que o recurso não merece provimento e que a douta sentença recorrida merece ser confirmada.



5. Conclusão

A operação da partilha do património conjugal em caso de divórcio, que se traduza na adjudicação a um dos ex-cônjuges do imóvel e na renúncia do outro ex-cônjuge ao direito a receber as tornas, não constitui «alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis» para efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.



6. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

D.n.

Lisboa, 12 de fevereiro de 2020. – Nuno Bastos (relator) – Francisco Rothes – José Manuel Carvalho Neves Leitão (voto vencido, nos termos de declaração anexa)

Processo nº: 360/12.0BECBR

449/18

Voto de vencido

1.Votei no sentido do provimento do recurso interposto pela Fazenda Pública, pelos fundamentos expressos na apreciação jurídica do projecto de acórdão apresentado na qualidade de originário relator (documento anexo)

2. Discordamos da fundamentação e sentido da decisão constantes do acórdão vencedor pelos motivos que enunciamos:

No caso concreto as tornas devidas ao ex-cônjuge credor no montante de € 75 571,50 representam a contrapartida pecuniária da transmissão da sua quota- parte do direito de propriedade sobre o imóvel transmitido ao outro ex-cônjuge (factos provados nºs 3/5);

Contrariamente ao entendimento do acórdão vencedor, não tem sentido a adopção do conceito de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis como termo próprio do direito civil porque:

- nenhum conceito normativo com esta formulação existe no Código Civil;

- ainda que tal conceito existisse não deveria ser convocado, por desnecessário, perante a existência de um conceito próprio do mesmo ramo do direito (Direito Fiscal) constante do CIMT, onde expressamente se consigna que a sujeição a IMT do excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em caso de partilha, é consequência de a adjudicação ao partilhante beneficiário integrar o conceito de transmissão a título oneroso do direito de propriedade sobre bens imóveis (art. 2º nºs 1 e 5º al.c) CIMT)

- sem conceder, não deve ignorar-se que a própria sentença recorrida considerou que os partilhantes tinham celebrado um negócio a título oneroso, convocando jurisprudência consolidada do STJ segundo a qual:

(…) a partilha é um acto de divisão modificativo de direitos em que se opera uma transformação de que resulta a cedência por cada um dos condividentes, de um direito indiviso sobre uma totalidade que têm em relação aos bens em geral, em troca do direito exclusivo sobre uma parte daqueles que lhe são assinados, correspondendo à saída de um direito a entrada de um outro, na esfera de todos os participantes, devendo, portanto, ser considerada com um acto a título oneroso. De todo o modo, tendo havido declaração formal de obrigatoriedade do pagamento de tornas pelo excesso recebido (…)independentemente da sua efectividade, a respectiva partilha de bens do casal constitui um inequívoco negócio oneroso (acórdão STJ 9.02.2012 processo 2233/07.0)

(…)Havendo tornas, a partilha de bens do casal constitui um acto oneroso (acórdão STJ 21.04.2005 processo 05B725);

no caso concreto o ex-cônjuge credor não renunciou ou prescindiu do direito a tornas, nem no acordo de partilha do património celebrado em 1.07.2010 nem no documento de partilha do património conjugal subscrito na sequência do divórcio decretado em 22.07.2010 (factos provados nºs 1/4); apenas ficou provado que não recebeu a título de tornas o valor acordado de € 75 571,50, e não que não tenha recebido qualquer quantia. (como resulta da fundamentação da matéria de facto, onde se afirma que o documento particular subscrito constitui prova do facto que lhe é desfavorável, mas não do quantitativo recebido – art. 376º nº 2 Código Civil);

a exclusão de tributação em IMT do excesso da quota-parte do ex-cônjuge adquirente do imóvel não pode constituir fundamento para simétrica exclusão da tributação em IRS das mais-valias obtidas pelo ex-cônjuge transmitente do seu direito à quota-parte do imóvel, a tal se opondo o princípio da tipicidade das normas de incidência fiscal (art.2º nº 6 CIMT);

a norma de exclusão citada apenas declara que o excesso da quota-parte não está sujeito a tributação em IMT; deixa intocada a sua relevância como resultado da transmissão onerosa do direito de propriedade sobre bem imóvel, só assim se justificando que, no caso de dissolução do casamento celebrado segundo o regime de separação de bens, aquele excesso esteja sujeito a tributação (art.2º nº 6 último segmento CIMT);

se o legislador pretendesse excluir da tributação em IRS a simétrica alienação onerosa do direito à quota-parte pelo ex-cônjuge alienante teria consagrado a exclusão em disposição paralela do CIRS; tal exclusão de tributação não existe porque a situação do ex-cônjuge credor de tornas é distinta da situação do ex-cônjuge adquirente do imóvel, só em relação a este relevando a intenção do legislador em proteger a estabilidade do núcleo familiar na anterior casa de morada de família e evitar que o ex-cônjuge ao qual ela é adjudicada na partilha esteja sujeito a tributação pela aquisição do imóvel onde habitava e do qual já era co-proprietário;

no caso concreto não é tributada uma mais-valia latente, hipoteticamente resultante de uma expectativa de obtenção de tornas; antes uma mais-valia realizada, consubstanciada na diferença positiva entre o valor da aquisição e o valor da transmissão da quota-parte do ex-cônjuge, com expressão quantitativa no montante das tornas devidas e das quais não prescindiu;

a prevenção de evasão fiscal em consequência de acordos simulatórios entre os ex-cônjuges não exige disposições específicas, na medida em que a actual formulação da norma de incidência a tal obsta, ao configurar como momento da verificação do facto tributário o da prática do acto de alienação onerosa, independentemente do efectivo recebimento pelo ex-cônjuge das tornas devidas resultantes da transmissão da sua quota-parte (art.10º nº3 CIRS)

José Manuel de Carvalho Neves Leitão


2.2.2. Apreciação jurídica
2.2.2.1. As mais-valias constituem uma espécie do género mais vasto dos incrementos patrimoniais, integrando os rendimentos da categoria G (art.9º nº1 al.a) CIRS)
Designadamente, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais (categorias B,E e F), resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (art.10º nº1 al. a) CIRS)
Destacam-se como traços fundamentais do regime fiscal das mais-valias prediais os seguintes:
- as mais-valias consideram-se obtidas no momento da alienação dos bens imóveis, a menos que antes tenha ocorrido a tradição ou posse dos imóveis, nos casos de compra e venda ou de troca (art.10º nº 3 corpo e al. a) CIRS); ou seja, o facto tributário gerador da exigência do imposto verifica-se com a prática do acto que realiza a mais-valia, consubstanciado na alienação do imóvel ou operação equiparada;
- o ganho relevante para efeitos de tributação corresponde à diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais (art.10º nº4 al. a) CIRS);
- o valor de realização será, em princípio, o valor da contraprestação prevalecendo, todavia, quando superior, o valor por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT (art.44º nºs 1 al. f) e 2 CIRS);
- o valor de aquisição a título oneroso é o que tiver servido para liquidação de IMT (art.46º nº1 al. a) CIRS)
2.2.2.2. No caso concreto os impugnantes apresentaram declaração de substituição de IRS modelo 3 (ano 2010) indicando no anexo G relativo a mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis como valor de aquisição em 1996 € 13 467,55 e como valor de realização em 2010 € 75 571,50 (factos provados nº 9)
O impugnante credor não recebeu do ex-cônjuge C……….. as tornas devidas em consequência da adjudicação do imóvel que integrava o património conjugal comum (factos provados nº 5)

A perfeição do tipo legal que prevê o facto tributário (ganho obtido no momento da alienação do imóvel, traduzido na diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição) não exige que o ganho seja efectivamente recebido em liquidez (ou em espécie de valor equivalente); sendo suficiente que o acréscimo patrimonial seja posto à disposição do alienante e ingresse como direito de crédito na sua esfera jurídica, independentemente da sua satisfação pelo cumprimento da obrigação pecuniária pelo beneficiário da transmissão.
A instituição do recebimento efectivo das tornas como requisito da exigência do imposto seria estimulante para uma prática generalizada de evasão fiscal mediante acordos simulatórios entre os ex-cônjuges de renúncia a tornas, sem que a administração fiscal pudesse controlar a sua veracidade, perante a ausência de dever de comunicação das partes quanto a qualquer alteração superveniente no sentido do recebimento de tornas anteriormente renunciadas.
(distinguindo entre ganho e recebimento, em caso semelhante de falta de recebimento por um dos cônjuges da sua parte no preço de venda de imóvel, pronunciou-se o acórdão STA-SCT 25.06.2015 processo nº 341/14)

3.DECISÃO
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso;
em consequência:
- revogar a decisão de anulação da liquidação impugnada, com fundamento na inexistência de facto tributário;
- ordenar a devolução do processo ao tribunal recorrido para conhecimento das questões suscitadas na petição de impugnação judicial e prejudicadas pela solução da questão apreciada
Custas pelos recorridos (art.527º nº2 CPC).

José Manuel de Carvalho Neves Leitão – (Juiz Relator