Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0434/12.8BEPRT |
Data do Acordão: | 07/11/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | JOÃO SÉRGIO RIBEIRO |
Descritores: | PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO REPORTE DE PREJUÍZOS PREJUÍZO FISCAL |
Sumário: | I - A questão fundamental a decidir é a de saber se, ao abrigo do princípio da especialização económica dos exercícios, os custos de administração, financeiros e de distribuição diferidos, devem ser imputados aos períodos em que, de facto, foram suportados, a saber, os períodos de 1999 a 2003, e, consequentemente, os prejuízos fiscais que seriam apurados nesses períodos devem ser considerados para efeitos do apuramento da matéria coletável do período de 2004. II - A pretensão de reportar os prejuízos fiscais que seriam apurados nesses períodos e a sua consideração para efeitos do apuramento da matéria coletável do período de 2004, nos termos do disposto no artigo 47.º do CIRC (hoje artigo 52.º do CIRC), depende da correção dos exercícios anteriores, ou seja, da contabilização dos custos diferidos nos períodos em que deveria ter ocorrido. Não podendo haver reporte de prejuízos sem que os custos que supostamente estiveram na sua origem tenham sido contabilizados e as liquidações referentes a esses períodos corrigidas. III - Nega-se provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida. |
Nº Convencional: | JSTA000P32513 |
Nº do Documento: | SA2202407110434/12 |
Recorrente: | A..., SGPS, LDA |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. A..., SGPS, LDA. interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 15/07/2022, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento do recurso hierárquico que interpusera da decisão de deferimento parcial proferida na reclamação graciosa instaurada contra a liquidação de IRC de 2004, no montante inicial de € 80.505,13, reduzido para € 65.505,13 na sequência da decisão da reclamação graciosa, e em consequência, absolveu Fazenda Pública do pedido, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso: «a) A questão decidenda I. A questão decidenda é, no fundo, saber se, ao abrigo do princípio da especialização dos exercícios, os custos de administração, distribuição e financeiros diferidos, devem ser imputados aos períodos em que, de facto, foram suportados, a saber, os períodos de 1999 a 2003, e, consequentemente, os prejuízos fiscais que seriam apurados nesses períodos devem ser considerados para efeitos do apuramento da matéria coletável do período de 2004 aqui em crise, bem como nos períodos seguintes, nos termos do disposto no artigo 52º do Código do IRC; II. O Tribunal a quo considerou que a atuação da AT não violou os princípios da justiça, da proporcionalidade e da verdade material e, consequentemente, concluiu pela improcedência da impugnação judicial aqui subjacente; b) O Direito III. O Tribunal a quo entendeu que, quanto aos custos administrativos, financeiros e de distribuição indevidamente diferidos pelas sociedades subsidiárias da A... SGPS, nos períodos de 1999 a 2003, não havia que proceder ao ajustamento correlativo, porque, além do mais, a AT, no período de 2004 objeto da inspeção tributária aqui em crise, não desconsiderou qualquer custo que devesse ser contabilizado em períodos anteriores; IV. O Tribunal a quo não retirou as devidas consequências da existência dos custos suportados e diferidos pelas sociedades subsidiárias da A... SGPS, nos períodos de 1999 a 2003, e da sua não contabilização nos períodos em que tal deveria ter ocorrido; V. A AT reconheceu a existência dos “custos do período” suportados pelas sociedades subsidiárias da A... SGPS, nos períodos de 1999 a 2003, e o seu diferimento; VI. A AT admitiu que é possível identificar o montante das entradas e das saídas de custos da rubrica Custos Diferidos, entre 1999 e 2003, e admitiu existir a possibilidade de esses “custos do período” serem refletidos nos períodos em que foram suportados; VII. A possibilidade de os “custos do período” serem refletidos nos períodos em que foram suportados dependeria, no entendimento da AT, da realização de uma ação de inspeção tributária para o efeito, de modo a confirmar a legitimidade do reconhecimento dos custos em causa; VIII. A AT também não rejeitou o fundamento invocado pela Recorrente que está na base da possível regularização aqui em causa, apenas rejeitou a posição da A... SGPS com fundamento na impossibilidade de conhecer e rever oficiosamente os custos em apreço nos períodos correspondentes, alegando que a inspeção tributária aqui em causa e o procedimento de reclamação graciosa não são os meios adequados para o efeito; IX. Perante esta verificação, a AT estava, de acordo com o princípio da justiça e da verdade material (artigo 266º, n.º 2, da CRP e no artigo 55º da LGT, obrigada a repor toda a verdade sobre a determinação da matéria coletável da A... SGPS, e não apenas a corrigir a parte em que tal verdade lhe era favorável; X. O Tribunal a quo ter considerado, em primeiro lugar, que, entre 1999 e 2003, as sociedades subsidiárias da Recorrente suportaram custos que não foram tidos em conta no apuramento do lucro tributável / prejuízo fiscal desses períodos; XI. Em segundo lugar, o Tribunal a quo deveria ter considerado que esse facto foi confirmado pela AT em sede de inspeção tributária, e reconfirmado na decisão sobre a reclamação graciosa, na decisão sobre o recurso hierárquico e em sede de contestação; XII. Em terceiro lugar, o Tribunal a quo deveria ter considerado que os prejuízos fiscais que resultam do ajustamento correlativo dos períodos em causa são reportáveis nos seis períodos seguintes, tal como dispõe o artigo 52º do Código do IRC, com a redação à época dos factos; XIII. Em consequência, o Tribunal a quo deveria ter considerado que a AT violou o dever legal de proceder às necessárias correções a favor do sujeito passivo que resultam da verificação de um lapso contabilístico e reveladas no decurso de uma inspeção tributária, em observância do princípio da justiça e da descoberta da verdade material e do princípio da proporcionalidade; XIV. O Tribunal a quo deveria ter considerado ainda que, em face de tal verificação, a AT tinha o dever legal de, em termos práticos e concretos, refletir os custos efetivamente suportados nos períodos em que os mesmos deveriam ser imputados, ou, em caso de manifesta dificuldade, abster-se de o fazer; XV. A sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto a este aspeto, uma vez que não interpretou devidamente a questão do reconhecimento, por parte da AT, da existência dos custos diferidos e, por conseguinte, não retirou daí as devidas consequências; XVI. O fundamento de base da decisão recorrida parece ser de uma quase “punição” da Recorrente; XVII. O Tribunal a quo concluiu que “não se mostra violado o princípio da justiça, da proporcionalidade ou qualquer outro princípio constitucional” porque a Recorrente teve “intenção deliberada de proceder à transferência de custos, a fim de apresentar um resultado líquido favorável, tendo sido opção da impugnante a capitalização de custos”; XVIII. O Tribunal a quo, não atendeu à base e à essência do princípio da justiça, da verdade material e da proporcionalidade, concluindo, como concluiu, que o ajustamento correlativo ou a abstenção de proceder a correções ao período de 2004 aqui em apreço não deveriam ter lugar pelo facto de ter sido a Recorrente que, deliberadamente, diferiu determinados custos; XIX. O Estado não pode beneficiar do erro do contribuinte (ato injusto), ficando com um benefício superior ao que resultaria da correta contabilização dos custos pelo sujeito passivo (desproporcionalidade); XX. O facto de a Recorrente ter diferido os custos aqui em apreço, para evitar a perda de metade do capital social e para conseguir obter financiamento bancário, não prejudicou o erário público; Teve, aliás, o efeito exatamente contrário, uma vez que o montante de imposto apurado pela A... SGPS, nos períodos de 1999 a 2003, foi superior ao montante de imposto que teria sido apurado caso não tivesse procedido ao diferimento desses custos; XXI. O Tribunal a quo tinha, nesta situação, dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria coletável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a AT deve efetuar mesmo que não lhe traga vantagem e outro é o de evitar que a atividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça; XXII. Entres esses dois valores, nomeadamente, quando a AT não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efetuar a correção, limitando aquele dever de correção por força do princípio da justiça; XXIII. A sentença recorrida padece de erro de julgamento porquanto o Tribunal a quo admite que a A... SGPS possa ser prejudicada pelo seu próprio erro de ter optado pelo diferimento de custos nos períodos de 1999 a 2003 para evitar a perda de metade do capital social a que alude o artigo 35º do Código das Sociedades Comerciais e para apresentar uma situação financeira positiva junto dos Bancos. XXIV. Se porventura a AT chegasse à conclusão de que a correção da matéria coletável nos termos em que deveria ser feita, com base nos custos suportados em cada período, já não era possível, então a AT deveria abster-se de corrigir a matéria coletável do período de 2004 aqui em apreço, sob pena de enriquecimento sem justa causa do Estado (artigos 473º e seguintes do Código Civil ex vi artigo 2º, alínea d) da LGT); XXV. Ao defender solução contrária, o Tribunal a quo tomou uma posição desproporcional e injusta, violadora do princípio da justiça e da proporcionalidade, nos termos do n.º 2 do artigo 266º da CRP e do artigo 55º da LGT, que conduz a um enriquecimento sem causa do Estado; XXVI. A sentença recorrida irá originar um imposto que não é devido e permitirá que o Estado enriqueça à custa da A... SGPS, nos termos previstos no artigo 473º e seguintes do Código Civil (ex vi alínea d) do artigo 2º da LGT); XXVII. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo e, em consequência, a liquidação adicional aqui em apreço deve ser anulada, com todas as consequências legais, porquanto padece do vício de violação de Lei por violação do princípio da justiça (artigo 266º, n.º 2, da CRP e artigo 55º da LGT), do princípio da proporcionalidade (artigo 266º, n.º 2, da CRP e artigo 55º da LGT), e, consequentemente, do princípio da legalidade (artigo 266º, n.º 2, da CRP), sob pena de enriquecimento sem causa para o Estado (artigos 473º e seguintes do Código Civil). Pedido: Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por conseguinte, a sentença recorrida deve ser revogada, por erro de julgamento, com a consequente anulação da liquidação adicional aqui em apreço, porquanto a mesma padece do vício de violação de Lei, por violação do princípio da justiça (artigo 266º, n.º 2, da CRP e artigo 55º da LGT), do princípio da proporcionalidade (artigo 266º, n.º 2, da CRP e artigo 55º da LGT), e, consequentemente, do princípio da legalidade (artigo 266º, n.º 2, da CRP), sob pena de enriquecimento sem causa para o Estado (artigos 473º e seguintes do Código Civil). Pois, só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA! Respeitosamente, Pede e Espera Deferimento.» 1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações. 1.3. Por decisão sumária datada de 05/01/2023, o Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso jurisdicional e competente, para o efeito, a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. 1.4. Remetidos os autos a este Supremo Tribunal, o Digno Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida. 2. Fundamentação 2.1. De facto O Tribunal recorrido fez o seguinte julgamento da matéria de facto: «1. Em 2004, a impugnante era a sociedade dominante de um grupo de sociedades, nos termos do art. 63º do CIRC, do qual faziam parte as sociedades dominadas B... Lda, C... Lda, e D... Lda (facto não impugnado). 2. A sociedade B... foi, individualmente, objecto de uma acção inspectiva, ao abrigo da ordem de serviço nº ...87, relativa aos anos de 2004 e 2005, de onde resultaram correcções à variação de produção, no montante de € 95.337,56, tendo sido elaborado relatório de inspecção de fls. 40 e ss do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 3. No relatório de inspecção referido em 2., lê-se, além do mais: (…) [IMAGEM] (…) 4. A sociedade C... foi individualmente objecto de uma acção inspectiva, ao abrigo da ordem de serviço nº ...90, relativa aos anos de 2004 e 2005, de onde resultaram correcções à variação de produção, no montante de € 136.761,39, tendo sido elaborado relatório de inspecção de fls. 22 e ss do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 5. No relatório de inspecção referido em 4., lê-se, além do mais: “(…) [IMAGEM] 6. Ao abrigo da ordem de serviço nº ...92, foi efectuada inspecção tributária à impugnante, em sede de IRC, tendo como objectivo a verificação, relativamente ao ano de 2004, do cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, previsto nos arts. 63º e 65º do CIRC, por parte do Grupo A... (RIT de fls. 18 e ss do PA) 7. Da acção inspectiva referida em 6., resultaram, além do mais, correcções decorrentes das acções inspectivas externas efectuadas às sociedades C..., ordem de serviço nº ...90 e B... ordem de serviço nº ...87, conforme relatório de inspecção de fls. 18 e ss do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 8. Na sequência da acção inspectiva referida em 6., foi emitida a liquidação nº ...23, datada de 9.2.2009, no valor de € 80.505,13 (doc. nº 3 junto com a p.i.). 9. Contra a liquidação referida em 8., a impugnante deduziu reclamação graciosa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, insurgindo-se contra o valor das correcções à variação da produção, bem como contra o facto de a AT não ter efectuada a correcção dos chamados custos do período (custos de administração, distribuição e financeiros), os quais, em vez de terem sido capitalizados, deviam ter contribuído para a formação do lucro tributável, nos anos em que foram suportados – 1999 a 2003 - e, em consequência, os prejuízos fiscais que daí decorressem deviam poder ser deduzidos em 2004 (reclamação graciosa apensa ao PA). 10. Mais referiu a impugnante, na reclamação graciosa apresentada, que a imputação de custos diferidos aos resultados dos anos anteriores a 2004 visou evitar o enquadramento numa situação de perda de metade do capital, nos termos previstos no art. 35º do CSC, bem como garantir a estabilidade dos rácios económico-financeiros tidos em conta pela banca aquando da concessão de créditos (art. 57º da petição inicial de fls. 1 a 20 da reclamação graciosa apensa) 11. A reclamação graciosa foi parcialmente deferida, tendo-se ali decidido que: quanto à sociedade C..., ao incremento da variação de produção para o período de 2004, no montante de 136.761,39, deve ser deduzida a quota parte respeitante às fracções alienadas até 2004, no montante de € 38.556,13 (sendo que a impugnante havia requerido a redução de € 59.430,75); quanto à sociedade B..., ao incremento da variação de produção para o período de 2004, no montante de € 95.337,56, deve ser deduzida a quota parte respeitante às fracções alienadas até 2004, no montante de € 9.791,67 (sendo que a impugnante havia requerido a redução de € 21.419,92) (cfr. reclamação graciosa apensa, projecto de decisão de fls. 185 e ss). 12. Quanto à questão dos demais custos, foi a reclamação graciosa indeferida, conforme teor da decisão proferido, cujo teor se dá por reproduzido. 13. Na sequência da decisão da reclamação graciosa, foi emitida a liquidação nº ...78, datada de 27.2.2011, no valor de € 65.276,56 (doc. nº 6 junto com a p.i.). 14. A impugnante apresentou recurso hierárquico, com os fundamentos expressos no requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido, aceitando a decisão da reclamação graciosa quanto às correcções à variação da produção, e vindo solicitar o reconhecimento dos prejuízos fiscais que resultariam dos exercícios de 1999 a 2003, os quais seriam dedutíveis ao lucro tributável corrigido de 2004 (fls. 3 e ss do RH apenso). 15. Em 11.11.2011, foi indeferido o recurso hierárquico interposto pela impugnante, com o teor de fls. 64 e ss do RH apenso ao PA, que aqui se dá por reproduzido. Factos não Provados: Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir. Motivação: A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos e constantes do PA, conforme se indicou ao longo do elenco de factos provados.» 2.2. De Direito A questão fundamental a decidir é a de saber se, ao abrigo do princípio da especialização económica dos exercícios, os custos de administração, financeiros e de distribuição diferidos, devem ser imputados aos períodos em que, de facto, foram suportados, a saber, os períodos de 1999 a 2003, e, consequentemente, os prejuízos fiscais que seriam apurados nesses períodos devem ser considerados para efeitos do apuramento da matéria coletável do período de 2004 aqui em questão, nos termos do disposto no artigo 47.º do CIRC (atual 52.º do CIRC). A resposta à questão colocada pressupõe que sejam feitas algumas precisões e delimitações no plano jurídico. No âmbito do CIRC, no que respeita à periodização do lucro tributável, domina o princípio da especialização económica do exercício, consagrado no artigo 18.º desse código que prescreve, no n.º 1, que [o]s rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica. Estando sujeitos a este princípio os custos (gastos), portanto. Há, no entanto, algumas exceções das quais destacamos pela relevância que têm para a solução da questão sob análise: (i) os custos imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos, nos termos do artigo 18.º n.º 2, do CIRC; (ii) os custos de contratos de construção, nos termos dos artigos 18.º, n.º 3, alínea c) e artigo 19.º, ambos do CIRC e (iii) aqueles que tenham sido erroneamente considerados num determinado período, não sendo possível a correção simétrica. As exceções a que aludimos permitem que, estando verificados os requisitos de que dependem, fixados pela lei ou no caso da última, pela jurisprudência deste Tribunal, os custos possam subtrair-se à periodização regra do lucro tributável, sendo considerados num período fiscal que não aquele em que sejam suportados. No caso sub judice resulta da matéria provada que houve custos que foram diferidos pelas sociedades subsidiárias da A... SGPS, nos períodos de 1999 a 2003, não tendo sido contabilizados nos períodos em que tal deveria ter ocorrido. Antes de ser dada reposta à questão fundamental, importa perceber, pelas consequências que daí podem decorrer, se, por haver um enquadramento nas exceções identificadas, a requerente poderia deixar de estar sujeita à regra geral da periodização do lucro tributável e ver os custos serem considerados num ou mais exercícios que não aqueles em que esses custos foram suportados. Relativamente à possibilidade de enquadramento na primeira exceção, constatou-se que o diferimento dos custos não foi determinado pela imprevisibilidade nem pelo desconhecimento daqueles, nunca tendo uma alegação nesse sentido sido feita pela recorrente, havendo uma motivação muito precisa, como resulta do probatório: «10. Mais referiu a impugnante, na reclamação graciosa apresentada, que a imputação de custos diferidos aos resultados dos anos anteriores a 2004 visou evitar o enquadramento numa situação de perda de metade do capital, nos termos previstos no art. 35º do CSC, bem como garantir a estabilidade dos rácios económico-financeiros tidos em conta pela banca aquando da concessão de créditos (art. 57º da petição inicial de fls. 1 a 20 da reclamação graciosa apensa).» Pelo que não seria, consequentemente, ao abrigo desta exceção que estaria legitimada a não observação da especialização dos exercícios. No que concerne à segunda exceção apontada, há, de facto, certos custos que na medida em que possam ser reconduzidos à construção, podem seguir uma periodização distinta da periodização regra. Resulta dos autos, porém, que os chamados custos do produto tiveram esse enquadramento, tendo sido com base no critério da percentagem de acabamento que foram feitas algumas correções, aceites pela recorrente em sede de reclamação graciosa. Desses custos foram, porém, destacados os custos de natureza administrativa e financeira que, pela sua natureza, não beneficiam da possibilidade de deferimento. Por fim, recorrendo à jurisprudência deste tribunal e doutrina em que se apoia, importa denotar que se houver um custo indevidamente contabilizado num determinado período e «não sendo a «correcção simétrica» possível, p. ex., por razões de tempestividade — deve, o custo, ainda que indevidamente contabilizado, ser aceite / (sem prejuízo da eventual aplicação de uma coima, decorrente da infracção constatada). De outra forma, desconsiderar-se-ia um custo efectivo e a empresa seria, por razões de índole formal, sujeita (num horizonte temporal mais alargado, o do conjunto dos exercícios em causa) a uma tributação por um lucro que, efectivamente, não obteve.” (Apontamentos ao IRC, Professor Rui Duarte Morais, páginas 64, 65 e 70).» in Acórdão deste Tribunal de 14/03/2018, processo n.º 0716/13 – o que também não se verificou. Com efeito, no caso concreto, não houve contabilização dos referidos custos (que não os custos do produto) no exercício relevante para efeitos deste recurso que é unicamente o de 2004. A AT, na verdade, no período de 2004, no âmbito da inspeção tributária, não desconsiderou qualquer custo que devesse ser contabilizado em períodos anteriores. Claro que, no plano teórico, é concebível que em exercícios seguintes se pudesse colocar esta questão. Surgiria, todavia, tendo em consideração os contornos do caso concreto, a dificuldade de cumprir um requisito adicional: que o diferimento não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios, tal como decorre do excerto do Acórdão deste Tribunal, de 31-05-2023, processo n.º 01417/15.1BEALM, que se transcreve de seguida: Contudo esse princípio [O princípio da especialização dos exercícios] deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios» - (cfr. para além dos já citados, os acórdãos de 14/03/2018, proc. 0716/3, de 09/10/2019, proc. 01278/12.2BELRS e de 27/10/2021, proc. 610/15.1BELRA). Ora, tendo em conta, como resulta da matéria provada, que o objetivo do diferimento era evitar o enquadramento numa situação de perda de metade do capital, nos termos previstos no art. 35º do CSC, bem como garantir a estabilidade dos rácios económico-financeiros tidos em conta pela banca aquando da concessão de créditos, é evidente que a omissão foi voluntária e intencional não sendo possível, mesmo em exercícios futuros sustentar a indevida contabilização. Esta referência, vai unicamente no sentido de reforçar o enquadramento da questão num plano mais global, pois, como vimos salientando, o recurso tem como objeto unicamente a liquidação adicional referente ao período de 2004. Percorridas as exceções relativamente à impossibilidade de deferimento dos custos mais relevantes para o enquadramento da situação sob julgamento, resulta claro que não haveria fundamento legal para permitir que no que concerne aos custos de natureza administrativa e financeira deixasse de ser cumprida a regra da especialização dos exercícios. Por outras palavras, os custos diferidos só poderiam ser considerados nos exercícios de 1999 a 2003. Acontece, porém, que a questão da correção dos custos nos períodos de 1999 a 2003, está, como é óbvio, fora do âmbito da impugnação que está na base da sentença disputada que se reporta ao exercício de 2004. Não podendo este Tribunal proferir qualquer decisão que afete períodos de tributação anteriores não visados pela liquidação sob avaliação, por extravasarem o objeto, perfeitamente delimitado, do presente recurso. Isto, para não referir que as liquidações referentes aos exercícios anteriores a 2004 estão estabilizadas na ordem jurídica, pelo decurso dos prazos de reação previstos na lei. A pretensão da recorrente ia, contudo, para além da correção dos custos desses períodos, que foram indevidamente capitalizados e diferidos, ao sustentar que estes, ao concorrerem para o apuramento de prejuízos fiscais nos exercícios de 1999 a 2003, poderiam ser deduzidos à matéria coletável do ano de 2004 e seguintes, nos termos do artigo 47º do CIRC (hoje artigo 52.º do CIRC). A este propósito refere nas suas conclusões: «IV. O Tribunal a quo não retirou as devidas consequências da existência dos custos suportados e diferidos pelas sociedades subsidiárias da A... SGPS, nos períodos de 1999 a 2003, e da sua não contabilização nos períodos em que tal deveria ter ocorrido»; (…) XXIV. Se porventura a AT chegasse à conclusão de que a correção da matéria coletável nos termos em que deveria ser feita, com base nos custos suportados em cada período, já não era possível, então a AT deveria abster-se de corrigir a matéria coletável do período de 2004 aqui em apreço, sob pena de enriquecimento sem justa causa do Estado (artigos 473º e seguintes do Código Civil ex vi artigo 2º, alínea d) da LGT)».
A contabilização dos custos em períodos anteriores é pressuposto do surgimento de prejuízos e do subsequente impacto em exercícios futuros. Há toda uma sequência de operações formais, prescritas pelo CIRC, que têm imperativamente de ser cumpridas. A ligação entre prejuízo e custos, corretamente intuída pela requerente, tem, no entanto, uma lógica e regras próprias. Não basta, portanto, que se conceba, no plano abstrato, ainda que com grande certeza, a existência de prejuízos para que, só com base nesse juízo, se derivar daí um impacto na determinação do lucro tributável de anos futuros, como parece resultar da posição da requerente. Mesmo que se assuma, tal como é referido nas conclusões, que, em sede de inspeção, a AT tenha concebido a possibilidade de identificar o montante das entradas e das saídas de custos da rubrica Custos Diferidos, entre 1999 e 2003, e tenha admitido existir a possibilidade de esses “custos do período” serem refletidos nos períodos em que foram suportados mediante a realização de uma ação de inspeção tributária para o efeito, de modo a confirmar a legitimidade do reconhecimento dos custos em causa; os prejuízos e os custos que os justificam, repita-se, têm de ser sempre efetivamente contabilizados. Impõe-se relembrar que a operação de determinação do lucro tributável implica, numa abordagem simplificada, que se deduzam os custos (como os que consideramos) aos proveitos (mais a soma das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas). Só surgindo eventualmente prejuízos, na sequência e na estrita dependência dessa operação. Seguidamente, no âmbito do antigo artigo 47.º do CIRS (atual artigo 52.º do CIRC) o reporte pode ser feito aos exercícios seguintes com alguma discricionariedade do sujeito passivo e com a limitação de existirem lucros nos anos seguintes Pelo que o montante de prejuízos a ser repercutido depende dessas contingências, não sendo possível, no plano abstrato, só porque foi feita uma projeção do impacto dos custos, serem considerados quaisquer prejuízos, sem que sejam devidamente observadas essas fases necessárias e que são, ao fim ao cabo, um pressuposto da dedução. Resulta como inequívoco que a mera invocação de que os prejuízos de anos anteriores neutralizariam o lucro de 2004, não tem a consistência necessária para surtir esse efeito, por todas as razões expostas, com destaque para o pressuposto absolutamente necessário, que não se verificou, de que os custos que supostamente estariam na base dos prejuízos a reportar, tenham sido contabilizados nos exercícios a que diziam respeito de acordo com o princípio da especialização de exercícios e que tenham efetivamente dado origem a prejuízos contabilizados nesses exercícios. Do exposto decorre que não foram violados o princípio da justiça, da proporcionalidade ou qualquer outro princípio, resultando a impossibilidade do reporte de prejuízos com impacto no ano fiscal de 2004, da escrupulosa aplicação da lei. Relativamente à violação do princípio da verdade material, denota-se que, a existir, esta será imputada à recorrente, na medida em que teve a “intenção deliberada de proceder à transferência de custos, a fim de apresentar um resultado líquido favorável, tendo sido opção da impugnante a capitalização de custos”. Confirma-se, portanto, com a fundamentação exposta, a decisão recorrida. |