Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03564/23.7BELSB
Data do Acordão:07/04/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
CADERNO DE ENCARGOS
DOCUMENTOS
TERMO
CONDIÇÃO
Sumário:Justifica-se admitir revista na qual se pretende discutir, essencialmente, se a apresentação de termos ou condições em violação de aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, já que a CI apresenta na sua proposta [em documentos cuja entrega não era obrigatória] fundamentos da cessação do contrato não previstos no CE, quando este não admitiu que o seu preenchimento ficasse na disponibilidade dos concorrentes, impõe a exclusão da proposta (cfr. art. 70º, nº 2, al. b) do CCP e cláusula 13º do CE), a qual não é isenta de dúvidas e tem inquestionável relevo jurídico.
Nº Convencional:JSTA000P32506
Nº do Documento:SA12024070403564/23
Recorrente:ESPAP - ENTIDADE DE SERVIÇOS PARTILHADOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, IP E OUTROS
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
Entidade De Serviços Partilhados Da Administração Pública, IP (doravante ESPAP) e B..., SA (doravante B... ou CI), Ré e Contra-Interessada, respectivamente, na acção administrativa de contencioso pré-contratual intentada por A..., SA (doravante A...), interpõem recursos de revista, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão do TCA Sul, proferido em 24.04.2024, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Autora, da decisão proferida pelo TAC do Lisboa, em 14.12.2023, que julgou a acção improcedente.
Alegam [a CI aderiu às alegações da ESPAP] que as revistas se justificam por as questões em causa nos autos revestirem relevância jurídica e social de importância fundamental, sendo igualmente as revistas necessárias para uma melhor aplicação do direito.

A Recorrido em contra-alegações pugna pela inadmissibilidade ou pela improcedência da revista.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente acção de contencioso pré-contratual, a Autora formula os pedidos de: a) anulação do acto de adjudicação de 29.09.2023, que homologou a admissão e determinou a adjudicação da proposta da B..., bem como do contrato que pudesse vir a ser celebrado entre a Ré e a contra-interessada na pendência dos presentes autos; e, b) condenação da ESPAP na prática do acto de adjudicação da proposta apresentada pela A..., à luz do critério de adjudicação escolhido.

O TAC de Lisboa na sentença que proferiu entendeu que a acção improcedia e absolveu a Ré dos pedidos, por entender que não se verificava qualquer um dos vícios imputados pela A. ao acto de adjudicação.

O TCA, para o qual a Autora apelou, concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e julgou a acção procedente, anulando o despacho de homologação e o contrato celebrado em 20.10.2023 entre a ESPAP e a Recorrida/CI, condenando a ESPAP a adjudicar o contrato em causa nos autos, à proposta da Autora.
Considerou, em síntese, que a sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto aos seguintes fundamentos da acção:
a. Erro nos pressupostos relativo à admissão (não exclusão) da proposta da Contrainteressada [a B..., SA,…] por “violação do disposto no artigo 70.º, n.º 2, al. b) do CCP”; e, b. violação dos princípios da legalidade, da igualdade e concorrência.”.
Isto porque, “(…) considerou que o acto impugnado – despacho de 29.9.2023 de homologação do relatório final e adjudicação à proposta da CI – padece de erro nos pressupostos quanto à admissão (não exclusão) da proposta da CI e, consequentemente, quanto à adjudicação à proposta do contrato para “aquisição de serviços técnicos para implementação e manutenção de um serviço de controlo operacional em regime 24x7 na infraestrutura de serviços de tecnologias de informação e comunicação (TIC) da ESPAP” por violação do disposto no art. 70.º, n.º 2, al. b) e os princípios da legalidade, igualdade e concorrência. Face ao exposto, tal ato deve ser anulado nos termos do art. 163.º do CPA.”.
Mais considerou que, “Os referidos vícios, porque determinam a exclusão da proposta da CI e, consequentemente, que não possa ocorrer a adjudicação a esta, implicam uma modificação subjetiva do contrato, sendo causa adequada e suficiente para a invalidade do contrato, o qual deve, nos termos do n.º 2 do art. 283.º do CCP, ser anulado.
E, igualmente, tem a A. direito à adjudicação do contrato.
Como resulta do art. 100.º, n.º 1 do CPTA, é admissível no âmbito dos processos urgentes do contencioso pré-contratual a cumulação de pedidos de anulação de um ato de conteúdo positivo em favor de terceiro, com a condenação à sua substituição por outro que dê satisfação ao interesse pretensivo da parte na adjudicação.” [desde que a situação de facto seja subsumível no quadro dos arts. 66º e 67º do CPTA do “acto legalmente devido”, do art. 71º e 95º, ambos daquele diploma, o que entendeu verificar-se].

Nas suas revistas as Recorrentes alegam que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento na interpretação e aplicação dos arts. 56º, 57º, nº 1, 70º, nºs 1 e 2, al. b) e 72º, nºs 1 e 2, todos do CCP, à luz dos princípios da legalidade, da igualdade e da concorrência (art. 1º-A, nº 1 do CCP), bem como do art. 111º, nº 1 da CRP, devendo ser revogado.
O que está em causa nos autos, segundo o entendimento do acórdão recorrido, é essencialmente a apresentação de termos ou condições em violação de aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, já que a CI apresenta na sua proposta [em documentos cuja entrega não era obrigatória] fundamentos da cessação do contrato não previstos no CE, quando este não admitiu que o seu preenchimento ficasse na disponibilidade dos concorrentes, impondo a exclusão da proposta (cfr. art. 70º, nº 2, al. b) do CCP e cláusula 13º do CE). Defendendo as Recorrentes que caso uma proposta contenha documentos cuja entrega não era obrigatória, por não serem exigidos pelas peças do procedimento, nem por vinculação legal, e que não possam ser considerados “documentos facultativos”, nos termos do nº 3 do art. 57º do CCP, os mesmos podem/devem ser desconsiderados pelo júri para efeitos de análise e eventual verificação de causas de exclusão da proposta (tese perfilhada pelo TAC).
Como se viu as instâncias divergiram quanto à solução das questões submetidas à sua apreciação, o que logo demonstra que tais questões não são isentas de dúvidas.
Ora, as referidas questões jurídicas assumem relevo jurídico e social fundamental, já que ultrapassam o interesse do caso concreto, tendo potencialidade para abranger muitos outros casos semelhantes, na matéria complexa da contratação pública, detendo igualmente alguma complexidade jurídica.
Assim, face à resposta divergente que as instâncias deram às questões suscitadas na acção e pelas Recorrentes na revista, é aconselhável a intervenção deste STA, para conhecimento de tais questões para uma melhor clarificação das mesmas, com afastamento da regra da excepcionalidade das revistas.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir as revistas.
Sem custas.

Lisboa, 4 de Julho de 2024. – Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso – Fonseca da Paz.