Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0624/19.2BEALM |
Data do Acordão: | 07/03/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | JOÃO SÉRGIO RIBEIRO |
Descritores: | PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO JUSTO VALOR PERDAS POR IMPARIDADE |
Sumário: | I - A questão fundamental que se impõe resolver é a de determinar se o encargo registado com a desvalorização de papel comercial corresponde a uma perda por imparidade, ou se se trata de um ajuste de valor, e se pode, em cada um dos casos, ter reflexos no cálculo do lucro tributável do sujeito passivo. II - Estamos perante um instrumento financeiro reconhecido pelo justo valor através de resultados que quadra com a exceção da alínea a), do artigo 18.º, n.º 9, do CIRC, pelo que, no plano abstrato, os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável. No plano concreto, porém, é imperativo, para que esses ajustamentos tenham impacto na formação do lucro tributável, que haja uma comprovação da perda ocorrida. III - Face à matéria provada relativamente ao exercício de 2014, não era possível refletir a perda de valor dos ativos na liquidação de IRC. IV - Nega-se provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida. |
Nº Convencional: | JSTA000P32464 |
Nº do Documento: | SA2202407030624/19 |
Recorrente: | A..., LDA |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. A..., S.A., devidamente identificada nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 11.12.2023, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), n.º ...93, e respetivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2014, no valor total de € 194.648,10 (cento e noventa e quatro mil seiscentos e quarenta e oito euros e dez cêntimos), veio dela interpor recurso para este Supremo Tribunal. 1.2. A Recorrente conclui da seguinte forma as suas alegações de recurso:
1.3. A Recorrida AT - Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações. 1.4. O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, notificado para o efeito, emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e da manutenção da sentença recorrida, nos termos que se reproduzem: «… 1. Objeto do recurso Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 11.12.2023, que julgou a impugnação judicial improcedente e, em consequência, manteve a liquidação adicional de IRC por referência ao período de tributação do ano de 2014, no valor de € 169.271,32, acrescida de juros compensatórios no montante de € 25.376,78, num total de € 194.648,10. De tal sentença vem interposto recurso pela impugnante, invocando erro no julgamento da matéria de direito. A recorrida não apresentou contra-alegações de recurso. Cumpre emitir parecer sobre as questões colocadas pela recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações. 2. Fundamentação 2.1. A questão controvertida consiste em saber se a correção efetuada pela AT e mantida pela douta sentença recorrida padece do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, defendendo a recorrente que o encargo registado com a desvalorização de papel comercial corresponde a uma perda por imparidade e não um ajuste de justo valor, pelo que o enquadramento de direito subjacente à correção efetuada é incorreta. Para a AT, quer se entenda estar perante um ajustamento de justo valor ou de uma imparidade, o encargo não reunia os pressupostos legais para ser dedutível em sede de IRC no presente caso, pelo que deve a correção ser mantida. A douta sentença recorrida decidiu que o papel comercial objeto de correção não reunia os pressupostos legais para que uma variação negativa do seu justo valor pudesse influir no cálculo do lucro tributável da impugnante, por não ser enquadrável em nenhuma das disposições que excecionam a não consideração das variações de justo valor para efeitos fiscais, pelo que a correção efetuada pela AT se mostra correta. 2.2. No presente processo está em causa papel comercial emitido pelo B..., S.A. e detido pela recorrente sobre o qual esta pretende registar uma imparidade "dado que pela impossibilidade de ser transacionado, deixa de ter qualquer valor, ao abrigo dos § 24 e 25 da NCRF 25". Na verdade, como resulta do probatório, com a suspensão da possibilidade de negociação da generalidade dos valores mobiliários emitidos pelas entidades integradas no C... e a implementação de um procedimento de resolução, deixou de haver uma base fiável de mensuração do valor do papel comercial detido pela recorrente e que foi emitida pela sociedade luxemburguesa B.... Bem assim, resulta do RIT (ponto K. do probatório): […] "Por outro lado o sujeito passivo não logrou provar que o valor do papel comercial em 31- 12-2014 era de zero euros, veja-se que nos extractos integrados do cliente junto do Banco 1... e posteriormente Banco 2... que constam do anexo 14, o valor do papel comercial não sofreu qualquer alteração mantendo-se o mesmo com o valor de 600.000,00€, ou seja o que se encontrava comprometido à data de 31-12-2014 era a negociação/liquidez do papel comercial e não o seu valor. No que respeita à aceitação fiscal de créditos incobráveis e já não de meras imparidades, a sua aceitação encontra-se disciplinada no artigo 41.° do CIRC, sendo que a 31-12-2014 nenhum dos requisitos necessários elencados naquele normativo legal se encontrava reunido, pelo que se encontra também afastada a possibilidade de reconhecer fiscalmente um crédito incobrável relativo ao papel comercial, no período em análise. Mais se acrescenta que, à data do presente relatório, o sujeito passivo já foi reembolsado de 179.700,00€, no seguimento da sua adesão ao - FUNDO DE RECUPERAÇÃO DE CRÉDITOS - FRCINQ- Papel Comercial B... e D...". 2.3. O conceito de justo valor resultante das regras contabilísticas, quer nacionais (Sistema de Normalização Contabilística - SNC, Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho), quer internacionais (NIC), quando incorporado no sistema fiscal, consubstancia-se, no essencial, na "quantia pela qual um activo pode ser trocado, ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e dispostas a isso, numa transacção em que não existe relacionamento entre as partes". A douta sentença recorrida concluiu que, devendo ser a partir da contabilidade que se determina a base do imposto (artigo 3.° do Código do IRC) e tendo os lançamentos contabilísticos sido corretamente efetuados, a mensuração do papel comercial, inicialmente efetuada ao abrigo do regime do justo valor, teria de continuar a ser efetuado ao abrigo do mesmo regime, mesmo numa circunstância de perda total do seu valor ou em que o seu valor se tornaria de difícil concretização. 2.4. Os rendimentos ou gastos respeitantes a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor, concorrem para a formação do lucro tributável, desde que: a. Sejam reconhecidos através de resultados; b. Se tratem de instrumentos do capital próprio; c. Tenham um preço formado num mercado regulamentado; d. O sujeito passivo não detenha, direta ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social. Como se refere na decisão arbitral datada de 25.11.2013, proferido no processo nº 108/2013-T do CAAD: "Com efeito, a intenção do legislador aquando do acolhimento do modelo do justo valor, devidamente evidenciada, foi, assumida e expressamente, a de manter a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5% do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados".1 Ora, como se refere na douta sentença recorrida, o papel comercial objeto de correção não reunia os pressupostos legais para que uma variação negativa do seu justo valor pudesse influir no cálculo do lucro tributável, por não ser enquadrável em nenhuma das disposições que excecionam a não consideração das variações de justo valor para efeitos fiscais. Por outro lado, "a mensuração do papel comercial, inicialmente efetuada ao abrigo do regime do justo valor, teria de continuar a ser efetuado ao abrigo do mesmo regime, mesmo numa circunstância de perda total do seu valor ou em que o seu valor se tornaria de difícil concretização". Por último, é patente que não se trata de perda por imparidade, uma vez que não está preenchido o pressuposto da perda ser derivada de créditos resultantes da atividade normal do sujeito passivo, ao abrigo do disposto no artigo 28.º-A, n.º 1, alínea a) do CIRC. Pelo exposto, a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada fez correta interpretação dos preceitos legais aplicáveis, pelo que não merece censura. 3. Conclusão Nestes termos, somos do parecer que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a douta sentença recorrida.
2.1. De Facto Com relevância para a decisão, a sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: A. Em 13/06/1995 foi constituída a Impugnante, tendo por atividade o tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos [facto que se extrai de relatório de inspeção tributária a fls. 56 a 80 do SITAF]; B. A Impugnante encontra-se enquadrada, desde a sua constituição, no regime geral de tributação em sede de IRC [facto que se extrai de relatório de inspeção tributária a fls. 56 a 80 do SITAF]; C. No decurso de 2014 a Impugnante registou na sua contabilidade um gasto, no montante de € 600.000,00, na conta #6611, com a descrição “PERDAS POR REDUÇÃO DO JUSTO VA – EM INSTRUMENTOS FINANCEIROS – PAPEL COMERCIAL”, tendo tal gasto sido reconhecido por contrapartida da redução de valor equivalente registado na conta #1412, com a descrição “1412 – INSTRUMENTOS FINANCEIROS – DERIVADOS – TÍTULO” [facto que se extrai de relatório de inspeção tributária a fls. 56 a 80 do SITAF]; D. O papel comercial mencionado no facto anterior diz respeito a uma aplicação financeira denominada OBRIGAÇÕES E TÍT. PARTICIPAÇÃO – B... SA 10/12/14 54ª em – Papel Comercial PTE 47AJM0594 [facto que se extrai de relatório de inspeção tributária a fls. 56 a 80 do SITAF]; E. Em 14/08/2014 o Banco 2... emitiu comunicado com o seguinte teor: “O Banco 2... está determinado em comprar aos clientes de retalho do Banco 2... o papel comercial da B... e D..., subscritos na rede de retalho do Banco 1... até 14 de Fevereiro de 2014, tal como fora anteriormente afirmado pelo Banco 1.... Este processo sofreu algum atraso, face ao que era desejado pelo Banco 2..., atendendo à necessidade de acerto de algumas questões técnicas com o Banco de Portugal, nomeadamente salvaguarda de obrigações prudenciais e de outras obrigações que resultaram do próprio processo de resolução. O Banco 2... conta ter todas essas questões resolvidas, com o Banco de Portugal, num curto prazo, para apresentar aos clientes propostas comerciais de compra do referido papel comercial.” F. Em 26/09/2018 foi iniciada ação de inspeção externa por referência à Impugnante, ao abrigo da ordem de serviço ...73, de âmbito geral e com incidência no período de tributação de 2014 [facto que se extrai de relatório de inspeção tributária a fls. 56 a 80 do SITAF]; G. Em 14/01/2019 foi emitido o ofício n.º ...52 da Direção de Finanças de Setúbal a notificar a Impugnante do teor do projeto de relatório de inspeção para exercício do direito de audição [facto que se extrai de relatório de inspeção tributária a fls. 56 a 80 do SITAF]; H. Em 24/01/2019 a Impugnante fez dar entrada na Direção de Finanças de Setúbal o seu direito de audição por escrito [facto que se extrai de relatório de inspeção tributária a fls. 56 a 80 do SITAF]; I. Em 27/02/2019 foi emitido o relatório de inspeção final no âmbito do procedimento inspetivo efetuado à Impugnante [facto que se extrai de relatório de inspeção tributária a fls. 56 a 80 do SITAF]; J. O relatório referido acima no facto anterior continha a seguinte justificação para a correção efetuada por referência ao papel comercial geradora do gasto referido acima no Facto C.: “Nos termos do estipulado no artº 23 do CIRC, nº 1 e nº 2 al. j), que referem o seguinte: “1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. K. O relatório referido acima no Facto I. continha ainda a seguinte resposta aos argumentos utilizados pela Impugnante no âmbito do direito de audição exercido e referido acima no Facto H.: “Primeiramente refira-se que se verificou não terem sido invocados no projecto de relatório os seguintes factos, ocorridos na sequência do colapso do C..., e que se afiguram serem extremamente relevantes para a correcta apreciação da situação objecto de análise, a saber: L. Em 11/03/2019 foi emitida, por referência à Impugnante e ao período de tributação de 2014, a liquidação adicional de IRC com o n.º ...93, no valor de € 169.271,32, a que acrescem juros compensatórios no montante de € 25.376,78, num total de € 194.648,10 [facto que se extrai de cópia da liquidação e demonstração de acerto de contas a fls. 50 a 52 do SITAF]; M. A liquidação referida acima no facto anterior fixava como data limite de pagamento voluntário o dia 22/04/2019 [facto que se extrai de cópia da liquidação e demonstração de acerto de contas a fls. 50 a 52 do SITAF]; e N. Em 22/07/2019 deu entrada neste tribunal a petição inicial objeto dos presentes autos [facto que se extrai de comprovativo a fls. 1 a 3 do SITAF]. Factos não provados Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, julga-se o seguinte facto como sendo não provado, com atinência aos meios de prova respetivos: [Facto único]: Em 11/03/2019 a notificação da liquidação objeto dos autos foi depositado na caixa postal eletrónica da Impugnante [artigo 8.º da contestação]. Fundamentação da matéria de facto A convicção do Tribunal, quanto à decisão da matéria de facto, baseou-se na análise crítica da prova produzida nos autos, designadamente as matérias por referência aos quais as partes estavam de acordo, os documentos juntos pelas Partes e os documentos constantes do processo instrutor apenso, que não foram impugnados, conforme referido a propósito de cada ponto da matéria de facto assente, e o seu cruzamento entre si, bem como o facto de em momento algum a Impugnante colocar em causa a factualidade descrita no relatório de inspeção e que terá servido de base para a emissão da liquidação em análise nestes autos. Por referência a factos invocados pelas partes não constantes da listagem da matéria de facto assente ou dos factos não provados, os mesmos foram considerados não relevantes para a decisão da causa, razão pelo qual o Tribunal não os apreciou ao abrigo do princípio da economia processual que deve presidir à condução dos processos judiciais. Quanto ao facto não provado, a Representação da Fazenda Pública não juntou qualquer tipo de elemento probatório do alegado, nomeadamente documento emitido pelos CTT a atestar a data do depósito da liquidação na caixa postal eletrónica da Impugnante, tendo apenas junto documentos internos da Impugnada que não podem ter o efeito probatório pretendido. Não obstante, e ainda por referência ao facto único não provado, destaca-se que este tribunal não pediu elementos adicionais por serem desnecessárias, na medida em que a liquidação fixava a data de pagamento voluntário relevante (Facto M. acima), o que é suficiente para decidir a questão de direito suscitada quanto à caducidade do direito à impugnação, ao abrigo do princípio da economia processual, que impõe que o Tribunal evite atos desnecessários que apenas atrasariam a prolação de uma decisão, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, bem como n.º 1 do artigo 13.º do CPPT.
A questão fundamental que se impõe resolver é a de determinar se o encargo registado com a desvalorização de papel comercial corresponde a uma perda por imparidade, como sustentou a recorrida, ou se, como entende a recorrente, se trata de um ajuste de valor, e se pode, em cada um dos casos, ter reflexos no cálculo do lucro tributável do sujeito passivo. A resposta à questão identificada e consequente determinação do acerto da sentença recorrida, que manteve a correção efetuada pela AT, pressupõe, desde já, que sejam, com base na matéria de facto provada, firmados alguns pressupostos. Tanto a recorrida como recorrente estão de acordo quanto: à classificação do papel comercial como um instrumento financeiro; à mensuração inicial desse papel comercial e à perda de valor desses ativos. Não sendo, por conseguinte, disputado esse enquadramento. Há divergência, sim, quanto à forma de mensuração dos ativos a partir do momento em que, na sequência de uma série de vicissitudes descritas no probatório, que culminaram com a solicitação pela E... (E...) e consequente suspensão de negociação das suas ações e obrigações em bolsa, surgiu a necessidade de refletir a perda de valor desses ativos. A recorrida entendeu que num cenário em que tinha deixado de existir uma base e mensuração fiável dos ativos a recorrida deveria ter alterado a sua política de mensuração destes ativos, passando a mensurar os mesmos pelo modelo de custo, reconhecendo, em consequência, uma imparidade. A este propósito afirma-se na sentença recorrida que: «Sendo certo que existe esta regra geral de ajustamento de política contabilística, como seja o critério de mensuração de ativos, precisamente para casos em que a estimativa do valor de determinado ativo ao abrigo do critério do justo valor deixar de ser viável, não é menos certo que a NCRF 27 prevê uma regra específica aplicável aos instrumentos financeiros. De facto, o §17 da NCRF 27 prevê expressamente que uma entidade não deve alterar a sua política de mensuração subsequente de um ativo ou passivo financeiro enquanto tal instrumento for detido, seja para passar a usar o modelo do justo valor, seja para deixar de usar esse método. Esta regra apenas é excecionada por referência a instrumentos financeiros que sejam de capital próprio, conforme o §18 da NCRF 27. Conclui-se, assim, que a mensuração do papel comercial, inicialmente efetuada ao abrigo do regime do justo valor, teria de continuar a ser efetuado ao abrigo do mesmo regime, mesmo numa circunstância de perda total do seu valor ou em que o seu valor se tornaria de difícil concretização». Assumindo o acerto da posição expressa na sentença recorrida relativamente à regra contabilística decorrente do §18 da NCRF 27, não contestada, aliás, pela recorrida, impor-se-ia a adoção da posição da sentença recorrida no sentido de que: «…a Impugnante, corretamente, registou um gasto por redução de justo valor na conta #6611 da demonstração de resultados (Facto C. acima), pelo que será exclusivamente à luz das regras vigentes em matéria de variação de justo valor que a análise da dedutibilidade fiscal de tal encargo será efetuada. De facto, deve ser a partir da contabilidade que se determina a base do imposto (artigo 3.º do Código do IRC), sendo que os lançamentos contabilísticos, no presente caso, foram corretamente efetuados à luz dos preceitos aplicáveis.». Há, portanto, instrumentos financeiros cuja mensuração foi feita, quer na fase inicial, quer no exercício de 2014, ao abrigo do regime do justo valor, impondo-se que se determine se a mensuração refletida na contabilidade desse exercício deve ou não ter impacto na liquidação de IRC (igualmente desse exercício). São relevantes para dar resposta essa questão: O n.º 1 e a alínea j) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC «1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. 2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas: (…) j) Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros…» O n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando: a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, quando se trate de instrumentos de capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital igual ou superior a 5% do respetivo capital social; ou b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.”
Decorria da matéria provada e do que foi assumido na sentença recorrida que o papel comercial não correspondia a um instrumento de capital próprio. Importa ainda assim, salientar, pelo caráter decisivo que tem, o seguinte excerto do probatório (o sublinhado é nosso): «Assim, ainda que se tenha admitido, no projecto de relatório anterior notificado ao sujeito passivo, que o reconhecimento inicial do investimento em papel comercial efectuado pelo mesmo, como activo financeiro classificado como detido para negociação e consequentemente mensurado ao justo valor através de resultados tenha sido o correcto, a partir da data dos factos acima descritos, com a suspensão/constrangimento de todas as transacções comerciais que envolvessem os instrumentos financeiros emitidos pelo Grupo Banco 1..., deixam de se encontrar reunidas as condições para que o referido investimento continue classificado como um activo detido para negociação e mensurado ao justo valor, afastando-se da excepção prevista na 1ª parte da línea a) do nº 9 do artº 18º do CIRC, pois deixa-se de estar perante um instrumento financeiro reconhecido pelo justo valor através de resultados.». Na perspetiva da AT, a partir do momento em que surgem as dificuldades de mensuração do ativo deixar-se-ia de estar perante um instrumento financeiro reconhecido pelo justo valor através de resultados. Não foi, contudo, esta a conclusão na sentença recorrida tendo-se sustentado que (repetindo a citação): «Esta regra apenas é excecionada por referência a instrumentos financeiros que sejam de capital próprio, conforme o §18 da NCRF 27. Conclui-se, assim, que a mensuração do papel comercial, inicialmente efetuada ao abrigo do regime do justo valor, teria de continuar a ser efetuado ao abrigo do mesmo regime, mesmo numa circunstância de perda total do seu valor ou em que o seu valor se tornaria de difícil concretização». Pelo que aquilo que começou como um instrumento financeiro reconhecido pelo justo valor através de resultados, conserva a mesma natureza, mesmo numa circunstância de perda total do seu valor ou em que o seu valor se tornaria de difícil concretização. Resulta do que se veiculou que estamos perante um instrumento financeiro reconhecido pelo justo valor através de resultados que quadra com a exceção da alínea a), do artigo 18.º, n.º 9, do CIRC, primeira parte, que se refere precisamente a esse tipo de instrumento. Sendo claro que a exigência adicional para que se verifique a exceção, que decorre da restante parte dessa mesma alínea a), só se aplicará aos instrumentos de capital próprio – não sendo, como se constatou, o caso. Portanto, no plano abstrato, os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável. No plano concreto, porém, é imperativo, para que esses ajustamentos tenham impacto na formação do lucro tributável, que haja uma comprovação da perda ocorrida. Ora qualquer perda, ou gasto, tem de ser devidamente comprovada. Ora, no caso sub judice a medida da perda não foi determinada. Foi considerada, como resulta da matéria provada, simultaneamente de difícil concretização, como carecendo de base de mensuração fiável ou como correspondendo à totalidade do valor do ativo financeiro, sem que se tenha apurado o seu montante. Resulta, com efeito, do probatório, que «…o sujeito passivo não logrou provar que o valor do papel comercial em 31-12-2014 era de zero euros…». As dificuldades referidas de mensuração num cenário em que esta seguisse a via da imparidade no plano contabilístico, seriam precisamente as mesmas. Para não falar dos problemas acrescidos que, na tentativa de um reconhecimento fiscal das imparidades, surgiriam a propósito da determinação de se a aquisição do ativo financeiro em causa constituiria ou não uma atividade do sujeito passivo, para efeitos do artigo 28º-B do CIRC. Esse não é, porém, o enquadramento pressuposto. Queremos unicamente retirar desta referência que o óbice fundamental à determinação da medida da perda é transversal aos vários enquadramentos sugeridos pelas partes, colocando-se em cada um deles. A dificuldade tem essencialmente a ver com as circunstâncias próprias do caso, naturalmente, mas muito, também, com o princípio da especialização dos exercícios, consignado, precisamente, no artigo 18.º do Código do IRC. Começando pelas especificidades do caso. Há uma suspensão da negociação das ativos financeiros, um atraso no pagamento de juros e outras vicissitudes detalhadas no probatório que, por estarem ainda em curso no final de 2014, e serem apenas um prelúdio de uma série de acontecimentos que surgiriam em exercícios seguintes, comprometeram compreensivelmente, pela incerteza e emergência da situação, a possibilidade de determinar o valor dos ativos. Tudo isto agravado pelo princípio da especialização dos exercícios que limita, regra geral, a imputação das perdas e gastos aos exercícios em que se verificam. Ora o conhecimento de eventos subsequentes com potencial impacto na determinação do justo valor dos ativos, com destaque pelo reembolso do sujeito passivo em € 179.700,00, no seguimento da sua adesão ao Fundo de recuperação de créditos – FRC – INQ – Papel Comercial B... e D..., ocorreu claramente fora do exercício de 2014. Isto apesar de o momento exato de verificação nem sequer constar dos autos, de onde decorre unicamente (sublinhado nosso): «Mais se acrescenta que, à data do presente relatório, o sujeito passivo já foi reembolsado de 179.700,00€…». Este facto é relevado tanto na sentença recorrida: «De facto, o tratamento fiscal correto a dar à situação corresponderia ao reconhecimento de uma menos-valia no momento em que o Fundo de Recuperação de Créditos liquidou parcialmente o valor do papel comercial (Facto K. acima), como estabelecido no corpo do n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC, momento em que a perda potencial refletida pela variação negativa do justo valor se concretizou em perda real». Como nas conclusões do recurso: «VI. Além disso, o Tribunal a quo admite existir uma perda real quando o Fundo de Recuperação de Créditos liquidou parcialmente o valor do papel comercial. VII. Pelo que, deveria a Autoridade Tributária proceder à correção a favor do sujeito passivo no período em que ocorre esta perda real, tal como previsto no Ofício Circulado n.º ...3, de 23.11, da DGCI».
Infere-se necessariamente daí, que essa perda será eventualmente relevante unicamente em exercícios futuros. Perante o que foi avançado, com destaque para a extrema dificuldade que haveria relativamente ao exercício de 2014 em determinar factos adicionais que permitissem de forma precisa, no cabal respeito da verdade material, determinar a medida da perda (dada a pendência de eventos e situações que só se vieram a revelar mais tarde e as naturais decorrências da especialização dos exercícios) reputamos espúria a baixa dos autos para uma seguramente inconsequente ampliação da matéria de facto. Consideramos, na verdade, que, face à matéria provada relativamente ao exercício de 2014, não era possível refletir a perda de valor dos ativos na liquidação de IRC desse exercício em concreto. Pelo que, não obstante as pontuais divergências relativamente ao enquadramento que a sentença recorrida fez da situação sob julgamento no âmbito do artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC, afigura-se-nos, ainda assim, que essa diferente abordagem não põe e causa a solução final que daí decorreu no sentido de manter a correção levada a cabo pela autoridade tributária.
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida. Custas pela Recorrente,
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