Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0830/11.8BEALM 0588/16
Data do Acordão:05/06/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRC
AUTOLIQUIDAÇÃO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
DUPLA TRIBUTAÇÃO
LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
Sumário:I - Nos casos em que a lei não obriga à prévia interposição de reclamação graciosa prevista no art. 131.º do CPPT para viabilizar o acesso à via contenciosa de impugnação do acto de autoliquidação – e que são os casos em que esta foi efectuada em conformidade com orientações genéricas emitidas pela administração tributária e a impugnação se restringe a matéria de direito – o contribuinte não fica sujeito, caso queira reclamar do acto, a apresentar a reclamação no prazo geral previsto no art. 70.º do CPPT, podendo deduzi-la nos termos e prazo previstos no n.º 1 do art. 131.º do CPPT.
II - Conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (Acórdão C-464/14 de 24.11.2016) o artº 46º do CIRC, na redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, é claramente abrangido pela circulação de capitais, pelo que a recusa de conceder eliminação da dupla tributação de dividendos com origem na Tunísia, quando essa eliminação é permitida a favor de dividendos de origem doméstica constituiu uma discriminação e uma restrição aos movimentos de capitais entre os estados membros e países terceiros que, em princípio, é proibida pelo artº 63º do TFUE.
III - Decorre igualmente da citada jurisprudência do Tribunal de Justiça que os artigos 61º e 65.º do TFUE se opõem à legislação — no caso concreto o artigo 46.º do CIRC, na redacção vigente à data dos factos — de um estado membro (Portugal) que não conceda isenção de imposto sobre o rendimento aos dividendos distribuídos por uma filial residente num estado terceiro (Tunísia) com o qual tenha sido celebrada uma convenção que preveja a troca de informações.
IV - Prevendo a Convenção Portugal-Tunísia, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/2000, de 31 de Março de 2000, um mecanismo de troca de informações, a restrição que resulta da recusa da eliminação ou da mitigação da dupla tributação económica, previstas no artigo 46º do CIRC, não pode ser justificada pela alegada necessidade de assegurar a eficácia dos controlos fiscais.
Nº Convencional:JSTA000P25849
Nº do Documento:SA2202005060830/11
Data de Entrada:05/11/2016
Recorrente:A......................., SA.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 –Vêm a A…………, SA e a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a primeira na parte da decisão em que julgou procedente a suscitada excepção da caducidade do direito de ação relativamente às autoliquidações dos exercícios de 2001, 2002 e 2003 e absolveu a Fazenda Pública da instância e do pedido, e a segunda na parte em que julgou parcialmente procedente a impugnação relativa às autoliquidações dos exercícios de 2005 e 2006 e a condenou à restituição do imposto indevidamente pago bem como ao pagamento de juros indemnizatórios à impugnante desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

A A…………, SA apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I. O presente recurso vem interposto contra a Douta Sentença proferida em 31 de outubro de 2015 no âmbito do processo de impugnação judicial n.º 830/11.8BEALM, na parte em que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação da Impugnante, ora Recorrente, relativamente à reclamação da autoliquidação do IRC dos exercícios de 2001, 2002 e 2003;
II. Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que tal exceção de caducidade do direito de ação não poderia ter sido declarada procedente;
III. E isto porque, embora se encontrem ligados em substância, o objeto da reclamação graciosa e o objeto da impugnação judicial que está na origem do presente recurso não se confundem;
IV. Com efeito, a Reclamação teve por objeto os atos de autoliquidação do IRC dos exercícios de 2001, 2002, 2003, 2005 e 2006, ao passo que a impugnação judicial teve por objeto o despacho de indeferimento que recaiu sobre o Recurso Hierárquico;
V. Ora, a diferenciação do objeto da Reclamação, por um lado, e da impugnação judicial, por outro, tem consequências diretas e imediatas ao nível do momento da apreciação da verificação dos pressupostos procedimentais e processuais relativamente a cada um desses atos;
VI. Neste sentido, é no momento em que é analisada a reclamação graciosa que recai sobre a AT o ónus de fazer — como efetivamente o fez — o saneamento do processo, determinando se o meio é próprio e tempestivo, e pronunciando-se, em caso afirmativo, sobre o mérito da pretensão que é colocada à sua consideração;
VII. No caso concreto, verifica-se que a AT poderia até não conhecer o pedido e limitar-se a emitir uma decisão exclusivamente “de forma”, se considerasse verificada alguma exceção que obstasse ao conhecimento do mérito. Algo que manifestamente não aconteceu, na medida em que a tempestividade da Reclamação e do subsequente Recurso Hierárquico foram expressa e inequivocamente declarados em cada um dos respetivos despachos de indeferimento;
VIII. Contudo, quanto à impugnação judicial, o ato impugnado deixou de ser o ato de autoliquidação do IRC dos exercícios de 2001, 2002, 2003, 2005 e 2006, para passar a ser o ato de indeferimento expresso que abriu a possibilidade de a Impugnante, ora Recorrente, recorrer aos tribunais judiciais com o fito de contestar a (i)legalidade do ato praticado pela AT, com fundamento na violação do Direito da União Europeia;
IX. Isto na medida em que, relativamente a este último ato que constituiu o objeto imediato da impugnação judicial, as ilegalidades que o ferem de invalidade não podem deixar de ser sindicáveis perante os tribunais nacionais;
X. Contudo, quanto ao mais — rectius, quanto aos já avaliados e validados pressupostos procedimentais — nenhum vício, sequer temporal, lhes poderá ser assacado;
XI. Tal conclusão resulta da circunstância de os aludidos pressupostos procedimentais do meio de reação prévio, já apreciado, escaparem necessariamente ao conhecimento do tribunal a quo, pelo facto de, depois de analisados pela AT, se tomarem caso decidido, tal como tem sido avançado pela jurisprudência do TCA Sul e do STA;
XII. Assim, resulta claro que o conceito de caso decidido permite, in casu, concluir que as questões procedimentais atinentes à fase administrativa não podem senão ser decididas nessa mesma fase, pelo que, tendo sido decididas na fase processualmente adequada, não podem transitar para uma fase judicial. Tratam-se, em síntese, de matérias cujo conhecimento fica prejudicado nestas circunstâncias e que, para além do mais, não se poderão sequer considerar controvertidas entre as partes;
XIII. Não sendo demais sublinhar que foi apenas em sede judicial que a questão da caducidade do direito de ação foi analisada, no seguimento do Parecer do Digno Magistrado do Ministério Público e não por impulso de qualquer das partes, sem prejuízo de, segundo a jurisprudência do TCA Norte “ defesa da mera legalidade processual, (1.) por si só não constitui direito fundamental ou interesse público especialmente relevante”;
XIV. Ainda que assim não fosse, o que apenas por cautela e a benefício de raciocínio se admite, sem conceder, entende a Recorrente que a Douta Sentença recorrida, na parte em que absolve da instância a Fazenda Pública quanto ao IRC dos exercícios de 2001, 2002, 2003, 2005 e 2006, viola o princípio da proteção da confiança;
XV. E isto porque foi a AT que declarou que, face à notificação do despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico, a ora Recorrente poderia deduzir impugnação judicial, no que se gerou a legítima expectativa de que a Recorrente poderia sindicar a (i)legalidade desse ato;
XVI. Por esse motivo, impõe-se a conclusão de que, ao limitar o direito de ação da Recorrente onde a própria AT não limitou, a Douta Sentença proferida pelo tribunal a quo viola ostensivamente o princípio da segurança jurídica, em particular quanto à sua exigência de proteção da confiança e de proibição das decisões surpresa, ínsito no artigo 2.º da CRP;
XVII. E fê-lo, aliás, também em contradição com o princípio pro actione, ou pro habilitate instantia, que norteia a atividade judicial, enquanto corolário do direito de acesso à justiça contido no artigo 20.º da CRP;
XVIII. Pelo que, também com este fundamento, se impõe a revogação da Douta Sentença recorrida;
XIX. Por outro lado, o reconhecimento, por sentenças do TAFA, do direito da Recorrente ao benefício fiscal constante da al. a) do n.º 5 do artigo 39.º do EBF constitui condição para a Recorrente ver reconhecido o benefício fiscal que alude a al. b) do n.º 5 da citada norma, ou seja, a dedução integral dos dividendos distribuídos pela B…………;
XX. O reconhecimento judicial do direito ao benefício previsto na alínea a), do n.º 5, do artigo 39.º do EBF constituiu, de per si, e também ele, fundamento do direito da Impugnante ao gozo do benefício previsto na alínea b), do n.º 5, do referido artigo 39.º do EBF;
XXI. Existe uma relação de dependência ou acessoriedade entre os dois benefícios, não existindo verdadeiramente uma autonomia entre ambos;
XXII. O reconhecimento judicial do beneficio fiscal previsto na alínea a), do n.º 5, do artigo 39.º do EBF feito em sentença à A………… nos processos n.º 129/2002, 151/2003, 617/05.7BEALM só pode ter o mesmo efeito que o contrato previsto naquela norma legal, e, portanto, as sentenças revestiram a qualidade de condição do direito da peticionante a ver alterada ou modificado o ato tributário; tendo apreciado os requisitos de acesso ao benefício fiscal à internacionalização;
XXIII. Assim, a possibilidade de a A………… usufruir do benefício fiscal relativo à eliminação da dupla tributação estava dependente não apenas da distribuição de dividendos como, claro está, também do reconhecimento de que o sujeito reunia as condições de acesso ao regime;
XXIV. A relação de prejudicialidade entre a concessão do benefício fiscal constante da alínea a) do n.º 5 do artigo 39.º do EBF e a alínea b) do mesmo artigo não pode ser aferida desconsiderando o regime jurídico dos benefícios fiscais à internacionalização, tal como não pode desconsiderar o intuito e motivação da Recorrente quando impugnou as autoliquidações em causa pela primeira vez;
XXV. A Recorrente sempre entendeu que bastava o reconhecimento do benefício fiscal relativo ao crédito de imposto para ter automaticamente direito à eliminação da dupla tributação, razão pela qual não cuidou de peticionar em especial este benefício;
XXVI. A preocupação fundamental da Recorrente quando impugnou as autoliquidações foi provar que reunia todas as condições de acesso ao regime dos benefícios fiscais à internacionalização;
XXVII. Só mais tarde, quando percebeu que a AT não iria proceder à contratualização do benefício fiscal reconhecido pelo Tribunal é que percebeu que não teria outra alternativa se não reivindicar a sua atribuição pela mesma via anterior: a judicial;
XXVIII. Foi por esta razão que a A…………, ora Recorrente, não cuidou de pedir especificamente a concessão do benefício previsto na alínea b) do nº 5 do artigo 39.º do EBF, isto é, a eliminação da dupla tributação económica sobre os lucros distribuídos;
XXIX. Por esse motivo, as sentenças do TAFA revestiram, efetivamente, a qualidade de condição do direito da peticionante a ver alterado ou modificado o ato tributário e que, por isso mesmo, também neles se apreciou uma questão prejudicial essencial à concessão do benefício fiscal em causa;
XXX. Por essa razão, a ação de impugnação não pode considerar-se intempestiva relativamente aos anos de 2001, 2002 e 2003, pois deve considerar-se que o prazo de 120 dias para a reclamação graciosa se conta nos termos do n.º 4 do artigo 70.º do CPPT, por estar em causa sentença superveniente;
XXXI Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que da fundamentação expendida pelo tribunal que sustentou a procedência do pedido relativamente, aos anos de 2005 e 2006 terão necessariamente de retirar-se as devidas consequências relativamente aos anos anteriores, na medida em que o mérito a apreciar em todos esses anos diz respeito à mesma matéria;
XXXII. Uma vez que o tribunal a quo, quanto ao mérito dos pedidos relativos aos anos de 2005 e 2006 que apreciou, deu procedência ao pedido da Recorrente com fundamento na violação da liberdade fundamental de circulação de capitais, tal não pode deixar de ter consequências também em sede de apreciação da alegada exceção de caducidade do direito de ação relativamente aos exercícios de 2001, 2002 e 2003;
XXXIII. Os atos de autoliquidação em causa — e isto quer relativamente aos exercícios de 2001, 2002 e 2003, quer relativamente aos exercícios de 2005 e 2006, uma vez que as questões a apreciar são as mesmas — padecem de nulidade, e não anulabilidade, qualificação que, naturalmente, tem consequências para apreciar da existência da exceção de caducidade do direito de ação;
XXXIV. Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que a exceção de caducidade do direito de ação não poderia ter sido declarada procedente também por se tratarem de atos nulos e não meramente anuláveis cujo vício é invocável a todo o tempo, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 102.º do CPPT;
XXXV. O critério do artigo 133.º do CPA (então em vigor) adotado pelo legislador, quando prevê que são nulos os atos administrativos a que falte qualquer dos elementos essenciais é um critério material e não meramente estrutural;
XXXVI. A circunstância de a lei portuguesa ter adotado um modelo de tipo ou de cláusula geral apela a uma conceção substancial de nulidade, a qual, tendo como razão de ser a prevalência da legalidade sobre a segurança e a estabilidade, há-de reportar-se à gravidade dos vícios do ato, comparada com as situações mais comuns e veniais de ilegalidade;
XXXVII. Deve, pois, apelar-se a um “juízo valorativo de gravidade” de modo a alargar o conceito de “nulidade substancial” em relação aos casos expressamente identificados no n.º 2 do artigo 133.º do CPA, “em detrimento da mera qualificação formal fruto de decisão legislativa”;
XXXVIII. Neste sentido, a nulidade está pensada também para as situações de especial gravidade atentatórias de valores e princípios fundamentais do ordenamento, como sucede com a violação da liberdade de circulação de capitais;
XXXIX. Assim, a cláusula geral da nulidade deve ser entendida no sentido de incluir “não apenas os vícios graves relativos aos elementos estruturais do ato administrativo, mas também aqueles vícios que estão em desarmonia com os valores fundamentais plasmados na Constituição e no próprio sistema jurídico. Um acto administrativo que viole estes princípios e valores imanentes do Direito torna-se insuportável para o ordenamento jurídico e, assim sendo, impõe-se a invalidade radical desse acto.”
XL. Como exemplo paradigmático aponte-se a violação de princípios ou valores constitucionais e de direito da União Europeia;
XLI. Tais atos devem considerar-se nulos por apelo a este critério material, substancial ou, se se preferir, de nulidade por natureza;
XLII. Os atos administrativos contrários ao direito da União são inconstitucionais por violação do artigo 8°, n.º 4, da CRP que com o primado do direito da União sobre o direito interno;
XLIII. Mas, mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que a ordem jurídica da União é, também ela, composta por valores e princípios estruturantes que se impõem aos ordenamentos jurídicos nacionais dos Estados Membros;
XLIV. E esses valores ou princípios estruturantes representam, em si, valores fundamentais que se impõem à atividade administrativa;
XLV. A inconstitucionalidade de um ato não pode deixar de considerar-se como um vício especialmente gravoso, uma vez que as normas constitucionais ocupam o topo da hierarquia das normas jurídicas;
XLVI. A par do princípio da legalidade impõe-se à atividade administrativa também o princípio da constitucionalidade;
XLVII. A inconstitucionalidade dos atos administrativos que violem diretamente a Constituição é uma forma agravada de invalidade que deve qualificar-se prima facie como nulidade, sem prejuízo de ponderação in casu, à semelhança do que sucede em sede de fiscalização da constitucionalidade das normas, impondo-se uma interpretação sistemática e devidamente integrada destas duas realidades, por forma a conferir coerência ao sistema quando esteja em causa o desvalor da constitucionalidade;
XLVIII. A afirmação, sem mais, da possibilidade de convalidação desses atos com o decurso do tempo associada ao vício da anulabilidade por referência ao critério residual do CPA representaria uma derrogação à Lei Fundamental em termos manifestamente inadmissíveis e contrários à intenção do legislador constituinte quando associa ao desvalor da inconstitucionalidade a possibilidade de invocação e declaração a todo o tempo;
XLIX. Também os princípios e valores fundamentais da União constituem parâmetro de referência para a validade dos atos administrativos dos vários ordenamentos jurídicos nacionais, aqui se incluindo as liberdades constantes dos tratados, como o princípio da livre circulação de capitais, que se aplica diretamente aos Estados Membros;
L. Esta é uma liberdade fundamental e estruturante da União e, como tal, faz parte dos valores e princípios fundamentais dos ordenamentos jurídicos nacionais;
LI. O caráter basilar e estruturante deste princípio é claro face á sua prevalência sobre a reciprocidade e sobre a manutenção da capacidade negocial dos Estados Membros mesmo face a países terceiros, pelo que qualquer ato administrativo que o viole deve considerar-se nulo;
LII. A violação direta de uma liberdade fundamental da União, como a liberdade de circulação de capitais, em detrimento do direito da União e da Constituição acarreta, pois, a nulidade dos respetivos atos;
LIII. Está em causa a violação direta do Direito da União, assim como também se está a violar diretamente a Constituição, pois a norma violada corresponde a uma liberdade fundamental que se aplica diretamente aos Estados Membros sem necessidade de legislação ou regulamentos que lhe deem execução;
LIV. Esta aplicabilidade direta da livre circulação de capitais redunda no vício da nulidade para os atos que a afetem, pois não está em causa qualquer norma programática ou com necessidade de intermediação legislativa;
LV. Por outro lado, não há no caso sub judice valores que, em ponderação, devam fazer prevalecer o vício da anulabilidade sobre o da nulidade;
LVI. Pelo contrário, o princípio da proteção da confiança afetado com a decisão que deu procedência à exceção de caducidade do direito de ação reclama que se reconheça, nesta sede, que o vício de que padecem os atos de autoliquidação relativamente a todos os anos é o da nulidade, pois, como vimos, a Administração Tributária nunca em sede de procedimento administrativo veio por em causa a tempestividade da Reclamação Graciosa;
LVII. Em suma, devendo prima face considerarem-se os atos de autoliquidação em causa nulos por violação da liberdade de circulação de capitais, também um juízo feito a posteriori, em nome do princípio da proporcionalidade, reclama essa mesma solução in casu;
LVIII. Os atos de autoliquidação em causa, por violarem uma liberdade fundamental de direito da União — a liberdade de circulação de capitais, devem, assim, considerar- se nulos, quer por violação de normas estruturantes do direito da União, e, logo, da ordem jurídica portuguesa, quer por inconstitucionalidade, por violação do artigo 8°, n.º 4, da CRP;
LIX. Sendo os atos de autoliquidação nulos relativamente a todos os exercícios, terá necessariamente de concluir-se pela tempestividade da ação relativamente a todos os atos, pois o vício da nulidade não é sanável e é invocável a todo o tempo, podendo ser declarado também a todo o tempo, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 102.º do CPPT;
LX. Acresce que a decisão do tribunal a quo, ao fazer improceder o pedido da Recorrente por razões formais, viola também o princípio da efetividade ou do efeito útil do Direito da União Europeia, que constitui uma decorrência do primado enquanto princípio estruturante do Direito da União;
LXI. Em nome deste princípio, o Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de os tribunais nacionais deverem garantir o pleno efeito das normas da União, afastando as normas nacionais se necessário;
LXII. Decorre deste princípio que o juiz nacional responsável, no âmbito das suas competências, por aplicar disposições de direito da União Europeia, tem obrigação de assegurar o pleno efeito de tais normas, decidindo, por autoridade própria, se necessário for, da não aplicação de qualquer norma de direito interno que as contrarie, ainda que tal norma seja posterior, sem que tenha de solicitar ou esperar a prévia eliminação da referida norma por via legislativa ou por qualquer outro processo constitucional;
LXIII. Ora, a interpretação do Tribunal (em contraste aliás com a da AT) em matéria de caducidade conduziria precisamente a tornar in casu impossível o exercício dos direitos da A…………, em violação do princípio da efetividade;
LXIV. Face ao exposto, terá também de proceder o pedido da Recorrente relativamente aos exercícios de 2001, 2002 e 2003.»

2 – Por sua vez a Fazenda Pública veio apresentar as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«I. A Impugnante detém uma participação direta de cerca de 98,72% na sociedade filial, pelo que exerce uma influência significativa nas decisões da sociedade tunisina, razão porque, de acordo com jurisprudência assente do TJUE, estamos perante a liberdade de estabelecimento.
II. A liberdade de estabelecimento não é estendida a países terceiros!
III. É apenas quanto à liberdade de circulação de capitais que se coloca o problema de não restrição à livre circulação de capitais entre Estados Membros e Países Terceiros - art. 63.º TFUE (anterior art. 56.º TCE).
IV. São admitidas restrições a países terceiros, desde que entrou em vigor em 31 de Dezembro de 1993, ao abrigo de legislação nacional adotada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolvam investimento direto, incluindo o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais.
V. Com efeito, aplica-se uma cláusula de salvaguarda a esta situação, pelo que são admissíveis restrições de âmbito nacional, designadamente as constantes do art. 51.º CIRC (anterior art. 46.º), a países terceiros, desde que envolva investimento direto, incluindo o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais. É este o entendimento que resulta do art. 57º do TCE (atual art. 63.º do TFUE).
VI. Face ao disposto nos art.° 56.º e 58.º do TCE, e com o objetivo de se evitar situações de abuso e fraude fiscal relativamente a investimentos de capitais em países terceiros, não fica prejudicado o direito de os Estados-Membros Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido e tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
VII. Estas restrições são legítimas na medida em que são justificadas, porque são uma das formas de garantir a defesa do interesse nacional contra a fraude e evasão fiscal.
VIII. Não existe violação do Acordo Mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Tunísia por outro, pois que o seu art. 34.º deve ser lido em conjugação com o art. 89.º do Acordo o que afasta quaisquer consequências daquele artigo que se traduzam em aumento das vantagens concedidas nos termos da Convenção de Dupla Tributação celebrada com a Tunísia, pelo que dele não resulta qualquer obrigação de aplicação do art. 46.º, n.º1 do Código do IRC aos lucros distribuídos por sociedades residentes na Tunísia.
IX. Tal resulta do disposto no primeiro travessão do artigo 89.º do Acordo, que estabelece:
“Nenhuma disposição do presente acordo pode ter por efeito: aumentar as vantagens concedidas por uma parte no domínio fiscal em qualquer acordo ou convénio internacional que vincula essa mesma parte;”.
X. Na medida em que se traduz numa redução da matéria coletável, a atenuação da dupla tributação económica é indubitavelmente uma vantagem fiscal.
XI. Na Convenção celebrada entre a República Portuguesa e a República da Tunísia, para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/2000, de 31 de Março de 2000 as Partes entenderam não estabelecer aí tal vantagem. Assim, nos termos do artigo 89.º do Acordo Euro-Mediterrânico celebrado com a Tunísia, não pode tal vantagem ser agora conferida ao abrigo do artigo 34º deste Acordo Euro-Mediterrânico.
XII. A entender-se o contrário, o tratamento distinto aplicado aos dividendos distribuídos por uma sociedade residente na Tunísia seria, sempre e em todo o caso, justificado por razões de interesse geral relacionadas com a eficácia dos controlos fiscais, atendendo a que não existe com aquele Estado um quadro de cooperação como o estabelecido na Diretiva 77/199/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio da fiscalidade direta, relevante no período temporal em apreço.
XIII. No caso dos presentes autos, não são aplicáveis as regras da eliminação da tributação económica interna, pois os lucros são sujeitos a tributação em Estados diferentes: o Estado da sociedade que distribuiu os lucros, Tunísia, e o Estado da Sociedade que aufere os lucros, Portugal, sendo, aplicável a Convenção celebrada entre a República Portuguesa e a República da Tunísia, para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento (CDT).
XIV. Atento o disposto nos art.ºs 10.º 1 e 22.º da CDT, entendemos que o caso em apreço integra-se no conceito de Direito de Estabelecimento constante do art. 49º do TFUE (anterior art. 43º do TFUE) e no seu corolário de liberdade de estabelecimento, pelo facto de a Impugnante deter a participação maioritária na sociedades sua participada, bem como o seu controlo total, nomeadamente a nível de gestão.
XV. Não se encontra em causa a aplicação do art. 56.º do TCE e do art. 34º do Acordo Euro-Mediterrânico, nem a questão relativa à proibição de restrições com países terceiros fora da União Europeia, quanto aos rendimentos pagos a entidades nacionais sob a forma de lucros ou dividendos.
XVI. O caso concreto encontra-se, exclusivamente, abrangido pela liberdade de estabelecimento, a qual não se estendendo a Estados Terceiros, não pode ser invocada para justificar qualquer eventual violação das disposições do TCE relativas às liberdades de circulação resultante da não aplicação do regime consagrado no n.º 1 do art. 46º do código do IRC aos lucros distribuídos pela “B…………” à Impugnante.
XVII. Não há previsão legal para a eliminação da dupla tributação económica internacional relativamente a rendimentos percebidos de entidades residentes em países terceiros, ou seja, fora da União Europeia.
XVIII. Estes mecanismos de eliminação da dupla tributação económica aplicam-se apenas aos casos nele previstos, pelo que segundo o princípio da legalidade que enforma este normativo não é possível estendê-lo a outras situações nele não previstas.
XIX. Esta falta de previsão normativa não é violadora de nenhuma disposição ou princípio vigente na ordem comunitária e internacional.
XX. Não se verifica qualquer erro na autoliquidação, nem qualquer ilegalidade do ato de liquidação, pelo que o Douto Tribunal recorrido, ao decidir como o fez violou o art. 46.º do CIRC, na redação vigente à data, os Arts. 34.º e 89.º do Acordo Euro-Mediterrânico celebrado entre a UE e a Tunísia e os arts. 63.º e 64.º do TFUE.
XXI. Inexistindo qualquer erro imputável ao serviço de que tenha resultado no pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, não é devido à impugnante qualquer montante a título de juros indemnizatórios, pelo na sentença ora recorrida foram, igualmente, violados os n.ºs 1 e 2 do art. 43º da LGT

Foram apresentadas contra-alegações pela A…………, SA com as seguintes conclusões:
I. Não assiste razão ao Ilustre Representante da Fazenda Pública quando refere que pelo facto de a Recorrida exercer uma influência dominante na sociedade tunisina fica excluído o âmbito de aplicação da livre circulação de capitais.
II. A apreciação da conformidade do artigo 46.º da CIRC com o Direito da União Europeia não deve ser feito à luz da liberdade de estabelecimento, mas antes à luz da liberdade de circulação de capitais.
III. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União que o tratamento fiscal dos dividendos é suscetível, em abstrato, de estar abrangido quer pelo âmbito de aplicação do artigo 49.° TFUE relativo à liberdade de estabelecimento, quer pelo artigo 63.° TFUE relativo à livre circulação de capitais, colocando-se questão de saber, em concreto, quando é que uma legislação nacional está abrangida por uma ou outra das liberdades.
IV. Resulta também jurisprudência bem assente do Tribunal de Justiça que se deve ter em conta o objeto da legislação em causa como critério determinante, e não os factos.
V. Este critério estabelece que a liberdade de circulação de capitais não é suscetível de ser invocada nos casos em que a disposição doméstica em apreço apenas se aplique a situações onde a participação social do particular em causa confira uma “influência certa ou dominante” sobre as decisões da subsidiária e permita então ao sócio determinar as suas atividades.
VI. Ao invés, se a lei doméstica abstrair de tal “influência certa ou dominante” — isto é, se a norma doméstica se aplicar independentemente do nível de participação detida na subsidiária — a liberdade de circulação de capitais passara já a gozar de plena aplicação.
VII. Neste sentido, uma legislação nacional que apenas é aplicável às participações que permitem exercer uma influência certa sobre as decisões duma sociedade e determinar as respetivas atividades está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 49.° TFUE, relativo à liberdade de estabelecimento.
VIII. Pelo contrário, as disposições nacionais aplicáveis a participações efetuadas com a única finalidade de realizar uma aplicação financeira, sem intenção de influenciar a gestão e o controlo da empresa, devem ser examinadas exclusivamente à luz da liberdade de circulação de capitais.
IX. No que respeita ao tratamento fiscal dos dividendos originários de um Estado terceiro, o exame do objeto de uma legislação nacional é suficiente para apreciar se o tratamento fiscal desses dividendos está abrangido pelo âmbito de aplicação das disposições do TFUE relativas à livre circulação de capitais.
X. Uma sociedade residente num Estado-Membro e que detenha uma participação numa sociedade residente num país terceiro que lhe confere uma influência certa nas decisões desta última sociedade e lhe permite determinar as suas atividades pode invocar o artigo 63.º TFUE para pôr em causa a conformidade com esta disposição de uma legislação do referido Estado-Membro relativa ao tratamento fiscal de dividendos originários do referido país terceiro, não exclusivamente aplicável às situações em que a sociedade mãe exerce uma influência decisiva na sociedade que procede à distribuição dos dividendos.
XI O artigo 46.º do CIRC em vigor à data dos factos não estabelece como sua condição de aplicação a necessidade de a sociedade beneficiária dos dividendos deter uma percentagem que represente, por si só, uma influência dominante sobre a afiliada.
XII. Ou seja, a legislação nacional aplica-se tanto a situações de “investimento direto”, como a situações de investimentos meramente financeiros, abstraindo por completo do valor da percentagem detida pelo sócio na afiliada.
XIII. O artigo 46.º do CIRC deve, pois, ser apreciado à luz da liberdade de circulação de capitais, pois não se aplica exclusivamente às situações em que a sociedade- mãe exerça uma influência decisiva na sociedade que procede à distribuição dos dividendos.
XIV. Não assiste também razão ao Ilustre Representante da Fazenda Pública quando afirma que seria aplicável aos autos a cláusula de salvaguarda constante do artigo 64.º do TFUE.
XV. Com efeito, a restrição constante da legislação portuguesa à livre circulação de capitais não se encontrava habilitada em qualquer causa de justificação, nem tão- pouco ao abrigo da cláusula de salvaguarda do então artigo 64.°, n.º 1 do TFUE, uma vez que a introdução do DL n.º 401/99 e do art. 42.º do EBF impede a reposição da dupla tributação económica de dividendos provenientes de países terceiros.
XVI. O artigo 64.º do TFUE permite que, existindo restrições em vigor em 31 de dezembro de 1993 ao abrigo de legislação nacional ou da União adotada em relação a certos movimentos de capitais com países terceiros que envolvam, entre outras operações, o investimento direto, seja possível obstar à livre circulação de capitais, uma vez que o contexto jurídico da liberalização dos movimentos de capitais são diferentes consoante se trate de relações entre Estados-Membros e países terceiros ou entre Estados-Membros.
XVII. No entanto, tendo no caso sub judice sido celebrado com a Tunísia um acordo em 1 de março de 1998, com incidência em matéria fiscal, o qual constitui fonte de direito interno, as disposições suscetíveis de ser reconduzidas à cláusula de salvaguarda, isto é, aquelas que estivessem em vigor em 31 de dezembro de 1993, deixaram de ser aplicadas.
XVIII. O artigo 34.º do Acordo com a Tunísia, enquanto norma subsequente às normas vigentes em 1993, que reveste natureza superior e que além disso assume natureza especial, sobrepõe-se necessariamente a elas, pelo que afasta uma eventual cláusula de salvaguarda que pudesse impedir a aplicação plena da liberdade de circulação de capitais relativos a investimentos diretos na Tunísia.
XIX. Por outro lado há que atender à aplicação direta do disposto no artigo 34.º do Acordo PT/Tunísia, do qual, depois de tida em atenção a sua natureza, contexto, clareza e precisão decorre que o mesmo possa ser aplicado diretamente sem necessidade de adoção de qualquer medida subsequente.
XX. Contrariamente ao alegado pelo Ilustre representante Fazenda Pública, o artigo 89.º do Acordo PT/Tunísia não põe em causa o afastamento do regime discriminatório do artigo 46.º do CIRC.
XXI. Desde logo porque o primeiro efeito que o aludido artigo 89º pretende evitar é o aumento de vantagens fiscais (por via do acordo) concedidas por qualquer das partes no âmbito de outro acordo.
XXII. Ora, as cláusulas relativas à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de capitais não aumentam quaisquer vantagens concedidas por uma das partes no domínio fiscal face a um qualquer convénio internacional celebrado para o efeito.
XXIII. A atenuação da dupla tributação económica não é uma vantagem fiscal.
XXIV. O ADT entre Portugal e a Tunísia limita-se a consagrar soluções negociais acordadas entre os dois países destinadas a evitar que um mesmo facto tributário, pertencente ao mesmo sujeito passivo e no mesmo período de tempo, seja tributado nos dois Estados — i.e. pretende resolver ou mitigar os efeitos da denominada dupla tributação jurídica e não os problemas relativos à dupla tributação económica.
XXV. A dupla tributação económica não é sequer objeto do ADT entre Portugal e Tunísia.
XXVI. O regime constante do artigo 46.º do CIRC, diz respeito, única e exclusivamente, a regras domésticas de eliminação da dupla tributação económica, questão que o ADT entre Portugal e Tunísia não pretende resolver, sendo uma questão excluída do seu respetivo âmbito material.
XXVII. Por isso mesmo, e contrariamente ao alegado pela Fazenda Pública não resulta num “aumento das vantagens concedidas” ao abrigo do ADT entre Portugal e Tunísia.
XXVIII. O segundo efeito que o artigo 89.º pretende evitar é impedir que o Acordo com a Tunísia ponha em causa a aplicação de medidas que contrariem a fraude ou evasão fiscal.
XXIX. Ora, não há na legislação portuguesa, ao não estender as regras da eliminação da dupla tributação económica à generalidade das sociedades residentes em países terceiros, qualquer propósito de evitar fluxos de capitais para a Tunísia, que nem sequer é considerado um paraíso fiscal. Aliás, do próprio Acordo com a Tunísia constam determinadas cláusulas que impedem essa conclusão, como o teor do artigo 25.º que prevê a troca de informações entre as partes ou do artigo 23°.
XXX. Consequentemente, a fraude ou a evasão fiscal não podem ser invocadas para obstar à plena aplicação, no caso em concreto, da liberdade de circulação de capitais que surgem previstas no Acordo com a Tunísia, não estando verificados quaisquer indícios de qualquer situação de evasão ou fraude.
XXXI. Não assiste também razão à Fazenda Pública quando considera existir uma causa de justificação para o tratamento discriminatório conferido pela legislação portuguesa, invocando razões de interesse geral relacionadas com a eficácia dos controlos fiscais as quais, segundo alega e não concretiza, justificariam a não aplicação das regras internas de eliminação da dupla tributação.
XXXII. Embora o artigo 65.º do TFUE permita justificar o tratamento discriminatório conferido por uma legislação doméstica sempre que tal se relevasse necessário por razões de interesse geral, nomeadamente, para facilitar os chamados controlos fiscais, o Tribunal de Tribunal de Justiça da União Europeia tem adotado um entendimento bastante restritivo das causas de justificação que efetivamente habilitam disposições domésticas restritivas e discriminatórias.
XXXIII. A razão invocada pela Autoridade Tributária para justificar a restrição à liberdade de circulação de capitais ao abrigo de razões de interesse geral (artigo 65.° do TFUE) — concretamente, facilitar os controlos fiscais — não pode ser aceite.
XXXIV. É certo que quando a legislação de um Estado- Membro faz depender uma vantagem fiscal de requisitos cuja observância só pode ser verificada mediante a obtenção de informações junto das autoridades competentes de um país terceiro, esse Estado-Membro pode, em princípio, recusar-se a conceder essa vantagem se for impossível obter essas informações junto desse país terceiro, designadamente por não existir para esse país a obrigação convencional de fornecer informações.
XXXV. Tal não é o que sucede no caso em apreço, pois a convenção celebrada entre Portugal e a Tunísia prevê a troca de informações.
XXXVI. Com efeito, os artigos 61º e 65.º do TFUE opõem-se à legislação — no caso concreto o artigo 46.º do CIRC — de um Estado-Membro (Portugal) que não conceda isenção de imposto sobre o rendimento aos dividendos distribuídos por uma filial residente num Estado terceiro (Tunísia) com o qual tenha sido celebrada uma convenção que preveja a troca de informações.
XXXVII. Não pode, por conseguinte, proceder o argumento da alegada causa de justificação para o tratamento discriminatório conferido pela legislação portuguesa, não se verificando qualquer causa que legitime qualquer restrição à regra da livre circulação de capitais.»

3 – O Exmº Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência de ambos os recursos, conforme bem fundamentado parecer de fls. 1160/1168, a cujo teor infra se fará alusão.

4 – Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

5 – O Tribunal Tributário de Lisboa considerou como provados os seguintes factos com interesse para a decisão:

1) A impugnante, A…………, S.A., pessoa colectiva n.º ………, é uma sociedade de direito português, com sede no ………, concelho de Setúbal, e tem como objecto social o fabrico e venda de cimentos e seus derivados (cfr. certidão de fls. 365 a 375 dos autos);
2) Em 13/01/2000, a impugnante adquiriu uma participação financeira na sociedade cimenteira tunisina “B…………”, representativa de 98,707% do respectivo capital social (cfr. fls. 220 a 249 e 776 a 790);
3) Na sequência da aquisição das acções referidas no número anterior, em 15/05/2000, a impugnante apresentou junto do ICEP-Investimentos, Comércio e Turismo de Portugal, um formulário de candidatura aos benefícios fiscais previstos no Decreto-Lei n.º 401/99, de 14 de Outubro (cfr. fls. 252 a 407);
4) Em 30/10/2001, o ICEP pronunciou-se favoravelmente sobre a concessão à A………… de um incentivo fiscal no montante de 1.200.000 contos, relativos ao exercício de 2000 (cfr. fls. 409 a 425);
5) Através do ofício n.º 026555, datado de 21/06/2002, a Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais notificou a impugnante de que por despacho n.º 340/2002-XV, de Sua Excelência o Secretário dos Assuntos Fiscais, proferido em 02/06/2002, o projecto de investimento na Tunísia da A………… não reúne as condições necessárias para atribuição de benefícios fiscais (cfr. fls. 408, 810 a 816);
6) Por Despacho n.º 974/2007-XVII, de 03/08/2007, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que aqui se dá por integralmente reproduzido, foram clarificados os critérios e condições de acesso aos incentivos fiscais ao investimento estrangeiro, o qual reconheceu que não cabe à Administração Fiscal pronunciar-se sobre o interesse estratégico dos projectos de investimento para a internacionalização da economia portuguesa (cfr. fls. 504 a 506);
7) A A………… impugnou judicialmente, ao abrigo do n.º 3, do artigo 131.º do CIRC, as autoliquidações de IRC, dos exercícios de 2000 a 2001, no que respeita aos benefícios fiscais, que se traduzem em crédito fiscal, que não tinham sido reconhecidos pela Direcção dos Serviços dos Benefícios Fiscais, cuja impugnação correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, com o n.º 129/2002, tendo sido julgada procedente por sentença proferida em 25/01/2008, que aqui se dá por integralmente reproduzida, onde se concluiu «Face ao exposto verifica-se que efectivamente as autoliquidações dos exercícios de 2000 e 2001 devem ser corrigidas no sentido de ser deduzido o crédito de imposto decorrente do benefício fiscal do art. 39.º do EBF no montante de € 997.595,79 em cada um dos exercícios (limite previsto na alínea a) do n.º 5 do art. 39.º do EBF e que corresponde a 200.000 contos).» (cfr. fls. 426 a 430; e artigo 18.º da p.i.);
8) A A………… impugnou judicialmente, ao abrigo do n.º 3, do artigo 131.º do CIRC, a autoliquidação de IRC, do exercício de 2002, no que respeita aos benefícios fiscais, que se traduzem em crédito fiscal, que não tinham sido reconhecidos pela Direcção dos Serviços dos Benefícios Fiscais, cuja impugnação correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, com o n.º 151/2003, tendo sido julgada procedente por sentença proferida em 25/01/2008, que aqui se dá por integralmente reproduzida, onde se concluiu «Face ao exposto verifica-se que efectivamente a autoliquidação do exercício de 2002 deve ser corrigida no sentido de ser deduzido o crédito de imposto decorrente do benefício fiscal do art. 39.º do EBF no montante de € 997.595,79 (limite previsto na alínea a) do n.º 5 do art. 39.º do EBF e que corresponde a 200.000 contos).» (cfr. fls. 431 a 436; e artigo 18.º da p.i.);
9) A A………… impugnou judicialmente, ao abrigo do n.º 3, do artigo 131.º do CIRC, a autoliquidação de IRC, do exercício de 2004, no que respeita aos benefícios fiscais, que se traduzem em crédito fiscal, que não tinham sido reconhecidos pela Direcção dos Serviços dos Benefícios Fiscais, cuja impugnação correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, com o n.º 617/05.7BEALM, tendo sido julgada procedente por sentença proferida em 06/02/2008, que aqui se dá por integralmente reproduzida, onde se concluiu «Face ao exposto verifica-se que efectivamente a autoliquidação do exercício de 2004 deve ser corrigida no sentido de ser deduzido o crédito de imposto decorrente do benefício fiscal do art. 39.º do EBF no montante de € 997.595,79 (limite previsto na alínea a) do n.º 5 do art. 39.º do EBF e que corresponde a 200.000 contos).» (cfr. fls. 434 a 441);
10) A A…………, na sequência do indeferimento de reclamação graciosa, apresentou impugnação judicial, com referência à autoliquidação de IRC, do exercício de 2003, no que respeita aos benefícios fiscais, que se traduzem em crédito fiscal, que não tinham sido reconhecidos pela Direcção dos Serviços dos Benefícios Fiscais, cuja impugnação correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, com o n.º 63/05.2BEALM, tendo sido julgada procedente por sentença proferida em 16/10/2008, que aqui se dá por integralmente reproduzida, onde se concluiu «Face ao exposto verifica-se que efectivamente a autoliquidação do exercício de 2003 deve ser corrigida no sentido de ser deduzido o crédito de imposto decorrente do benefício fiscal do art. 39.º do EBF no montante de € 997.595,79 (limite previsto na alínea a) do n.º 5 do art. 39.º do EBF e que corresponde a 200.000 contos).» (cfr. fls. 451 a 455);
11) Através do ofício n.º 02238, datado de 20/08/2008, a impugnante foi notificada do relatório de inspecção tributária, relativo ao ano de 2005, onde consta, sob a epígrafe “IX.3. Correcções oficiosas solicitadas pelo contribuinte”: a) Crédito Fiscal à Internacionalização (…) Assim, é de considerar na liquidação do IRC respeitante ao exercício de 2005 que será efectuada ao grupo fiscal A…………, a dedução do montante de €997.595,79 (novecentos e noventa e sete mil quinhentos e noventa e cinco euros e setenta e nove cêntimos), não podendo ultrapassar o limite da colecta. b) Dividendos distribuídos pela B………… (…)
iii) Dado que o investimento ocorreu no exercício de 2000, a fruição do benefício fiscal cessa em 2004. Face ao exposto, o benefício reclamado nos termos da alínea b) do n.º 5 do artigo 39.º do EBF não é de ser relevado. No entanto, e ainda que tal fosse possível o mesmo implicaria um ajustamento, na sequência da dedução efectuada pelo sujeito passivo no valor de € 417.044,69, a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional, na esteira do preconizado quer no artigo 85.º do Código de IRC, quer na alínea b) do n.º 2 do artigo 22.º da Convenção para eliminação da dupla tributação celebrada entre Portugal e a Tunísia. (cfr. fls. 442 a 450);
12) A impugnante recebeu nos exercícios de 2001, 2002, 2003, 2005 e 2006 dividendos da B………… no montante total de € 10.616.257,05 (correspondentes a TND 15.818.318,17), distribuídos da seguinte forma:
- € 2.700.279,55, no exercício de 2001;
- € 1.074.485,00, no exercício de 2002;
- € 1.027.762,25, no exercício de 2003;
- € 2.780.297,95, no exercício de 2005;
- € 3.033.432,30, no exercício de 2006. (cfr. fls. 457 a 462, 463 a 466, 464 a 471, 472 a 475, 476 a 479, 480 e 791 a 804);
13) Os dividendos referidos no ponto anterior acresceram à matéria colectável da impugnante, em cada um dos anos em causa, foram tributados e determinam imposto a pagar, não tendo beneficiado de qualquer regime de eliminação de dupla tributação (cfr. fls. 480);
14) Por despacho conjunto n.º 1065/2005, de 15 de Dezembro, que aqui se dá por reproduzido, foi aprovada a minuta do contrato de concessão de benefícios fiscais, a celebrar entre o Estado Português, representado pelo ICEP e a sociedade C…………, S.A. (cfr. fls. 501 a 503);
15) Por despacho conjunto n.º 219/2006, de 23 de Fevereiro, que aqui se dá por reproduzido foi aprovada a minuta do contrato de concessão de benefícios fiscais, a celebrar entre o Estado Português, representado pelo ICEP e a sociedade D…………, S.A. (cfr. fls. 494 a 500);
16) Em 18/04/2008 foi emitido certificado de residência à sociedade “B…………”, com sede em ………, Tunísia, relativo ao ano de 2000 (cfr. fls. 481 e 805);
17) Em 18/04/2008 foi emitido certificado de residência à sociedade “B…………”, com sede em ………, Tunísia, relativo ao ano de 2001 (cfr. fls. 482 e 805 vº);
18) Em 18/04/2008 foi emitido certificado de residência à sociedade “B…………”, com sede em ………, Tunísia, relativo ao ano de 2002 (cfr. fls. 483 e 806);
19) Em 18/04/2008 foi emitido certificado de residência à sociedade “B…………”, com sede em ………, Tunísia, relativo ao ano de 2003 (cfr. fls. 484 e 806 vº);
20) Em 18/04/2008 foi emitido certificado de residência à sociedade “B…………”, com sede em ………, Tunísia, relativo ao ano de 2004 (cfr. fls. 485 e 807);
21) Em 18/04/2008 foi emitido certificado de residência à sociedade “B…………”, com sede em ………, Tunísia, relativo ao ano de 2005 (cfr. fls. 486 e 807 vº);
22) Em 18/04/2008 foi emitido certificado de residência à sociedade “B…………”, com sede em ………, Tunísia, relativo ao ano de 2006 (cfr. fls. 487 e 808);
23) Em 18/04/2008 foi emitido certificado de residência à sociedade “B…………”, com sede em ………, Tunísia, relativo ao ano de 2007 (cfr. fls. 488 e 808 vº);
24) Em 28/05/2008 a impugnante deduziu reclamação graciosa das autoliquidações de IRC dos exercícios de 2001, 2002, 2003, 2005 e 2006, na sequência da notificação das sentenças a que se referem os pontos 7), 8), 9) e 10) supra, em virtude da distribuição de dividendos da B…………, a qual foi indeferida por despacho de 15/01/2009, que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. procedimento de reclamação graciosa anexo);
25) Do indeferimento da reclamação graciosa, deduziu a impugnante recurso hierárquico, em 26/02/2009 (cfr. procedimento de recurso hierárquico apenso);
26) Através do ofício n.º 9656, de 26/07/2011 foi a impugnante notificada do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, cuja fundamentação se dá aqui por reproduzida (cfr. fls. 526 do procedimento de recurso hierárquico apenso);
27) Em 27/10/2011 foi deduzida a presente impugnação (cfr. carimbo aposto a fls. 1).


6. Do objecto dos recursos
Nos presentes autos foram interpostos dois recursos:
a) O recurso interposto pela impugnante A…………, SA (fls.1014), não conformada com o segmento da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de fls. 973 e seguintes que julgou verificada a excepção da caducidade do direito de acção em relação às autoliquidações dos exercícios de 2001, 2002 e 2003 e absolveu a Fazenda Pública da instância e do pedido;
b) O recurso interposto pela Fazenda Pública, que se insurge contra o segmento da sentença que julgou procedente a impugnação das autoliquidações dos exercícios de 2005 e 2006 e determinou a sua anulação parcial, no que respeita a não consideração da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, condenando ainda a Fazenda Pública na restituição do imposto pago indevidamente e no pagamento de juros indemnizatórios nessa parte.

7. O recurso apresentado pela A…………, SA

A questão objecto deste recurso reconduz-se a saber se padece de erro de julgamento a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou verificada a caducidade da acção de impugnação em relação aos actos tributários relativos aos exercícios de 2001, 2002 e 2003.

Enunciando como primeira questão a decidir a de saber se se verificava a caducidade da acção de impugnação judicial em relação aos actos tributários relativos aos exercícios de 2001, 2002 e 2003, questão esta que havia sido suscitada pelo Ministério Público em primeira instância, o Tribunal Tributário de Lisboa considerou que o fundamento invocado nas impugnações administrativa e contenciosa tinha por base o reconhecimento do direito ao benefício fiscal constante da alínea a) do n° 5 do artigo 39° do EBF em sentença do TAF de Almada, e do qual decorria, no entendimento da impugnante, o direito a ver reconhecido o benefício fiscal previsto na alínea b) do mesmo preceito legal, pelo que se colocava a questão de saber se a situação era enquadrável na previsão do n° 4 do artigo 70° do CPPT, ao abrigo do qual fora apresentada a reclamação graciosa.
Considerou a sentença recorrida que nos casos de autoliquidação de imposto pelo sujeito passivo, verificando-se posteriormente à sua apresentação a existência de erro nos factos em que assentou a liquidação e/ou na aplicação das normas legais, pode o contribuinte no prazo de dois anos, deduzir reclamação graciosa, a qual é obrigatória para abrir a via contenciosa, (artº 131º n.ºs 1 e 2 do CPPT).
Mais se ponderou que, se o fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária a reclamação graciosa prévia deixa de ser obrigatória, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º do mesmo diploma legal.
Considerou ainda o Tribunal Tributário de Lisboa que no caso em análise o fundamento quer da reclamação graciosa, quer da impugnação, era exclusivamente matéria de direito, sendo que não resultou provado nos autos que as autoliquidações relativas aos exercícios de 2001, 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, na parte respeitante à dedução dos dividendos distribuídos pela sociedade B…………, tenha sido efectuada com base em orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidas sobre a interpretação das normas tributárias que estivessem em vigor no momento do facto tributário, tal como definidas nos artigo 59.º e 68.º da LGT, tendo antes resultado da aplicação do regime legal vigente.

Entendeu-se ainda que, pese embora a reclamação graciosa prévia não fosse, no caso, obrigatória, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º do mesmo diploma legal, não haveria qualquer obstáculo a que fosse apresentada, nos termos gerais previstos no art. 70.º do CPPT.

Isto porque, ao abrigo do nº 4 deste artigo, o sujeito passivo que tiver deixado expirar o prazo a que alude o artigo 131.º do CPPT, poderá reobter o direito a deduzir reclamação graciosa perdido em face de sentença superveniente, que será sempre facultativa, se o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito (cfr. artigo 102.º e 131.º, n.º 2, ambos do CPPT).
E foi à luz do referido normativo que a sentença recorrida concluiu pela verificação da caducidade da acção, uma vez que se considerou que a situação não era enquadrável nos pressupostos previstos na citada disposição legal, por as sentenças não serem “supervenientes relativamente à possibilidade da impugnante usufruir do benefício da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, previsto no artigo 46° do CIRC”.

Não conformada com o assim decidido alega a Recorrente que enquanto o objecto da reclamação graciosa são os actos de liquidação de IRC, o objecto da impugnação é a decisão de indeferimento que recaiu sobre o recurso hierárquico, o que tem como consequências directas e imediatas ao nível do momento da apreciação da verificação dos pressupostos procedimentais e processuais relativamente a cada um desses atos.
Ora, entende a Recorrente que a AT considerou tempestivos tanto a reclamação graciosa como o recurso hierárquico, motivo pelo qual “os aludidos pressupostos procedimentais do meio de reacção prévio, já apreciado, escaparem necessariamente ao conhecimento do tribunal a quo, pelo facto de, depois de analisados pela AT, se tornarem caso decidido” .

Mais argumenta que a absolvição da instância da Fazenda Pública ofende o princípio da protecção confiança uma vez que aquando da notificação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico a Recorrente foi informada que poderia deduzir impugnação judicial, o que gerou legítima expectativa de poder sindicar tal acto. E que tal decisão viola também o princípio pro actione.
Considera igualmente que “o reconhecimento por sentença do TAF de Almada, do direito da Recorrente ao benefício fiscal constante da al. a) do n°5 do artigo 39° do EBF, constitui condição para a Recorrente ver reconhecido o benefício fiscal a que alude a al. b) do nº 5 da citada norma, ou seja, a dedução integral dos dividendos distribuídos pela B…………”.
Entende a Recorrente que “a relação de prejudicialidade entre a concessão do benefício fiscal constante da alínea a) do nº 5 do artigo 39º do EBF e a alínea b) do mesmo artigo não pode ser aferida desconsiderando o regime jurídico dos benefícios fiscais à internacionalização, tal como não pode desconsiderar o intuito e motivação da Recorrente quando impugnou as autoliquidações em causa pela primeira vez”.
Entende, assim, a Recorrente que o prazo para a reclamação graciosa se conta nos termos do nº 4 do artigo 70º do CPPT, por estar em causa sentença superveniente.

Sem prejuízo da anterior argumentação alega ainda a Recorrente que os actos tributários padecem de nulidade, sendo tal vício invocável a todo o tempo nos termos do nº 3 do artigo l02º do CPPT.
Neste segmento do recurso alega que a violação da liberdade de circulação de capitais configura uma situação de especial gravidade atentatória de valores e princípios fundamentais do ordenamento da União Europeia e por consequência da ordem jurídica portuguesa, designadamente do disposto no nº 4 do art. 8º da Constituição Portuguesa, e nessa medida fere de nulidade os atos tributários em causa.

Apreciando e decidindo.

7.1 Da alegada caducidade da acção de impugnação judicial em relação aos actos tributários relativos aos exercícios de 2001, 2002 e 2003
Vejamos então, fazendo uma prévia referência ao quadro normativo aplicável.
O artigo 131.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, na redacção em vigor à data da dedução da reclamação graciosa e da impugnação, dispunha o seguinte:
«1 – Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração.
2 – Em caso de indeferimento expresso ou tácito da reclamação, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a liquidação que efectuou, contados, respectivamente, a partir da notificação do indeferimento ou da formação da presunção do indeferimento tácito.
3 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º.»

Por sua vez os nºs 4 e 5 do artigo 70º, do Código de Procedimento e Processo Tributário dispõem o seguinte:

" 4. Em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar no prazo previsto no nº 1, este conta-se a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto.
5. Se os fundamentos da reclamação graciosa constarem de documento público ou sentença, o prazo referido no número anterior suspende-se entre a solicitação e a emissão do documento e a instauração e a decisão da acção judicial.”

Decorre daquele artº 131º, nº 1 que a existência de prévia reclamação graciosa é um pressuposto processual necessário para o recurso à via contenciosa se o sujeito passivo detectar a existência de um erro, quer nos factos em que assentou a liquidação, quer na aplicação das normas legais respectivas, e pretender impugnar.
Só assim não será se o fundamento da reclamação for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária (n.°s 1 e 3 daquele normativo).
Porém, como vem afirmando a jurisprudência desta secção (cfr. Acórdãos de 13.03.2013, recurso 825/12, de 22.05.2013, no proc. nº 0187/13, de 12.03.2014, recurso 1916/13, de 26.02.2014, recurso 481/13, de 29.10.2014, recurso 1502/12, de 16.11.2016, recurso 1487/13, e de 26.06.2019, recurso 622/18) mesmo nos casos em que a lei não obriga à interposição da reclamação graciosa prevista no art. 131º do CPPT para viabilizar o acesso à via contenciosa de impugnação – e que são os casos em que esta foi efectuada em conformidade com orientações genéricas emitidas pela administração tributária e a impugnação se restringe a matéria de direito (requisitos que não são, porém, cumulativos, conforme se deixou explicitado no acórdão proferido por esta Secção em 12/03/2014, no proc. nº 01916/13 e cuja posição foi reiterada no acórdão de 26/02/2014, no proc. nº 0481/13) – o interessado não fica impedido de a apresentar, isto é, não fica sujeito, caso queira reclamar do acto, a apresentar a reclamação no prazo geral previsto no art. 70º do CPPT (120 dias), podendo deduzi-la nos termos e prazo previstos no nº 1 do art. 131º do CPPT (2 anos) Também neste sentido vide Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume II, pags. 408 e 409) .

No caso vertente, como bem assinalado na sentença recorrida, o fundamento quer da reclamação graciosa, quer da impugnação era exclusivamente de matéria de direito. E não resulta dos autos que as autoliquidações relativas aos exercícios de 2001, 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, na parte respeitante à dedução dos dividendos distribuídos pela sociedade B…………, tivessem sido efectuadas com base em orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidas sobre a interpretação das normas tributárias que estivessem em vigor no momento do facto tributário, tal como definidas nos artigo 59.º e 68.º da LGT.

A reclamação graciosa podia assim ser apresentada no prazo geral previsto no art. 70º do CPPT ou nos termos e prazo previstos no nº 1 do art. 131º do CPPT.
Ora resulta do probatório que a reclamação graciosa das autoliquidações de IRC dos exercícios de 2001, 2002, e 2003 foi deduzida em 28.05.2008, ou seja, muito para além do prazo geral previsto no art. 70º do CPPT ou do prazo previsto no nº 1 do art. 131º do CPPT.
Porém a recorrente A………… deduziu a reclamação ao abrigo do disposto no artº 70º, nº 5 do CPPT, invocando como fundamento sentenças supervenientes do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada e alegando que lhe havia sido reconhecido o direito ao benefício fiscal constante da alínea a), do n.º 5, do artigo 39.º do EBF, motivo pelo qual pretendia que lhe fosse reconhecido o benefício fiscal a que alude a alínea b), do n.º 5 da citada norma - benefício da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, previsto no artigo 46.º do CIRC - ou seja, a dedução integral dos dividendos distribuídos pela B………….
Sendo este o fundamento legal da reclamação graciosa e do posterior recurso hierárquico foi também nesta perspectiva que a Administração Tributária alicerçou a sua decisão a indeferimento do recurso hierárquico no entendimento de que as sentenças do TAF de Almada não reconheciam à reclamante o benefício previsto na alínea b) do n°5 do artigo 39° do EBF, nem este estava dependente do reconhecimento do benefício previsto na alínea a) do mesmo normativo.

Por isso, como bem nota o Ministério Público no seu parecer, não procede a argumentação da recorrente no sentido de que se formou caso decidido sobre a questão da tempestividade da reclamação graciosa.
Desde logo porque a Administração Tributária não apreciou a questão nestes termos, mas sim em termos formais por referência à possibilidade da sua apresentação ao abrigo do nº4 do artigo 70° do CPPT.
Ora, tendo a Administração Tributária concluído pela irrelevância das sentenças do TAF de Almada para fundamentar a apresentação da reclamação ao abrigo de tal normativo e a inadmissibilidade da reclamação graciosa com tal fundamento, mostra-se implícito que a Administração considerou que esta devia ter sido apresentada nos termos do n°1 do artigo 131° (por estar em causa uma autoliquidação), cujo direito à data se mostrava precludido.
No mesmo sentido decidiu a sentença ao concluir que não se pode aceitar a tese da impugnante quando afirma que o reconhecimento judicial do acesso ao benefício fiscal previsto na alínea a) do n.º 5, do artigo 39.º do EBF, lhe abre novo prazo para impugnar as autoliquidações para ver reconhecido o benefício fiscal previsto na alínea b) da mesma norma.
E, neste ponto não merece censura a decisão do Tribunal Tributário de Lisboa.
De facto, como bem assinalou a decisão sindicada, as sentenças do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada proferidas nos processos identificados nos pontos 7), 8), 9) e 10) do probatório, não são supervenientes relativamente à possibilidade da impugnante usufruir do benefício da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, previsto no artigo 46.º do CIRC.

Vejamos
No caso vertente a recorrente A………… invocava como fundamento da sua reclamação graciosa, a que se seguiram os demais meios impugnatórios, as sentenças supervenientes do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada a que se referem os pontos 7, 8, 9 e 10 do probatório – fls. 426/430 e 431/436 dos autos e que foram proferidas no âmbito dos seguintes processos:
a) proc. nº 617/05.7BEALM, tendo por objecto a liquidação de 2004;
b) proc. nº 63/05.2BEALM, tendo por objecto a liquidação de 2003;
c) proc. nº 151/2003, tendo por objecto a liquidação de 2002;
d) proc. nº 129/2002, tendo por objectos as liquidações de 2000 e 2001.

Nos referidos processos o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada enunciou como questão a decidir a de saber “se a impugnante tinha ou não direito ao benefício fiscal previsto no artigo 39º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e Decreto-Lei nº 401/99, de 14 de Outubro, bem como o direito à dedução do respectivo crédito fiscal na autoliquidação" dos exercícios de 2000 a 2004, inclusive.

Era a seguinte a redacção dos nºs 4 e 5 do artº 39º EBF à data dos factos:

«4 - Os projectos de investimento directo efectuados por empresas portuguesas no estrangeiro, de montante igual ou superior a 50 000 000$00 (€ 249 398,95) de aplicações relevantes, que contribuam positivamente para os resultados da empresa e que demonstrem interesse estratégico para a internacionalização da economia portuguesa, podem beneficiar de incentivos fiscais, em regime contratual, com período de vigência até cinco anos, a conceder nos termos, condições e procedimentos definidos no Decreto-Lei n.º 401/99, de 14 de Outubro, de acordo com os princípios estabelecidos nos n.ºs 5 a 7.
5 - Aos promotores dos projectos de investimento referidos no número anterior podem ser concedidos os seguintes benefícios fiscais:
a) Crédito fiscal utilizável em IRC compreendido entre 10% e 20% das aplicações relevantes a deduzir ao montante apurado na alínea a) do n.º 1 do artigo 83.º do Código do IRC, não podendo ultrapassar em cada exercício 25% daquele montante com o limite de 200 000 000$00 (€ 997 595,79) em cada exercício;
b) Eliminação da dupla tributação económica nos termos e condições estabelecidos no artigo 46.º do Código do IRC, durante o período contratual, quando o investimento seja efectuado sob a forma de constituição ou de aquisição de sociedades estrangeiras.
Ora, considerando os factos dados como provados e o regime legal dos benefícios fiscais decorrentes do art. 39°, nºs 4 e 5, al. a) do EBF, do Decreto-Lei n° 401/99 de 14 de Outubro, e bem assim como as normas dos arts. 71º, al. a) e 59º e seguintes do CIRC, para apuramento do crédito de imposto, concluiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que o investimento efectuado pela impugnante respeitava os termos e condições definidos quer no artº 39° do EBF, quer no Decreto-lei n° 401/99, relativamente aos benefícios fiscais neles consagrados, e que se traduz na dedução de crédito de imposto.
No prosseguimento de tal discurso argumentativo concluiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que as autoliquidações sindicadas deviam ser corrigidas no sentido de ser deduzido o crédito de imposto decorrente do benefício fiscal do art. 39°, nº 5, al. a) do EBF no montante de € 997,595,79 (limite previsto na referida alínea a).
Em suma aquele tribunal debruçou-se apenas sobre a questão do direito da impugnante ao benefício fiscal previsto na alínea a) do nº 5 do artigo 39º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, tal como aliás havia sido peticionado.

Como se alcança do referido artigo 39º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, o legislador previu a possibilidade de concessão de benefícios fiscais ao investimento de natureza contratual em sede de investimento directo no estrangeiro, reunidos determinados requisitos, nas modalidades de "crédito fiscal" utilizável em IRC (nº 5, al. a) de "eliminação da dupla tributação económica", nos termos e condições estabelecidos no artigo 46º do CIRC (nº 5 al. b).
E, como bem se salienta na decisão recorrida, nos processos identificados nos pontos 7), 8), 9) e 10) do probatório, não foi peticionado o benefício previsto na citada alínea b), do n.º 5, do artigo 39.º do EBF, o qual não é automático, sendo a sua concessão objecto de contrato, aprovado por despacho do Ministro das Finanças, dependendo ainda o direito aos referidos benefícios ao cumprimento integral dos objectivos e obrigações contratuais (cfr. artigo 9.º, 10.º e 11, n.º 3 do Dec.-Lei n.º 401/99).
Em suma não se mostram reunidos os pressupostos da utilização da reclamação graciosa ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 4, do Código de Procedimento e Processo Tributário, com referência ao nº 1 do artigo 131º, do mesmo Código, na medida em que as sentenças proferidas nos processos nºs. 617/05.7BEALM, 63/05.2BEALM, 151/2003 e 129/2002, juntas aos autos, não tiveram como objecto o referido benefício de "eliminação da dupla tributação económica", previsto na alínea b) do nº 5 do artigo 39º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, nem as mesmas tiveram por objecto qualquer questão prejudicial de que dependesse a sua concessão.
Daí que se conclua que não merece censura a decisão recorrida ao julgar a reclamação graciosa manifestamente intempestiva, por ter sido apresentada após o decurso do prazo geral de reclamação e não se verificarem as circunstâncias que, nos termos do artº 70º, nº 4, do CPPT permitiriam a utilização de um prazo mais alargado.

O mesmo se dirá em relação à caducidade do direito de impugnar, que, como bem se assinala na decisão recorrida é uma consequência necessária da caducidade do direito de reclamar graciosamente contra o acto de autoliquidação.

É certo que, como nota o Exmº Magistrado do Ministério Público no seu parecer, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo vem também afirmando que a eventual intempestividade da reclamação graciosa não é indiferente ao resultado da impugnação judicial, podendo conduzir à improcedência do pedido por força do caso decidido ou resolvido e consequente inimpugnabilidade do acto (cf. neste sentido, Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário de 2/04/2009, no processo nº 0125/09, de 10.05.2017, recurso 1490/15, de 17.12.2014, recurso 1609/13 e de 18.09.2019, recurso 1398/17, todos in www.dgsi.pt.)
Porém, olhando para o caso dos autos forçoso é concluir que os fundamentos de tal jurisprudência não encontram aqui qualquer espaço de viabilidade.
É que, nos referidos arestos estavam em causa actos já firmados na ordem jurídica, por falta de atempado uso dos meios graciosos, que ali se impunha por estarem em causa actos emergente de autoliquidação em que - ao contrário do que sucede no caso sub judice – era necessária a interposição da reclamação graciosa prevista no art. 131º do CPPT para viabilizar o acesso à via contenciosa de impugnação.

Assim, atendendo a que a matéria controvertida é exclusivamente de direito e uma vez que a reclamação graciosa não foi apresentada no prazo geral (120 dias) previsto no art. 70º do CPPT, nem mesmo no prazo especial (de 2 anos) previsto no art. 131º, e porque, por outro lado, não se verificam as circunstâncias que, nos termos do artº 70º, nº 4, do CPPT permitiriam a utilização de um prazo ainda mais alargado, também a respectiva impugnação deduzida na sequência daquela, é intempestiva.

Com efeito, sendo a reclamação graciosa facultativa, por se considerar, na perspectiva legislativa, desnecessária, o prazo de impugnação judicial há-de contar-se nos termos gerais - artº 102º, nº 1, ex vi, artº 131º nº 3 do CPPT (impugnação contenciosa directa) - e não do indeferimento (expresso ou tácito) da reclamação graciosa.
Sob pena de se permitir que, mediante o expediente de reclamar graciosamente, para além do prazo legal para o efeito, se pudesse reabrir o prazo para impugnar judicialmente (artº 102º, nº 1 do CPPT) já precludido.
Improcede, pois, nesta parte, a argumentação da recorrente.


7.2 Carece igualmente de sentido a invocação de que a decisão recorrida ofende o princípio da protecção da confiança com base no facto de, a par da notificação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, a Recorrente ter sido informada que poderia deduzir impugnação judicial, o que gerou legítima expectativa na Recorrente de poder sindicar tal ato.
Como bem refere o Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo, não está em causa a possibilidade de a Recorrente sindicar a decisão da Administração Tributária, direito este que não foi posto em causa pela decisão recorrida. Mas sim de verificar os pressupostos legais da impugnação dos atos tributários. Ou seja, o facto de a Recorrente ter direito à impugnação da decisão da Administração Tributária, não lhe confere a possibilidade de impugnar os atos tributários relativamente aos quais deixou caducar o prazo legal de impugnação.

7.3 O mesmo se dirá em relação à alegada violação do princípio pro actione, que a recorrente invoca como corolário do direito de acesso à justiça contido no artº 20 da CRP.
Mas sem razão.
O princípio “pro actione plasmado no artº. 7.º do CPTA”, ou seja, o princípio da promoção do acesso à justiça como o legislador lhe chamou, “não significa – nem era essa, claro, a intenção do legislador -, muito longe disso, que os tribunais devam fazer tábua rasa das normas jurídicas onde vão consagrados os pressupostos processuais (salvo no caso especial da parte final do art. 288º/3 do CPC) ou outros requisitos e condições da prática regular dos actos processuais das partes. O processo administrativo não é propriamente dominado pelo princípio da informalidade: as regras processuais, mesmo que puramente adjectivas, são postas em consideração de interesses e valores relevantes, como os da segurança, da ordem pública, da justiça e da eficiência – e são para (fazer) cumprir, como é óbvio. O que se pede é que, pelo menos, quando subsistam dúvidas sobre o seu sentido e alcance ou quando da sua aplicação «cega», «literal», resulte uma injustiça grosseira ou uma sanção absolutamente gratuita, os tribunais as interpretem e apliquem no sentido mais favorável (ou menos desfavorável) à continuação do processo. Por outro lado, deve entender-se que o princípio em causa só é operativo quando se não lhe oponha o «favor» de um outro princípio com maior dignidade processual, como o do contraditório ou da igualdade, por exemplo: não pode considerar-se validamente praticado um acto processual de uma das partes ao abrigo de uma interpretação favorável da norma aplicável, se isso redundar num sacrifício do direito do contraditório da outra parte.” (cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA, vol. I, anot., Almedina, pag. 148/149)

Tem sido este, aliás, o entendimento do Tribunal Constitucional quando procede à apreciação da conformidade à Constituição de normas que determinam a irrecorribilidade de actos sujeitos a recurso hierárquico necessário ou de actos confirmativos (cf. os Acórdãos n.ºs 603/95 - Acórdãos do Tribunal Constitucional, 38.º vol., pp. 41 e segs; e 431/99, de 30 de Junho - inédito). Nos Acórdãos n.º 416/99 (Diário da República, 2.ª série, de 13 de Março de 2000) 357/2000, de 05.07.2000, o Tribunal Constitucional afirmou o seguinte: "não sendo o direito de acesso à justiça e aos tribunais um direito absoluto, não existe qualquer contradição entre a garantia constitucional de acesso à justiça e a delimitação pelo direito ordinário dos pressupostos ou requisitos de natureza processual para efectivação dessa garantia".

Louvando-nos na jurisprudência do Tribunal Constitucional citada e nas palavras transcritas dos autores referidos, haveremos, pois, de concluir que a invocação, pela recorrente, do princípio pro actione, não tem, no caso, qualquer sustentação fáctica ou legal.

7.4 Por último a recorrente invoca, sem prejuízo da anterior argumentação, que os actos tributários padecem de nulidade sendo tal vício invocável a todo o tempo, nos termos do nº 3 do artigo 102º do CPPT.
E isto porque alegadamente a violação da liberdade de circulação de capitais configura uma situação de especial gravidade atentatória de valores e princípios fundamentais do ordenamento da União Europeia e por consequência da ordem jurídica portuguesa, designadamente do disposto no nº 4 do art. 8º da Constituição Portuguesa, e nessa medida fere de nulidade os actos tributários em causa.
Não acompanhamos, porém, este entendimento.
É pacífico na doutrina e na jurisprudência que, de entre as ilegalidades do acto administrativo, a anulabilidade é regra geral.
Um acto que, em aplicação da lei ordinária, viole, por exemplo, o princípio da legalidade tributária não é nulo mas anulável (cf., entre outros, os Acs. do Supremo Tribunal Administrativo, recursos nºs. 022251, de 30.06.99, 2ª secção e 01259/04, de 22.06.05 do Pleno da secção do Contencioso Tributário).
Mas já assim não será relativamente a actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, actos esses que são nulos.
Com efeito nos termos do art. 133º nºs 1 e 2 al. d) do Código de Processo Administrativo (redacção então em vigor) são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, nomeadamente os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
Porém, a situação configurada nos autos - de violação da liberdade de circulação de capitais - não integra o conteúdo essencial de um desses direitos fundamentais.
É que os actos feridos de erro nos pressupostos de direito, por desconformidade, com normas de direito comunitário, das normas jurídicas nacionais aplicadas são meramente anuláveis, por ser esta a regra no nosso direito para os actos administrativos ofensivos dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis, conforme estabelecia o artigo 135º do Código de Procedimento Administrativo ( na redacção então em vigor), a não ser que a lei preveja outra sanção para essa violação, como resulta da conjugação deste artigo com o 133º nº 1 e 2.
Com efeito não se tratando de acto “a que falte qualquer dos elementos essenciais” (artigo 133º nº 1, citado), e não havendo norma que expressamente comine com a nulidade o acto praticado em ofensa a regras de direito comunitário, a sanção só pode ser a da anulabilidade do respectivo acto.
É o que igualmente acontece com os actos que aplicam normas legais inconstitucionais já que a jurisprudência não os vem considerando, em regra, nulos, mas apenas anuláveis, ou feridos de “invalidade atípica”, de qualquer forma, submetidos às regras próprias dos actos anuláveis, no que concerne à tempestividade da sua impugnação judicial.
Neste sentido se tem pronunciado este Supremo Tribunal Administrativo, em jurisprudência reiterada, nomeadamente nos acórdãos de 20.03.2002, recurso 026774, de 29.05.2002, recurso 368/02 e de 29.05.2002, recurso 368/02, para além dos citados pelo Exmº Magistrado do Ministério Público (acórdãos do STA de 9/10/96 (rec. 20.873), in Ap. DR de 28/12/98, pp. 2843 e ss, de 10/04/2002, proc 026390, de 05/06/2002, proc 026515, e de 26/06/2005, proc. 01259/04.)
Pelo que fica dito, e com a presente fundamentação, impõe-se concluir pela improcedência de todos os fundamentos do recurso jurisdicional recurso interposto pela A…………, SA.

8. O recurso apresentado pela Fazenda Pública

8.1 O recurso da Fazenda Pública vem interposto da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa na parte em que julgou procedente a impugnação das autoliquidações dos exercícios de 2005 e 2006, e determinou a sua anulação parcial no que respeita a não consideração da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, e condenou a Fazenda Pública na restituição do imposto pago indevidamente e no pagamento de juros indemnizatórios nessa parte.

A questão objecto deste recurso reconduz-se a saber se padece do vício de violação de lei a sentença recorrida ao ter considerado que a aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação constante do artigo 46° do CIRC, na redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, unicamente a sociedades com sede na União Europeia ou em Portugal configura uma violação da liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63° do TFUE e que todas as restrições relativas à circulação de capital e pagamentos entre os Estados-Membros, e entre estes e países terceiros, são proibidas.
Considerou o tribunal recorrido, aderindo à fundamentação da decisão arbitral proferida no processo nº 22/2013-T, que “a aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação constante do artigo 46º do CIRC unicamente a sociedades com sede na União Europeia ou em Portugal configura uma violação da liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63º do TFUE”, e que “todas as restrições relativas à circulação de capital e pagamentos entre os Estados-Membros, e entre estes e países terceiros, são proibidas”, invocando a este propósito a jurisprudência do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 13/11/2012, vertida no processo nº C-35/11, no sentido de que «uma sociedade residente num Estado-Membro e que detenha uma participação numa sociedade residente num país terceiro que lhe confere uma influência certa nas decisões desta última sociedade e lhe permite determinar as suas atividades pode invocar o artigo 63.° TFUE para pôr em causa a conformidade com esta disposição de uma legislação do referido Estado-Membro relativa ao tratamento fiscal de dividendos originários do referido país terceiro, não exclusivamente aplicável às situações em que a sociedade-mãe exerce uma influência decisiva na sociedade que procede à distribuição dos dividendos».
E pronunciou-se no sentido de que «o artigo 46.º do CIRC é claramente abrangido pela circulação de capitais, pelo que a recusa de um Estado em conceder eliminação da dupla tributação a dividendos com origem na Tunísia, quando essa eliminação é permitida a favor de dividendos de origem doméstica constitui, uma discriminação. Pois, como é óbvio, essa disposição limita a aquisição de ações nas sociedades desse país, o que não pode ser permitido».
Concluiu assim o Tribunal Tributário de Lisboa que «o artigo 63.º do TFUE impõe, portanto, a um Estado-Membro que aplique um sistema de eliminação da dupla tributação económica aos dividendos pagos a residentes por sociedade residentes que garanta tratamento equivalente aos dividendos pagos a residentes por sociedades residente na Tunísia», motivo pelo qual se deu como verificado o vício de violação de lei, «por incompatibilidade do n.º 1 do artigo 46.º do CIRC com o artigo 63.º do TFUE, na parte em que restringe a eliminação da dupla tributação económica através da isenção dos dividendos aos sujeitos passivos residentes em Portugal, Estados-Membros da União Europeia ou Estados do EEE».

Não conformada com o assim decidido alega Fazenda Pública que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 46º do CIRC, na redacção então em vigor, bem como os artigos 34º e 89º do Acordo Euro-Mediterrânico celebrado entre a UE e a Tunísia, e os arts. 63º e 64º do TFUE.
Para o efeito alega, em primeiro lugar, que ao deter uma participação maioritária na sociedade sua participada, bem como o seu controlo total, nomeadamente a nível de gestão, a situação configurada nos autos contende com a liberdade de estabelecimento prevista no artigo 43º do TFUE, e não com a liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 56º do mesmo Tratado.
E, assim sendo, considera que “não há previsão legal para a eliminação da dupla tributação económica internacional relativamente a rendimentos percebidos de entidades residentes em países terceiros».

Mais alega que se aplica a esta situação a cláusula de salvaguarda do art. 57º do TCE (actual art. 64.º do TFUE), pelo que são admissíveis restrições de âmbito nacional, com o objectivo de se evitar situações de abuso e fraude fiscal relativamente a investimentos de capitais em países terceiros, não ficando prejudicado o direito de os estados-membros aplicarem disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que seu capital é investido e tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos.
E sustenta que essas restrições são legítimas na medida em que são justificadas, porque são uma das formas de garantir a defesa do interesse nacional contra a fraude e evasão fiscal.

Por fim sustenta a Fazenda Pública que não existe violação do Acordo Mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Tunísia por outro, pois que o seu art. 34.º deve ser lido em conjugação com o art. 89.º do Acordo, o que afasta quaisquer consequências daquele artigo que se traduzam em aumento das vantagens concedidas nos termos da Convenção de Dupla Tributação celebrada com a Tunísia, pelo que dele não resulta qualquer obrigação de aplicação do art. 46.º, n.º1 do Código do IRC aos lucros distribuídos por sociedades residentes na Tunísia.
Conclui a Fazenda Pública que não se verifica qualquer erro na autoliquidação, nem qualquer ilegalidade do acto de liquidação, pelo que não há lugar a pagamento de juros indemnizatórios.

9. Questão da tributação dos dividendos distribuídos à recorrente pela B………… sedeada na Tunísia
Como acima se disse, a sentença recorrida, considerando a jurisprudência do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 13/11/2012, vertida no processo nº C-35/11, concluiu que o artigo 46.º do CIRC é claramente abrangido pela circulação de capitais, pelo que a recusa de um Estado em conceder eliminação da dupla tributação a dividendos com origem na Tunísia, quando essa eliminação é permitida a favor de dividendos de origem doméstica, constitui uma discriminação.

9. 1. Assim, em face desta decisão e dos fundamentos invocados pela Fazenda Pública para pedir a sua alteração, a primeira questão que importa apreciar é a de saber se aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação previsto no artigo 46° do CIRC unicamente a sociedades com sede na União Europeia ou em Portugal configura uma violação da liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63° do TFUE, por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes, ou se como defende a Fazenda Pública, o tratamento fiscal de dividendos em causa é susceptível de estar abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 49º TFUE, relativo à liberdade de estabelecimento.
Esta questão, tal com as demais suscitadas pela Fazenda Pública, foram já apreciadas pelo TJUE no Acórdão C-464/14 de 24.11.2016 (Acórdão Secil), sendo que nesse aresto a única diferença verdadeiramente relevante se reportava ao ano a que dizem respeito os dividendos a considerar.
Ora o primado do direito da União Europeia impõe a aceitação desta jurisprudência. Recorde-se que, como se sublinhou no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 17.06.2015, proferido no recurso 956/13, o TJUE é uma instituição da União Europeia (art. 13.º, n.º 1, do TFUE) vinculativa (atento o princípio do precedente vinculativo), na medida em que as decisões do TJUE devem ser acatadas por todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros: não só o tribunal que reenvia fica vinculado à interpretação decidida pelo TJUE, como também, do mesmo modo e em questão idêntica, ficam vinculados todos os demais.
Assim no referido Acórdão C-464/14, e procedendo ao enquadramento jurídico da questão de saber se o tratamento fiscal de dividendos é susceptível de estar abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 49.º TFUE, relativo à liberdade de estabelecimento ou no âmbito do artigo 63º TFUE, relativo à livre circulação de capitais, o Tribunal de Justiça ponderou que «(….) quanto à questão de saber se uma legislação nacional está abrangida por uma ou outra das liberdades de circulação, há que ter em conta o objeto da legislação em causa (….) E que «Uma legislação nacional que apenas é aplicável às participações que permitem exercer uma influência certa sobre as decisões de uma sociedade e determinar as respetivas atividades está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 49º TFUE, relativo à liberdade de estabelecimento (acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, C 35/11, EU:C:2012:707, n.º 91 e jurisprudência referida).»
Sublinhando, por outro lado, que « as disposições nacionais aplicáveis a participações efetuadas com a única finalidade de realizar uma aplicação financeira sem intenção de influenciar a gestão e o controlo da empresa devem ser examinadas exclusivamente à luz da livre circulação de capitais (acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, C 35/11, EU:C:2012:707, n.º 92).»
O Tribunal de Justiça declarou ainda que, «num contexto relativo ao tratamento fiscal de dividendos originários de um país terceiro, o exame do objeto de uma legislação nacional é suficiente para apreciar se o tratamento fiscal desses dividendos está abrangido pelas disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais (v., neste sentido, acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C 190/12, EU:C:2014:249, n.º 29 e jurisprudência referida).»
E a este respeito, precisou que «uma legislação nacional relativa ao tratamento fiscal de dividendos que não se aplica exclusivamente às situações em que a sociedade mãe exerce uma influência decisiva na sociedade que distribui os dividendos deve ser apreciada à luz do artigo 63º TFUE. Uma sociedade estabelecida num Estado Membro pode, consequentemente, independentemente da dimensão da participação que detém na sociedade que distribui os dividendos, estabelecida num país terceiro, invocar esta disposição para questionar a legalidade dessa legislação (v., neste sentido, acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C 190/12, EU:C:2014:249, n.º 30 e jurisprudência referida).»
Mais se ponderou que, no caso em análise, «ao abrigo do artigo 46.º do CIRC, as sociedades com sede ou direção efetiva no território português beneficiam de uma dedução dos dividendos da respetiva base tributável quando estes são distribuídos por sociedades com sede ou direção efetiva no referido território e que, além disso, estão sujeitas, e não isentas, ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
Em conformidade com o artigo 46.º, n.º 1, do CIRC, esta dedução é integral quando a entidade beneficiária não é abrangida pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º desse código e detém diretamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10% ou com um valor de aquisição não inferior a 200.000.00 euros, devendo esta ter permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período.
Quando os requisitos previstos no artigo 46.º, n.º 1, do CIRC, relativos à transparência fiscal e à participação detida no capital social da sociedade distribuidora não estão preenchidos, a sociedade beneficiária dos dividendos tem direito a uma dedução correspondente a 50% dos rendimentos incluídos no lucro tributável, nos termos do artigo 46.º, n.º 8, do CIRC.
Esta legislação, que não prevê nenhum limiar relativo às participações detidas na sociedade que distribui os dividendos, no que diz respeito à dedução parcial, e que estabelece um limiar, fixado em 10% do capital social da sociedade que distribui os dividendos ou num valor de aquisição da participação de 200.000.00 euros, para poder beneficiar de uma dedução integral, aplica-se tanto aos dividendos recebidos por uma sociedade residente, com base numa participação que confira uma influência certa nas decisões da sociedade que distribui os referidos dividendos e permita determinar as respetivas atividades, como aos dividendos recebidos com base numa participação que não confira tal influência.
Em especial, no que se refere aos requisitos relativos à obtenção da dedução integral, o Tribunal de Justiça declarou que um limiar de 10% permite, na verdade, excluir do âmbito de aplicação do benefício fiscal os investimentos efetuados com a única finalidade de realizar uma aplicação financeira sem intenção de influenciar a gestão e o controlo da empresa, mas não torna, por si só, a dedução aplicável apenas às participações que permitem exercer uma influência certa sobre as decisões duma sociedade e determinar as respetivas atividades (acórdão de 11 de setembro de 2014, Kronos International, C 47/12, EU:C:2014:2200, n.ºs 34 e 35). Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que uma participação desta importância não implica necessariamente que o titular dessa participação exerça uma influência efetiva nas decisões da sociedade de que é acionista (v., neste sentido, acórdãos de 3 de outubro de 2013, Itelcar, C 282/12, EU:C:2013:629, n.º 22, e de 11 de setembro de 2014, Kronos International, C 47/12, EU:C:2014:2200, n.º 35).»
Decorre do exposto, nas palavras do Tribunal de Justiça, que «uma vez que a legislação em causa no processo principal não tem por objeto aplicar-se exclusivamente às situações em que a sociedade beneficiária exerce uma influência decisiva na sociedade que distribui os dividendos, há que considerar que uma situação como a que está em causa no processo principal está abrangida pelo artigo 63.º TFUE, relativo à livre circulação de capitais. » - Cf. parágrafos 31º a 41º do Acórdão 464/14.

E a propósito da questão de saber se uma legislação nacional como a que está em causa nos presentes autos- artº 46º do CIRC - configura uma violação da liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63° do TFUE, - o TJUE concluiu ainda no referido aresto que «quando uma sociedade com sede ou direção efetiva no território português recebe dividendos distribuídos por uma sociedade com sede ou direção efetiva nesse mesmo território e a sociedade distribuidora está, além disso, sujeita, e não isenta, a imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, a sociedade beneficiária desses dividendos pode deduzi-los da sua base tributável. Esta dedução é integral ou parcial, consoante os requisitos previstos no artigo 46.o, n.o 1, alíneas b) e c), do CIRC estejam ou não preenchidos. Além disso, nos termos do artigo 46.º, n.º 11, do CIRC, a dedução prevista no mesmo artigo 46.º, n.º 1, é reduzida a 50% quando os rendimentos provenham de lucros que não tenham sido sujeitos a tributação efetiva.
Pelo contrário, as sociedades com sede ou direção efetiva no território português e que recebem dividendos de sociedades com sede ou direção efetiva em países terceiros, como a República da Tunísia ou a República do Líbano, estão sujeitas, no que respeita aos dividendos recebidos, a IRC à taxa legal.
A dupla tributação económica dos dividendos recebidos por uma sociedade residente é assim evitada ou atenuada quando a sociedade que distribui os dividendos está estabelecida em Portugal, mas isso não acontece quando essa sociedade está estabelecida num país terceiro, como a República da Tunísia ou a República do Líbano

Resulta assim claro da citada jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artº 46º do CIRC é claramente abrangido pela circulação de capitais, pelo que a recusa de um estado em conceder eliminação da dupla tributação de dividendos com origem na Tunísia, quando essa eliminação é permitida a favor de dividendos de origem doméstica constituiu uma discriminação e uma restrição aos movimentos de capitais entre os Estrados membros e países terceiros que, em princípio, é proibida pelo artº 63º do TFUE.
Improcede, pois, nesta parte, a argumentação da recorrente Fazenda Pública.

9.2 Da aplicação da cláusula de salvaguarda do art. 57º do TCE (actual art. 64.º do TFUE)

Invoca ainda a Fazenda Pública que no caso concreto se aplica a cláusula de salvaguarda resultante do artigo 57º do TCE, actual art. 64º do TFUE.
Para o efeito alega que “com o objectivo de se evitar situações de abuso e fraude fiscal relativamente a investimentos de capitais em países terceiros, não fica prejudicado o direito de os estados-membros aplicarem disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que seu capital é investido e tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos”.
E conclui que «essas restrições são legítimas na medida em que são justificadas, porque são uma das formas de garantir a defesa do interesse nacional contra a fraude e evasão fiscal» (conclusões Vª a VIIª).
Vejamos então.
Resultando do atrás exposto que a aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação constante do artigo 46° do CIRC unicamente a sociedades com sede na União Europeia ou em Portugal configura uma violação da liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63° do TFUE, a questão que a Fazenda Pública coloca é, como bem sintetiza o Exmº Magistrado do Ministério Público no seu parecer, a de saber se tal discriminação se mostra ou não justificada à luz da cláusula de salvaguarda resultante do artigo 57º do TCE, actual art. 64º do TFUE.
Nos termos do artigo 64.º, n.º 1, TFUE, o disposto no artigo 63.º TFUE não prejudica a aplicação a países terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de dezembro de 1993 ao abrigo de legislação nacional ou da União adoptada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento directo, incluindo o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais.
A este propósito, e em resposta à questão ali suscitada em sede de reenvio, no sentido de saber se o disposto na cláusula de salvaguarda constante no art. 57.°, n.º 1, [CE] (art. 64.° TFUE) obsta à aplicação da liberdade de circulação de capitais, o citado acórdão do TJUE sublinhou que (…) No caso vertente, o processo principal diz respeito, por um lado, ao tratamento fiscal dos dividendos distribuídos pela B…………, relacionados com participações que representam 98,72% do capital social da sociedade distribuidora. Esta participação é suscetível de dar ao acionista a possibilidade de participar efetivamente na gestão da sociedade distribuidora ou no seu controlo e pode, por conseguinte, ser considerada um investimento direto.
Mais esclareceu que (….) Resulta da jurisprudência que o conceito de «restrição em vigor em 31 de dezembro de 1993» pressupõe que o quadro jurídico no qual se insere a restrição em causa fizesse parte da ordem jurídica do Estado Membro em causa, de um modo ininterrupto, desde essa data. Com efeito, se assim não fosse, um Estado Membro poderia, a todo o momento, reintroduzir restrições aos movimentos de capitais com destino a ou provenientes de países terceiros, que estavam em vigor na ordem jurídica nacional em 31 de dezembro de 1993, mas que não foram mantidas (acórdão de 18 de dezembro de 2007, A,C 101/05, EU:C:2007:804, n.º 48).
E apreciando o impacto da celebração do Acordo CE-Tunísia na faculdade conferida à República Portuguesa pelo referido artº 64º, nº 1 do TFUE o Tribunal de Justiça concluiu:
(….) Ora, nestas condições, há que considerar que um Estado Membro também renuncia à faculdade prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE quando, sem revogar formalmente a legislação existente, celebra um acordo internacional, como um acordo de associação, que prevê, numa disposição com efeito direto, a liberalização de uma categoria de capitais referida nesse artigo 64º, nº 1. Por conseguinte, esta alteração do quadro jurídico deve ser equiparada, quanto aos seus efeitos na possibilidade de invocar o artigo 64.º, n.º 1, TFUE, à introdução de uma legislação nova, que assenta numa lógica diferente da legislação existente.» (cf.§ 74, 79, 82 e 89 do Acórdão 464/14).

Em suma, nas palavras do Tribunal de Justiça, cujo sentido aqui também se sufraga, «(….) a República Portuguesa tão pouco pode invocar o artigo 64.º, n.º 1, TFUE, na medida em que o Acordo CE Tunísia, cujo artigo 34.º, n.º 1, tem efeito direto, se opõe também a uma legislação como a que está em causa no processo principal, segundo a qual uma sociedade residente num Estado Membro pode efetuar uma dedução integral ou parcial dos dividendos recebidos da sua base tributável, quando estes são distribuídos por uma sociedade residente nesse mesmo Estado Membro, mas não pode proceder a esta dedução quando a sociedade distribuidora é residente na Tunísia. Com efeito, esta legislação constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, no que se refere aos investimentos diretos e, em especial, ao repatriamento do produto de tais investimentos, pelo artigo 34.º, n.º 1, do Acordo CE Tunísia. Esta restrição não está justificada se as autoridades fiscais portuguesas puderem obter informações junto da República da Tunísia, Estado em que é residente a sociedade que distribui os dividendos, que permitam verificar se está preenchido o requisito relativo à tributação da sociedade que distribui estes dividendos.
Com efeito, a alteração do quadro jurídico que resulta da introdução desta disposição no Acordo CE Tunísia deve ser equiparada, no que diz respeito aos seus efeitos na possibilidade de invocar o artigo 64.o, n.o 1, TFUE, à introdução de uma legislação nova, assente numa lógica diferente da legislação existente.» - Cf. § 159 e 160 do Acórdão citado.

Daí que se conclua, face a esta jurisprudência e à interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, que improcede também a argumentação da Fazenda Pública quanto à invocada aplicação da cláusula de salvaguarda resultante do artigo 57º do TCE, actual art. 64º do TFUE.

9.3 Alega ainda a Fazenda Pública que não existe violação do Acordo Mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Tunísia por outro, pois que o seu art. 34.º deve ser lido em conjugação com o art. 89.º do Acordo, o que afasta quaisquer consequências daquele artigo que se traduzam em aumento das vantagens concedidas nos termos da Convenção de Dupla Tributação celebrada com a Tunísia, pelo que dele não resulta qualquer obrigação de aplicação do art. 46.º, n.º1 do Código do IRC aos lucros distribuídos por sociedades residentes na Tunísia.

Neste conspecto argumenta que na Convenção celebrada entre a República Portuguesa e a República da Tunísia, para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/2000, de 31 de Março de 2000 as Partes entenderam não estabelecer aí tal vantagem.
Assim, em sua tese, nos termos do artigo 89.º do Acordo Euro-Mediterrânico celebrado com a Tunísia, não pode tal vantagem ser agora conferida ao abrigo do artigo 34º deste Acordo Euro-Mediterrânico.
Invoca para o efeito o disposto no primeiro travessão do artigo 89.º do Acordo, que estabelece:
“Nenhuma disposição do presente acordo pode ter por efeito: aumentar as vantagens concedidas por uma parte no domínio fiscal em qualquer acordo ou convénio internacional que vincula essa mesma parte;”.
E conclui que, na medida em que se traduz numa redução da matéria colectável, a atenuação da dupla tributação económica é indubitavelmente uma vantagem fiscal.

Esta argumentação, parte de uma interpretação errada dos invocados preceitos do Acordo Euro-Mediterrânico, e não pode, por isso, proceder.
O artigo 34.° do acordo CE-Tunísia, constante do Capítulo I, com a epígrafe «Pagamentos correntes e circulação de capitais», do respectivo Título IV, intitulado «Pagamentos, capitais, concorrência e outras disposições em matéria económica», dispõe:

«1. No que respeita às transações da balança de capitais, [a União] e a Tunísia assegurarão, a partir da entrada em vigor do presente acordo, a livre circulação de capitais respeitante aos investimentos diretos na Tunísia, efetuados em sociedades constituídas de acordo com a legislação em vigor, bem como a liquidação ou o repatriamento de tais investimentos e de quaisquer lucros deles resultantes.
2. As partes consultar-se-ão a fim de facilitar a circulação de capitais entre [a União] e a Tunísia e de a liberalizarem integralmente quando estiverem reunidas as condições necessárias

Por sua vez o artigo 89.° do acordo CE-Tunísia, constante do Capítulo I do respectivo Título VIII, com a epígrafe «Disposições institucionais, gerais e finais», dispõe:
«Nenhuma disposição do presente acordo pode ter por efeito:
– aumentar as vantagens concedidas por uma parte no domínio fiscal em qualquer acordo ou convénio internacional que vincula essa mesma parte,
– impedir a adoção ou a aplicação por uma parte de qualquer medida destinada a evitar a fraude ou a evasão fiscal,
– impedir o direito de uma parte de aplicar as disposições relevantes da sua legislação fiscal aos contribuintes que não se encontram em situação idêntica no que respeita ao seu local de residência

O referido artigo 34º do Acordo CE Tunísia, consagra, no seu n.º 1, em termos claros e precisos um princípio da livre circulação de capitais respeitante aos investimentos directos na Tunísia, susceptível de regular directamente a situação dos particulares.
Como sublinha o Tribunal de Justiça «esta disposição impõe uma obrigação de resultado precisa, suscetível de ser invocada por um particular perante um órgão jurisdicional nacional para pedir a esse órgão que afaste as disposições que estão na origem de um entrave à livre circulação de capitais ou que aplique a seu respeito a legislação cuja não aplicação está na origem do referido entrave à livre circulação de capitais, sem que seja exigida para este efeito a adoção de medidas de aplicação complementares.»- Cf. § 100 e 101 do Acórdão 464/14.
Ora, contrariamente ao alegado pela recorrente, o artº 89º do Acordo CE-Tunísia não põe em causa ou de alguma forma limita o efeito do artigo 34º, nº 1, do Acordo, numa situação como a que está em causa nos presentes autos.
Isso mesmo foi esclarecido nos parágrafos 116, 117 e 118 do supracitado aresto que vimos acompanhando de perto.
Ali se refere que a proibição da restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, no que diz respeito aos investimentos diretos e, em especial, ao repatriamento do produto de tais investimentos, pelo artigo 34º nº 1, do Acordo CE Tunísia decorre desse próprio Acordo «e não procede da extensão das vantagens previstas por outro acordo ou convénio internacional.»
Nesse sentido, aliás, se pronunciou o Advogado-Geral ao concluir que «a propósito do artigo 89º primeiro travessão, do Acordo CETunísia (…) considero, tal como a Comissão, que o objecto dessa disposição é evitar que uma norma prevista numa convenção preventiva da dupla tributação celebrada pela República Portuguesa com outro Estado diferente da República da Tunísia seja extensível a um residente tunisino cujo Estado de residência não seja parte nesta última convenção.
Ora, a A………… não visa obter uma vantagem concedida por uma convenção em matéria de dupla tributação que a República Portuguesa tenha celebrado com outro Estado diferente da República da Tunísia
Entendimento que foi sufragado pelo Tribunal de Justiça e exarado na conclusão 3ª do Acórdão 464/14, no sentido de que «- uma legislação como a que está em causa no processo principal, segundo a qual uma sociedade residente num Estado Membro pode efetuar uma dedução integral ou parcial dos dividendos recebidos da sua base tributável, quando estes são distribuídos por uma sociedade residente no mesmo Estado Membro, mas não pode proceder a esta dedução quando a sociedade distribuidora é residente na Tunísia, constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, no que diz respeito aos investimentos diretos e, em especial, ao repatriamento do produto de tais investimentos, pelo artigo 34.º, n.º 1, do referido acordo;
— numa situação como a que está em causa no processo principal, o efeito desta disposição não está limitado pelo artigo 89º do referido acordo;»

Pelo que fica dito improcede, também nesta parte, o recurso da Fazenda Pública.

9.4 Por último sustenta a Fazenda Pública que, a entender-se o contrário, o tratamento distinto aplicado aos dividendos distribuídos por uma sociedade residente na Tunísia seria, sempre e em todo o caso, justificado por razões de interesse geral relacionadas com a eficácia dos controlos fiscais, atendendo a que não existe com aquele Estado um quadro de cooperação como o estabelecido na Diretiva 77/199/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio da fiscalidade directa, relevante no período temporal em apreço.

Esta argumentação da entidade recorrente tem como base o artigo 65.º do TFUE que permite justificar o tratamento discriminatório conferido por uma legislação doméstica sempre que tal se releve necessário por razões de interesse geral, nomeadamente, para facilitar os chamados controlos fiscais.
Alega a Fazenda Pública razões de interesse geral relacionadas com a eficácia dos controlos fiscais, que justificariam a não aplicação das regras internas de eliminação da dupla tributação, atendendo a que não existe com a Tunísia um quadro de cooperação como o estabelecido na Diretiva 77/199/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio da fiscalidade directa, relevante no período temporal em apreço.
Todavia, não assiste razão à Fazenda Pública quando considera existir essa causa de justificação para o tratamento discriminatório conferido pela legislação portuguesa.
Vejamos.

De acordo com o citado Acórdão do TJUE no processo C-464/14 a exclusão de aplicação dos ns. 1 e 8 do artigo 46° do CIRC aos dividendos atribuídos a sociedades residentes por sociedades residentes em país terceiros pode ser entendida como uma medida não violadora do princípio da livre circulação de capitais, nos termos do artigo 63° do TFUE e nos termos do nº 1 do artigo 34° do acordo CE-Tunísia, desde que, exista uma razão imperiosa de interesse geral, como seja, a «necessidade de garantir a eficácia do controlo fiscal».

Em relação à possibilidade de invocação de tais causas justificativas, quando, como no caso subjudice, estão em causa estados terceiros, esclarece o referido aresto, apelando à « jurisprudência constante do Tribunal de Justiça», que quando «a legislação de um Estado-Membro faz depender o benefício de um regime fiscal mais vantajoso da satisfação de requisitos cuja observância só pode ser verificada mediante a obtenção de informações junto das autoridades competentes de um país terceiro, esse Estado-Membro pode, em princípio, recusar-se a conceder esse benefício se for impossível obter essas informações junto desse país terceiro, designadamente por este último não estar vinculado a uma obrigação convencional de fornecer informações (acórdão de 17 de outubro de 2013, Weote, (-181/12, EU:C:2013:662…)»

E ponderando a legislação aplicável no caso em análise concluiu o TJUE (§65) que «… decorre do artigo 46.º, n.º 1, alínea a), do CIRC que, quando tanto a sociedade distribuidora como a sociedade beneficiária são residentes em Portugal, é concedida a dedução integral dos dividendos da base tributável, no caso de a sociedade distribuidora estar sujeita a IRC ou ao imposto referido no artigo 7.º do CIRC. Ao abrigo do artigo 46.º, n.º 8, do CIRC, deve também estar preenchido o requisito relativo à sujeição da sociedade distribuidora a imposto, para que possa ser concedido o benefício da dedução parcial, quando os requisitos a que está sujeita a sociedade beneficiária, previstos no artigo 46.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CIRC, não estiverem preenchidos.»
Assim, entende o Tribunal de Justiça que «pode considerar-se que o benefício da dedução integral ou da dedução parcial, previstas, respetivamente, no n.º 1 e no n.º 8 do artigo 46.º do CIRC, depende do requisito relativo à sujeição da sociedade distribuidora a imposto, cujo preenchimento as autoridades fiscais devem estar em condições de poder verificar».

E, em face do exposto, conclui o referido aresto que «Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio analisar se as obrigações que resultam da Convenção Portugal-Tunísia são suscetíveis de permitir às autoridades fiscais portuguesas obter junto da República da Tunísia informações que lhes permitam verificar se está preenchido o requisito relativo à sujeição da sociedade que distribui os dividendos a imposto».
Sublinhando também, que «Em caso afirmativo, a restrição que resulta da recusa em conceder a dedução integral ou a dedução parcial, previstas, respetivamente no n.o 1 e no n.o 8 do artigo 46.o do CIRC, não pode ser justificada pela necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais» – cf. § 68.
Em suma, e como decorre da citada jurisprudência, os artigos 61º e 65.º do TFUE opõem-se à legislação — no caso concreto o artigo 46.º do CIRC — de um Estado-Membro (Portugal) que não conceda isenção de imposto sobre o rendimento aos dividendos distribuídos por uma filial residente num Estado terceiro (Tunísia) com o qual tenha sido celebrada uma convenção que preveja a troca de informações.

Ora a este respeito, a Convenção Portugal-Tunísia, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/2000, de 31 de Março de 2000, estipula, no seu artigo 25º, com a epígrafe «Troca de informações», designadamente, que as autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão entre si as informações necessárias para aplicar as disposições desta Convenção ou as da legislação interna dos Estados Contratantes relativas aos impostos abrangidos por esta Convenção, entre os quais figura o IRC.
Assim, prevendo a convenção celebrada entre Portugal e a Tunísia um mecanismo de troca de informações, a restrição que resulta da recusa da eliminação ou da mitigação da dupla tributação económica, previstas no artigo 46º do CIRC, não pode ser justificada, no caso vertente, pela alegada necessidade de assegurar a eficácia dos controlos fiscais.
Acresce referir que, embora a Fazenda Pública invoque agora este fundamento em sede de recurso, nunca a Administração Tributária alegou ou invocou, quer no âmbito das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, quer no âmbito da contestação à impugnação, que o direito à eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos recorrida dependia da satisfação de condições cuja observância só podia ser verificada mediante a obtenção de informações junto das autoridades competentes da Tunísia.
Por outro lado, como se salienta nas conclusões do advogado geral no processo C-464/14 (§135), mesmo numa situação em que a concessão do benefício da isenção da tributação dos dividendos dependesse da satisfação de condições que as autoridades fiscais competentes do país terceiro em questão não tivessem possibilidade de confirmar, a concessão desse benefício não podia ser recusada sem dar ao contribuinte a oportunidade de fornecer as informações necessárias.

Improcede por conseguinte, também nesta parte, a argumentação da Fazenda Pública.

Em face de tudo o exposto haveremos de concluir, como bem decidido em primeira instância, que o regime previsto no artigo 46° do CIRC configura uma discriminação arbitrária à livre circulação de capitais entre estados membros e países terceiros, violadora do disposto no artigo 63° do TFUE, não sendo aplicáveis no caso vertente, quer as causas justificativas, quer a cláusula de salvaguarda invocadas pela Fazenda Pública como fundamento para a recusa da eliminação ou da mitigação da dupla tributação económica.


10. Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento a ambos os recursos.
Custas pela Recorrente e pela Fazenda Pública na proporção do decaimento.

Lisboa, 6 de Maio de 2020. – Pedro Delgado (relator) – Aragão Seia – Francisco Rothes.