Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01490/17.8BEPRT |
Data do Acordão: | 06/20/2024 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | FONSECA DA PAZ |
Descritores: | APRECIAÇÃO PRELIMINAR NULIDADE DO CONTRATO |
Sumário: | Estando em causa a questão de saber quando é que a nulidade de um contrato celebrado sem a prévia e válida assunção do respectivo compromisso se deve considerar sanada nos termos do art.º 5.º, n.º 4, da Lei n.º 8/2022, de 21/2, não se justifica a admissão da revista se aquela foi decidida pelo acórdão recorrido de uma forma lógica, coerente e aparentemente acertada, aí se adoptando a posição perfilhada pelo STA. |
Nº Convencional: | JSTA000P32409 |
Nº do Documento: | SA12024062001490/17 |
Recorrente: | A..., LDA |
Recorrido 1: | MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1. A..., LDA. intentou, no TAF, contra o MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA, acção administrativa, onde, por incumprimento de um contrato de empreitada que celebrara com a “Gaianima – Equipamentos Municipais, E.E.M.” tendo por objecto a “Reparação da vedação do Polidesportivo do ...”, pediu a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de € 12.181,27, sendo € 10.515,00 a título de capital em dívida e € 1.666,27 a título de juros de mora vencidos, acrescida dos juros de mora que se vencerem desde a interposição da acção e até efetivo e integral pagamento. Foi proferida sentença a julgar a acção procedente, condenando-se o R. a pagar à A. a quantia de € 10.515,00, acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal, desde 26/7/2013, até efectivo e integral pagamento. O R. apelou para o TCA-Norte, o qual, por acórdão de 2/2/2024, concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença e julgando a acção improcedente. É deste acórdão que o A vem pedir a admissão do recurso de revista. 2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada pelo acórdão recorrido. 3. O art.º 150.º, n.º 1, do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos possa haver excepcionalmente revista para o STA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. Como decorre do texto legal e tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência deste STA, está-se perante um recurso excepcional, só admissível nos estritos limites fixados pelo citado art.º 150.º, n.º 1, que, conforme realçou o legislador na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs. 92/VIII e 93/VIII, corresponde a uma “válvula de segurança do sistema” que apenas pode ser accionada naqueles precisos termos. A sentença entendeu que o contrato celebrado entre a A. e a “Gaianima” era nulo por força dos artºs. 5.º, n.º 3, da LCPA (Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso aprovada pela Lei n.º 8/2012, de 21/2, que veio estabelecer “as regras aplicáveis à assunção de compromissos e aos pagamentos em atraso das entidades públicas”) e 7.º, n.º 3, do DL n.º 127/2012, de 21/6, que regulamentou esta lei, mas que essa nulidade dever-se-ia considerar afastada nos termos do n.º 4 do citado art.º 5.º, pelo que o R. teria de ser condenado a pagar a importância de € 10.515,00 correspondente aos trabalhos realizados e não pagos. Conclusão contrária foi retirada pelo acórdão recorrido que se sustentou no seguinte: “(…). Não foram alegados, nem provados, nem processualmente adquiridos factos ou elementos relevantes que permitissem ao Tribunal a quo, a nosso ver, ajuizar que a falta de observância do compromisso exigida no n.º 3 do artigo 5.º da LCPA se revelava no caso em concreto como desproporcionada ou contrária à boa-fé, sequer que a autora agiu em todo este processo de boa-fé, não bastando, para essa conclusão, o facto de ter executado a obra em questão. A este respeito, em acréscimo, não podemos deixar de ponderar, conforme resulta provado, que no dia 13/02/2013, a Assembleia Municipal do Réu deliberou aprovar a dissolução da entidade Gaianima – Equipamentos Municipais, E.E.M., bem como proceder à integração das suas atividades no universo municipal, o que sucedeu na sequência de, em 31/01/2013, a Gaianima ter enviado uma missiva ao Réu, propondo a respetiva dissolução da empresa municipal, por incumprimento do exigido nas alíneas a), b) e d) do n° 1 do artigo 62° da Lei n° 50/2012, de 31 de Agosto, mais propondo a integração das suas atividades no universo municipal. É que diz-nos a experiência de vida que acontecimentos como este, em que uma Assembleia Municipal delibera aprovar a dissolução de uma empresa publica local, não passam despercebidos na comunidade, sendo, desde logo, amplamente divulgados pela imprensa regional, e muito menos, passam ignotos junto dos operadores económicos, que como a autora, se relacionam de forma não meramente ocasional com a entidade em causa. Como dissemos, a autora não alegou nenhum facto do qual se pudesse concluir que a nulidade do compromisso em causa era, no caso, uma consequência desproporcionada ou contrária à boa-fé, sequer alegou na sua p.i. que existisse qualquer nulidade do contrato por falta de emissão do número de compromisso. Deste modo, seguindo a jurisprudência vertida nos acórdãos deste TCAN de 19/03/2021 e de 30/11/2023, já amplamente citados, e sem necessidade de outras considerações, perfilhando a mesma linha de raciocínio que neles se explanou, impõe-se conceder provimento ao recurso, revogando-se o saneador-sentença recorrido, na parte em que conheceu do mérito da ação, e, em consequência, julgar a ação improcedente.” A A. justifica a admissão da revista com a relevância jurídica e social da questão da densificação dos requisitos enunciados no referido art.º 5.º, n.º 4, que, na sua perspectiva, se mostra de complexidade superior ao comum, devendo a solução vir a constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, e com a necessidade de se proceder a uma melhor aplicação do direito, imputando ao acórdão recorrido erro de julgamento por não ter declarado sanada a nulidade do contrato de empreitada quando a conduta negocial da “Gaianima” (e do Município que a substituiu) lhe inculcou a confiança e a certeza que os trabalhos seriam pagos nos termos acordados e, embora sobre ela recaísse a obrigação de conhecer a LCPA, não há dúvidas que o conhecimento das obrigações decorrentes da lei recaía em primeira linha sobre aquela empresa que se inseria no âmbito subjectivo do diploma. Esta formação, em acórdão datado de 14/3/2024, proferido no processo n.º 1030/17.9BEPRT, não admitiu a revista onde estavam em causa exactamente as mesmas questões aqui discutidas, respeitantes a um outro contrato de empreitada celebrado pelas mesmas partes, por se ter entendido que não se estava perante matéria de complexidade acima da média e as questões terem sido decididas pelo acórdão recorrido de uma forma lógica, coerente e aparentemente acertada, aí se adoptando a posição perfilhada por este STA no Ac. de 4/11/2021 – Proc. n.º 063/18.2BEFUN. Não havendo razões para alterar este entendimento, deve continuar a considerar-se que não existe uma clara necessidade de reapreciação do aresto recorrido, prevalecendo a regra da excepcionalidade da admissão da revista. 4. Pelo exposto, acordam em não admitir a revista. Custas pela recorrente. Lisboa, 20 de Junho de 2024. – Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso. |