Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01711/12.3BELRS
Data do Acordão:07/03/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:I - A questão da caducidade do direito de acção, em si mesma, não oferece complexidade que justifique a admissão da revista, nem a ponderação das circunstâncias efectuada no acórdão justifica a sua admissão “para melhor aplicação do direito”, pois a decisão tomada não se revela ostensivamente errada ou infundamentada, sendo plenamente plausível.
II - Constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que não constituem objecto próprio do recurso de revista as alegadas nulidades do acórdão sindicado.
Nº Convencional:JSTA000P32489
Nº do Documento:SA22024070301711/12
Recorrente:A... A/S
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório –

1 – A... A/S, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30 de novembro de 2023, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a excepção dilatória da caducidade do direito de acção na ação administrativa por si interposta onde requereu que o Tribunal «declare inexistentes ou nulos os Actos Administrativos que ora se impugnam: «A) Despacho de 1 de Fevereiro de 2010 da Directora de Serviços da Divisão da Direcção de Serviços de Reembolsos do Imposto sobre o Valor Acrescentado, que indeferiu o reembolso/restituição do IVA nos termos do Decreto-Lei nº. 408/87 de 1 de Dezembro, Sujeitos Passivos não Estabelecidos em Território Nacional e B) Despacho de 14 de Junho de 2011 da Directora de Serviços no uso da subdelegação de competências, de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Demandante em 14 de Maio de 2010, por extemporaneidade».

A recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

(i) O douto Acórdão recorrido ao entender que não foi respeitado o prazo para reagir contenciosamente ao despacho da A.T. que indeferiu o pedido de reembolso de I.V.A. apresentado pela Recorrente não pode, em nosso entendimento proceder, dado que, desde logo, o prazo de impugnação a considerar na situação concreta é de um ano, o qual foi observado no caso (artigo 58.º/4, do CPTA ), incorrendo desde logo em nulidade por os fundamentos estarem em oposição com a decisão, o que se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 615º, nº 1, alínea b) e nº 4, do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA;

(ii) Assim, resultando evidente o erro em que incorreu a decisão recorrida, a qual, a manter-se, daria a possibilidade de apropriação daquelas quantias por parte do Erário Público, sem que existisse qualquer causa legal justificativa para esse efeito, não pode a mesma deixar de ser revogada e em consequência, as mesmas quantias serem restituídas, sob pena de se incorrer em manifesto enriquecimento sem causa;

(iii) O douto Acórdão recorrido é, ainda, nulo, por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, por ter deixado de pronunciar-se sobre o pedido de reenvio para o TJUE feito pelo Recorrente, sede de alegações, constando da XLVII conclusão das mesmas (cfr. fls. 9 do douto Acórdão recorrido);

(iv) Perante a questão central sub judice - saber se, a actuação da Administração Fiscal, ao omitir o esclarecimento do contribuinte sobre o meios e formas de reacção ao despacho incidente sobre a reclamação graciosa, para além da expectativa no mesmo criada quanto ao proferimento de uma decisão de mérito quanto à pretensão em causa, no quadro da reclamação graciosa, configura a preterição de deveres de esclarecimento, cooperação e de lealdade da Administração para com o contribuinte (artigos 59.º da L.G.T e 6.ºA, do CPA, vigente);

(v) Nesta medida, com a sua conduta, a Administração Fiscal induziu em erro o contribuinte sobre os meios, formas e prazos de reacção contenciosa contra o acto sob escrutínio – que é um acto que mantém na ordem jurídica a recusa a em restituir o imposto que será devido ao contribuinte, mesmo após a junção dos originais das facturas -, pelo que o prazo de impugnação a considerar na situação concreta é de um ano, o qual foi observado no caso (artigo 58.º/4, do CPTA )- estão verificados os requisitos da admissibilidade de recurso de revista previstos no nº 1 do artigo 150º do CPTA, porquanto, desde logo, se trata de questão que pela sua relevância jurídica ou social se reveste de importância fundamental, porquanto o que verdadeiramente se discute é a concretização do direito à tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20º da CRP e concretizado, no contencioso administrativo, no artigo 268º, nº 4, da Constituição, isto é, em que medida é que o erro em que a parte foi induzida pelo comportamento da A.T., a impede de recorrer da decisão que lhe foi desfavorável;

(vi) Além do mais, face à delimitação do objeto do presente recurso, parece-nos evidente, salvo melhor opinião, que esta questão idealizada em abstrato, reveste-se de um cariz genérico e com relevância suficiente para que se considere preenchido o requisito da clara necessidade de admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, e cuja decisão, salvo o devido respeito, é ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ainda mais face ao que tem vindo a ser entendimento desse Egrégio Supremo Tribunal (cfr. douto Acórdão de 02.06.2010, proferido no âmbito do processo nº 01541A/03, disponível em www.dgsi.pt);

(vii) O entendimento do douto Acórdão recorrido de que não foi respeitado o prazo para reagir contenciosamente não pode, em nosso entendimento proceder, dado que, desde logo, o prazo de impugnação a considerar na situação concreta é de um ano, o qual foi observado no caso (artigo 58.º/4, do CPTA);

(viii) A consagração da possibilidade de fixação nesta sede entende-se como uma concretização do princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20º e concretizado, quanto à jurisdição administrativa, no artigo 268º, nº 4, da CRP, na medida em que a tutela jurisdicional efetiva não se esgota no direito de acesso aos tribunais procurando-se, assim, também, que a parte não se tenha que desdobrar em múltiplos processos, com as suas naturais delongas, para ver o seu direito efetivamente reconhecido;

(ix) A Administração Tributária, na pendência da reclamação graciosa, criou no contribuinte a ideia de que estava a instruir o procedimento com vista à emissão de decisão que apreciasse do mérito da pretensão, sendo apenas necessária a junção das facturas originais, o que veio a ocorrer;

(x) Ao invés da posição assumida nas comunicações eletrónicas dos serviços dirigidos à contribuinte, e a expectativa no mesmo criada quanto ao proferimento de uma decisão de mérito quanto à pretensão em causa, a Administração Fiscal, ao arremedo de toda a cautela e razão, decide rejeitar por alegada extemporaneidade a reclamação graciosa, o que não se comprova;

(xi) Através do ofício recebido em 22/06/2010, dando conta da referida rejeição da reclamação graciosa, nada é explicitado quanto aos prazos e meios de reacção contenciosa a tal acto, o que coloca a contribuinte numa situação de indefensão, perante uma decisão formal, errada, e não fundamentada;

(xii) Tais esclarecimentos são ainda mais necessários, se atentarmos ao teor do ofício de 01/02/2010 (comunicação da rejeição do pedido de reembolso), que não contempla nada em relação à reclamação graciosa, entretanto tramitada e instruída pela Administração Tributária;

(xiii) Pergunta-se: qual é o prazo e o meio de impugnação do acto que apreciou e decidiu negativamente a reclamação graciosa, notificado através do ofício de 14/06/2011. Aplica-se o prazo referido no ofício de 01/02/2010? Aplica-se outro prazo, previsto no artigo 102.º do CPPT? Aplica-se o prazo do artigo 58.º do CPTA?

(xiv) A sentença e o entendimento que fez vencimento no Acórdão em recurso depararam-se com o mesmo impasse;

(xv) A actuação da Administração Fiscal, ao omitir o esclarecimento do contribuinte sobre o meios e formas de reacção ao despacho incidente sobre a reclamação graciosa, para além da expectativa no mesmo criada quanto ao proferimento de uma decisão de mérito quanto à pretensão em causa, no quadro da reclamação graciosa, configura a preterição de deveres de esclarecimento, cooperação e de lealdade da Administração para com o contribuinte (artigos 59.º da LGT e 6.ºA, do CPA, vigente);

(xvi) Nesta medida, com a sua conduta, a Administração Fiscal induziu em erro o contribuinte sobre os meios, formas e prazos de reacção contenciosa contra o acto sob escrutínio – que é um acto que mantém na ordem jurídica a recusa a em restituir o imposto que será devido ao contribuinte, mesmo após a junção dos originais das facturas -, pelo que o prazo de impugnação a considerar na situação concreta é de um ano, o qual foi observado no caso (artigo 58.º/4, do CPTA);

(xvii) O comportamento da Administração Fiscal revela falta de rigor e de prudência, sendo, por isso, violador do dever de diligência que recai sobre os órgãos da Administração na apreciação das pretensões que lhe são dirigidas pelos cidadãos, violação que é juridicamente relevante (v.g., §41, do Acórdão do TJUE de 04/04/2017, P. C- 337/15- P);

(xviii) Ora, a jurisprudência desse Egrégio Tribunal tem entendido o conceito de “erro imputável aos serviços” de uma forma assaz ampla, considerando que desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo será imputável à Administração Tributária (Entendimento reforçado com o disposto no nº2 do artigo 78º da L.G.T, entretanto revogado pela alínea h) do nº1 do artigo 215º da lei nº 7A/2016, de 30 de março, que dispunha: “Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação». Considerou-se, a este propósito, no acórdão de 28/11/2007, proferido no proc. nº 0532/07, que «O alcance do nº 2 do artº 78º da L.G.T, ao estabelecer que, para efeitos de admissibilidade de revisão do acto tributário, se consideram imputáveis à administração tributária os erros na autoliquidação, foi o de alargar as possibilidades de revisão nestas situações de autoliquidação, em relação às que existiam no domínio do CPT, solução esta que está em sintonia com a directriz primordial da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a L.G.T, que era a de reforço das garantias dos contribuintes».);

(xix) É o que decorre do acórdão de 12/12/2001, proferido no rec. 26.233: «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços»;

(xx) Há mais de 20 anos, com efeito, que a jurisprudência dos nossos tribunais, em particular do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, clarificou que o conceito de “erro imputável aos serviços” deve ser interpretado no sentido de compreender os erros de direito cometidos pela A.F., resultem eles da má interpretação das normas legais em vigor ou da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o Direito Europeu;

(xxi) Neste sentido, tal como sentencia o STA, a “imputação dos erros, aos serviços da autoridade tributária e aduaneira (AT), é independente, prescinde, da demonstração da culpa dos serviços/agentes, envolvidos na emissão do ato errado. Neste conspecto, o termo “imputável” vale, aqui, em primeira linha, com o significado, comum, de “suscetível de ser imputado; atribuível”, o qual, conformado com a necessária, compatibilização aos interesses em jogo (no art. 78.º da L.G.T), quer dizer, erro, no sentido de ilegalidade, não resultante de, provocada por, atribuída a uma informação/declaração/intervenção do contribuinte ou obrigado tributário” — Acórdão STA, 7.04.2022, proc. n.º 02031/16.0BEBRG;

(xxii) Nesta mesma linha, tem vindo a vincar esse Egrégio Tribunal que “todo o erro imputável aos serviços, quer ele resida nos pressupostos de facto, quer respeite à escolha e/ou aplicação do direito, faculta à Administração a revisão oficiosa, no prazo de quatro anos; e permite ao contribuinte reclamá-la, verificado que seja esse mesmo pressuposto.” — Acórdão STA, 24.05.2006, proc. n.º 01155/05;

(xxiii) Olhando também ao caso da violação do Direito Europeu, explicita ainda o Colendo Tribunal: “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro já que a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.º 1 da CRP e 55° da L.G.T), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços” - Acórdão STA, 12.12.2001, proc. n.º 026233;

(xxiv) Em face da jurisprudência citada, torna-se claro que a interpretação e aplicação de normas jurídicas em sentido contrário ao Direito Europeu consubstancia erro unicamente imputável à AT e que permite à Requerente promover a revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da L.G.T;

(xxv) Ora, se for esse o entendimento V. Exas., Egrégios Senhores Juízes Conselheiros sempre poderá ser prolatado despacho no sentido da descida dos autos à Instância a fim de convolar os presentes autos nos de impugnação judicial dos actos referidos nas alíneas B) e G), do probatório;

(xxvi) Por tudo o exposto, e o mais que ilustrado juízo desse Colendo Tribunal, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e ordenada a baixa dos autos à instância para prolacção de nova decisão que conheça do mérito da impugnação, se nada mais obstar;

(xxvii) Sem prescindir; e para o caso de assim não se entender, o que não se concebe nem concede, sempre se dirá;

(xxviii) O Tribunal de Justiça (T.J.) tem também declarado em vários acórdãos que as condições de reembolso em excesso, implementadas pelos Estados-membros, não podem ofender o princípio da neutralidade do sistema do imposto, bem como que os meios implementados pelos Estados, com vista a obviar à fraude e evasão fiscais, são de restringir ao estritamente necessário, tendo chegado já decidir que, no caso de serem aplicados a determinado grupo de contribuintes, presumivelmente de maior risco, não podem deixar de ser considerados desproporcionais e que ofendem os objectivos do dito sistema - Acórdãos Molenheide e o., de 18-12-97, publicado na Colect. p-I, 7281, n.ºs 46 e 47, de 27-9-2007, Teleos e o., Proc. C-409/04, Colect., p. I-7797, n.ºs 52 e 53, e de 21-2-2008, Caso Netto Supermarkt, Proc. C-271/06, Colect. p. I00771, n.ºs 19 e 20, citados por Clotilde Celorico Palma em comunicação inserida em e-book, organizado pelo C.E.J. “Tributação Indireta/IVA e IEC, Maio 2019”.

(xxix) Ora, a similitude com o presente caso é manifesta, porquanto o previsto no art. 7.º do Dec.-Lei n.º 45/89, de 11/2, visou objectivos de combate à fraude e evasão fiscal, conforme se pode ler no seu preâmbulo.

(xxx) Por outro lado, resulta que a Recorrente se insere no grupo de não residentes, havendo presumido maior risco de ocorrer a violação do dito princípio da neutralidade ao se terem aplicado requisitos constantes do mesmo em fundamento da recusa de reembolso.

(xxxi) Aliás, sem que fosse dada oportunidade à Recorrente de prestar quaisquer outras informações, conforme previsto no n.º 2 do referido art. 5.º do Dec.-Lei n.º 408/87, resulta manifesta desproporcionalidade e ofensa dos objectivos do sistema

(xxxii) Tudo considerado, é assim evidente que a AT ao negar o direito ao reembolso de IVA com fundamento na inobservância do requisito previsto no artigo 7.º do DL 408/87 (na redação à data dos factos) viola frontalmente a Oitava Diretiva, sendo precisamente neste ponto que assenta o vício de violação de lei da decisão ora recorrida, o que motivará a sua anulação, bem como a consequente revogação do ato de indeferimento ora sindicado, tudo com as devidas consequências legais, mormente a concessão à Recorrente do reembolso no valor de EUR 15.664,00, acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos.

(xxxiii) Estipula o artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que o TJUE é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos actos adoptados pelas Instituições da União Europeia.

(xxxiv) O caso aqui em apreço visa a análise do quadro legislativo nacional face ao disposto na Oitava Diretiva (à data dos factos tributários) e face aos princípios da neutralidade do IVA e do direito fundamental à dedução do imposto e à jurisprudência do TJUE.

(xxxv) Considerando as questões levantadas pela Recorrente quanto à incompatibilidade dos atos tributários ora sindicados com a Oitava Diretiva e com os referidos princípios de Direito Comunitário, requer-se - caso este Venerando Tribunal entenda que a questão controvertida carece de interpretação pelo órgão jurisdicional comunitário - ao abrigo do artigo 267.º do Tratado, o reenvio prejudicial das seguintes questões para apreciação junto do TJUE:

(xxxvi) a. Avaliar a desconformidade e desproporcionalidade da interpretação administrativa baseada no DL 408/87 face ao princípio da neutralidade do IVA e ao objetivo da Oitava Diretiva;

(xxxvii) b. Avaliar se a circunstância de a Recorrente não poder ver reembolsado o IVA suportado na operação sub judice não a coloca numa posição menos favorável que os sujeitos passivos residentes que numa situação idêntica podem exercer o direito à dedução do imposto suportado no prazo de quatro anos, nos termos do artigo 71.º, n.º 7 do CIVA (na redação à data dos factos).

(xxxviii) c. Subsidiariamente - pois que apenas com a resposta à primeira questão e causa de pedir a Recorrente verá assegurada uma tutela jurisdicional efetiva da sua pretensão - a Recorrente pretende ver analisada a legalidade do procedimento tributário de indeferimento do pedido de reembolso objeto dos presentes autos, o qual, na ótica da Recorrente padece de um vício formal, consubstanciado na prolação de decisão sem notificação para exercício do direito de participação na modalidade de audição prévia previsto no artigo 60.º da L.G.T.

(xxxix) No caso em apreço, foi negada à Recorrente a possibilidade de se pronunciar previamente à decisão de indeferimento do pedido de reembolso de IVA, sendo assim evidente o vício de que padece o ato tributário ora sindicado, pois que o direito de audição apenas poderá ser suprimido, unilateralmente, pela Administração Tributária, no caso de norma legal expressa nesse sentido, o que não é manifestamente o caso, uma vez que tal dispensa apenas é possível nos casos previstos nos números 2 e 3 do artigo 60.º da L.G.T.

Termos em que, admitido nos termos do disposto no nº 6 do artigo 150º do CPTA, ao recurso deve ser concedido provimento, revogando a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à instância para prolacção de nova decisão que conheça do mérito da impugnação, com as legais consequências, com o que V. Ex.cias, Venerandos Conselheiros, farão Justiça!

2 – Contra-alegou a recorrida, concluindo nos seguintes termos:

A- A Recorrente interpôs o presente recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo nos termos do disposto do nº 6 do art. 150º do CPTA, pedindo a revogação do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul e a baixa dos autos à instância para prolação de nova decisão que conheça do mérito da impugnação, por considerar, fundamentalmente, que incorre em nulidade por os fundamentos estarem em oposição com a decisão (art. 615º, nº1, al b) e nº4, do CPC, ex vi o art. 1º do CPTA), bem como em omissão de pronuncia por ter deixado de pronunciar-se sobre o pedido de reenvio para o TJUE((art. 615º, nº1, al b), ex vi o art. 1º do CPTA) para além de que o prazo para reagir contenciosamente na situação concreta é de um ano o qual não foi observado no caso.

B- O recurso de revista previsto no art. 150º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar naqueles precisos termos, tal como, aliás, foi evidenciado pelo legislador na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII.

C- Com efeito, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» (Cfr., por todos, o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 2014, proferido no processo com o n.º 1853/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.).

D- No caso em apreço, a questão jurídica essencial sobre que deliberou o Acórdão recorrido e com a qual a Recorrente não se conforma, é “a questão prévia da intempestividade na propositura da acção”.

E- A questão em controvérsia nos autos não nos parece preencher os requisitos para a admissão do presente recurso de revista ao abrigo do disposto no art. 150.º, nº1, do CPTA.

F- De referir, aliás, que o douto argumentário das alegações de revista, a Recorrente reitera a critica já aduzida no recurso jurisdicional à Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, apontando os mesmos erros de julgamento, tendo em vista a verificação da nulidade da decisão administrativa e da decisão judicial, como fundamento de o prazo de impugnação a considerar ser de um.

G- A questão controvertida acima enunciada não reveste em si uma complexidade ou originalidade de tal modo relevante que justifique um duplo grau de jurisdição, como também não é passível de configurar uma “relevância jurídica ou social”, pois tais pressupostos encerram em si um plus, que, no caso, não se vislumbra e muito menos se mostra “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

H- Nem assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental que convoque a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal em revista para uma melhor aplicação do direito.

I- Na verdade, a Recorrente mostra-se inconformada com o Acórdão sob recurso e tem como objectivo a reapreciação da sua pretensão, como, aliás, decorre das doutas Conclusões de Recurso – a ilegalidade do indeferimento do pedido de reembolso do IVA com fundamento na inobservância do requisito previsto no art. 7º do DL 408/87,na redacção à data dos factos.

J- ou seja, a Recorrente alega divergência de interpretação das normas jurídicas aplicáveis aos factos provados, mantendo os argumentos já aduzidos em sede de recurso jurisdicional.

L- Divergência essa que foi discutida e dirimida em duas instâncias, fundamentadamente, em desfavor da interpretação propugnada pela Recorrente.

M- Razão por que não se afigura que se trate de matéria jurídica complexa, potencialmente repetível em múltiplos casos, a justificar a reanálise do Supremo Tribunal Administrativo.

N- É que a solução jurídica consignada no Acórdão recorrido não exige uma melhor aplicação do direito como a lei especialmente impõe, na situação como a verificada nos autos, cuja solução necessite claramente de passar pela intervenção do Supremo Tribunal Administrativo.

O- Ao contrário do que refere a Recorrente, a questão jurídica da caducidade do direito de acção não tem a relevância jurídica ou social nem a virtualidade de se repetir num número indeterminado de casos futuros, na medida em que necessariamente apresenta-se com uma dimensão concreta e casuística. ano nos termos do disposto na al a), do nº4, do art. 59º do CPTA.

P- Não se vê, pois, razão que fundamente ou justifique a admissão do Recurso de Revista, pelo que este não deverá ser admitido.

Q- O douto Acórdão recorrido delimitou correctamente as questões a apreciar e a decidir, bem como procedeu a uma criteriosa e exaustiva análise da prova documental trazida aos autos, tendo inclusive aditado matéria de facto que considerou necessária à apreciação do recurso, nos termos do art. 662º, nº1, do CPC – os Factos M), N), O), P), P), Q), e R).

R- O douto Acórdão recorrido delimitou correctamente o objecto da Revista, bem como procedeu a uma análise critica, sistematizada e fundamentada dos vícios apontados pela Recorrente, como se evidenciou nos artigos 25º, e 27º a 41º das presentes alegações.

S- Sendo que, como bem salientou o Acórdão recorrido, o princípio Pro Actione não pode servir para desvirtuar e preterir prazos peremptoriamente estabelecidos na lei, nem fundamentar qualquer violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, que aliás, a Recorrente não logrou demonstrar.

T- Por todo o exposto, não se mostram verificados qualquer dos requisitos previstos no art. 150º, nº1, do CPTA, para admissão do recurso de revista interposto pela Recorrente, pelo que o mesmo não deve ser admitido pelo STA, mantendo-se, em consequência, o Acórdão do TCA Sul recorrido, na medida em procedeu a uma correcta interpretação das normas aplicáveis aos factos provados nos autos, ao confirmar a Sentença a quo e concluir pela a)-, Procedência da questão prévia da intempestividade na propositura da acção impede o Tribunal de prosseguir com a inquirição de testemunhas bem como com o conhecimento dos vícios invocados pela Autora; b-), A possibilidade prevista na alínea a) do n.º 4 do artigo 58.º do CPTA tem expressamente em vista a possibilidade de apresentação da acção administrativa para além do prazo de três meses, não sendo aplicável aos meios de reacção administrativos; e c)- O pedido de emissão de certidão efectuado nos termos do disposto no artigo 37.º do CPPT, apresentado mais de 30 dias depois da notificação da decisão do procedimento tributário não tem a virtualidade de interromper o prazo de reacção através do recurso aos meios judiciais que já havia transcorrido na sua totalidade.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, não deve ser admitido o recurso de revista interposto pela Recorrente, por não obedecer a nenhum dos requisitos previstos no nº1 do art. 150º do CPTA, e em consequência deve ser mantido o Acórdão do TCA Sul recorrido, com todas as legais consequências

3 – O Ministério Público não emitiu parecer sobre a admissão da revista.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão sindicado (fls. 19 a 24 da respectiva numeração autónoma).

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –

5– Apreciando.

Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 150.º do CPTA.

Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 - Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme o acórdão recorrido, substitui-o mediante decisão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA Sul sindicado nos presente autos julgou inverificadas as nulidades processuais e da sentença alegadas pela recorrente (fls. 26 a 32) e, quanto ao também alegado erro de julgamento quanto à caducidade do direito de acção, julgou, por maioria, inexistir erro de julgamento.

O acórdão foi lavrado com voto de vencido do primitivo relator, fundando a recorrente o seu recurso no entendimento aí exposto (e que não logrou convencer a maioria do colectivo): de que as circunstâncias do caso, na pendência da reclamação graciosa, justificavam a aplicação do prazo de um ano para a acção, ao invés do prazo regra de três meses (cf. o n.º 4 do artigo 58.º do CPTA então vigente).

A questão da caducidade do direito de acção, em si mesma, não oferece complexidade que justifique a admissão da revista, nem a ponderação das circunstâncias efectuada no acórdão justifica a sua admissão “para melhor aplicação do direito”, pois a decisão tomada não se revela ostensivamente errada ou infundamentada, sendo plenamente plausível.

No que às nulidades concerne, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que não constituem objecto próprio do recurso de revista, antes devem ser arguidas perante o Tribunal que profere a decisão.

Não se vê, pois, como justificada a admissão da revista, que não será admitida.

Concluindo:

A questão da caducidade do direito de acção, em si mesma, não oferece complexidade que justifique a admissão da revista, nem a ponderação das circunstâncias efectuada no acórdão justifica a sua admissão “para melhor aplicação do direito”, pois a decisão tomada não se revela ostensivamente errada ou infundamentada, sendo plenamente plausível.

Constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que não constituem objecto próprio do recurso de revista as alegadas nulidades do acórdão sindicado.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 3 de Julho de 2024. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.