Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03305/11.1BEPRT
Data do Acordão:07/03/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32491
Nº do Documento:SA22024070303305/11
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
AA, Executado/Oponente nos autos à margem referenciados em que é Exequente INSTITUTO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, notificado do Acórdão de 27.10.2016 e não se conformando com o mesmo, vem interpor RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL, para o SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA.

Alegou, tendo concluído [o alinhamento das conclusões por letras vai tal como consta das alegações elaboradas pelo recorrente, sendo que chegado à letra k) reinicia na letra a)]:
a) O Tribunal de 1ª Instância proferiu douta sentença a rejeitar a Petição Inicial da Oposição á Execução por intempestividade, considerando que a mesma foi apresentada no primeira dia após o términus do prazo legal e não foi efetuado o pagamento da multa a que alude o n.º 6 do artigo 145º do CPC 1º dia de multa.
b) Não se conformando com a douta sentença o Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo do Norte, contrariando a tese defendida de extemporaneidade da apresentação da peça processual, defendendo que, a Oposição à Execução foi deduzida dentro do prazo legal, previsto no artigo 203º do CPPT.
c) Para o efeito, requereu a junção de um documento que consiste no registo do correio, datado de 30/09/2011, que corresponde ao comprovativo de envio da peça processual para o Serviço de Finanças da Maia, para prova da apresentação tempestiva da Oposição à Execução.
d) Alegou o Recorrente estarem verificados os pressupostos para a junção, naquela fase, de um documento (face à imprevisibilidade do sentido da decisão recorrida), nos termos do disposto no nº 1 do art. 651º do C.P.C..
e) Discordou também o Recorrente da douta sentença de 1ª instância, na parte que considerou que a mandatária do Recorrente foi regularmente notificada para efetuar o pagamento da multa, nos termos do disposto no n.º 3 e 4 do artigo 254º, do CPC.
f) Remetidos os autos para o Tribunal Central Administrativo do Norte, o Ex.mo Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser admitido o documento junto e concedido provimento ao recurso.
g) Sucede que, o Tribunal Central Administrativo do Norte, proferiu douto Acórdão a negar provimento ao recurso, corroborando integralmente com a decisão de 1ª instância.
h) Quanto à junção do documento por parte do Recorrente entendeu o Douto Acórdão que: “ A questão que se coloca é saber se, em face das normas legais acima invocadas ainda pode ser admitido o dito documento dado se ter tornado necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão proferida. Entendemos que não. Não colhe a apresentação do documento em sede recurso, porquanto não tendo ilidido a presunção do n.º 3 do artigo 254º, do C.P.C., o recorrente não pode deixar de se considerar notificado do despacho que ordenou o pagamento da multa. E assim, o recorrente não estava impedido até à data da prolação da sentença em primeira instância, podendo o mesmo influenciar a decisão recorrida.”
i) No que concerne à notificação da mandatária do executado, ora Recorrente para pagamento da multa, considera que, não obstante ter sido devolvida com a menção “mudou-se” foi a mesma regularmente notificada, nos termos do disposto no artigo 254º, n.º 4 do CPC.
j) O Recorrente não se conforma com a douta decisão proferida pela Tribunal Central Administrativo do Norte, por considerar, salvo o devido respeito, que a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” procede a má aplicação do Direito, mediante a errada interpretação das normas aplicáveis à factualidade subjacente.
k) Por conseguinte, lança mão do recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal Administrativo, por entende que o caso dos autos deve ser apreciada por este Tribunal não só pela sua pertinência jurídica ou social, mas também porque versa sobre matéria acerca da qual é necessário clarificar o quadro legal aplicável em face da interpretação dada pelo Tribunal “a quo” à situação supra enunciada, preenchendo assim os requisitos previstos, nos termos do art. 150º do CPTA.
a) Tal posição tem apoio jurisprudencial no douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo N.º 0570/14 de 05-02-2015: “Já quanto à terceira questão, relativa ao momento processual para a junção de documentos em processo de impugnação judicial, afigura-se-nos que ela reclama a intervenção do STA para dissipar dúvidas acerca da aplicação do quadro legal que regula a matéria no processo judicial tributário, tendo em conta a divergência jurisprudencial que se tem verificado nesta matéria e a posição assumida no acórdão recorrido… conhecida que é a orientação que os tribunais superiores têm adotado sobre a matéria – no sentido de que os amplos poderes inquisitórios atribuídos ao juiz fazem com que, por sua iniciativa, possam ser trazidos ao processo, a todo o momento até à sentença, elementos de prova, e que esse princípio desaconselha a que se rejeitem, por razões de mera disciplina processual, novos elementos probatórios porventura capazes de contribuir para atingir a verdade matéria…” – torna-se clara a necessidade de admissão da presente revista para devida clarificação e melhor aplicação do direito.”
b) Analisado o Douto Acórdão desde logo, não é exato o referido no douto Acórdão, na parte em que considera que a mandatária foi regularmente notificada para pagamento da multa, nos termos do disposto no n.º 4 artigo 254º, do C.P.C..
c) Contrariamente, ao defendido no douto Acórdão a mandatária do Recorrente não foi regularmente notificada para pagamento da multa, porquanto a notificação não foi remetida para o seu domicílio profissional.
d) No momento de apresentação da petição inicial de Oposição à Execução a morada da mandatária era: Rua ..., Edifício ..., ..., ... Trofa.
e) Atrevendo-se o Recorrente com a devida vénia, a juntar o documento que consiste na certidão emitida pela ordem dos advogados que certifica que o domicílio profissional da mandatária desde 27/09/2010 era: Rua ..., Edifício ..., ..., ... Trofa, bem como, certidão do Serviço de Finanças da Maia com cópia do envelope de envio da peça processual remetido dessa mesma morada, cfr. documentos n.ºs 1 e 2.
f) Acresce que, desde a data de apresentação da Petição Inicial de Oposição à execução até à notificação para pagamento da multa, não houve mudança de domicílio profissional da mandatária do Recorrente.
g) A morada supra citada foi a indicada na petição inicial de Oposição à Execução, conforme alínea b) do artigo 467º, do Código Processo Civil.
h) Assim, nas várias folhas que compunham a Oposição à Execução constava o domicílio profissional da mandatária como sendo na, Rua ..., Edifício ..., ..., ... Trofa.
i) Sucede que, a secretaria notificou a mandatária do Recorrente do pagamento da multa para a seguinte morada: Rua ..., Traseiras, ... Viana do Castelo.
j) Tal aconteceu, porquanto a secretaria ignorou a morada indicada na petição inicial, tendo remetido a notificação para morada constante na procuração junta aos autos.
k) Não resulta da lei que o domicílio profissional da mandatária é o constante da procuração mas antes que é o constante na petição inicial, conforme antigo artigo 467º, atual artigo 552º, do C.P.C..
l) Como é prática corrente nas lides judiciais a procuração exarada por um cliente ao seu mandatário serve para o representar em todos os processos judiciais, não sendo comum que em cada novo processo seja exarada nova procuração, foi o que aconteceu nos autos, como se vislumbra da leitura da procuração, a mesma tinha sido exarada em data muito anterior à apresentação da petição inicial.
m) Ora, ainda que na procuração constasse outra morada para a qual, efetivamente, a notificação foi remetida pelo tribunal de primeira instância, o certo é que a notificação foi devolvida com a menção de “mudou-se”.
n) Pelo que, entende o Recorrente que na citação do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido em 26/04/2006, no processo 00090/04-7, efetuada por este douto tribunal na página 15 do douto acórdão, no sentido de que “nem se argumente que deveria então o tribunal ter indagado em qual delas se situava o escritório do Advogado; desde logo porque, como ficou já dito, nada permitia concluir que havia mudança de escritório (..)” não se assemelha ao caso concreto, pois que a devolução da notificação com a menção de “mudou-se” fazia claramente prever que o endereço do escritório da mandatária não era o que constava da procuração.
o) Acontece que, a impossibilidade de notificação não foi motivo para que a secretaria tomasse as devidas diligências, por forma a aferir se a notificação foi remetida para o correto domicílio profissional da mandatária, se o tivesse feito, e para tal, não era necessário qualquer esforço, diligência ou pesquisa mais complexa, certamente, iria perceber que a morada para a qual remetera a notificação não era a morada da mandatária do Executado/ Oponente.
p) Acresce ainda que, compulsados os autos constata-se que já antes da notificação para pagamento da multa devolvida em 13/05/2013, tinham sido devolvida notificação remetida para aquela morada de Viana do Castelo, em 27/11/2012.
q) Pelo que, contrariamente ao defendido no Douto Acórdão a mandatária não foi regularmente notificada para efetuar o pagamento da multa, nos termos do n.º 3 e 4, do artigo 254º, n.º do CPC, em virtude de a notificação não ter sido feita no domicílio profissional da mandatária indicado na petição inicial.
r) Com o devido respeito, considera o Recorrente incorrer o Douto Acórdão recorrido em erro na apreciação dos factos e aplicação da lei, uma vez que a não notificação não se deveu à falta de comunicação de alteração do domicílio profissional da mandatária mas a erro na remessa da notificação por parte da secretaria para a morada que não correspondia ao domicilio da mandatária.
s) Como tal, a notificação para pagamento da multa padece de nulidade, atento o disposto no art.º 201.º, n.º 1, atual art. 195º, do CPC.
t) Foram ainda violadas as normas constantes dos artºs. 40, do C.P.P.T., 70, do C.P.A., e 268, da C.R.P.
u) É entendimento jurisprudencial que num processo equitativo, as partes não podem ser prejudicadas por erros ou omissões do próprio tribunal ou de qualquer dos seus órgãos, mesmo auxiliares, tal preceito decorre, aliás, de uma conceção ampla do direito de acesso à justiça e a um processo equitativo, tal como está consagrado no art.º 20º, 32°, nº 10 e 268º, nº 4, todos da Constituição da República Portuguesa, do artigo 80° do RGIT e dos artigos 60º e 63º do RGCO.
v) Acresce ainda que, o Tribunal recorrido fez uma errada apreciação dos factos ao assumir que a Recorrente poderia ter apresentado tal documento com a notificação para pagamento da multa e que a sua apresentação não se tornou necessária por virtude de qualquer ocorrência posterior, sendo a Sentença nula por violação dos Princípios do Contraditório, do Inquisitório e da Colaboração.
w) A verdade é que o documento cuja junção não foi admitida destinava-se a comprovar a tempestividade da apresentação da Petição Inicial de Oposição à execução, cuja relevância para a decisão a proferir, é por demais evidente, ao ponto de revogar a decisão proferida que considerou a mesma extemporânea.
x) Por isso, de harmonia com a conjugação do disposto no art. 99.º, n.º 1, da LGT – e dos princípios da eficiência e racionalidade do processo (Cfr. ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, anotação 1 ao art. 99.º, pág. 413.), “ o juiz tem o dever de efetuar ou ordenar todas as diligências de prova que se afigurem necessárias à descoberta da verdade” e o n.º 1 do art. 13.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que dispõe que: «Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer».”, deveria ter sido admitida a junção do documento em fase de recurso. y) No mesmo sentido, vai o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 0570/14, de 27/05/2015, cuja doutrina acolhemos e fazendo as competentes adaptações ao caso em pareço: “Do que vimos de dizer, resulta desde logo que devem encarar-se com as maiores cautelas todas as decisões que assentem numa interpretação das regras legais que conduza à restrição da produção da prova requerida pelo particular interessado, a menos que as diligências requeridas possam, num juízo seguro, ser tidas como inúteis ou desnecessárias, caso em que se impõe ao juiz obstar à sua realização.”
z) Ademais, só com a sentença o Recorrente se pôde aperceber da necessidade de apresentação do documento em causa, pois só nesse momento o Recorrente teve conhecimento que não foi junto aos autos o envelope com a data de receção da petição inicial.
aa) Na base das divergências, quer quanto à data de entrada da oposição à execução em juízo, quer mesmo quanto ao domicílio profissional da mandatária decorrem do facto do processo de execução fiscal ser impulsionado pelo Serviço de Finanças e a Oposição ter sido aí apresentada e não no Tribunal.
bb) Pois, cabia ao Serviço de Finanças da Maia juntar o documento comprovativo da receção da peça processual, nos termos do disposto no artigo 110.º, n.º 4, do CPPT «Com a contestação, o representante da Fazenda Pública remete ao tribunal, para todos os efeitos legais, o processo administrativo que lhe tenha sido enviado pelos serviços», caso tivesse acontecido teria ido em sentido oposto a decisão do Tribunal de 1ª Instância.
cc) Tanto mais que, «ao contrário do que ocorre no processo civil, no processo tributário a administração, que surge colocada processualmente numa posição oposta à do particular, não é titular de um interesse oposto ao do particular, antes está constitucional e legalmente obrigada a atuar exclusivamente subordinada ao interesse público e com imparcialidade, tanto nos processos administrativos como nos judiciais (arts. 266.º, n.ºs 1 e 2, da CRP e 55.º da LGT). Deste dever decorre que, quando a lei tributária impõe à administração o dever de informar o tribunal sobre a matéria de facto que interesse ao processo e juntar os documentos convenientes para o julgamento [como acontece, para os processos de impugnação, no art. 111.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPPT], a administração deve levar ao processo tudo o que interesse para este, independentemente de os factos favorecerem ou não o particular impugnante» (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 5 b) ao art.13.º, pág. 175.).”
dd) Por último, não pode o Recorrente deixar de referir que mesmo que se entendesse que a mandatária foi notificada regularmente para pagamento da multa, o que por mera hipótese se equaciona, no caso em apreço não deve a questão da forma suplantar a questão da matéria.
ee) Tem sido entendimento da doutrina que: “o processo é, naturalmente, forma. Mas a forma deve ser um instrumento para a obtenção da tutela requerida, não um obstáculo à obtenção da tutela, nem, muito menos, um pretexto para a não obtenção da tutela. (…) “ O dever de cooperação é um princípio estruturante do processo civil português (não certamente por acaso constante de um dos artigos iniciais do CPC (cf. art. 7.º)), o que implica que os artigos do CPC devem ser aplicados em consonância com esse mesmo dever. Em vez de uma leitura atomizada dos artigos do CPC, o que naturalmente se impõe é uma aplicação do CPC em consonância sistemática com os seus princípios estruturantes, nomeadamente com o dever de cooperação do tribunal. “
ff) Face a todo o exposto, deve ser admitida a apresentação do documento junto com as alegações de recurso pois a necessidade da sua junção resulta da decisão da 1.ª instância e a sua junção é determinante para atingir o consagrado princípio da descoberta da verdade material.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre muito douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o Douto Acórdão Recorrido e, considerando admissível a junção aos autos do documento apresentado com a alegação do recurso, ordenar que os autos regressem ao Tribunal a quo, a fim de aí prosseguirem.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 150.º do CPTA.
Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 - Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme o acórdão recorrido, substitui-o mediante decisão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 150º, n.º 3 do CPTA, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não pode servir o recurso de revista para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.

Lidas atentamente as extensas alegações de recurso que nos vêm dirigidas suscita-se-nos logo de forma evidente que a questão (ou questões) que vem trazida à apreciação deste Supremo Tribunal não pode ser subsumida à noção de questão de importância fundamental tal como legalmente definida.
Na verdade, tratam-se de questões que já foram inúmeras vezes tratadas pelos Tribunais Superiores, porém sempre com um enquadramento de facto que retira à solução dada às mesmas a característica de poder ser replicada num vasto número de processos, precisamente porque se trata sempre de decisões que necessitam do devido enquadramento do caso concreto.
Assim, estando cumpridas as regras legais genéricas, pelo acórdão recorrido, apenas poderá ser o recurso admitido caso se vislumbre um clamoroso erro de julgamento na aplicação de tais regras ao caso concreto, erro esse que deve ser evidente, isto é, da leitura do acórdão recorrido deve resultar clara a necessidade de admissão deste recurso para uma melhor aplicação do direito.
Lidos atentamente os argumentos esgrimidos pelo TCA Norte, não se vislumbra de forma clara e evidente que tenha ocorrido um erro de julgamento de direito, face aos contornos da situação de processual que se desenrolou no processo.
Respiga-se de tal realidade factual que devido a uma divergência de indicação da morada por parte da mandatária do recorrente foi enviada a notificação para o pagamento da multa pelo atraso na apresentação da petição da oposição para uma morada desactualizada; essa multa não foi paga, por essa razão foi rejeitada liminarmente a oposição; em sede de recurso de tal decisão foi pretendida a junção de um documento que comprovava que a petição tinha sido apresentada dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito, etc.
Ou seja, da leitura que se faz do que se deixou dito no acórdão recorrido não ressalta à evidência que o TCA Norte tenha incorrido num claro erro de julgamento, na verdade analisou criteriosamente as diversas questões que lhe foram colocadas e decidiu até com recurso a citações de jurisprudência e diversa doutrina, tendo encontrado soluções que são plausíveis face à interpretação que se pode fazer das normas e da factualidade disponível.
Assim, o recurso não está em condições de ser admitido.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Tributário, que compõem a formação a que alude o artigo 150º, n.º 6 do CPTA, em não admitir o presente recurso de revista.
Custas do incidente pelo recorrente, com t.j. em 3 Ucs.
D.n.

Lisboa, 3 de julho de 2024. – Aragão Seia (relator) - Isabel Marques da Silva - Francisco Rothes.