Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0632/22.6BESNT
Data do Acordão:07/04/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
MEIO PROCESSUAL
Sumário:Não se justifica admitir revista se, nas concretas circunstâncias do caso presente, tudo indica que o TCA ajuizou correctamente ao considerar que não estavam verificados os pressupostos da indispensabilidade da célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa, sendo possível e/ou suficiente, nestas circunstâncias, o decretamento de uma providência cautelar para assegurar o direito que se pretende fazer valer até à prolação de uma decisão final na acção principal que se lhe seguiria, conforme exige o nº 1 do art. 109º do CPTA.
Nº Convencional:JSTA000P32502
Nº do Documento:SA1202407040632/22
Recorrente:AA
Recorrido 1:AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
AA interpôs no TAC de Lisboa contra a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, nos termos do art. 109º, nº 1 do CPTA, pedindo a desaplicação da alínea k) do artigo 24º do DL nº 108/2018, de 3/12 e a condenação da Entidade Demandada a reconhecer a qualificação profissional da Autora em protecção radiológica, por equivalência, ao nível 1 (perito qualificado).
Por sentença de 14.03.2023, o TAF de Sintra absolveu a Entidade demandada da instância.
Por acórdão de 29.02.2024 o TCA Sul manteve aquela decisão.

É deste acórdão que a Autora interpõe o presente recurso de revista invocando que a questão da idoneidade do presente meio processual, é questão essencial de direito (processual) que pretende ver apreciada neste recurso, a qual tem capacidade de expansão para lá do presente processo, sendo útil uma decisão do STA para mitigar a incerteza e insegurança jurídicas, havendo necessidade de uma melhor aplicação do direito.

Não foram apresentadas contra-alegações.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente Intimação a Recorrente alega, em síntese, o seguinte:
Desde 2013, vinha exercendo, sem qualquer limitação, atribuições e responsabilidades na área da protecção radiológica junto da empresa A..., Lda;
As tarefas exercidas pela A. enquadram-se nas tarefas que, a partir da entrada em vigor dos arts. 24º e 158º do DL nº 108/2018, de 3/12, que aprovou o regime jurídico da protecção radiológica, passaram a poder ser exercidas por especialistas em protecção radiológica;
Em 2020, apresentou junto da Entidade Demandada um pedido de reconhecimento de qualificação profissional em protecção radiológica, por equivalência, ao nível 1 (perito qualificado), formulado ao abrigo da disposição transitória prevista no art. 11º do DL nº 227/2008, de 25/11, diploma que define o regime jurídico aplicável à qualificação profissional em protecção radiológica, conjugado com o disposto no art. 190º do DL nº 108/2018, de 3/12;
Em 13.07.2021, a Entidade Demandada notificou a A. do indeferimento do seu pedido de reconhecimento com fundamento no facto de ser licenciada em Física e Química mestre em Física Aplicada, quando o reconhecimento solicitado exigia especificamente o grau de licenciatura em Física.
O não reconhecimento de qualificação profissional em protecção radiológica, por equivalência, ao nível de qualificação 1, pela Entidade Demandada, limita o exercício das actividades profissionais relacionadas com a protecção radiológica, na medida em que o exercício das funções de especialista em proteção radiológica, de responsável técnico pela protecção radiológica ou de direcção técnica em empresas prestadoras de serviços na área da protecção radiológica carece de habilitação para o efeito, no caso, a dita qualificação profissional em protecção radiológica solicitada pela Autora.

O TAF de Sintra proferiu sentença na qual, no que agora interessa, julgou procedente a excepção dilatória inominada de impropriedade do meio processual para conhecer e decidir o pedido de condenação da Entidade Demandada ao reconhecimento à A. da qualificação profissional em protecção radiológica, por equivalência, ao nível 1 (perito qualificado) e, consequentemente, absolveu a APA da instância.
Entendeu, em síntese, “não resultar da alegação da Autora a verificação de uma situação de urgência que não possa ser tutelada por recurso e outro meio processual”, concluindo que “não se verificam o segundo e terceiro pressupostos de admissibilidade da utilização do meio processual de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias previsto no artigo 109.º do CPTA.

O acórdão recorrido confirmou a decisão de 1ª instância, negando provimento ao recurso.
Enunciou o acórdão os pressupostos de que o nº 1 do art. 109º do CPTA faz depender o recurso à intimação para a protecção de direito, liberdades e garantias, a saber: i) ser indispensável a célere emissão de uma decisão que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia; e, ii) não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.
A A. alegara, insurgindo-se contra a sentença de 1ª instância, de que da combinação do nº 5 do art. 20º da CRP com o art. 109º do CPTA resulta que este tipo de acção é sempre aplicável desde que estejam em causa direitos fundamentais, dependendo a escolha entre a intimação ou providência cautelar consoante a que garante melhor a protecção dos direitos em causa.
Considerou, no entanto, o acórdão sobre tal alegação o seguinte:Como vimos, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é um meio processual subsidiário ou de «ultima ratio» que só pode ser utilizado se não for possível ou suficiente, nas circunstâncias invocadas pela Autora resultar que a utilização de um meio processual principal conjugado com a adoção de uma providência cautelar é possível e suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito em causa, não pode admitir-se a formulação da pretensão numa intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
Alega a Autora que estando em causa o exercício da sua atividade profissional, sua ocupação e meio de sustento da sua família, é evidente a necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo, porquanto outra hipótese coloca a ora Recorrente numa situação de paralisação da sua vida profissional durante anos, até que uma decisão fosse proferida em sede de processo declarativo. Sendo que esses anos perdidos nunca seriam recuperados, não só do ponto de vista financeiro, mas também do ponto de vista da progressão e satisfação profissionais. Entende que, no caso, não se pode aceitar como possível o decretamento provisório de uma providência cautelar, na medida em que o que está em causa é o exercício de uma atividade profissional, que não se coaduna com uma situação de provisoriedade.
Como bem referiu o tribunal a quo a tutela cautelar, destinada a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, obviando à constituição de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal, inclui a possibilidade da adoção de providências antecipatórias, que podem consistir, designadamente, na autorização provisória ao interessado para iniciar ou prosseguir uma atividade ou adotar uma conduta (cfr. n.º 1 e alínea d) do n.º 2 do artigo 112.º e n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
O decretamento de uma providência cautelar que intimasse a Entidade Demandada a provisoriamente reconhecer a qualificação profissional da Autora em proteção radiológica, por equivalência, ao nível 1 (perito qualificado), mostrar-se-ia suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito que esta invoca, dando resposta à alegada necessidade de não paralisar a sua vida profissional durante anos, até que uma decisão seja proferida em sede de processo declarativo. Tal como decidiu o tribunal recorrido, o decretamento de uma providência adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir na ação administrativa principal, de que é exemplo paradigmático a intimação da Entidade Demandada a provisoriamente reconhecer a qualificação profissional da Autora em proteção radiológica, por equivalência ao nível 1 (perito qualificado), seria suficiente e adequada à proteção do direito invocado pela Autora.
E ao contrário do que defende a Recorrente, como bem explicou a decisão recorrida, o decretamento da providência cautelar antecipatória não afetaria os limites da tutela cautelar, designadamente os impostos pela sua natureza provisória, pois o reconhecimento provisório da qualificação profissional da Autora em proteção radiológica não conduz a uma situação definitiva e irreversível. Se a ação principal vier a ser julgada improcedente tal implicará a caducidade do reconhecimento provisório da qualificação profissional da Autora em proteção radiológica, assim se revertendo os efeitos criados.

Na presente revista a Recorrente discorda mais uma vez do decidido nas instâncias, reafirmando que, no caso concreto, se mostram preenchidos os pressupostos de aplicação do mecanismo do art. 109º, nº 1 do CPTA, preceito que foi violado com o entendimento do acórdão recorrido, bem como do disposto nos arts. 47º e 20º, nº 5 da CRP.
A tese da Recorrente não é, porém, convincente.
Com efeito, nas concretas circunstâncias do caso presente, tudo indica que as instâncias ajuizaram correctamente ao considerar que não estavam verificados os pressupostos da indispensabilidade da célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa, sendo possível e/ou suficiente, nestas circunstâncias, o decretamento de uma providência cautelar para assegurar o direito que se pretende fazer valer até à prolação de uma decisão final na acção principal que se lhe seguiria, conforme exige o nº 1 do art. 109º do CPTA (no mesmo sentido, em matéria semelhante, se tendo já pronunciado o TCA Sul no ac. de 07.07.2021, proc. nº 288/21.3BEBRG, bem como este STA nos acs. de 30.10.2008, proc. nº 0878/08 e de 07.04.2022, proc. nº 36/22.1BELSB).
Assim, porque, no juízo sumário e perfunctório que esta apreciação preliminar comporta, tudo indica que o decidido pelo acórdão recorrido quanto à improcedência do recurso, se mostra correcto, com recurso a uma fundamentação consistente, coerente e plausível, não deve ser admitida a revista, por não se justificar postergar a regra da respectiva excepcionalidade, uma vez que a questão aqui colocada não assume relevância jurídica superior ao normal para este tipo de problemática ou capacidade expansiva, antes estando circunscrita aos interesses que a aqui Recorrente pretende fazer valer, sendo que, igualmente, não se afigura necessária a revista para uma melhor aplicação do direito.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 4 de Julho de 2024. – Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso – Fonseca da Paz.