Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 06/22.9BALSB |
Data do Acordão: | 06/26/2024 |
Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CT |
Relator: | JOSÉ GOMES CORREIA |
Descritores: | UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA IMPOSTO DE SELO SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS |
Sumário: | Ainda que se verifique entre as decisões arbitrais em confronto oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, o recurso não deve ser admitido, ou tendo-o sido, não deve conhecer-se do respectivo mérito, se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo – cf. artigo 152.º n.º 3 do CPTA, do artigo 25.º n.º 3 do RJAT. |
Nº Convencional: | JSTA000P32435 |
Nº do Documento: | SAP2024062606/22 |
Recorrente: | A..., SGPS, S.A. |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório A..., SGPS, S.A., melhor identificada nos autos, notificada da Decisão Arbitral proferida no Processo 92/2021-T, datada de 13-12-2021, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e em que é recorrida a Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com o seu conteúdo, vem dele recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e do n.º 2, do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na versão actualizada pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro), com fundamento em o mesmo se encontrar em contradição com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 110/2020-T, de 18 de Novembro de 2020, no que respeita à questão fundamental de saber se as SGPS oneradas com Imposto do Selo sobre a utilização de crédito, os juros e as comissões se enquadram no conceito de “instituição financeira”, tal como se encontra definido no direito comunitário, e se, assim sendo, beneficiam da isenção de imposto estabelecida na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS. Inconformada, a recorrente A..., SGPS, S.A. formulou alegações, que terminou com as seguintes conclusões: a) Da oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito I. Perante a questão fundamental de saber se as SGPS oneradas com Imposto do Selo sobre a utilização de crédito, os juros e as comissões se enquadram no conceito de “instituição financeira”, tal como se encontra definido no direito comunitário, e se, assim sendo, beneficiam da isenção de imposto estabelecida na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, a decisão arbitral recorrida (processo n.º 92/2021-T) e a decisão arbitral fundamento (processo n.º 110/2020-T) pronunciaram-se em sentido diametralmente oposto. II. Enquanto que a decisão arbitral recorrida se manifestou no sentido de que a concessão da “(…) isenção de imposto do selo à requerente não tem cabimento face aos normativas legais” (cfr. página 21 do Documento n.º 1), a decisão arbitral fundamento firmou o entendimento de que “(…) a Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (…) [e] nessa qualidade não pode deixar de se encontrar abrangida pelo conceito relevante de instituição financeira para efeito da aplicação da isenção do imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto de Selo.” (cfr. página 14 do Documento n.º 3). III. Neste sentido, e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica aplicável, as decisões arbitrais em confronto chegam a conclusões contrárias quanto à mesma questão fundamental de direito, apenas por força de uma diferente interpretação jurídica da norma de isenção de Imposto do Selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS. IV. Daí que se conclua pela admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA, por remissão dos n.ºs 2 e 3 do artigo 25.º do RJAT, e fundado na oposição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida proferida em 13 de Dezembro de 2021 no processo n.º 92/2021-T, e a decisão arbitral fundamento de 18 de Novembro de 2020, proferida no processo n.º 110/2020-T. b) Da qualificação da ora Recorrente, na qualidade de SGPS, como instituição financeira para efeitos da legislação comunitária V. A isenção de Imposto do Selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS abrange as “instituições financeiras previstas na legislação comunitária”. VI. Ora, a legislação europeia que trata das instituições de crédito e financeiras é a Diretiva n.º 2013/36/UE e o Regulamento n.º 573/2013. VII. Conforme o ponto 22 do n.º 1 do artigo 3.º da Directiva 2013/36/EU: “[p]ara efeitos da presente diretiva, entende-se por (…) “[i]nstituição financeira” […] uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013”. VIII. O ponto 26 do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 contém a seguinte definição de instituição financeira: "[i]nstituição financeira": uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações (…)” (destaque da Recorrente). IX. Como resulta dos factos provados, a Recorrente é uma SGPS, cujas aquisições e património são constituídos nos termos legais por (i) participações noutras sociedades, (ii) representativas de pelo menos 10% do total do capital social dessas outras sociedades, (iii) detidas de forma duradora e (iv) cujo objecto único é a gestão destas participações sociais adquiridas para ser mantidas. X. Nesta medida, a Recorrente, na qualidade de SGPS, subsume-se no conceito de “instituição financeira” definido na legislação comunitária. XI. Sendo que, relativamente às SGPS, o legislador europeu apenas excluiu as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas”, exclusão essa que não é aplicável na situação sub judice. XII. A inclusão das SGPS no elenco de instituições financeiras resultava, desde logo, do disposto na Directiva 2006/48, que caracterizava como uma instituição financeira “uma empresa que não seja uma instituição de crédito cuja actividade principal consista em tomar participações ou em exercer uma ou mais das actividades referidas nos pontos 2 a 12 da lista do Anexo I” (destaques da Recorrente) XIII. Adicionalmente, a nova redacção do ponto 26 do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, na sequência das alterações introduzidas pelo Regulamento n.º 2019/876, dispõe nos seguintes termos: “uma empresa que não seja uma instituição nem uma sociedade gestora de participações no setor puramente industrial, cuja atividade principal seja a aquisição de participações (…), mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas”. XIV. Ao excluir expressamente apenas aquelas que operam no sector dos seguros e no sector puramente industrial, o legislador europeu visa, assim, integrar no conceito de “instituição financeira” um vasto número de SGPS, entre as quais a Recorrente. XV. Finalmente, recorde-se que a Proposta de Directiva que aplica uma cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transacções financeiras estabelece que “a definição de instituição financeira é vasta e inclui (…) as sociedades gestoras de participações sociais (…)”. (destaques da Recorrente). XVI. Em função do exposto, facilmente se conclui que a Recorrente, à data dos factos, preenche o requisito subjectivo da isenção de Imposto do Selo previsto para o mutuário, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS. c) Da argumentação vertida na decisão arbitral recorrida XVII. Conforme se denota do que ficou expresso nas suas conclusões, a decisão arbitral recorrida julgou que a Recorrente, na qualidade de SGPS, não é subsumível no conceito de “instituição financeira”. XVIII. Para assim concluir, argumenta-se que “(…) basta ver o regime jurídico aplicável às SGPS (Decreto-Lei nº 495/88, de 30 de dezembro) e também à ora requerente que não faz depender de nenhuma autorização prévia a ser concedida pelo Banco de Portugal, não cabendo a este regulador a tarefa de supervisionar a sua atividade, o que não poderia deixar de acontecer, caso a mesma fosse considerada uma entidade financeira.” (cfr. página 21 do Documento n.º 1). XIX. Esta opção do legislador nacional de circunscrever o conceito de “instituição financeira” às SGPS que estejam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal é ainda reforçada, no entender do colectivo de árbitros, com “(…) o anteprojeto de Código das Atividades Bancárias, que (…) manteve o entendimento de que as SGPS só ficam sujeitas à supervisão bancária desde que possuam uma participação qualificada numa instituição financeira” (cfr. página 19 do Documento n.º 1). XX. Não obstante, e na esteira da decisão arbitral fundamento, entende-se que “(…) a remissão da norma que estabelece a isenção de imposto de selo [não] é feita para o direito [interno, mas sim para o direito] europeu e, especificamente, para sobreditas disposições da Diretiva 2013/36/EU e do Regulamento (UE) n.º 575/2013” (cfr. páginas 12 e 13 do Documento n.º 3). XXI. Pelo que a subsunção da Recorrente na definição de “instituição financeira” à luz do direito interno é irrelevante para o efeito específico da aplicação da isenção em causa. XXII. Neste sentido, a resposta à questão controvertida apenas pode ser encontrada no ponto 26 do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, para o qual remete a norma de isenção de Imposto do Selo, a qualificação expressa das SGPS, como é o caso da Recorrente, como “instituição financeira”. XXIII. No entanto, ao invés de analisar aquele normativo, a decisão arbitral recorrida centrou-se noutras disposições legais do Regulamento n.º 575/2013 para restringir o conceito de “instituição financeira” às SGPS que, pela sua actividade, estejam sujeitas às regras de supervisão, estritamente relacionadas com o mercado bancário e de serviços financeiros, o que não se pode conceder. XXIV. Desde logo, a decisão arbitral recorrida começou por transcrever o ponto 27) do artigo 4º do Regulamento nº 575/2013, do qual se extrai o seguinte: “(…) entende-se por entidade do setor financeiro, entre outras: (…) -Uma instituição financeira” (cfr. página 20 do Documento n.º 1). XXV. No entanto, o ponto 27 do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 apenas procede ao elenco das instituições financeiras, entre o diversificado leque de entidades, que integram o sector financeiro, pelo que não inclui (nem poderia incluir) as SGPS no conceito de “instituição financeira”. XXVI. Ao decidir como decidiu, o que a decisão arbitral recorrida faz é, precisamente, criar requisitos substantivos adicionais para a qualificação como “instituição financeira”. XXVII. No entanto, não consta do CIS, nem na legislação comunitária, que a isenção em causa será aplicável exclusivamente a instituições financeiras “supervisionadas”, conforme se conclui na decisão arbitral recorrida, com base num exercício de difícil compreensão e em que claramente se confunde o conceito de “instituição financeira” com o de “entidade supervisionada”. . XXVIII. Aliás, nas tipologias de instituições financeiras, conforme definição e listagens legais, cabem muitas e variadíssimas entidades que absolutamente nada têm que ver com a actividade de concessão de crédito ou sequer com a oferta de serviços financeiros. XXIX. Muitas das quais os tribunais e a própria AT já confirmaram, com todas as letras, subsumirem-se na expressão normativa relevante da norma de isenção aqui em causa, em particular os FCR e as SCR. XXX. Perante estes casos, é de uma incoerência insustentável proceder a um tratamento diferenciado em relação aos FCR e às SCR que, à semelhança da Recorrente, se dedicam à aquisição e gestão de participações sociais. XXXI. Assim, ao redesenhar o conceito técnico-jurídico de “instituição financeira” para o efeito específico da qualificação da Recorrente, a interpretação veiculada pela decisão arbitral recorrida, para além de ilegal, é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade, da legalidade e da tipicidade (cfr. n.ºs 2 e 3 do artigo 13.º, artigo 103.º e n.º 2 do artigo 266.º da CRP e artigo 8º da LGT). XXXII. E tanto assim é que, para sustentar a exclusão da Recorrente do conceito de “instituição financeira”, a decisão arbitral recorrida se baseia numa interpretação sistemática circunscrita a determinados diplomas legais, negligenciando outros que convergem no sentido interpretativo da Recorrente. XXXIII. Em concreto, a decisão arbitral recorrida negligencia (i) a definição de “participação” prevista no ponto 35 do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013; (ii) a Proposta de Directiva que aplica uma cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transacções financeiras; (iii) o Regulamento n.º 2019/876; e (iv) a definição de “instituição financeira” prevista no anteprojecto do CBA, quando todos os diplomas identificados reforçam o entendimento de que as SGPS, como é o caso da Recorrente, integram o conceito de “instituição financeira” para efeitos da isenção de Imposto do Selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS. XXXIV. Em sentido diametralmente oposto, a decisão arbitral recorrida hipervaloriza outras disposições da Directiva 2013/36 e do Regulamento n.º 575/2013 para restringir o conceito de “instituição financeira” às SGPS que, através da gestão de participações sociais, exerçam de forma indirecta uma actividade bancária, actuem no mercado bancário ou dos serviços e que, por isso, estejam sujeitas a autorização ou supervisão do Banco de Portugal no âmbito da sua actividade. XXXV. Ora, como foi já amplamente demonstrado, essa restrição imposta só seria admissível se resultasse autorizada, ainda que minimamente, por uma expressão verbal contida na letra da lei, o que não sucede. XXXVI. Pelo que não se vê razão para se excluir a Recorrente da isenção de Imposto do Selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS. TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, - DEVE SER ADMITIDO O PRESENTE RECURSO POR SE VERIFICAREM OS PRESSUPOSTOS LEGAIS PARA O EFEITO, - DEVE SER ANULADA A DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA, E - DEVE SER EMITIDO ACÓRDÃO POR ESTE TRIBUNAL DECIDINDO A QUESTÃO CONTROVERTIDA NOS TERMOS PETICIONADOS, COM A CONSEQUENTE ANULAÇÃO DAS AUTOLIQUIDAÇÕES DE IMPOSTO DO SELO REPERCUTIDO NA ORA RECORRENTE, IDENTIFICADAS NA PETIÇÃO ARBITRAL, RELATIVAS A UTILIZAÇÃO DE CRÉDITO, JUROS E COMISSÕES COM O BANCO 1... E O BANCO 2... E REFERENTES AOS PERÍODOS DE MAIO DE 2015 A JUNHO DE 2016, IMPOSTO DO SELO ESTE NO MONTANTE TOTAL DE € 551.659,53, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE O REEMBOLSO À ORA RECORRENTE DESTA QUANTIA, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS À TAXA LEGAL. A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira veio apresentar contra-alegações, que finalizou com o seguinte quadro conclusivo: A) Foi interposto recurso para uniformização de jurisprudência do acórdão arbitral proferido no processo n.º 92/2021-T, com fundamento em oposição com decisão proferida no processo arbitral n.º 110/2020-T (cf. artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, na redação da Lei n.º 119/2019, de 18.09), vindo a Recorrente peticionar a final que «[…] deve ser anulada a decisão arbitral recorrida, e deve ser emitido acórdão por este tribunal decidindo a questão controvertida nos termos peticionados, com a consequente anulação das autoliquidações de imposto do selo repercutido na ora recorrente, identificadas na petição arbitral, relativas a utilização de crédito, juros e comissões com o Banco 1... e o Banco 2... e referentes aos períodos de maio de 2015 a junho de 2016, imposto do selo este no montante total de € 551.659,53, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à ora recorrente desta quantia, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal.» B) Sem prejuízo da identidade das questões, importa previamente notar que a Recorrente restringe o recurso interposto junto do Tribunal ad quem à questão de mérito proferida, não recorrendo da parte em que o Tribunal a quo indeferiu o pedido de pronúncia arbitral por exceção, no montante de € 78.325,22 [€ 22.704,96 + € 55.620,26] – cf. página 15 da decisão arbitral. C) Com efeito, não obstante, no pedido formulado a final no recurso interposto (certamente por mero lapso) não se peticione a anulação apenas parcial da decisão arbitral, constata-se que o valor e períodos igualmente indicados no pedido não incluem o que foi indeferido pelo Tribunal a quo por exceção, pois o pedido de pronúncia arbitral tinha como valor económico o montante de € 629.984,75, e por objeto os períodos de março e abril de 2015, enquanto no recurso apenas se peticiona a anulação do montante de € 551.659,53 [€ 629.984,75 - € 78.325,22] e os períodos indicados não incluem os meses de março e abril de 2015. D) Pelo que, ainda que seja considerado procedente o recurso da decisão arbitral interposto pela Recorrente, o que se admite por cautela e dever de representação, este apenas pode determinar a anulação parcial da decisão arbitral recorrida, delimitado pelo respetivo objeto do recurso. E) Posto isto, quanto à questão referente à isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, contrariamente ao pugnado pela Recorrente, não lhe assiste razão, tendo a decisão arbitral recorrida decidido bem o litígio. F) O Tribunal a quo, seguindo de perto a decisão arbitral proferida no processo n.º 856/2019-T, começa por observar que «face ao princípio da tipicidade fechada contemplada no nº 2 do artigo 103º da CRP, os benefícios fiscais só podem ser concedidos se os objetivos que lhes subjazem sejam superiores aos que resultariam da tributação, não sendo, pois, de admitir a aplicação analógica na sua concessão. Por consequência, a nosso ver, ou a isenção está expressamente prevista ou então não poderá ser concedida.» G) Prosseguindo para análise do preenchimento do requisito subjetivo para aplicação da isenção em questão, o acórdão arbitral, seguindo uma vez mais a fundamentação da decisão arbitral proferida no processo arbitral n.º 856/2019-T, vem acertadamente concluir que uma SGPS não é uma entidade financeira, não exercendo nenhuma atividade bancária, nem atuando no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu (BCE) no âmbito da sua atividade, não sendo possível extrair do regime jurídico das SGPS’s; do RGICSF ou da Diretiva n.º 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.º 575/2013, que as SGPS's, como a Requerente, pelo objeto e natureza das participações, integram o conceito de "instituição financeira". H) Efetivamente, a Requerente não consta do elenco estabelecido no estabelecido no artigo 4.º, n.º 1, ponto 27) do Regulamento (EU) n.º 575/2013, não cabendo assim no conceito de instituição financeira previsto no artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), sendo que nem desenvolve quaisquer atividades das enumeradas no anexo I, pontos 2 a 15 da Diretiva 2013/36/EU, que relevem do setor bancário ou financeiro, que compreende além do bancário, os setores dos seguros e dos valores mobiliários, estando sujeitas a um regime jurídico completamente diferente das entidades mutuantes, pois são regidas pelo Regime Jurídico do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, na redação à data aplicável. I) O regime que define que as SGPS’s têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, não exercendo atividade económica direta, não dependendo a sua constituição de qualquer autorização prévia, apenas um dever de comunicação, competindo a supervisão de que continuam a observar-se os requisitos que a lei exige para a definição do seu tipo e para a atribuição dos benefícios de natureza fiscal pela Inspeção- geral de Finanças; J) Não estão assim as SGPS como a Requerente sujeitas às mesmas regras que obedecem a constituição de instituições financeiras, pois é, na sequência do Direito Europeu mencionado, que o RGICSF estabelece, em Portugal, as condições de acesso e de exercício de atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, bem como o exercício da supervisão destas entidades, respetivos poderes e instrumentos, estando o exercício da atividade financeira em Portugal reservado às entidades para tal autorizadas ou habilitadas pelo Banco de Portugal, no quadro do regime do Mecanismo Único de Supervisão (cf. Regulamento (UE) n.º 1024/2013 do Conselho de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito e Regulamento (UE) n.º 468/2014 do Banco Central Europeu de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão (MUS), prevendo o RGICSF que o exercício de atividade financeira por entidade não autorizada ou habilitada pode constituir crime, sendo uma contraordenação grave, punível, entre outras sanções, com coima, de acordo com aquele regime. K) Realce-se que a Requerente não cabe sequer no artigo 117.º do RGICSF, norma de direito nacional, com finalidade de natureza estritamente prudencial, e que a Requerente, atento o seu objeto, não se subsume sequer no seu âmbito. L) Quanto à alegada adoção pelo RGICSF de um critério mais estrito de instituição financeira, entende-se que o referido artigo 117.º não contende com o direito comunitário uma vez que tem como finalidade única trazer para o perímetro da supervisão do Banco de Portugal determinadas SGPS. M) Assim, interpretação da Requerente de que é instituições financeiras não tem o mínimo apoio literal, sistemático nem teleológico dos preceitos nacionais e comunitários em causa, não tendo qualquer paralelo com o papel que é exclusivamente desempenhado pelas instituições de crédito – “atividade de receção, do público, de depósitos ou outros fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria” (artigo 8.º do RGICSF). N) Quanto à violação do princípio da igualdade, a sua invocação resulta, salvo melhor opinião, despropositada, pois a Requerente pretende colocar-se em pé de igualdade, na aplicação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, com outras entidades, quando a mesma, pela sua natureza e atividade, não está sujeita aos requisitos e regime jurídico especialmente exigente em matéria de preenchimento de regras prudenciais, acima já referidas. O) Em suma, podemos concluir que a Requerente, enquanto entidade meramente gestora de participações sociais, não preenche os requisitos que levam a classificar uma entidade como instituição financeira, a saber: (i) O formal (pois não consta da enumeração dos diplomas Europeus mencionados, nem do nacional); e (ii) O material, uma vez que a sua atividade não releva do mercado bancário e financeiro, de modo a convocar a aplicação do regime de supervisão constante da Diretiva n.º 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.º 575/2013 e o RGICSF e, a ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.º do CIS. P) Por fim, quanto ao argumento de alegada discriminação entre as SGPS e outros tipo de entidades – os FCR, SCR, FII – que a AT terá qualificado como “instituição financeira” para efeitos da verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo, afigura-se que a decisão arbitral recorrida é igualmente esclarecedora da razão pela qual tal argumento é improcedente – não faz sentido empreender num exercício de comparação quando o enquadramento legal daquelas entidades, tanto no plano nacional, como no plano europeu, são distintos, inexistindo, por conseguinte, qualquer arbitrariedade. Q) Pelo que, tudo visto e ponderado, deve o presente recurso para uniformização de jurisprudência ser julgado improcedente, não merecendo qualquer censura o acórdão arbitral recorrido, a qual, por ser válida, deve ser mantido na ordem jurídica. R) E, mesmo que se julgue procedente o recurso, o que se admite por mera cautela e dever de representação, então, como acima referido, a decisão arbitral apenas pode ser revogada parcialmente, mantendo-se a mesma na parte referente à decisão da questão em que a Recorrente decaiu por exceção julgada procedente e com a qual se conformou, atento esta não integrar o objeto do presente recurso. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser julgado improcedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, ser mantido na ordem jurídica a decisão arbitral recorrida, por consentânea com o quadro jurídico vigente ou caso assim não se entenda ser a mesma apenas revogada parcialmente. Por Acórdão de 24/03/2022 foi decidido submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia a seguinte questão prejudicial: “Uma sociedade gestora de participações sociais domiciliada em Portugal, regulada pelo disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que tem como único objecto a gestão de participações sociais doutras sociedades que não integram o sector dos seguros, subsume se ao conceito de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013?” Nessa conformidade, foi ainda decidido, suspender, até que essa pronúncia se concretize, a presente instância de recurso. A DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA e ADUANEIRA, Recorrida nos presentes autos de recurso, notificada do despacho de 04-12-2023, vem expor o que se segue com os fundamentos seguintes: Como se dá conta no despacho do Tribunal acima identificado, foi proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, em 26 de outubro de 2023, nos processos C-207/22, C-267/22 e C-290/22, acórdão cuja questão prejudicial é coincidente com a questão decidenda do presente recurso. E, chamado o TJUE a pronunciar-se sobre esta questão, vem decidir no sentido propugnado pela Recorrida e pela decisão arbitral. Efetivamente, começa por se referir naquele aresto do TJUE que, «[c]om as questões submetidas, que importa examinar em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro esta abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.» (cf. ponto 52 do mesmo). E, após análise desta questão (remetendo-se aqui para a respetiva fundamentação), vem o TJUE, de forma inequívoca, concluir que «[r]esulta de todos os elementos precedentes que uma empresa cuja atividade principal não esteja relacionada com o setor financeiro, por não exercer, nem diretamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira, na aceção da Diretiva 2013/36 e do Regulamento n.º 575/2013.» (cf. ponto 80 do acórdão) E, «[p]or conseguinte, há que responder às questões submetidas que o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.». Consequentemente, vem o TJUE declarar que: «O artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE, e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.° 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.° 648/2012, devem ser interpretados no sentido de que: uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.» Em suma, não assiste, pois, razão ao Recorrente quanto à pretensão deduzida no pedido de pronúncia arbitral. Pelo que, tal como se pediu nas contra-alegações, deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser julgado improcedente, nos termos e com os fundamentos indicados nas contra-alegações e bem assim, por maioria de razão, face ao decidido pelo TJUE no acórdão acima identificado, e, consequentemente, ser mantido na ordem jurídica a decisão arbitral recorrida, por consentânea com o quadro jurídico vigente. Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se agora, após primitivo parecer, no sentido da improcedência do recurso, devendo o Acórdão Arbitral proferido no âmbito do Proc. nº 92/2021-T permanecer na Ordem Jurídica, com os seguintes argumentos: Em 25.02.2022, emitimos parecer no âmbito dos presentes autos nos termos do qual, após análise da admissibilidade do recurso, referimos: «Concretamente, estará em causa saber se a remissão do Código de Imposto de Selo para o conceito de “instituição financeira” cobre, ou não, as SGPS que não detenham (como é o caso da Recorrente) participações qualificadas em instituições financeiras.» «Segundo a Recorrente, a Decisão Arbitral está em contradição com o Acórdão Fundamento quanto à interpretação e aplicação do regime especial de isenção previsto no citado art. 7º, nº 1, al. e) do CIS, por entender não consubstanciar a Recorrente a qualificação de “instituição financeira” para a qual remete aquele normativo.» «Já a Decisão Fundamento não vê razão para se excluir a aqui Recorrente da referida isenção, posto a mesma integrar, na qualidade de SGPS, o conceito de “instituição financeira”.» Em ambas as Decisões Arbitrais a questão a decidir consistia em saber se as respetivas Requerentes, atenta a sua natureza de SGPS, integravam ou não o conceito de “instituição financeira” previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS e assim beneficiavam ou não da isenção de imposto ali prevista. Certo é que para efeitos da aplicação da referida isenção do Imposto de Selo, o art. 7º, nº 1, al. e) do CIS não remete para o Direito Interno, mas para o Direito da União Europeia, razão pela qual a definição relevante terá de ser aquela que resultar da legislação europeia, designadamente da Diretiva 2013/36/EU e do Regulamento (EU) nº 575/2013. Código do Imposto de Selo «Artigo 7.º Outras isenções 1 - São também isentos do imposto: a) (…) b) (…) c) (…) d) (…) e) Os juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças; (…)»(sublinha do nosso). Acontece que no âmbito do Acórdão do Pleno do Contencioso Tributário do STA, datado de 23.03.2022, proferido no Proc. nº 118/20.3BALSB, foi decidido proceder ao envio prejudicial do caso ali exposto para o TJUE com vista ao esclarecimento da seguinte questão: «Uma sociedade gestora de participações sociais domiciliada em Portugal, regulada pelo disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que tem como único objecto a gestão de participações sociais doutras sociedades que não integram o sector dos seguros, subsume se ao conceito de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013?» Por Acórdão de 26.10.2023, o referido TJUE veio pronunciar-se sobre a mencionada questão nos seguintes termos: «O artigo 3º, nº 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE, e o artigo 4º, nº 1, ponto 26, do Regulamento (EU) nº 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (EU) nº 648/2012, Devem se interpretados no sentido de que: Uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no sector financeiro não está abrangida pelo conceito de “instituição financeira”, na acepção desta diretiva e deste regulamento.» A nosso ver e salvo melhor, atenta a aludida remissão para a legislação comunitária e em face do princípio do primado do Direito Comunitário sobre o Direito Nacional (cfr. nº 4 do art. 8º da CRP), deve a Decisão constante do Acórdão do TJUE ter plena aplicação nos presentes autos. Em conformidade, pronunciamo-nos agora pela improcedência do recurso, devendo o Acórdão Arbitral proferido no âmbito do Proc. nº 92/2021-T permanecer na Ordem Jurídica. * Os autos vêm à conferência do Pleno corridos os vistos legais. * 2. FUNDAMENTAÇÃO: 2.1. - Dos Factos: Na decisão arbitral recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão: A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (“SGPS”), nos termos do Regime Jurídico das SGPS previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, com sede em Portugal. A Requerente tem por objeto "a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas." A Requerente obteve financiamentos junto das instituições de crédito B... e C... . Estas instituições de crédito liquidaram e entregaram o Imposto do Selo devido, com referência àqueles financiamentos, ao abrigo da verba n.º 17 da TGIS. As instituições repercutiram o referido Imposto do Selo na esfera da Requerente, pelo que esta suportou integralmente o encargo do referido Imposto do Selo. No âmbito dos contratos celebrados com o B..., o Imposto do Selo suportado encontra-se discriminado no quadro seguinte (excerto do quadro apresentado no pedido de pronúncia arbitral): Conforme se alcança dos documentos juntos no pedido de revisão oficiosa (documentos n.ºs 2 e 3), onde na Tabela se identifica como “data de liquidação”, esta diz respeito à data em que o imposto foi pago ao Estado por parte do B... . Conforme resulta igualmente dos documentos indicados, o valor de € 23.472,38 relativamente a financiamentos do período de março de 2015 (cujo pagamento ao Estado ocorreu em abril de 2015) não se encontra a ser incluído no pedido arbitral, apesar de ter sido incluído no pedido de revisão oficiosa. No âmbito dos contratos celebrados com o C..., o Imposto do Selo suportado encontra-se discriminado no quadro seguinte (excerto do quadro apresentado no pedido de pronúncia arbitral): Conforme se alcança dos documentos juntos no pedido de revisão oficiosa (documento n.º 18), nesta Tabela apresentada pela Requerente o termo “data da liquidação”, ao contrário do sentido que tem nas liquidações apresentadas no caso do financiamento do B... (tabela anterior), refere-se ao mês a que o imposto respeita e já não o mês do seu pagamento ao Estado, o qual se processou no mês seguinte. Resulta provado da análise dos documentos juntos com o pedido de revisão oficiosa que período identificado como maio de 2015 inclui um valor de € 55.620,26 referentes a financiamentos do mês de março (€ 28.268,94) e abril de 2015 (€ 27.351,32). A 20 de Maio de 2019 a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa dos atos tributários de autoliquidação de Imposto do Selo referidos, tendo a 14 de novembro de 2020 sido notificada do indeferimento do pedido. Na decisão arbitral fundamento consta como provada a seguinte matéria de facto: A) A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, que se encontra regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, e está domiciliada em Portugal; B) No âmbito da sua atividade, tem vindo a recorrer a financiamento junto de instituições de crédito, tendo celebrado, em 30 de dezembro de 2014, com o B... o contrato de financiamento no montante de € 15.000.000 a que se refere o documento n.º 7 junto com o pedido arbitral; C) A instituições de crédito liquidou e entregou ao Estado imposto de selo incidente sobre as operações de crédito, nos períodos de janeiro de 2015 a setembro de 2016, de acordo com o quadro abaixo descrito: D) A instituição de crédito fez repercutir o imposto de selo liquidado na esfera jurídica da Requerente, enquanto entidade mutuária, que suportou integralmente o imposto. E) Em 3 de janeiro de 2019, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra os atos de liquidação de imposto de selo, que foi indeferido por despacho Subdirector-Geral de 20 de Novembro de 2020, praticado ao abrigo de subdelegação de competências, com base na informação dos serviços n.º 2019..., que consta do documento n.º 2 junto com o pedido arbitral e aqui se dá como reproduzida; F) Na informação conclui-se que os juros, comissões e utilização de crédito referentes às operações de financiamento não estão isentos de imposto de selo, visto que a Requerente não se qualifica como instituição financeira e não preenche os pressupostos da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto de Selo; * 2.2.- Motivação de Direito O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA. No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se entre a decisão recorrida e a decisão fundamento existe notória contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, pois enquanto que a decisão arbitral recorrida se manifestou no sentido de que a concessão da isenção de imposto do selo à requerente não tem cabimento face aos normativas legais, a decisão arbitral fundamento firmou o entendimento de que a Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais e, nessa qualidade não pode deixar de se encontrar abrangida pelo conceito relevante de instituição financeira para efeito da aplicação da isenção do imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto de Selo. Vejamos. Para a recorrente, a existência dessa divergência é de molde a permitir o recurso para uniformização de jurisprudência, consubstanciado no artigo 152.º do CPTA. Vejamos. 2.2.1.- Da admissibilidade do recurso de uniformização Importa, então e preliminarmente, perante o circunstancialismo fáctico-jurídico seleccionado, aquilatar da verificação dos requisitos do recurso por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito previsto pelo artº 25º, nº 2 do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, DL nº 10/2011, de 20/1) na redacção da lei nº119/2019, de 18/09. Consoante o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo. A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral (cfr. o nº 3 do mesmo art. 25º). O único requisito explicitamente referido para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência (152º do CPTA) é a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito. Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste domínio serão de acatar os critérios jurisprudenciais já fixados na vigência da LPTA e do ETAF quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposição de julgados. Nessa senda, os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer alteração legislativa substancial que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida. No tocante à existência da oposição, impõe-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser assinalada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico. A oposição deverá resultar de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que acarreta que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia – cf., neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Ed. Almedina, págs. 608/609, e, entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.05.1992, in AP.DR de 29.11.1994, pág. 426, de 18.02.1998, recurso 28637, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 13.11.2013, recurso 594/12, de 26.03.2014, recurso 865/13, de 07.05.2014, recurso 60/14, de 25.02.2015, recurso 964/14, e de 18.03.2015, recurso 525/14, de 11/12/2019, Recurso nº 46/19.5BALSB, de 04-11-2020, Recurso nº 24/20.1BALSB, de 09/12/2020, Recurso nº 43/20.8BALSB e de 20-01-2021, Recurso nº 60/20.1BALSB, todos in www.dgsi.pt. Não obstante, determina o n.° 3 do artigo 152.° que, "o recurso não é admitido se a orientação perfilhada na decisão impugnada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.” Em suma e evocando Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, e o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/1 disponível no sítio da Internet wvww.dgsí.pt, são requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: (i) contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral; (ii) trânsito em julgado do acórdão fundamento; (iii) existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; (iv) ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA. Acresce que, quanto à caracterização da questão fundamental de direito, é exigível a identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto, oposição que terá de emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica. E as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais, podendo ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas em oposição ao acórdão recorrido. * 2.2.2.- Da análise do caso concreto: Como se demonstrou acima, constitui pressuposto da admissão do recurso por oposição de acórdãos que a decisão impugnada não esteja em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo. Nos termos do artº.152, nº.3, do C.P.T.A., caso o acórdão contestado acompanhe o entendimento expresso pelo Pleno no âmbito de um julgamento ampliado de revista ou em anterior acórdão uniformizador, não se justifica sujeitar a questão de novo à apreciação do Pleno. E, como bem se esclarece no Acórdão deste Pleno de 21-02-2024 proferido no Processo nº158/21.5BALSB, é considerada jurisprudência consolidada aquela que revele uma estabilidade de julgamento, seja porque provém do Pleno, segundo a formação prevista no artº.17, nº.2, do E.T.A.F., seja porque evidencie uma constância decisória através de uma sequência ininterrupta de decisões no mesmo sentido oriundas de uma das Secções deste Tribunal, obtidas por unanimidade ou maiorias significativas. Por outras palavras, o conceito legal de jurisprudência consolidada consubstancia-se numa estabilidade de julgamento demonstrativa de uma constância decisória, a qual pode transparecer, ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção, ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade e em todas as formações da mesma Secção (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª. Edição, Almedina, 2017, pág.1175 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.402 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.491; ac. S.T.A.-Pleno da 1ª.Secção, 18/09/2008, rec.212/08; ac. S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 19/10/2016, rec.139/16; ac. S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 25/10/2017, rec.1022/16; ac. S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/03/2021, rec.82/20.9BALSB; ac. S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 30/06/2021, rec.141/20.8BALSB). Mesmo admitindo que entre os arestos em confronto se verifica contradição de julgados quanto à questão de saber se uma SGPS não financeira, na posição de mutuária/devedora de juros ou comissões em operações com uma instituição de crédito, uma e outra domiciliadas na União Europeia, é aplicável a isenção de imposto do selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo (CIS) – o que se concede que se verifique, no caso dos autos -, o presente recurso para uniformização de jurisprudência nunca poderia avançar para o conhecimento do respectivo mérito, pois como se consignou no Despacho do Relator de 21-02-2024, supra transcrito, a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida é plenamente conforme à jurisprudência consolidada deste STA sobre a questão, constante do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do passado dia 24 de Janeiro, processo n.º 118/20.3BALSB). Aí se consignou que: “I – Os artigos 3.°, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013 e 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja actividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam actividades no sector financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na acepção desta Directiva e deste Regulamento. II - Uma sociedade gestora de participações sociais domiciliada em Portugal, regulada pelo disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que tem como único objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades que não exercem actividade no sector financeiro, não beneficia da isenção de pagamento de imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1 al. e) do Código de Imposto de Selo, por não se subsumir, subjectivamente, no conceito de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013.” Assim, a interpretação jurisprudencial vertida no supra referido Acórdão do Pleno de 24 de Janeiro, no processo n.º118/20.3BALSB, conquanto proferida em Pleno do STA em momento posterior à decisão arbitral recorrida, obsta a que se conheça do mérito do recurso porquanto a decisão arbitral recorrida é plenamente conforme com esse entendimento, daí que, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT), não haverá que conhecer do mérito do recurso. Termos em que não se conhecerá do mérito do recurso. * 3.- Decisão Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não tomar conhecimento do mérito do recurso. Custas pela recorrente nesta instância de recurso (artº.527º, do C. P. Civil). Comunique-se ao CAAD. * Lisboa, 26 de Junho de 2024. - José Gomes Correia (Relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha – Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro. |