Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0627/20.4BEAVR
Data do Acordão:06/26/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:HELENA MESQUITA RIBEIRO
Descritores:DISPENSA DO PAGAMENTO
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
DECISÃO
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I-O pagamento da taxa de justiça encontra-se unicamente dependente da prática do ato de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais, designadamente, ação, execução, incidente ou recurso, independentemente da decisão final que neles venha a ser proferida, estando-se na presença de uma verdadeira “taxa”, por ser contrapartida da prestação do serviço de justiça prestado pelo Estado, pelo que, o montante da taxa de justiça encontra-se subordinado aos princípios da proporcionalidade (proibição do excesso) e da igualdade dos utilizadores do sistema da justiça, constitucionalmente garantidos, não podendo servir de entrave ao direito de acesso aos tribunais.
II- O RCP consagra um sistema misto, em que até ao valor da causa correspondente a 275.000,00 euros, a taxa de justiça é calculada de acordo com as tabelas anexas ao RCP e, salvo concessão de apoio judiciário que dispense o respetivo pagamento ou isenção subjetiva de custas, a parte que impulsiona o processo tem de comprovar tê-la auto liquidado, e em que, a partir do valor da causa correspondente a 275.000,00 euros, a taxa de justiça remanescente é paga a final, recaindo sobre o juiz, caso esteja convencido de que há fundamento bastante para dispensar o pagamento, o poder-dever de, em sede de decisão de custas, na decisão final que profere, pronunciar-se oficiosamente sobre a necessidade de dispensar as partes, total ou parcialmente, do pagamento da taxa de justiça remanescente.
III- No caso de o juiz omitir pronúncia quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente que lhe foi formalmente requerida por uma das partes, essa situação determina a nulidade da decisão, por omissão de pronúncia (alínea d), n.º1 o artigo 615.º do CPC), no segmento relativo à condenação em “custas”, podendo as partes requerer a emissão dessa pronúncia até ao trânsito em julgado da respetiva decisão final que julgue a ação, incidente, recurso ou execução.
Sumário (elaborado pela relatora – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Nº Convencional:JSTA000P32433
Nº do Documento:SAP202406260627/20
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE AVEIRO
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: PROCESSO N.º 627/20.4BEAVR

I.Relatório

1. A..., Ld.ª, com os sinais dos autos, intentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, contra o MUNICÍPIO DE AVEIRO, identificando como Contrainteressadas as sociedades comerciais B..., Ld.ª e C..., Ld.ª, ação administrativa de contencioso pré-contratual, na qual pediu a anulação do ato de adjudicação da empreitada proferido em 17 de setembro de 2020, no âmbito do procedimento concursal destinado à “Reabilitação de Edifícios de Habitação Social no Bairro ... – Eficiência Energética”. Entretanto, a Autora requereu a ampliação do objeto da ação à impugnação da deliberação da Câmara Municipal de Aveiro proferida em 15 de outubro de 2020, peticionando a anulação do ato de adjudicação, documentado nessa deliberação de 15 de outubro de 2020, e cumulativamente, que fosse anulado o contrato de empreitada de obras públicas, para o caso de entretanto vir a ser celebrado contrato entre o Município e o 3.º Réu, e bem assim, a condenação do Município Réu a adjudicar-lhe a empreitada em causa.

2. O TAF do Porto, por sentença de 25 de outubro de 2021 julgou a ação improcedente, e absolveu o Réu dos pedidos contra si formulados.

3. A A. apelou da sentença proferida para o TCAN, que por acórdão de 11/02/2022, concedeu provimento ao recurso interposto pela sociedade comercial A..., Ld.ª, dele constando o seguinte segmento decisório:

“A) Revogam a Sentença recorrida.

B) Julgam a ação procedente.

E em consequência,

C) Anulam o ato impugnado e o respetivo contrato.

D) Condenam o Recorrido Município de Aveiro a adjudicar o objeto do procedimento concursal à Autora, ora Recorrente, assim como na outorga do respetivo contrato”.

4. A Autora interpôs recurso de revista do acórdão proferido pelo TCAN, tendo os senhores juízes da formação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, por acórdão de 19/05/2022 e ao abrigo do disposto no art.º 150.º do CPTA, admitido a revista.

5. Por acórdão de 14/07/2022 os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, concederam provimento ao recurso de revista interposto pelo Recorrente “Município de Aveiro”, a que aderiu a “Contrainteressada “C...”, revogando o Acórdão do TCAN recorrido, e fazendo subsistir a sentença do TAF/Porto que julgara a ação improcedente, tendo a Autora recorrida sido condenada em custas.

6. Em 08/09/2022 foi proferido acórdão a deferir o requerimento de reforma do Acórdão proferido nos presentes autos em 14/7/2022 quanto a custas, dispensando-se a Autora recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

7. A Recorrente A..., LDA, notificada do acórdão proferido pelo STA em 14/07/2022 e retificado pelo acórdão de 08/09/2022, interpôs “Recurso Extraordinário para Fixação de Jurisprudência”, nos termos do artigo 152º do CPTA.

8. Por acórdão de 19/01/2023, o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste STA decidiu não tomar conhecimento deste recurso para uniformização de jurisprudência, tendo condenado a Recorrente em custas.

9. Em 27/01/2023 a Recorrente apresentou o seguinte requerimento:

«A..., LDA, NIPC n.º ...46, com sede na Rua ..., ... – ..., ... ..., recorrente nos autos à margem referenciados e ali melhor identificada, notificada que foi do acórdão proferido, vem, nos termos do art.º 615.º, n.º 1 d) e 616.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (doravante CPC), e com fundamento na necessidade de aplicação do disposto no art.º 6, n.º 7 do Regulamento das Custas processuais (doravante RCP), Requerer a V.ªs Ex.ªs a NULIDADE ou a REFORMA DO ACÓRDÃO QUANTO ÀS CUSTAS, nos termos e com os seguintes fundamentos:

1-De acordo com o douto acórdão proferido, este Supremo Tribunal Administrativo decidiu a causa, não tomando conhecimento do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência, porque entendeu não se verificarem os pressupostos de admissibilidade do mesmo.

2- Ficando-se pelo juízo sobre a ausência de pressupostos, a questão não se revelou de especial complexidade.

3- As custas ficaram a cargo da aqui recorrente, em face da não tomada de conhecimento do recurso interposto.

4- Sucede que, no último pedido constante das suas alegações de recurso, a recorrente requereu a dispensa do remanescente da taxa de justiça a que alude o artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, sem que o acórdão agora proferido se tenha pronunciado sobre tal questão.

5- Consubstanciando uma omissão de pronúncia, com a consequente nulidade, que aqui se argui para todos os devidos e legais efeitos, porquanto o seu conhecimento influi no apuramento do montante a pagar em sede de remanescente de custas, ao abrigo do citado normativo.

6- Foram pagas pelas partes as taxas iniciais devidas pelo impulso processual

7- O valor da presente ação é de € 2.893.647,08€ pelo que haveria que ser liquidado, com a conta final, o remanescente da taxa de justiça a que alude o artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, no valor de 30.052,24€, para cada uma das partes, num total de 96.156,72€ (30.052,24€ X3).

8- Conforme entendimento do acórdão do STA de 29/10/2014 “A decisão jurisdicional a conhecer da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a que alude o artigo 6º, n.º 7 do RCP, deve ter lugar na decisão que julgue a ação, incidente ou recurso, e no momento em que o juiz se pronuncie quanto à condenação em custas, nos termos do disposto no artigo 527º, n.º 1 do CPC”.

9- Ora, contrariamente àquilo que decorria do artigo 24.º do Código das Custas Processuais, em que existia uma dispensa automática do remanescente da taxa de justiça, consoante a fase processual em que o processo terminasse, com o atual Regulamento das Custas Processuais o artigo 6.º, n.º 7 prescreve que “Nas causas de valor superior a 275.000,00€, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”

10- A taxa de justiça é o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço.

11- Por outro lado, a Recorrente entende que a sua conduta processual não afastou da normalidade, ou tenha sido objeto de censura que implique o pagamento daquele remanescente, não lhe sendo apontado erro palmar na interpretação da lei, ou distorção grosseira no percurso argumentativo.

12- Pese embora não tenha logrado êxito, a Recorrente esforçou-se, com seriedade intelectual e procurando arrimo jurisprudencial e doutrinário pertinente, por demonstrar, de forma clara e sintética, a consistência e coerência da sua argumentação.

13- Assim, é necessário adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva, à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, devendo existir proporcionalidade entre o valor da taxa de justiça a pagar por cada interveniente no processo e a contraprestação inerente aos custos deste para o sistema de justiça.

14- No presente caso, está em causa um valor superior a 90.000,00€ que as partes teriam de pagar a título de remanescente de custas.

15- A questão sujeita a apreciação deste Supremo Tribunal não é, seguramente, particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídico, que justifique o valor tão avultado a liquidar no âmbito das custas a processar a final.

16- Pelo que, o pagamento daquele avultado remanescente da taxa de justiça, tendo por referência o valor da ação, corresponderá a uma desproporcionalidade flagrante entre o serviço prestado e o custo a cobrar, exigindo-se assim um juízo judicial de dispensa (ou redução) desse pagamento, consubstanciando tal omissão um erro de julgamento, porquanto estão verificados os pressupostos para aplicação do n.º 7 do art.º 6.º do RCP, sendo assim de exigir tal ponderação no acórdão em crise.

17- É manifestamente exagerado a exigência do aludido pagamento face à tramitação do processo, ao grau de complexidade do mesmo, ao número de articulados, às diligências requeridas e às questões jurídicas suscitadas pelas partes, as quais acabaram por nem sequer ser conhecidas.

18- Aquele valor é manifestamente desproporcionado face ao serviço prestado pelo tribunal aos sujeitos processuais, e igualmente impeditivo do acesso à justiça por parte dos cidadãos.

19- O próprio Tribunal Constitucional (no AC. 421/2013) julgou “inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.”

20- Igualmente neste sentido, ac. STJ de 12/12/2013, in www.dgsi.pt, relatado pelo Cons. Lopes do Rego, segundo o qual “A norma constante do n.º7 do art.º 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

21- Pelo que, em face do exposto, deveria este STA conhecer da alegada e requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6°, n° 7, do RCP conforme requerido no recurso interposto pela recorrente.

22- Devendo declarar-se a aqui arguida nulidade, suprindo-se a mesma mediante decisão de dispensa do aludido pagamento do remanescente da taxa, ao abrigo do citado normativo.

23- Caso este Colendo Tribunal entenda pela improcedência da arguida nulidade, desde já se requer a V.ªs Ex.ªs, nos termos e fundamentos alegados nos art.ºs 1) a 21) supra, a REFORMA DO ACÓRDÃO QUANTO A CUSTAS, nos termos do art.º 616.º do CPC, requerendo-se a reforma do acórdão proferido no atinente à condenação em custas, em conformidade o disposto no artigo 6°, n° 7, do RCP (na redação dada pela Lei 7/2012, de 13 de Fevereiro), sob pena de inconstitucionalidade por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e do direito de acesso aos tribunais previstos no artigo 20°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos demais de Direito, requer a V.ªs Ex.ª se dignem declarar a arguida nulidade do acórdão, na parte em que omite a pronúncia quanto à requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6°, n° 7, do RCP, suprindo-se a mesma,

Ou, caso assim não se entenda, deve o pedido de reforma do acórdão quanto às custas ser procedente, nos termos e fundamentos alegados supra, devendo em qualquer dos casos, ser decidida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, em conformidade com o disposto no art.º 6.º, n.º 7 do RCP ou reduzido esse valor.»

10. Notificados os demais intervenientes processuais, nenhum emitiu pronúncia.


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II- DO OBJETO DA DECISÃO A PROFERIR

11.A Recorrente, na sequência do acórdão de 19/01/2023, do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste STA que decidiu não tomar conhecimento do recurso para uniformização de jurisprudência, e que a condenou em custas, vem requerer a nulidade do acórdão proferido no segmento relativo a custas por omissão de pronúncia quanto ao pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, e que seja proferida decisão a deferir esse pedido, pelo que, a questão nuclear que se impõe decidir é a de saber se a mesma deve (ou não) ser dispensada, total ou parcialmente, do pagamento da taxa de justiça remanescente.


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III- DA FUNDAMENTAÇÃO

A. DE FACTO

12.Os factos que relevam para a decisão a proferir são os que constam do «Relatório» que acima se elaborou.


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III. B. DE DIREITO

13.No acórdão proferido pelo Pleno deste STA que decidiu não tomar conhecimento do recurso para uniformização de jurisprudência, a Recorrente foi condenada em custas, sem que o Tribunal se tivesse pronunciado sob o pedido dispensa do remanescente da taxa de justiça a que alude o artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, cuja dispensa requereu.

14.Antes de avançarmos, clarifica-se que na falta de decisão do Tribunal sob o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, as partes podem requerer a reforma da decisão quanto a custas, nos termos do artigo 616.º n.º 1 do CPC, no prazo de 10 dias (artigo 149.º n.º 1 do CPC) ou, havendo lugar a recurso daquela decisão, na alegação do recurso (n.º 3 do artigo 616.º do CPC).

No caso dos autos, a Recorrente requereu em sede de alegações de recurso junto do Pleno deste STA que fosse dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente. Nos termos do disposto no art. 207.º, n.º 6 do CPC a decisão quanto a custas é um complemento da sentença, o que significa que essa decisão é parte integrante do acórdão do Pleno que incidiu sobre o recurso interposto, onde, independentemente da posição que se sufrague quanto à dispensa da taxa de justiça remanescente no sentido de saber se o Tribunal deve sempre pronunciar-se quanto a essa dispensa ou apenas deve fazê-lo quando entenda dever ser dispensada a taxa de justiça remanescente, este Pleno tinha necessariamente de se pronunciar quanto a essa dispensa ou não, dado que essa questão foi expressamente suscitada pela Recorrente nas alegações de recurso.

Ora, verificando-se que no Acórdão proferido pelo Pleno em sede de condenação em custas ocorreu total omissão de pronúncia quanto a essa questão, ocorre a invocada nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, cumprindo agora suprir-se essa nulidade.

15.Estabelece o art.º 1º do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP), aprovado pelo D.L. n.º 34/2008, de 26/02, e sucessivas alterações, que todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento (n.º 1), considerando-se para esse efeito como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que possa dar origem a tributação própria (n.º 2).

16.As custas processuais em sentido amplo abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (arts. 3º, n.º 1 do RCP e 529º, n.º 1 do CPC). A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e da complexidade da causa, de acordo com o estabelecido no RCP, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A do Regulamento (arts. 6º, n.º 1 do RCP e 529º, n.º 2 do CPC). Precise-se que no caso dos recursos, nos termos do art.º 6.º, n.º 1 do RCP, a taxa de justiça é fixada por referência à Tabela I-B. A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo (art.º 11º do RCP).

17. Estando em causa decidir o pedido formulado pela requerente de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, diz-nos o n.º 6 do artigo 7.º do RCP que: “Nas causas de valor superior a 275.000,00 euros, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

18.Esta norma foi aditada ao RCP pela Lei n.º 7/2012, de 13/02, na sequência da decisão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 15 de julho de 2013, que julgou inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art.º 20º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º e 18º, n.º 2, segunda parte da Constituição, as normas contidas nos artigos 6º e 11º, conjugadas com a tabela I-A anexa, ao RCP, na redação introduzida pelo DL n.º 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.

19.Deste modo, e não obstante a taxa de justiça até ao valor da causa de 275.000,00 euros, continue a ser fixada por referência, em regra, à tabela I-A anexa ao RCP, e nos recursos à tabela I-B, carecendo de ser autoliquidada pela parte, que tem de juntar ao articulado com que inicia a ação, incidente, procedimento cautelar, recurso ou execução, ou pela parte contrária que neles deduza oposição (contra impulso), o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida por esse impulso ou contra impulso, procurando o legislador adequar o RCP às mencionadas exigências constitucionais, veio estabelecer que, para além do valor da causa de 275.000,00 euros, ao valor da taxa de justiça acresce, a final (isto é, finda a causa, incidente, procedimento cautelar, recurso ou execução, pelo que neles não há prévio pagamento de taxa de justiça referente ao valor da causa na parte em que exceda os mencionados 275.000,00 euros), por cada 25.000,00 euros ou fração, três UC, no caso da coluna A; 1,5 UC, no caso da coluna B; e 4,5 UC, no caso da coluna C (vide parte final da tabela I-A anexa ao RCP). E conferiu ao juiz o poder-dever de ex officio ou a requerimento das partes, por despacho fundamentado, na decisão final a proferir quanto à ação, incidente, procedimento cautelar, recurso ou execução, de dispensar ou reduzir o pagamento dessa taxa de justiça remanescente, quando a especificidade da situação o justifique, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes.

20.Ao assim proceder o legislador introduziu no RCP um sistema misto, assente, por um lado, no valor da causa até determinado limite (275.000,00 euros), em que a taxa de justiça é calculada de acordo com as tabelas anexas ao RCP, em regra, a tabela I-A (nos recursos I-B) que, salvo as exceções legalmente previstas, tem de ser autoliquidada pela parte, e por outro, introduziu mecanismos de graduação prudencial do montante das custas devidas a partir desse limite de 275.000,00 euros, com o que mitigou o valor das custas processuais decorrentes do valor da causa a partir desse limite, ao estabelecer que não há prévio pagamento da taxa de justiça, mas que a taxa de justiça remanescente apenas será paga a final, isto é, finda a ação, incidente, procedimento cautelar, recurso ou execução, em cuja decisão final o juiz tem o poder/dever de se pronunciar sobre a dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente.

21.Caso não o faça, as partes podem requerer que emita a pronúncia omitida, como faz a Recorrente. E no caso da taxa de justiça remanescente não ser dispensada ou reduzida é calculada de acordo com as regras específicas previstas no art. 6º, n.º 7 do RCP.

22.Nesse sentido lê-se no Preâmbulo do RCP que a reforma do regime das custas processuais “pretende instituir um novo sistema de conceção e funcionamento das custas processuais (…). De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da ação. Constatou-se que o valor da ação não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspetividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da ação, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa”.

23.Note-se que, ao assim estatuir quanto à taxa de justiça remanescente, é pacífico o entendimento jurisprudencial e doutrinário que a lei impõe ao juiz um verdadeiro poder/dever de, na decisão final que profira quanto à ação, incidente, procedimento cautelar, recurso ou execução, ter de se pronunciar oficiosamente quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente. Claro está que, como bem se refere no AUJ n.º 1/2022, de 03 de janeiro, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça: «apenas se justifica que a ponderação a que alude o n.º 6 do artigo 7.º do RCP seja feita ex officio caso o juiz esteja convencido de que há fundamento bastante para dispensar o pagamento. Entendendo o juiz que tal dispensa não se justifica, a sua pronúncia quanto a custas limita-se ao habitual, sem qualquer ponderação, sendo, então, o remanescente da taxa de justiça considerado na conta a final. Daí que, perante a constatada omissão do juiz, às partes não resta senão reagir por via da reforma da decisão quanto a custas ou, sendo possível, do recurso. Pedido esse de reforma que deve ser feito no prazo de 10 dias contado da notificação da sentença ou acórdão (art. 149.º n.º 1 do C.P.C.), seguido de contraditório (art. 149.º n.º 2 do C.P.C.) e decisão (art. 617.º n.º 6, 1.ª parte, do C.P.C.) de que não cabe recurso (art. 617.º n.º 6, 2.ª parte, do C.P.C.


24. Nesta linha, Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais, anotado, 2013, 5.ª edição, pág. 201, refere que: "O juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça. Na falta de decisão do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa do pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas" .A págs. 354 e 355, refere ainda que, "Discordando as partes do segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas, deverão dele recorrer, nos termos do artigo 627.º, n.º 1, ou requerer a sua reforma, em conformidade com o que se prescreve no artigo 616.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil. ".

25. A respeito da decisão judicial “de dispensa, excecional” do remanescente, o mesmo autor, in ob. citada, refere que a mesma depende “da especificidade da situação, designadamente da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade, e a positiva atitude de cooperação das partes. A lei não faz depender de requerimento das partes a intervenção do juiz no referido sentido, pelo que importa concluir que ele o pode fazer a título oficioso ou no despacho final” (destacado nosso).

26.Com efeito, estando em causa a salvaguarda do direito constitucionalmente tutelado de acesso aos tribunais, bem como o da igualdade dos utentes do sistema de justiça e, bem assim os princípios da proporcionalidade, da justeza e da adequação dos valores da taxa de justiça devida pelas partes em cada ação ou procedimento, o comando ínsito no n.º 7 do art. 6º do RCP, carece de ser entendido como um poder-dever (e nunca como um poder discricionário) imposto ao juiz de, nas causas de valor superior a 275.000,00 euros, dever ponderar da proporcionalidade, justeza e adequação do pagamento do remanescente da taxa de justiça, independentemente de qualquer requerimento das partes para que emita essa pronúncia, devendo dispensar ou reduzir esse pagamento da taxa de justiça remanescente sempre que coloque em crise os identificados direitos e princípios constitucionais, por se mostrar desproporcionado ao serviço por elas recebido do sistema de justiça, tudo sem prejuízo de o juiz, nada dizendo, as próprias partes interessadas poderem requerer essa dispensa.

27.Frise-se que, apesar do n.º 7 do art.º 6º do RCP apenas prever a dispensa do remanescente da taxa de justiça, é pacífico que “os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da adequação, que estão subjacentes a esta norma flexibilizadora, só serão plenamente alcançados se ao juiz for possível moldar ou modular o valor pecuniário correspondente ao remanescente da taxa de justiça devida nas causas de valor especialmente elevado, ponderando integralmente as especificidades do caso concreto e evitando uma lógica binária de tudo ou nada, segundo a qual apenas seria devido o montante da taxa de justiça já pago ou teria de ser liquidada a totalidade das custas correspondentes ao valor da causa, devendo antes poder dispensar o pagamento, conforme seja mais adequado, da totalidade ou apenas de uma parcela ou fração daquele valor remanescente”. É que, se não ocorresse a possibilidade de o julgador reduzir a taxa de justiça remanescente, corria-se o risco de se criarem situações de intolerável desproporção de resultados e violadoras do princípio da igualdade entre os litigantes, “ao impossibilitar uma plena consideração e balanceamento das especificidades próprias do caso ou situação processual, obrigando, de forma rígida e injustificada, a parificá-las artificiosamente, apesar das substanciais diferenças que entre elas pudessem verificar-se”.

28. Refira-se ainda que com a Lei n.º 27/2019, de 28/03, entrada em vigor em 29/04/2019 (cfr. art.º 11º da Lei n.º 27/2019), que alterou, entre outras disposições, o n.º 9, do art.º 14º do RCP, passou a dispor-se que: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente no n.º 7 do art.º 6º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final”.

29.Com essa nova redação dada ao n.º 9 do art.º 14º do RCP o legislador deixou expresso que a pronúncia sobre a dispensa da taxa de justiça remanescente tem de ocorrer na sentença ou no acórdão final que julgue a ação, o incidente, o recurso, a providência cautelar ou a execução, que transite em julgado, em sede de condenação de custas, presumindo-se iuris et de iure que a parte que obteve total ganho de causa e que, por isso, de acordo com o critério da causalidade fixado nos nºs 1 e 2, do art.º 527º do CPC para a determinação do responsável pelo pagamento das custas do processo, não é responsável pelo pagamento das custas deste e que ainda que nessa decisão final não tenha sido dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente, decorrente do tribunal ter omitido pronúncia sobre essa questão, está dispensado “do referido pagamento” (da taxa de justiça remanescente), “o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final”. Como refere Salvador da Costa, in Acórdão do STJ de 30 de maio de 2023 - Proc. n.º 903/13.2TBSCR.L2.S1, publicado no blog do IPPC, em 07.07.2023, https://blogippc.blogspot.com/search?updated-max=2023-s 01077T07:00:00%2B01:00&maxresults= 12&reverse-paginate=true:

“(…) O segmento normativo “o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final”, constante da parte final do n.º 9 do artigo 14.º do RCP, significa que a parte integralmente vencida é responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça, que era da responsabilidade da parte vencedora.

Conforma-se com o princípio da justiça gratuita para o vencedor, na medida em que evita à parte integralmente vencedora, conforme o resultado da decisão final de mérito, o risco de impossibilidade de cobrança do valor pago a título de remanescente de taxa de justiça e com base no regime das custas de parte.

O Supremo Tribunal de Justiça também expressou decorrer do referido preceito que a condenação em custas de cada uma das partes em cada uma das instâncias assume sempre natureza provisória, ficando a sua exigibilidade ou a quantificação dependente dos resultados futuros.

A condenação no pagamento de custas em sentido estrito, nos termos dos artigos 607.º, n.º 6, 663.º, n.º 2, e 679.º, todos do CPC, não é provisória, nem depende de resultado futuro, salvo a consequência de interposição de recurso do atinente segmento decisório.

As decisões judiciais, incluindo as relativas a custas, verificando-se os respetivos pressupostos, podem ser alteradas por via de recurso. Mas não é por isso que devem considerar-se provisórias.

O artigo 14.º, n.º 9, do RCP não se refere às custas em sentido estrito, mas apenas ao remanescente da taxa de justiça, diferindo a favor das partes a exigibilidade do remanescente da taxa de justiça para o momento do trânsito em julgado da decisão final sobre o mérito da causa.

Não faz sentido dizer-se que a condenação em custas de cada uma das partes em cada uma das instâncias assume sempre natureza transitória, pela simples razão de que a responsabilidade pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça não depende de condenação.

Todavia, considerando a direta referência do Acórdão ao disposto no artigo 14.º, n.º 9, do RCP, que se reporta ao remanescente da taxa de justiça, interpreta-se com esse sentido a menção do Supremo Tribunal de Justiça feita à condenação em custas.

O que pode afirmar-se quanto ao disposto no mencionado normativo é que a responsabilidade da parte pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça é sob condição de a final não ser declarada integralmente vencedora na causa.»

30.Revertendo ao caso dos autos, a Recorrente fundamenta o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça relativamente ao recurso interposto para o Pleno do STA, invocando que a sua conduta processual não se afastou da normalidade, ou que tenha sido objeto de censura que implique o pagamento daquele remanescente, não lhe sendo apontado erro palmar na interpretação da lei, ou distorção grosseira no percurso argumentativo. Embora não tenha logrado êxito, esforçou-se, com seriedade intelectual e procurando arrimo jurisprudencial e doutrinário pertinente, por demonstrar, de forma clara e sintética, a consistência e coerência da sua argumentação. No presente caso, está em causa um valor superior a 90.000,00€ que as partes teriam de pagar a título de remanescente de custas. A questão sujeita a apreciação deste Supremo Tribunal não é, seguramente, particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídico, que justifique o valor tão avultado a liquidar no âmbito das custas a processar a final. O pagamento daquele avultado remanescente da taxa de justiça, tendo por referência o valor da ação, corresponderá a uma desproporcionalidade flagrante entre o serviço prestado e o custo a cobrar. É manifestamente exagerado a exigência do aludido pagamento face à tramitação do processo, ao grau de complexidade do mesmo, ao número de articulados, às diligências requeridas e às questões jurídicas suscitadas pelas partes, as quais acabaram por nem sequer ser conhecidas.

31. Recorde-se que a Recorrente, já na sequência da notificação do acórdão proferido pelo STA em 14/07/22, apresentou pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, que foi deferido, por Acórdão de 08/09/2022, no qual se expendeu a seguinte fundamentação que consideramos útil transpor para os presentes autos:

«Foi fixado à ação o valor de 2.893.647,08€ (cfr. Acórdão do TCAN, de 11/2/2022, a fls. 2926 e segs. SITAF).

Está em causa um remanescente de taxa de justiça no montante de 80.129,90€, pelo que se concorda que, efetivamente, tal montante se afigura claramente desproporcional ao serviço judiciário prestado, pelo que se justifica a sua dispensa (sem deixar de se considerar as quantias já pagas ao longo da tramitação dos autos).

Quanto à complexidade da causa, ainda que não superior ao normal para este tipo de ações (de contencioso pré-contratual), afigura-se como não especialmente inferior à comum.

Aliás, como se disse no Acórdão deste STA, proferido nestes autos em 19/5/2022 (cfr. fls. 7136 e segs. SITAF), que admitiu a revista: «(‘...) 9. Tal quaestio luris encerra dificuldades óbvias, expressa, desde logo, nos juízos diametralmente divergentes das instâncias, e é suscetível de recolocação, seja administrativamente noutros procedimentos deformação de contratos, seja, também, em sede judicial, apresentando-se, nesse contexto, como relevante revisitar, desenvolver e aprofundar jurisprudência deste Supremo e que se mostra firmada, mormente nos Acs. de 14.06.2018 Proc. n°0395/18, 27.01.2022 Proc. n° 0917/21.9BEPRT e de 07.04.2022 Proc. 01513/20.3BELSB» (sublinhado nosso).

Ora, tendo como pressuposto que, nos termos legais, a dispensa (designadamente, total) só se justificará por forma excecional — não sendo, pois, a regra —, só uma complexidade claramente inferior à comum permitiria, em princípio, uma dispensa integral do pagamento do remanescente — o que, como dissemos, não é o caso.

Sucede, porém, que a aludida “relativa complexidade da causa” mostra-se manifestamente compensada com o comportamento das partes que, ao atuarem de forma clara e sintética - cfr., paradigmaticamente, as alegações de recurso do Recorrente “Município de Aveiro” na presente revista, a fls. 3054 e segs. SITAF, e as correspondentes contra-alegações da Recorrida, ora Requerente, a fls. 3082 e segs. SITAF-, como que “descomplexificaram” a análise e a apreciação da questão jurídica em causa (o que merece ser premiado e encorajado).

Acresce que (ainda que as situações sejam sempre diversas), em Acórdão sobre semelhante questão (proferido na mesma data de 14/7/2022, proc. n.° 2515/21.8BEPRT), este STA decidiu-se pela dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Assim sendo, tudo ponderado, será de conceder, “in casu”, a solicitada dispensa total de pagamento do remanescente da taxa de justiça.»

32. Conforme antedito, na ponderação que o julgador terá de fazer no sentido de dispensar ou não a parte ou partes responsáveis pelo pagamento das custas, total ou parcialmente, do pagamento da taxa de justiça remanescente, conforme resulta da expressão “designadamente” utilizada no n.º 7 daquele art. 6º, a enumeração que nele é feita quanto aos critérios a serem considerados nessa ponderação - complexidade da causa e conduta processual das partes - é meramente exemplificativa, devendo o julgador convocar todos os fatores modeladores e individualizadores do caso concreto e que se mostrem relevantes para aferir do montante das custas a pagar ao Estado pelo serviço de justiça prestado à(s) parte(s) condenadas no pagamento das custas em função dos acima identificados direitos e princípios constitucionais. Na verdade, trata-se aqui, afinal, de apreciar as especificidades próprias do caso concreto e verificar se se justifica ou não dispensar, total ou parcialmente, o remanescente da taxa de justiça atendendo aos comandos constitucionais segundo os quais o montante da taxa de justiça a pagar pelas partes não deve ser de molde a colocar em crise os princípios da proibição do excesso (proporcionalidade) e da igualdade, nem postergar o direito de acesso aos tribunais, princípios esses dos quais decorre que dos cidadãos deve ser solicitado idêntico grau de taxa de esforço no financiamento do sistema de justiça que utilizam.

33. Na situação em análise, está apenas em causa o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida relativamente ao recurso para uniformização de jurisprudência, em relação ao qual, o Pleno do STA decidiu não conhecer de mérito, com fundamento na falta dos pressupostos exigíveis para a sua admissibilidade.

34. O acórdão proferido por este Pleno incorpora, por conseguinte, uma decisão judicial que se limitou a apreciar se estavam ou não reunidos os pressupostos legais para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência interposto pela Recorrente, e em que se decidiu pela ausência desses pressupostos.

35.Essa decisão não revelou uma especial complexidade técnico-jurídica para se concluir no sentido de que no caso não estavam preenchidos os pressupostos para a admissibilidade do recurso, para o que contribuiu decididamente a forma regular como a Recorrente desenvolveu a sua atividade processual, cuidando de não incorrer em prolixidade ou verborragia, tendo apresentado um articulado comedido, normal, com uma motivação não excessivamente longa, com conclusões claras e concisas. Ao assim proceder, a mesma não demandou ao tribunal a realização de um trabalho que fosse para além do que normalmente se exige para a devida identificação das questões suscitadas, tendo atuado de modo a contribuir para a agilização do serviço de prestação da justiça.

36.Neste contexto fáctico-jurídico, entende-se que a quantia já paga pela Recorrente a título de taxa de justiça pela interposição do presente recurso, se mostra suficiente e proporcional ao serviço de justiça que lhe foi prestado nesta instância de recurso, impondo-se, sob pena de violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, que proíbe o excesso, e da igualdade, nos termos do disposto no art. 6º, n.º 7 do RCP, dispensá-la do pagamento da taxa de justiça remanescente, conforme peticionado.


**

IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art.º 202° da Constituição da República Portuguesa, em:

(i)julgar verificada a nulidade por omissão de pronúncia do segmento quanto a custas do acórdão proferido pelo Pleno do STA em 19/01/2023.

(ii) suprindo a referida nulidade por omissão de pronúncia, acordam em dispensar a Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça.


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Sem custas.

Notifique
Lisboa, 26 de junho de 2024. - Helena Maria Mesquita Ribeiro (relatora) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - José Augusto Araújo Veloso - José Francisco Fonseca da Paz - Maria do Céu Dias Rosa das Neves - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (com declaração de voto) - Cláudio Ramos Monteiro - Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho - Pedro Manuel Pena Chancerelle de Machete - Pedro José Marchão Marques.

Declaração de Voto:

Voto a decisão apenas com a fundamentação que consta dos pontos 34 a 36.

Suzana Tavares da Silva