Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0276/23.5BECTB
Data do Acordão:07/03/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32484
Nº do Documento:SA2202407030276/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

AA, identificado nos autos, vem interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, Secção de Contencioso Tributário, nos termos do art.º 285.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), do acórdão proferido, em 7 de março de 2024, pelo TCAN, que negou provimento ao recurso que o ora recorrente interpôs de sentença da 1.ª instância.

Alegou, tendo concluído:
a) O fundamento da decisão recorrida de que a estatuição administrativa, constante do n.º 10-A do seu probatório, se converteu em caso julgado pelo longo decurso do tempo verificado entre a sua prolação e a apresentação das suas alegações de recurso e por não haver notícia, nos autos, dela ter sido objeto de reclamação nos termos do art.º 276.º do CPPT, padece de evidente erro de julgamento, em matéria de direito processual.
b) Sem estar demonstrado no probatório constante dos autos, a notificação dessa decisão ao recorrente a mesma é ineficaz, não podendo produzir relativamente a ele quaisquer efeitos dela decorrentes, por mor dos já referidos art.ºs 268.º, n.º 3 da CRP e 77.º, n.º 6 da LGT.
c) E isto pesem os longos anos decorridos desde a sua prolação (desde 2007).
d) A sanção de ineficácia jurídica impõe-se precisamente para obstar à constituição do caso julgado e de outros efeitos que prejudiquem o destinatário de tal ato administrativo.
Termos em que deve dar-se provimento ao recurso e revogar o acórdão recorrido com as legais consequências.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não pode servir o recurso de revista para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.

A questão que o recorrente coloca nas conclusões das suas alegações à apreciação deste Supremo Tribunal não se trata verdadeiramente de uma questão, mas antes de um argumento que serviu ao Tribunal recorrido para negar provimento ao recurso que o recorrente lhe havia dirigido, ou seja, para resolver a questão que o recorrente lhe havia colocado.
Tal argumento, por si só, não tem a valia de influir decisivamente na decisão recorrida, tal como resulta de uma leitura atenta dessa mesma decisão, uma vez que se tratou, no essencial da decisão sobre um erro de julgamento sobre a matéria de facto.
Não está, assim, o recurso em condições de ser admitido.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Tributário, que compõem a formação a que alude o artigo 285º, n.º 6 do CPPT, em não admitir o presente recurso de revista.
Custas do incidente pelo recorrente, com t.j. em 5 Ucs.
D.n.
Lisboa, 3 de Julho de 2024. – Aragão Seia (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.