Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0101/19.1BALSB
Data do Acordão:01/20/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IVA
DEDUÇÃO
CÁLCULO PRO RATA
LOCAÇÃO FINANCEIRA
Sumário:I - Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA (conjugado com a alínea b) do seu n.º 3), a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a efetuar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos através da afetação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação;
II - Na aplicação do método de afetação real nos termos do n.º anterior, a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que seja um banco que exerce atividades de “Leasing” e de “ALD” a incluir no numerador e no denominador que serve para o cálculo da percentagem da dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos a essa atividade, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos respetivos.
Nº Convencional:JSTA000P27060
Nº do Documento:SAP202101200101/19
Data de Entrada:12/31/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, CAIXA ECONÓMICA BANCÁRIA, SA.
Votação:MAIORIA COM 2 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório

1.1. A Autoridade tributária e aduaneira veio, ao abrigo do disposto nos artigos 152.º, n.º 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações efetuadas pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa em 28 de janeiro de 2020, no processo n.º 477/2019-T CAAD, na parte em que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado por CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, CAIXA ECONÓMICA BANCÁRIA, S.A., com o número de identificação fiscal 500 792 615 e sede na Rua Castilho, n.º 5, 1250-066 Lisboa, sobre a (i)legalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que apresentou da auto liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) respeitante ao mês de dezembro de 2014, no montante de € 753.487,02, e a consequente declaração de (i)legalidade daquele ato de (auto)liquidação de IVA.

Invocou contradição entre essa decisão e a jurisprudência emanada pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0485/17, de 15 de novembro de 2017.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

B. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

C. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.

D. Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

E. Assim, em síntese, em ambos os Acórdãos, Autora e Recorrida são instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as atividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração) e têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo atividades sujeitas a IVA e atividades isentas de IVA.

F. Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal (2014 e 2010, respetivamente), por força do pro rata definitivo determinado para o respetivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

G. Uma e outra apuraram um montante a deduzir distinto ao apurado por recurso ao pro rata provisório.

H. E, ambas imputam aos atos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA (correspondente ao artigo 174-º da Diretiva IVA), o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing e ALD.

I. Enquanto no acórdão fundamento se entendeu que o decidido pelo TJUE no processo C-183/12, o artigo 23.º, n.º 3 do CIVA constitui a transposição do artigo 17.º, n.º 5, parágrafo 3, c) da Sexta Diretiva (artigo 173.º da Diretiva IVA) e que, sendo assim, os Estados membros podem obrigar uma instituição bancária, que exerce atividades de locação financeira, a incluir no numerador e denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos contratos de locação financeira, correspondente aos juros, a decisão arbitral entendeu, por oposição, que o referida norma da Sexta Diretiva (e Diretiva IVA) não foi transposta para o direito interno e, como tal, deve constar do denominador da fração a totalidade da renda (juros e capital).

J. Fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

K. Há também identidade da questão de direito, pois em ambos os acórdãos a questão a decidir consiste em aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afetos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

L. Mais concretamente, tanto no acórdão recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respetivas decisões situa-se em igual plano, isto porque, perante idêntica situação de facto, em ambos os arestos está em causa saber se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13 podia ou não o Estado Português, através do Ofício Circulado n.º 30.108, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

M. Sendo que, fundamentalmente, no Acórdão recorrido foi decidido que:

«Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Consequentemente, o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo. E, nos termos deste n.º 4, esta percentagem é determinada através de «uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento». Por isso, embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11- 2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55° da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. […] Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.», o que desembocou na anulação dos atos tributários impugnados.

N. Por sua vez, no Acórdão Fundamento entendeu-se, na senda do Processo C-183/13 do TJUE, e ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Sexta Diretiva (artigo 173.º da Diretiva IVA), reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, que os Estados Membros «podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos».

O. Concluiu, nesse seguimento, o STA que «a sentença recorrida não enferma do invocado erro de julgamento na interpretação do disposto nos n.º 2 e 3 do CIVA, em concordância, aliás, com a interpretação do art. 17.º, n.º 5, 3.º parágrafo, al. c) da Sexta directiva 77/3888/CEE».

P. O Acórdão Fundamento concluiu ainda que essa restrição - patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros - vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

Q. O Acórdão Fundamento invocado, de resto, está em linha de convergência com o teor de outros Acórdãos do STA, de que, a título de exemplo, se dá conta o processo n.º 01075/13, de 29-102014, cujo sumário se deixa transcrito: «Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros.»

R. A tese entronca com o que doutrinalmente vem defendido por Saldanha Sanches e João Gama: «O IVA suportado pela entidade isenta na sua actividade económica deve ser equivalente à receita gerada por essa mesma actividade» – v.g. Saldanha Sanches e João Gama, Pro Rata revisitado: Actividade económica, Actividade Acessória e dedução do IVA na Jurisprudência do TJCE, CTF, n.º 417 Janeiro - Junho 2006, pág. 111.

S. Atendendo ao disposto no artigo 19.° da Sexta Diretiva e ao art.º 23.°, n.º 1 do CIVA, o objetivo normativo é o de encontrar um modo de afastar a dedução dos custos de IVA respeitantes a atividades isentas, limitando assim o alcance da dedução adequando-a ao modo de funcionamento do sistema do IVA.

T. A jurisprudência comunitária, no Caso Polysar, C-60/90, de 20/06/1991, encontrou uma primeira solução com base na interpretação do conceito de atividade económica em termos de IVA, tendo considerado que a mera detenção de participações financeiras sem intervenção na gestão de outras empresas não constitui atividade económica, não existindo, por isso direito a qualquer dedução.

U. No caso Sofitam, C-333/91, de 22/06/1993 e, sobre o direito à dedução de uma holding mista que tinha quantificado o seu reembolso do IVA suportado sem levar em conta os dividendos que tinha recebido, o TJUE decidiu que a perceção de dividendos não entra no campo de aplicação do IVA e que, por isso os dividendos são estranhos ao sistema do direito à dedução.

V. Seguindo o método da afetação real, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respetivos bens será totalmente dedutível.

W. Quanto ao critério a utilizar na repartição dos custos comuns, na impossibilidade de adoção de um critério mais objetivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afetação dos inputs aos dois tipos de operações.

X. No cálculo da referida proporção deverá considerar-se apenas o valor que excede o valor dos custos específicos utilizados nas operações tributadas, já que, através da aplicação do método de afetação real aqueles custos são diretamente imputados e o respetivo IVA é integralmente dedutível.

Y. A não ser assim, permitir-se-á um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduzirá a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.

Z. Face a todas as considerações que antecedem, e tal como decidido no processo C-183/13 – TJUE e reforçado pelo Acórdão fundamento, «há que responder à questão submetida que o artigo 17.°, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.»

AA. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

BB. Termos em que é de concluir, também relativamente a esta matéria, dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.

CC. De tudo o que acima se deixou, decorre encontrar-se o acórdão recorrido em desconformidade com todos os preceitos e princípios acima referidos, não merecendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica, devendo antes ser revogado e substituído por outro, convergente com o Acórdão Fundamento.

DD. Mais se peticionando, nos termos legais e constitucionais supra expostos, dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.».

Concluiu pedindo fosse o presente recurso para uniformização de jurisprudência admitido e julgado procedente, com a consequente revogação da decisão arbitral recorrida e a sua substituição por outra que fosse «consentânea com o quadro jurídico vigente».

1.2. O recurso foi admitido com efeito suspensivo da decisão arbitral recorrida.

Foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Digno Magistrado do M.º P.º foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e lavrou douto parecer, do qual transcrevemos os seguintes segmentos:

«(…)

3. ENTENDIMENTO SOBRE A VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS SUPRA ENUNCIADOS.

Em face da factualidade dada como assente nos dois arestos afigura-se-nos não existirem dúvidas sobre uma identidade substancial das situações de facto, uma vez que estamos perante sujeitos passivos que desenvolvem atividade de concessão de crédito e que no exercício dessa atividade realizam operações isentas e operações sujeitas a tributação. E em ambos os casos os sujeitos passivos adquiriram bens e serviços utilizados indiferenciadamente numa e noutra atividade (isenta e não isenta). Por outro lado em ambos os processos se suscitou a questão da legalidade do método de cálculo de dedução do IVA suportado nesses bens e serviços de utilização mista, uma vez que nas autoliquidações os sujeitos passivos adotaram o método de imputação específico propugnado pela Administração Tributária no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, no sentido de não se incluírem os valores relativos à componente de capital das rendas recebidas como contrapartida nos contratos de locação financeira e ALD. Entendemos, assim, que se mostram reunidos os requisitos de oposição de arestos que justifica a prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência, ao abrigo do regime previsto no artigo 152º do CPTA.

III. APRECIAÇÃO DA QUESTÃO. (…)

Concordamos com o entendimento sufragado no acórdão arbitral quando refere que «na perspectiva do TJUE, não é compaginável com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, casuisticamente apurada, …». Todavia também é certo que o sujeito passivo não demonstrou que tenha recorrido a critérios objetivos para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços de utilização mista, nem revelado quaisquer elementos que contrariassem os pressupostos subjacentes ao método proposto pela ATA no ofício circulado.

Considera, contudo, o acórdão arbitral que se mostra violado o princípio da legalidade, pois, «…embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28- 11-2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA».

E nesta parte afigura-se-nos que o argumento é pertinente. De facto não se extrai dos nº s 2 e 3 do artigo 23º do CIVA qualquer elemento, com correspondência mínima na letra da lei, que confira à Administração Tributária o poder de impor ao sujeito passivo um método de pro-rata específico e parcial tal como o mesmo é configurado no ofício circulado nº 30108 de 30/01/2009. Sendo certo que nos termos do nº 2 do artigo 23º do CIVA a Administração Tributária pode impor ao sujeito passivo “condições especiais” na determinação e cálculo do IVA dedutível, o que abarca a definição de critérios objetivos em função das particularidades da atividade desenvolvida, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que esses poderes não abarcam a imposição de forma genérica de um método de pro-rata parcial. Entendemos, assim, que ainda que admissível em função do disposto na artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, o método de cálculo de dedução do IVA relativo a bens e serviços de utilização “mista” preconizado pela Administração Tributária no ponto 9 do ofício circulado nº 30108 de 30/01/2009, no sentido de não se incluírem os valores relativos à componente de capital das rendas recebidas como contrapartida nos contratos de locação financeira e ALD, não é conforme o disposto no artigo 23º do CIVA, e nessa medida insuscetível de aplicação pela Administração Tributária, por o legislador nacional não ter usado da prerrogativa conferida pela Diretiva IVA nesse âmbito.

Caso assim não seja entendido, afigura-se-nos que se impõe a ampliação da matéria de facto, com vista a apurar elementos que permitam caraterizar a intervenção da instituição financeira nos contratos de locação financeira mobiliária, designadamente se age como mero intermediário financeiro, ou se desenvolve qualquer outra atividade com vista à disponibilização dos veículos, de modo a concluir que os custos gerais suportados são igualmente afetos a essas tarefas.

Entendemos, assim, que se não se mostram reunidos os requisitos do recurso de uniformização de jurisprudência.».

Corridos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.



2. Dos fundamentos de facto

2.1. A decisão arbitral recorrida relevou a seguinte matéria de facto: «(...)

A. A Requerente é uma instituição de crédito do tipo caixa económica bancária, cujo objecto social consiste na realização das operações descritas no artigo 4.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro;

B. No âmbito da sua actividade, a Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na norma de isenção constante do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito de dedução deste imposto, como é o caso das operações de financiamento/concessão de crédito;

C. Simultaneamente, a Requerente realiza também operações que conferem o direito à dedução deste imposto, designadamente operações de locação financeira mobiliária e custódia de títulos;

D. Relativamente às situações em que a Requerente identificou uma conexão directa e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação directa, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA;

E. Nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, a Requerente não deduziu qualquer montante de IVA;

F. Nas situações em que a Requerente identificou uma conexão directa, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objectivos do nível / grau de utilização efectiva, aplicou o método da afectação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, o que sucedeu, nomeadamente, quanto aos encargos especificamente associados à aquisição de Terminais de Pagamento Automático - ("TPA's");

G. A Requerente não considerou viável determinar um ou vários critérios objectivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afectação real, nas aquisições de recursos de utilização mista;

H. Para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de "utilização mista"), a Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA;

I. A referida percentagem de dedução foi determinada com cálculo do coeficiente de imputação específico definitivo do ano 2014, em estrita consonância com o preceituado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA;

J. Em 09-02-2015, a Requerente apresentou a autoliquidação de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2014, com a declaração periódica n.º 112089549440 que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

K. Com base no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira vertido no Ofício-Circulado n.º 30.108, a Requerente não incluiu no cálculo da referida percentagem de dedução os montantes respeitantes às amortizações financeiras do leasing;

L. A Requerente verificou que, se no cálculo da referida percentagem de dedução tivesse incluído os montantes respeitantes às amortizações financeiras do leasing, a percentagem de dedução definitiva apurada para o ano em causa seria de 8% (oito por cento) em lugar de 3% (três por cento);

M. Em 21-12-2018, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IVA do período de Dezembro de 2014, solicitando a anulação parcial daquele acto de autoliquidação na parte que, no entender da Requerente, resultou na entrega de prestação tributária de IVA em excesso, por ter aplicado uma percentagem de dedução definitiva de 3% ao IVA suportado com os custos comuns incorridos naquele exercício, calculado nos termos do artigo 23.º n.º 4 do CIVA, quando, em seu entender, deveria ter considerado a percentagem de 8% (pedido de revisão oficiosa que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

N. O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho de 17-04-2019, proferido pelo senhor Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de delegação de competências, com os fundamentos de uma informação que consta do documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:

IV.1. Factos e Enquadramento Jurídico-Tributário

12. A Requerente constitui-se como uma sociedade que se enquadrada para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal.

13. A questão em análise nos presentes autos consubstancia-se num alegado erro de autoliquidação de IVA efetuada pela sociedade Requerente, relativa ao período de dezembro de 2014.

14. A CEMG é uma instituição de crédito, abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro1

15. No âmbito da sua atividade, a Requerente realiza, por um lado, operações financeiras que se encontram enquadradas no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, nomeadamente, financiamento/concessão de crédito, operações que configuram isenções simples ou incompletas pois não conferem direito à dedução do IVA suportado.

16. Por outro lado, pratica, simultaneamente, outro tipo de operações financeiras, como a celebração de contratos de locação financeira mobiliária, que conferem direito à dedução (cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA).

17. Nestes termos, tendo em consideração a natureza das atividades praticadas, a Requerente qualifica-se como um sujeito passivo "misto".

18. Relativamente às operações afetas à aquisição de bens e serviços de utilização mista, operações de locação financeira (Leasing e ALD), a CEMG recorreu ao método do coeficiente de imputação específico constante no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009 (da Área de Gestão Tributária do IVA) que determina que apenas deve ser considerado, no cálculo da percentagem de dedução, o montante anual correspondente aos juros e outros encargos, excluindo-se a componente de amortização de capital contida nas rendas da locação financeira.

19. Nessa medida, afirma ter apurado uma percentagem de dedução definitiva de 3% que determinou um valor a deduzir de € 453.891,62 - ponto 26.º da petição de Revisão Oficiosa.

20. Sucede que, no entendimento da Requerente, a solução preconizada pela AT no Ofício-Circulado n.º 30108 é ilegal, uma vez que, não só impõe a aplicação do método da afetação real quando não se encontram preenchidos os pressuposto legalmente previstos para tal "imposição autoritária" (cf. ponto 83.º da petição de Revisão Oficiosa), como, também, expurga do cálculo da referida percentagem o valor das amortizações financeiras, violando o disposto no n.º A e 5 do artigo 23.º do CIVA, conjugado com o artigo 173.º e 174.º da Diretiva IVA (cf. pontos 84.º a 86.º da petição em análise).

21. Se assim não fosse, a percentagem de dedução seria de 8% (contra os 3% referidos), o que determinaria um valor a deduzir de € 1.210.377,64, constatando a Requerente uma diferença, em seu prejuízo, de € 756.486,02 (cf. ponto 27.º a 29.º da petição de Revisão Oficiosa).

22. Não se conformando, por entender que é ilegal a aplicação da restrição imposta pela AT, veio interpor o presente Revisão Oficiosa, pugnando pela anulação parcial do ato de autoliquidação de IVA efetuada pelo sujeito passivo, relativamente ao período de dezembro de 2014, decorrente da existência, na sua perspetiva, de erro na determinação da percentagem de dedução do pro rata

E em consequência, pugna pela (o)

a) Anulação parcial da autoliquidação de IVA que resultou da aplicação da percentagem de dedução de 3% aos "custos" comuns e residuais, percentagem essa que foi determinada de acordo com as instruções (alegadamente ilegais) constantes do Ofício-Circulado n.º 30108, quando a percentagem de dedução (no entender da Requerente) deveria corresponder a 8%, por aplicação dos n.º 1 a 4 do artigo 23.º do CIVA e do artigo 174.º da Diretiva IVA e, consequentemente, defende ser devida a restituição à Requerente do valor do IVA (alegadamente) pago em excesso, no montante de € 756.486,02;

b) Direito a juros indemnizatórios, por entender (no caso de deferimento da presente Revisão Oficiosa) estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT.

IV.2. Síntese das Alegações da Requerente

23. A Requerente começa a sua exposição por referir que se verificam todos os requisitos cumulativos para aplicação do previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT e n.º 1 e 2 do artigo 98.º do Código do IVA, pelo que, entende "...que desde a data de apresentação da declaração periódica de IVA (...) ato à presente data ainda não decorreram 4 anos, o presente pedido de Revisão Oficiosa é tempestivo."

24. Tratando-se o IVA de um imposto harmonizado pelo sistema comunitário, a Requerente enquadra as operações de Leasing, na designada "Diretiva IVA" (Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006), mais precisamente no artigo 73.º, que define o valor das operações como o montante da contraprestação a receber em relação às mesmas.

25. Na sua perspetiva no caso da locação financeira, a contraprestação consubstancia-se na renda, assumindo esta uma natureza unitária, face à inutilidade de se cindir as suas diversas componentes para efeitos de determinação do valor tributável sobre o qual recai a incidência de IVA, devendo esse valor corresponder à renda recebida ou a receber do locatário, nos termos dispostos na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA".

26. Assim, desde que não esteja em causa qualquer isenção legalmente prevista, as rendas de contratos de locação financeira são integralmente sujeitas a IVA - tributação unitária - quer na parte que respeita à amortização financeira do capital, quer na parte correspondente às componentes que constituem ganhos do locador, como sejam os juros e a remuneração de outros encargos.

27. Todavia, no que concerne à aplicação do regime de dedução parcial, a Requerente alega que a posição preconizada pela Administração Fiscal não é concordante com as normas comunitárias transpostas para o normativo nacional aplicável (CIVA).

28. Isto porque, o método da percentagem de dedução - pro rata - respeitante ao IVA dos bens e serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, ou seja, com utilização mista, se encontra formulado nos artigos 173 º a 175.º da "Diretiva IVA", e tem caráter imperativo para efeitos de determinação do IVA proporcionalmente dedutível, traduzindo-se no cálculo que resulta de uma fração que inclui os seguintes montantes:

- no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução; e

- no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

29. O sujeito passivo defende, por outro lado, o afastamento da aplicabilidade do único método estabelecido no normativo nacional como alternativo ao pro rata, e que encontra acolhimento expresso no artigo 23.º do CIVA, o da dedução parcial do IVA com base na afetação real dos bens ou serviços adquiridos (cf. ponto 75.º e 76.º da petição de Revisão Oficiosa).

30. E fá-lo por inobservância (segundo a Requerente) dos respetivos pressupostos de aplicação, definidos nos termos dos n.ºs 2 e 3 da mesma norma, uma vez que a Requerente não só não optou pelo método da afetação real, como apenas exerce uma única atividade. Ainda que se verificasse esta última condição, era necessário que, cumulativamente, a aplicação do método pro rata conduzisse a distorções significativas na tributação, o que não sucede no presente caso,

31. Pelo que, não se verificando os pressupostos preceituados no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, referentes ao exercício de atividades económicas distintas, bem como à ocorrência de distorções na tributação, a Requerente defende que a AT não pode impor a adoção do método da afetação real.

32. Ainda assim, ressalva a Requerente, a aplicação do método alternativo à aplicação do pro rata, se enquadrável no caso em apreço, consistiria na afetação (utilização efetiva) dos bens ou serviços adquiridos pelas diversas operações ativas, em função da utilização efetiva dos mesmos e não na utilização de quaisquer fórmulas de cálculo da percentagem de dedução "a medida" das Autoridades Tributárias e divergente das instituídas quer no normativo comunitário, quer no nacional (cf. ponto 81º da petição de Revisão Oficiosa).

33. E, deste modo, entende que as normas regulamentares do Ofício-Circulado n.º 30108 são inválidas, por padecerem de ilegalidade sustentada na imposição do método da afetação real quando não se verificam os pressupostos legalmente determinados e que legitimam tal imposição (cf. ponto 82.º e 83 º da petição de Revisão Oficiosa).

34. Conclui, assim, que a exclusão imposta pelas normas regulamentares constantes do Ofício-Circulado n.º 30108, que determinaram a desconsideração de uma componente do montante de uma operação (no caso, a exclusão do capital/amortização financeira enquanto parte integrante das rendas), constitui uma objeção à letra e espírito do mecanismo de dedução previsto na "Diretiva IVA", na medida em que restringe o direito à dedução para além dos casos nela previstos e do artigo 23.º do CIVA, configurando uma violação tanto da legislação nacional como comunitária (cf. ponto 92.º e seguintes da petição de Revisão Oficiosa).

35. Por fim, e no sentido de sustentar a sua posição, vem invocar as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 309/2017-T, 311/2017-T e 312/2017-T do CAAD, referindo que na mesma está em causa uma situação de facto em tudo semelhante à presente, tendo a referida instância decidido em sentido diverso que havia sido o entendimento do TJUE, constante do Acórdão de 10.07.2014, processo n.º C-183/13, acolhido posteriormente, pelo STA, nomeadamente, no Acórdão de 29.10.2014, proferido no processo n.º 0175/13 (cf. ponto 95.º e seguintes da petição de Revisão Oficiosa).

IV.3. Apreciação

IV.3.1- Questão prévia: Tempestividade e adequação como meio processual do Pedido de Revisão Oficiosa

36. No que se refere à suscetibilidade e tempestividade do recurso ao procedimento de Revisão Oficiosa, muito embora a Requerente vagueie longamente sobre o erro na autoliquidação e a sua imputabilidade à Administração Tributária, por força do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, conjugado com o n.º 1 do artigo 98.º do CIVA não se afigura assistir razão para o invocado.

37. A Revisão Oficiosa constitui uma garantia dos administrados/contribuintes, consubstanciando-se num meio administrativo de correção de atos de liquidação de tributos, visando a anulação total ou parcial de um ato que já produziu efeitos na ordem jurídica, com fundamento em erro imputável aos serviços injustiça grave ou notória, ou duplicação de coleta, de acordo com o previsto no artigo 78.º da LGT,

38. Tal mecanismo é igualmente aplicável quando estejam em causa atos tributários em IVA, conforme decorre do disposto no artigo 98.º do CIVA, onde se estatui que "Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária."

39. Ora, no que concerne à suscetibilidade de aplicação, ao caso concreto, do disposto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, onde se determina que "Sem prejuízo de disposições especiais, o direito a dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente", importa esclarecer que estamos aqui no âmbito do direito à dedução e não do direito à regularização do IVA.

40. De facto, o direito à dedução tem reflexos no apuramento e pagamento do imposto do período a que se refere a declaração periódica tendo por base, o registo contabilístico dos documentos que lhe serviram de suporte. A partir desse momento, qualquer correção à dedução (seja decorrente dos registos contabilísticos, declaração periódica, faturas, etc.) que venha a realizar-se, constituirá uma regularização do imposto.

41. Conforme refere João Canelhas Duro, "(...) também o n.º 2 do art.º 98.º institui um prazo de dedução de imposto, sendo aplicável àquelas situações pouco comuns em que o registo das operações não ocorre no momento previsto no nº 1 do artigo 43.º ou em que há uma grande dilação temporal entre a data das operações e a receção da fatura, permitindo-se que venha a ser efetuado o registo e se proceda à dedução no prazo de quatro anos. Estão em causa situações em que, por exemplo, por facto imputável ao prestador, vendedor ou terceiro, os documentos de suporte da dedução não são atempadamente disponibilizados ao sujeito passivo, podendo ser exercido o direito à dedução no prazo de quatro anos. Nestes termos, o prazo de quatro anos aí previsto não é manifestamente aplicável às pretensões de regularização de imposto, salvaguardando-se apenas as situações de dedução tardia de imposto por motivo da também tardia receção do documento que titula o direito ou por inadvertida omissão no registo contabilístico, não se encontrando, em qualquer caso, o encargo registado aquando da realização da autoliquidação de imposto." (negrito e sublinhado nossos)

42. Aliás, tal entendimento, quanto ao âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 98.º CIVA e à distinção entre direito à dedução e à regularização, decorre do Ofício-Circulado n.º 30082/2005, de 17 de novembro, emitido pela Direção de Serviços do IVA, em concreto do seu ponto 8.º e, bem assim, decorre da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0966/10, de 18 de maio de 2011, que embora não verse diretamente sobre a questão em causa nos autos, determina qual a correia interpretação do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.

43. O CIVA preceitua o instituto da regularização do imposto no n.º 6 do artigo 23.º, nos artigos 24 º a 26.º e 78.º a 78.º-D.

44. Ora, face à realidade dos factos descrita pela Requerente, pode concluir-se que estamos perante uma eventual situação de erro no apuramento do pro rata de dedução.

45. De acordo com o Ofício-circulado n.º 30082/2005, de 17 de novembro, os casos como o presente não são suscetíveis de serem enquadrados nos casos de regularização previstos no artigo 78.º do CIVA, identificando o n.º 8 da mencionada instrução administrativa as situações que se encontram excluídas do respetivo âmbito, não porque não se pudessem aí incluir, mas porque a sua disciplina está regulamentada noutros normativos legais, como sejam os artigos 23.º a 25.º do CIVA.

46. O mesmo entendimento foi veiculado no parecer do Centro de Estudos Fiscais (CEF) n.º 41/2013, de 2013-10-04, da autoria da Dr.ª …………, com despacho concordante do Diretor do OEF de 2013-10-08, onde se refere expressamente que: "(...) as correções ao cálculo da percentagem de dedução devem ser feitas no final do ano em causa e também que devem ser refletidas na declaração referente ao último período do ano em causa (...)" não sendo possível, "(...) proceder a correções ao cálculo da percentagem de dedução definitiva apurada em determinado ano com fundamento no artigo 78.º do Código do IVA."

47. Com efeito, estando em causa o apuramento na percentagem de dedução, os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam devem ser regularizáveis, exclusivamente, através do mecanismo previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, ou seja, na última declaração do período a que respeita.

48. Não obstante, nestas circunstâncias, não está afastada a possibilidade de correção do referido erro através da apresentação de reclamação graciosa prevista no artigo 131.º do CPPT, ou mediante apresentação de impugnação judicial, contando-se o prazo a partir da data da apresentação da declaração periódica.

49. Este regime resulta do disposto no n.º 2 e 5 do artigo 97.º do CIVA, o qual embora refira apenas o artigo 78.º do CIVA, deve ser interpretado no sentido de abranger todos os tipos de regularizações, incluindo a prevista no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA.

50. Decorre do artigo 184.º da Diretiva IVA e da jurisprudência comunitária, a consagração de um direito geral dos sujeitos passivos à regularização do imposto inicialmente realizada, a qual ficando sujeita à disciplina consagrada por cada Estado-Membro, não pode deixar de ser efetuada dentro de um prazo razoável, entendendo-se que com o regime acima definido fica salvaguardada esta garantia.

51. O direito à regularização, tal como o direito à dedução, não são absolutos encontrando-se sujeitos a determinados requisitos, nomeadamente, temporais, o que significa que têm de ser exercidos nos prazos previsto na lei, os quais se impõem por força do princípio da segurança e certeza jurídicas.

52. Nessa medida, a aplicação do n.º 6 do artigo 23.º do CIVA às regularizações do pro rata, consubstancia uma das disposições especiais a que alude a parte inicial do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, afastando a aplicação do prazo de 4 anos.

53. Pelo que, ainda que se considerasse que o mencionado artigo era aplicável, dado que existe uma regra especial a definir o limite temporal para a correção dos erros deste tipo, é essa a regra que se deve considerar, sem prejuízo, de como já referido, haver a possibilidade de os sujeitos passivos apresentarem reclamação graciosa ou impugnação judicial.

54. De facto, tratando-se de preceitos especiais e imperativos constantes do CIVA que consignam regras específicas para o exercício do direito à dedução e respetiva regularização, tal significa que as mesmas devem prevalecer sobre as normas com carácter geral, sob pena daquelas ficarem despojadas de conteúdo prático, pois haveria sempre lugar à aplicação do prazo de quatro anos previsto no artigo 98.º do CIVA.

55. Sucede que, não se mostrando que a situação em análise seja passível de enquadramento no disposto no artigo 98.º do CIVA, por maioria de razão, não se mostra aplicável o disposto no artigo 78.º da LGT para o qual aquele remete.

56. Acresce que, na situação em análise, o que se constata é que o sujeito passivo pretende alterar os critérios que teve presentes aquando da seleção das verbas a incluir no denominador e numerador da fração que compõe o pro rata, considerando na mesma, o valor das amortizações financeiras correspondentes aos contratos de locação financeira, o que por opção sua não foi considerado

57. Não obstante, a Requerente ter observado o entendimento constante do Ofício-circulado n.º 30082/2009, de 30 de janeiro ao preencher a declaração periódica, a verdade é que, por si só não se pode falar da adoção de tal procedimento como um erro imputável aos serviços, pois estamos perante um erro de autoliquidação de imposto, voluntário por definição.

58. Lembre-se que o legislador, através da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, revogou o então n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que equiparava a erro imputável aos serviços, e por tal sujeito ao prazo de quatro anos, o erro na autoliquidação de imposto.

59. Nestes termos, passou a ser perentório ao sujeito passivo solicitar a revisão do ato tributário da sua iniciativa, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, no prazo da revisão administrativa, ou seja, e conforme disposto n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, no prazo de dois anos.

60. De facto, qualquer outro entendimento faria este comportamento inócuo e redundante continuando-se a aplicar o prazo de 4 anos na revisão de atos tributários praticados pelo sujeito passivo, sem qualquer suporte legal para o fazer.

61. Termos em que se julga improcedente por intempestividade o presente pedido de revisão do ato tributário.

V. Juros Indemnizatórios

62. A Requerente, nos pontos 167.º a 169.º da sua petição, requer indemnização a título de juros indemnizatórios, por pagamento de prestação tributária indevida, considerando que se encontram preenchidos os pressupostos legais previstos no artigo 43.º da LGT, em especial no artigo 61 º do CPPT, bem como, no Acórdão de 13 de julho de 2016, do Tribunal Central Administrativo do Sul, juros esses contados desde a data da entrega da declaração periódica de IVA referente a dezembro de 2014 até à restituição do imposto pago em excesso.

63. Nos termos do artigo 100.º da LGT "A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações (...), à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei."

64. Os juros indemnizatórios destinam-se a compensar o contribuinte pelos prejuízos causados pelo pagamento indevido de uma prestação tributária - quer esta seja efetuada no âmbito da cobrança coerciva, quer seja efetuada de forma voluntária - ou pelo atraso na restituição Oficiosa de tributos por parte da AT.

65. Assim, os pressupostos de verificação do direito a juros indemnizatórios, bem como as situações que o legislador considerou serem suscetíveis de justificar uma reparação pelos danos decorrentes do pagamento indevido de prestação tributária, e que, portanto, constituem causa de exigibilidade deste tipo de juros, encontram-se previstos no artigo 43.º da LGT, que sob a epígrafe "Pagamento indevido de prestação tributária" determina que:

" 1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da divida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição Oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30 º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. (Aditado pela Lei n.º 9/2019 de 1 de fevereiro)

66. Nestes termos, torna-se necessário que se determine em sede de Revisão Oficiosa ou impugnação judicial, que um ato de liquidação de um tributo se encontra ferido de erro (sobre os pressupostos de facto ou de direito), sendo o mesmo imputável aos serviços e que daí resulte o pagamento de divida tributária em montante superior ao legalmente devido.

67. Ora da análise da presente Revisão Oficiosa resulta que é entendimento da AT que não há erro nos pressupostos de facto e de direito no enquadramento do IVA, dado que a Requerente na autoliquidação de IVA em causa, teve em consideração o entendimento constante do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor- Geral da Área de Gestão Tributária de IVA, o qual como ficou devidamente explicitado nos pontos antecedentes, esta de acordo com as normas de direito interno e comunitário que regulam a matéria em análise.

68. Nesse sentido, ao contrário do alegado pela Requerente, não se encontram preenchidos os pressupostos legais para que seja concedida indemnização a título de juros indemnizatórios, que, por conseguinte, não são devidos.

VI. Exercício do Direito de Audição

69. Analisado o mérito do peticionado, procedeu-se à elaboração do Projeto de Decisão, o qual foi notificado à Requerente em 14 de março de 2019, conforme entrega de documento na caixa postal eletrónica do via CTT, remetido para os termos e efeitos preceituados na alínea b) do n.º 1 do artº 60.º da Lei Geral Tributária.

70. Decorrido o prazo legalmente concedido para o exercício do direito de participação (15 dias), constata-se que a Reclamante não fez uso dessa garantia para acrescentar aos autos quaisquer outros elementos suscetíveis de colocarem em causa as conclusões referidas no Projeto de Decisão

VII. Decisão Final

Face ao exposto, mantêm-se as conclusões de facto e de direito constantes do referido Projeto de Decisão, pelo que se convertem as mesmas na Decisão Final de Indeferimento do pedido formulado nos autos, com todas as consequências legais:

a) INDEFERIMENTO do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente por não se encontrarem preenchidos os respetivos pressupostos processuais para a sua apreciação.

b) INDEFERIMENTO do pedido de indemnização a título de juros indemnizatórios, por não se encontrarem preenchidos os requisitos constantes do artigo 43.º da LGT, conforme ponto V da presente Informação.

Mais se informa que, em caso de Concordância Superior, deve ser promovida a notificação da Requerente, de acordo com as normas constantes nos artigos 35.º a 41.º, todos do CPPT, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias, recorrer hierarquicamente, ao abrigo do disposto no artigo 80.º da LGT, conjugado com o artigo 66.º do CPPT, ou, no prazo de três meses, deduzir Impugnação Judicial, nos termos do artigo 102.º também do CPPT, ou ainda, fazer uso da faculdade prevista no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

O. Em 30-01-2009, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício-Circulado n.º 30.108, publicado em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal /legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/OficCirc_30108.pdf , cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA.

P. Em 17-07-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.».

2.2. O acórdão fundamento relevou a seguinte matéria de facto: «(...)

2. Na sentença recorrida [referenciando-se o «interesse para a decisão» e o «cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n.º 970/13-30)»] julgou-se provada e não provada a factualidade seguinte:

2.1. Factos provados

1) Foi emitida, pela área de gestão tributária do IVA — gabinete do subdiretor-geral dos impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n° 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:

“1. O ofício circulado n° 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23° do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.

2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23° do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (n° 3 art. 23°).

No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n° 2 do artigo 23°, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.

4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.

5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23° do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.

6. Face à anterior redacção do artigo 23° do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.
No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n° 4 do artigo 23° do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.

7. Face à actual redacção do artigo 23°, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n° 4 do artigo 23º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n° 2 do artigo 23° do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n° 4 do artigo 23° do CIVA” (cfr. fls. 165 a 167).

2) A impugnante foi constituída por escritura pública outorgada em dezembro de 1996, então com a designação A…………, SA, tendo sido indicado como objeto social a realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira (cfr. fls. 175 e 176).

3) A impugnante, no exercício da sua atividade e nomeadamente em 2010, estava enquadrada no regime normal mensal de IVA e realizou operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (cfr. fls. 258 a 283).

4) No âmbito das operações de locação mencionadas em 3), designadamente em 2010, a impugnante, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respetivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (cfr. fls. 258 a 283).

5) Na sequência do mencionado em 3) e 4), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, renda essa sujeita a IVA (cfr. fls. 258 a 283 e 286).

6) A parte da renda mencionada em 5) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da impugnante a crédito da conta 22.

7) A parte da renda mencionada em 5) relativa a juros era registada na contabilidade da impugnante como proveito.

8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285).

9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284).

10) Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário e outras não sujeitas a IVA a impugnante não liquidou IVA, liquidando o Imposto do Selo na parte relativa aos juros (cfr. fls. 288 e 289).

11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163).

12) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a concessão de crédito no valor de 84.914.092,66 Eur. (cfr. fls. 163).

13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.

14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:

a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;

b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 13) (cfr. fls. 163).

15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre janeiro e novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219).

16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).

17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163).

18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:

a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;

b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207).

2.2. Quanto a factos não provados, exarou-se o seguinte:

«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:

A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).

Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.».


***

3. Dos fundamentos de Direito

3.1. Vem o presente recurso interposto da decisão arbitral proferida no processo n.º 477/2019-T, do CAAD, na parte em que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, quer quanto à anulação parcial da autoliquidação de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) respeitante ao período de dezembro de 2014, quer quanto à condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir a quantia paga, na parte anulada.

Com o assim decidido não se conforma a Recorrente por entender, em primeiro lugar, que a decisão arbitral está em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de novembro de 2017, tirado no processo n.º 0485/17.

E por entender, em segundo lugar, que é de acolher o entendimento firmado no acórdão fundamento.

Invocou como fundamento da admissibilidade do recurso o n.º 2 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”) e o artigo 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante “CPTA”).

Decorre do sobredito que o presente recurso tem na sua base a oposição de julgados e tem como objetivo fundamental a uniformização de jurisprudência.

Sendo que a apreciação do mérito da decisão recorrida depende da verificação de um conjunto de pressupostos substantivos. Ou seja, o Supremo Tribunal Administrativo só uniformiza jurisprudência sobre a questão suscitada no recurso depois de se assegurar da verificação desses pressupostos.

Que, no essencial se destinam a confirmar que a questão suscitada nas duas decisões (a decisão recorrida e a decisão fundamento) é substancialmente idêntica e que a resposta que neles foi dada a essa questão é diversa e contraditória.

Ou seja, identidade substancial da questão suscitada e decisão contraditória quanto a essa questão.

Relativamente à primeira, é seguro que se deve tratar de uma questão de direito. Desde logo, porque a lei o diz («…sobre a mesma questão fundamental de direito»). Mas também porque a finalidade do recurso é de uniformizar a interpretação de normas jurídicas e promover uma maior previsibilidade e igualdade nas decisões.

Relativamente à segunda, está assente que se deve tratar de uma divergência de decisões (e não apenas de entendimentos). Ou seja, a questão deve ter determinado o sentido em que foi decidido em cada um dos processos e estar na base da oposição ou divergência.

De salientar ainda que a questão fundamental de direito é a mesma quando, de um lado, é substancialmente idêntico o quadro normativo e quando, do outro lado, é substancialmente idêntica a factualidade que lhe deve ser subsumida.

O que significa que, para haver identidade substancial da questão de direito, não basta concluir que a norma jurídica é a mesma ou tem idêntico teor: é também necessário que a factualidade apreciada deva ser considerada idêntica do ponto de vista da sua subsunção jurídica.

E bem se compreende que assim seja porque, se a factualidade não for idêntica (se a situação concretamente apreciada nos dois arestos não for a mesma do ponto de vista dos seus elementos típicos fundamentais, tal como se encontram delineados na norma a aplicar), não pode evidenciar-se uma contradição de direito. É natural que a situações de facto diferentes e com diferente relevo normativo correspondam respostas jurídicas diversas.

Vejamos, então, se estes pressupostos se verificam no caso.

3.2. Resulta dos autos que, quer o acórdão recorrido, quer o acórdão fundamento foram chamados a interpretar e a aplicar o artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, que determina o método a aplicar na dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista.

Resulta também dos autos que ambos os acórdãos foram chamados a interpretar e a aplicar aquele dispositivo legal a sujeitos passivos que são instituições de crédito e que realizam, simultaneamente, operações de concessão de crédito e operações de locação financeira, recorrendo a montante a bens e serviços de utilização mista, isto é, suportando gastos que alocam ao exercício de ambas as atividades.

Resulta, ainda, dos autos que, em ambos os casos, os sujeitos passivos apuraram o imposto dedutível contido nesses bens ou serviços utilizando o método a que alude o ponto 9 do ofício circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, do Gabinete do Sudiretor-Geral da área de gestão tributária do IVA. Ou seja, um método que só considera no cálculo da dedução o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de “leasing” e de “ALD” (excluindo, assim, a componente do capital ou de amortização financeira).

Resulta, finalmente, dos autos que, em ambos os casos, os sujeitos passivos clamavam pela ilegalidade do método imposto pelo supra referido ofício circulado e pretendiam que fosse determinado o pro rata da dedução nos termos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Assim sendo, deve concluir-se que a situação factual tratada nos dois arestos é substancialmente idêntica, por ser subsumível ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica.

É certo que, no caso do acórdão fundamento, foi indagado – em cumprimento de anterior acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – se os custos suportados com bens e serviços de «utilização mista» eram sobretudo determinados pela disponibilização dos veículos objeto dos contratos de locação financeira, tendo esse facto sido dado como não provado – ver ponto 2.2. respetivo, quanto a factos não provados.

Enquanto que, no caso acórdão arbitral recorrido, esse facto não foi dado como provado nem como não provado.

Mas isso sucede porque, no caso do acórdão recorrido, o Tribunal Arbitral entendeu que esse facto não relevava para a decisão.

E não relevava para a decisão porque o Tribunal Arbitral tomou de partida que a lei nacional não prevê nenhum método de dedução para os bens de utilização mista semelhante àquele que é preconizado pelo ofício circulado n.º 30108 supra referido. Nem concede à Administração Tributária o poder de impor ao sujeito passivo a aplicação desse método.

Enquanto que, no caso do acórdão fundamento, foi julgado relevante que o tribunal de primeira instância apurasse essa factualidade, no quadro dos seus poderes de indagação oficiosa.

Precisamente por se entender que da resposta a esta questão de facto dependia a resposta à questão de direito subjacente.

Ora, quando a questão da relevância jurídica de um facto é determinada pela pré-compreensão do direito aplicável e esta faz parte do direito que se controverte, esse facto não pode relevar para a determinação da identidade substancial das questões suscitadas, mas para a determinação da existência de decisões contraditórias.

Dizendo de outro modo, não releva para a questão de saber se as situações são idênticas, mas para a questão de saber se as decisões são opostas.

Porque o que aqui está em causa não é saber qual é a situação a subsumir, mas a de saber se ela releva para o direito. Não é uma questão de facto, é uma questão de direito.

Pelo que também não pode constituir um pressuposto da decisão da oposição. Faz parte do seu objeto.

Se assim não fosse entendido, nunca poderia dizer-se que as situações eram idênticas nem que não eram. Na parte apurada as situações eram idênticas. Na parte não apurada, a identidade das situações era desconhecida.

A questão fundamental de direito suscitada em cada um dos arestos também é, substancialmente, a mesma: a de saber se a Administração Tributária pode obrigar uma instituição bancária que realiza operações sujeitas – incluindo as relativas à locação financeira mobiliária (“leasing” e “ALD”) – e operações isentas – como as que derivam da concessão de crédito – a aplicar um método de dedução como aquele que é preconizado no supra referido ofício circulado à luz do disposto do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

E o que não há dúvida é que os dois arestos deram uma resposta divergente a esta questão.

Fundamentalmente, porque o acórdão fundamento lhe deu uma resposta afirmativa, ainda que enquadrada em pressupostos de facto relevados no acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante “TJUE”) de 10 de julho de 2014, tirado no processo C-183/13 (denominado “Acórdão Banco Mais”).

E o acórdão recorrido lhe deu uma resposta negativa, fundada, além, do mais, no entendimento de que o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferido no processo C-183/13 assenta num erro de interpretação do direito interno português, que – no entendimento ali adotado – não permite o método de dedução preconizado naquele ofício circulado.

Há, pois, oposição relativamente à mesma questão fundamental de direito, o que permite dar como verificada a divergência das decisões que justifica a prossecução do presente recurso.

Que, assim, deve prosseguir para conhecimento do respetivo mérito.

3.3. Se bem interpretamos, a procedência do pedido de pronúncia arbitral apoia-se na ilegalidade abstrata do ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, em que se baseia o ato tributário que lhe serve de objeto.

No entendimento ali firmado, a imposição de um «coeficiente de imputação específico» nos termos que dimanam daquele Ofício Circulado assenta numa errada interpretação da lei aplicável, porque:

i. não está previsto na lei interna;

ii. não consagra um critério objetivo;

iii. não foi demonstrada a sua necessidade;

iv. não está de acordo com a jurisprudência comunitária.

A Recorrente não se conforma com o assim decidido porque (na senda do entendimento firmado no Acórdão Fundamento) o Ofício Circulado:

i. enquadra no ordenamento comunitário e na lei interna [conclusão “N”];

ii. consagra o critério mais objetivo [conclusão “W”];

iii. a sua necessidade foi demonstrada [conclusão “Y”];

iv. está de acordo com a jurisprudência comunitária [conclusão “Z”].

O n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, articulado com o seu n.º 3, prevê que a Administração Tributária possa obrigar o sujeito passivo a «efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados».

Na redação originária do preceito, o legislador não dizia o que entendia por «afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados». Mas já então se entendia que esta disposição estava relacionada com a alínea c) do n.º 3 do artigo 17.º da Sexta Diretiva 77/388/CEE, do Concelho, de 17 de maio de 1977 [doravante “Sexta Diretiva”] e que a expressão «afetação real» era equivalente à expressão «utilização» adotada no preceito comunitário. A qual, por sua vez «não pode deixar de ser entendida como imputação do uso real e efetivo que cada bem ou serviço adquirido tenha em cada um dos tipos de operações em que é usado conjuntamente» (cit. José Guilherme Xavier de Basto e Maria Odete Oliveira, in «Desfazendo mal-entendidos em matéria do direito à dedução…», Revista das Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, número 1, pág. 50).

Interpretação que a alteração introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de janeiro, veio de alguma forma confirmar, ao aditar a frase «… com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito». Tornou-se então evidente que o que estava em causa era um método que, em relação a bens ou serviços de utilização mista, permitisse medir a «intensidade efetiva e real da utilização dos bens ou serviços em cada um dos tipos de operações em causa» (idem, ibidem).

Assim, quando o Tribunal de Justiça da União Europeia, no denominado acórdão «Banco Mais» (acórdão de 10 de julho de 2014, tirado no processo C-183/13), veio reconhecer que a referida regra reproduz em substância a referida disposição comunitária e constitui a transposição da mesma para o direito interno, veio reafirmar apenas o que já se sabia e que não era controvertido.

A questão que ficava era a de saber se o método previsto no ponto 9 do oficio circulado n.º 30108, do Gabinete do Subdiretor-Geral da Área de Gestão Tributária do IVA era ainda um método adequado a atender à intensidade real e efetiva da utilização dos bens ou serviços em cada um dos tipos de operações para os efeitos da Sexta Diretiva e da alínea c) do n.º 3 do artigo 17.º em particular.

E foi a esta questão que, no fundo, o Tribunal de Justiça respondeu afirmativamente.

Desde que fosse apurado que a utilização de bens ou serviços de utilização mista pelo sujeito passivo era sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira (parágrafo 33 do acórdão).

Isto é, desde que fosse apurado que os bens ou serviços de utilização mista eram alocados com muito mais intensidade ao financiamento e gestão de contratos do que a qualquer outra atividade (ou setor de atividade) exercida pelo sujeito passivo.

O que o Tribunal de Justiça concedeu suceder na maioria dos casos em que estas atividades são exercidas por bancos. Porque são entidades que, na essência, se dedicam à atividade de concessão de créditos e gestão de contratos de financiamento.

Não é verdade, por isso, que o Tribunal de Justiça tivesse interpretado o direito interno português. Na parte em que se referiu ao artigo 23.º do Código do IVA, limitou-se a reconhecer a semelhança e a quase sobreposição entre a redação do seu n.º 2 (no segmento acima assinalado) e a disposição comunitária correspondente.

Todavia, ao decidir que o método proposto pela Administração Tributária do Estado português se conformava com a lei comunitária, também permitiu que se concluísse que se conformava com aquele segmento do dispositivo nacional sem necessidade de considerandos adicionais. Precisamente porque essa parte do dispositivo nacional constituía a transposição para o direito interno da disposição comunitária.

O acórdão arbitral parece defender que não existe disposição interna que autorize o método proposto pela Administração Tributária porque a lei não prevê nenhum «método de imputação específica».

A nosso ver, porém, o Tribunal Arbitral enquistou-se numa expressão do ofício-circulado e não levou em conta que – como, de resto, ali se afirma – constitui ainda uma aplicação do método da afetação real. Isto é, um método de afetação dos custos de bens ou serviços, a montante suportados, à atividade a que são alocados predominantemente.

O acórdão arbitral contrapõe que aquele método não é mais do que a determinação da afetação real através de uma percentagem da dedução. Querendo, com isso, inequivocamente dizer que um método que combina técnicas de determinação do montante do direito à dedução não é mais do que uma terceira via, um terceiro método. Que, por isso, a lei não prevê.

Não vemos as coisas assim. Porque não existe apenas um método de afetação real. No sentido de que não existe apenas uma forma de proceder à afetação de bens ou serviços.

A confirmar que o sistema de afetação real comporta diferentes modalidades e apresenta, por isso, uma certa plasticidade que permita ajustar o sistema de dedução às especificidades da atividade prosseguida pelo sujeito passivo vem a segunda parte do preceito, segundo a qual a Administração Tributária pode impor «condições especiais». Isto é, condições que permitam o «afinamento» (a expressão é do artigo que acima citamos, pág. 62) do método de dedução.

Pelo que a Recorrente tem razão nesta parte: o método a que alude o ponto 9 do ofício-circulado supra aludido não tem apenas cabimento na lei comunitária; também tem cabimento na lei interna.

Pelo que as referências ao princípio da legalidade e da reserva de lei também não se nos afiguram pertinentes, ao menos por aqui.

Bem mais interessante é, quanto a nós, o argumento – também utilizado no acórdão arbitral – segundo o qual o método imposto pela Administração Tributária não constitui um «critério objetivo» que permita determinar o grau de afetação de bens ou serviços.

Aqui já não está em causa saber se o método imposto pela Administração Tributária é admitido pela lei nacional: está em causa saber se esse método é ajustado. Isto é, se constitui uma modalidade do cálculo de dedução que reflita objetivamente a parte real das despesas efetuadas com bens ou serviços de utilização mista que é imputada a operações que conferem o direito à dedução.

Deve, porém, observar-se desde já que o acórdão recorrido não concluiu que o método não se ajustava às especificidades da atividade exercida pelo sujeito passivo. Isto é, não concluiu que o método não servia em concreto. Até porque nem sequer formulou nenhum juízo sobre a relação entre esse método e a atividade exercida pelo sujeito passivo. Que, aliás, não indagou concretamente.

O que o Tribunal Arbitral concluiu foi que aquele método «não pode constituir um critério objetivo». Em abstrato. Servindo-se de um exemplo tirado de um parecer inserido no acórdão fundamento, julgou evidente que, com base no valor das rendas, não se pode determinar com objetividade as despesas de eletricidade ou água, ou manutenção de elevadores de edifícios comuns às atividades dos dois tipos que estão afetas à atividade de locação financeira.

Em boa verdade, o que se diz no parecer é que pode, relativamente a certos custos comuns, não ser possível encontrar um critério objetivo que meça o grau ou a intensidade de utilização dos bens e serviços em operações que conferem e em operações que não conferem o direito à dedução. O que o ilustre consultor fiscal considerou acontecer ali. Em concreto.

Mas o que o Tribunal de Justiça veio a sancionar no acórdão fundamento foi algo diferente: que o que importava para o caso era que o critério adotado fosse «mais preciso» que o resultante do método residual (ver o parágrafo 34). Isto é, que permitisse estabelecer com maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem o direito à dedução do que qualquer outro. Que fosse o mais «afinado» considerando as especificidades concretas da atividade do sujeito passivo.

Pelo que a validade do método da Administração Tributária não depende do facto de ser ajustável totalmente à atividade do sujeito passivo (o que, de qualquer modo, teria que ser analisado em concreto); depende, tão só, do facto de ser o mais ajustado. O que acontece neste tipo de atividade se a utilização de bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, for sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos.

E é esta a interpretação que também devemos extrair das disposições nacionais que procederam à transposição da lei comunitária. Precisamente por ser a que se mostra mais conforme com as disposições comunitárias.

Daqui não deriva, ainda, que a Fazenda Pública tenha razão quando clama que o seu critério é o mais objetivo, no caso. Mas deriva já que o Tribunal Arbitral não tem razão quando arreda liminarmente a validade desse critério. Sem formular nenhum juízo em concreto. Por o julgar desnecessário.

Para sermos justos – e estamos a entrar agora na terceira parte da nossa análise – devemos reconhecer que não é só por aí que o acórdão arbitral se dispensa de fazer um juízo concreto.

Também ali se diz que não são indicadas nem demonstradas pela Administração Tributária as razões por que tal método é necessário para assegurar a igualdade de todas as empresas.

Este argumento também pode ser considerado em dois planos: no plano abstrato ou «pararegulamentar» e no plano concreto, à luz das regras que estabelecem o ónus de alegação e de prova dos factos constitutivos dos direitos a que as partes se arrogam.

No plano abstrato, coloca-se a questão de saber se a Administração Tributária teria que demonstrar no próprio ofício circulado que o método que impõe é o mais adequado, isto é, consagra o critério mais objetivo.

No plano concreto, coloca-se a de saber se a Administração Tributária teria que invocar e demonstrar no procedimento ou nos autos a factualidade que permitisse formular um juízo (de facto) sobre se a utilização dos bens ou serviços é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.

À primeira questão se refere expressamente o parecer para que o Acórdão Arbitral remete ao anotar que o ofício circulado não fornece qualquer explicação para a solução ali adotada.

Porém, e não existindo – nem sendo invocada – nenhuma regra formal que imponha no lançamento dos ofícios o conteúdo cuja falta se assinala, a crítica só pode ter sido apontada à sua substância.

Sempre se dirá que não nos parece totalmente correto dizer-se que o ofício circulado se tenha dispensado de toda e qualquer explicação. Não foi ali esclarecido – é certo – porque é que o método adotado era adequado. Mas foi defendido, claramente, que era mais adequado do que a aplicação do pro rata geral e que, por isso, seria menos suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados e de conduzir a distorções significativas na tributação.

Quanto à substância do critério adotado no ofício circulado já nos pronunciamos acima, valendo-nos da sindicância do Tribunal de Justiça (num caso paralelo, pelo que pode ser para aqui convocado): não se pode concluir em abstrato que não possa ser o mais adequado.

Mas, sobretudo, não se vê como possa o Tribunal Arbitral continuar a pôr em causa a conformidade do método da Administração com o princípio da neutralidade depois de o Tribunal de Justiça ter sancionado o entendimento de que está conforme com os princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade (parágrafos 30 e 31 do supra citado acórdão).

Sobre a segunda questão se pronunciou o acórdão fundamento, seguindo um entendimento recorrente deste Supremo Tribunal e sobre o qual não há, agora, razões bastantes para rever.

Foi ali convocado o entendimento segundo o qual, quando o ato de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução.

Caberia, por isso, ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização os bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos. Solução que reputamos adequada também porque o sujeito passivo, dada a sua proximidade com a fonte produtora, está mais bem posicionado para expor as especificidades do seu negócio.

Assim, e para concluirmos este ponto, diremos resumidamente que, para o juízo sobre a necessidade e adequação do recurso a «um coeficiente de imputação específico» (para não fugir da expressão do ofício), competiria ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, apesar de ser uma instituição financeira que realiza operações de locação financeira para o setor automóvel utilizando para o efeito bens e serviços de utilização mista, no seu caso, essa utilização não é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.

E entramos na quarta e última parte da nossa análise.

No seu último argumento, o Acórdão Arbitral veio dizer que a jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça da União Europeia repensou explicitamente o entendimento adotado no processo C-183/13, ao esclarecer, no acórdão do mesmo Tribunal de 18 de outubro de 2018, tirado no processo n.º C-153/17, que os Estados Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega.

E que, por isso, o ponto 9 do ofício circulado também não se conforma com a jurisprudência mais recente daquele Tribunal.

Entendemos, porém, que também não foi feita a melhor interpretação deste aresto.

Como decorre do seu parágrafo 56, o Tribunal de Justiça da União Europeia não pretendeu ali reformular o entendimento firmado no acórdão “Banco-Mais”, mas sublinhar que aquela jurisprudência não podia ser aplicada de maneira geral, abrangendo todos os tipos de operações de locação financeira para o setor automóvel.

Incluindo aquelas em que a aplicação de um método de repartição que não tenha em conta o valor do veículo aquando na sua entrega não seja adequada a garantir uma repartição mais precisa do que a baseada no volume de negócios.

O que sucedia naquele caso específico porque havia uma afetação real e significativa dos custos gerais a operações que conferiam o direito à dedução (§ 57). Porque esses custos eram efetuados tendo em vista a disponibilização de veículos (§ 44) e eram, apesar disso, imputados aos próprios custos de financiamento, em vez de serem imputados ao valor inicial do veículo aquando da sua entrega (§ 13).

Em lado algum se conclui que, no caso dos autos, também havia uma afetação significativa dos custos gerais à disponibilização dos veículos, até porque o Tribunal Arbitral se absteve de indagar e analisar concretamente o sistema de negócio montando pelo sujeito passivo.

Pelo que a invocação da jurisprudência firmada no acórdão C-153/17 não se nos afigura pertinente nem acrescenta nada ao juízo ali fornecido sobre a legalidade da liquidação.

E, assim sendo, a Fazenda Pública também tem razão nesta parte. A jurisprudência comunitária não reviu o entendimento firmado no primeiro acórdão supra aludido. De certa forma, até o reforçou, demonstrando como, da aplicação dos mesmos entendimentos ali reafirmados poderiam derivar respostas diferentes para situações diferentes.

De todo o exposto deriva que a decisão recorrida não pode manter-se com a fundamentação que dela consta.

3.4. Como foi explicitado no ponto anterior, a Fazenda Pública não se conformava com o decidido pelo Tribunal Arbitral por entender que tal decisão não acordava com a jurisprudência firmada com o acórdão fundamento que, no seu entendimento, devia prevalecer.

Nos pontos anteriores concluímos que a Fazenda Pública tinha razão: que o acórdão arbitral colidia com o acórdão fundamento e que neste tinha sido consagrado o melhor entendimento.

Todavia, da correta aplicação daquela jurisprudência ao caso não deriva (ou não deriva ainda) que o ato de liquidação em causa não enferme de erro ou que não mereça ser revisto.

Deriva apenas que a decisão arbitral não pode sustentar-se com os fundamentos que dela constam. E também que nos autos do processo arbitral não foram colhidos elementos suficientes que permitam ao Supremo Tribunal Administrativo formular um juízo definitivo sobre a legalidade da decisão administrativa, na parte recorrida.

Assim, e porque dos autos também não resulta que o Tribunal Arbitral tivesse indagado, no quadro dos poderes inquisitórios de que se encontra investido [atento o disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária] se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização de veículos (factualidade que se tem por alegada, ainda que de forma conclusiva, no artigo 52.º do requerimento inicial), e tendo em conta que os juízos sobre factos que importam à decisão e de que o tribunal recorrido deve conhecer não podem ser formulados ou reapreciados pelo tribunal de revista, resta ao tribunal de recurso anular a decisão recorrida.



4. Conclusões

4.1. Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA (conjugado com a alínea b) do seu n.º 3), a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a efetuar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos através da afetação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação;

4.2. Na aplicação do método de afetação real nos termos do n.º anterior, a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que seja um banco que exerce atividades de “Leasing” e de “ALD” a incluir no numerador e no denominador que serve para o cálculo da percentagem da dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos a essa atividade, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos respetivos.



5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida.

Custas pelo Recorrido, com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, atendendo à simplicidade da decisão, o seu caráter parcialmente remissivo e o disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.

Registe, notifique e comunique ao CAAD.

Lisboa, 20 de janeiro de 2021

Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (Vencido, de acordo com declaração que junta) – Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (Vencida, de acordo com declaração que junta) – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo



Declaração de voto do Senhor Conselheiro Aníbal Augusto Ruivo Ferraz:

***

Vencido.

Não subscrevo a fundamentação do acórdão, quando, na parte final da pág. 20, sustenta dever “concluir-se que a situação factual tratada nos dois arestos é substancialmente idêntica, por ser subsumível ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica.”.

Outrossim, muito menos me revejo, no conjunto de argumentos exarados nas págs. 21 e 22 e, em particular, no que tange à sustentação de que não existe divergência, relevante, entre os cenários factuais considerados na decisão recorrida e no acórdão fundamento.

Desde o início, em todos os casos similares (com o mesmo acórdão fundamento), entendo que, neste, a mais, em sede factual, foi considerado que, no ano de …, a impugnante, além do método de afetação real, utilizou um pro rata específico, onde incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros, os valores pagos, pelos locatários, correspondentes ao capital em dívida, nos contratos resolvidos por perda total do bem, bem como, nos resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, em que a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, emitindo a correspondente fatura.

E, ainda, de forma que julgo determinante, a solução inscrita, no acórdão fundamento, segundo a formulação deste aresto, decorre, objetiva e consequentemente, da circunstância de, na sentença visada por ele, ter sido julgado não provado que os custos, suportados pela, aí, impugnante, em relação aos quais esta não conseguiu determinar a que operações respeitavam, dissessem respeito à disponibilização dos veículos objeto dos contratos de locação.

Consequentemente, sem mais, decidiria não tomar conhecimento do mérito deste recurso, para uniformização de jurisprudência.


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[redigi em meio informático e revi]

Lisboa, 20 de janeiro de 2021



Declaração de voto da Senhora Conselheira Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro:


VOTO DE VENCIDA

Voto vencida por considerar que não existe oposição entre a mesma questão fundamental de direito entre os acórdãos em confronto.

Se é certo que, em causa em ambos os processos, as partes discutiam a interpretação da norma do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, ou seja a determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante de custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista (afetos a operações tributadas e a operações isentas), a verdade é que, ao contrário do que acontece no acórdão recorrido, o acórdão fundamento não a interpretou, porque tal interpretação já estava sedimentada no processo, tinha sido efetuada por um primeiro acórdão do Supremo, datado de 03/06/2015, que depois de estabelecer os parâmetros que a mesma devia seguir, revogou a sentença recorrida para que o tribunal de 1.ª instância, após ampliação da base factual necessária, aplicasse o direito de acordo com interpretação definida, como resulta expressamente do seu dispositivo: «Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar a sentença de fls. 471 e segs., que deve ser substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos acima apontados». sublinhado meu.

O acórdão fundamento tem por objeto a sentença (segunda no processo) proferida na sequência e em cumprimento daquele primeiro acórdão do Supremo. E no juízo que fez sobre o erro de julgamento que era imputado pela recorrente no que respeita à interpretação da norma do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, e à ampliação da matéria de facto, o acórdão fundamento, acaba por dizer que o tribunal recorrido estava nessas matérias vinculado ao que tribunal superior havia decidido, em acórdão transitado em julgado e que qualquer crítica que àquele pudesse ser feita era extemporânea. Entre outras passagens que transmitem esta posição, pode ler-se a seguinte no acórdão fundamento «Como a própria sentença consigna (ao especificar quer os factos julgados provados, quer a factualidade julgada não provada) esse julgamento é feito relativamente aos factos «Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30)». E, consequentemente, em sede de fundamentação, a sentença limita-se a apreciar e valorar a prova produzida e não produzida no âmbito dessa ampliação da matéria de facto determinada pelo STA, na observância do dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores (nº 2 do art. 4° da LOFTJ). Por isso, como igualmente salienta o MP, esta alegação de erro de julgamento, substanciada em crítica dirigida ao antecedente acórdão do STA que determinou a ampliação da matéria de facto, independentemente da sua consistência, não pode proceder, sendo que tal crítica sempre seria intempestiva, em virtude do trânsito em julgado do aresto.» sublinhado meu.

Ou seja, porque o primeiro acórdão do Supremo proferido no processo já tinha definido a interpretação a dar à norma em discussão (no recurso da primeira sentença), o acórdão fundamento (segundo acórdão no processo) limitou-se a ajuizar a conformidade da (segunda) sentença com o que havia sido superiormente determinado, não se posicionando expressamente sobre a solução naquele adotada, “independentemente da sua consistência”, por o considerar transitado em julgado.

Ora, não tendo o acórdão fundamento e o acórdão recorrido tratado da mesma questão fundamental de direito, não pode haver contradição entre o que neles foi decidido, pelo que não tomaria conhecimento do mérito do recurso.


Lisboa, 20/01/2021

Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro