Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 021/24.8BALSB |
Data do Acordão: | 06/20/2024 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | TERESA DE SOUSA |
Descritores: | APRECIAÇÃO PRELIMINAR REVISTA CONTRATO DE CONCESSÃO TRIBUNAL ARBITRAL EXCEPÇÕES |
Sumário: | É de admitir revista de acórdão do tribunal arbitral sobre a execução de contrato de concessão, pela sua relevância jurídica e social, e porque a decisão não se mostra isenta de dúvidas fundadas. |
Nº Convencional: | JSTA000P32401 |
Nº do Documento: | SA120240620021/24 |
Recorrente: | IMT - INSTITUTO DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES, IP. |
Recorrido 1: | A..., S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Formação de Apreciação Preliminar Acordam no Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório Estado Português, representado pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, Demandado na acção arbitral instaurada por A..., SA, com o intuito de obter uma compensação destinada a restabelecer o equilíbrio financeiro da Concessão..., relativamente ao período compreendido entre 2014 e o termo do Contrato de Concessão, que corre termos em Tribunal Arbitral, sob o nº ...7/...23/AHC/MM, notificado da “Decisão Sobre As Exceções Suscitadas Pelo Demandado Na Sua Defesa” proferida pelo Tribunal Arbitral em 22.12.2023, que julgou improcedentes a excepções , vem dele interpor recurso de revista com base no disposto no art. 185.º-A, nº 3, alínea b) conjugado com o art. 150º do CPTA. Invoca que as questões em discussão nos autos se revestem de complexidade técnica e jurídica superior ao comum, bem como de inegável interesse social. Em contra-alegações a Recorrida/Demandante defende, desde logo, a irrecorribilidade do acórdão arbitral por a decisão que o Recorrente submete à apreciação do Supremo Tribunal Administrativo não constituir uma decisão de mérito. Mais invoca que o recurso de revista não é admissível, por não se preencherem os requisitos do nº 1 do art. 150º do CPTA, pugnando ainda pela improcedência do recurso. 2. Os Factos Não foram autonomamente fixados factos provados na decisão recorrida. 3. O Direito O art. 185-A do CPTA, sob a epígrafe “Impugnação e recurso das decisões arbitrais” prevê o seguinte: “1 - As decisões proferidas pelo tribunal arbitral podem ser impugnadas nos termos e com os fundamentos estabelecidos na Lei de Arbitragem Voluntária. 2 – (…) 3 - A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral, é ainda suscetível de recurso, com efeito meramente devolutivo, para o Supremo Tribunal Administrativo: (…) b) Quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, nos termos do artigo 150.º”. E o art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. Da conjugação destes preceitos extrai-se, portanto, que as decisões proferidas pelos tribunais arbitrais apenas são susceptíveis de recurso ordinário de revista quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso mostrar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. O Tribunal Arbitral proferiu decisão em 22.12.2023, na qual apreciou a excepção dilatória de caso julgado e a excepção peremptória “fundada numa interpretação literal da Base LXXXV, nº 11, da Concessão e da cláusula 88.11 do Contrato de Concessão”, julgando-as ambas improcedentes. Quanto à excepção de caso julgado considerou, nomeadamente, que: “[…] 27. Deste modo, quer se considere que a anterior decisão do Tribunal Arbitral formou caso julgado material também relativamente aos danos futuros, quer se entenda antes que estes últimos nem sequer estão abrangidos pela autoridade do caso julgado, em função dos limites (temporais ou simplesmente objetivos) a que o mesmo se encontra sujeito, deve entender-se que da decisão proferida no anterior processo arbitral não decorre a preclusão do direito de a Demandante intentar a presente ação arbitral com o objetivo de obter o ressarcimento dos prejuízos correspondentes à perda de receitas da Concessão, entre os anos de 2014 e 2018. Tornando-se deletéria a discussão sobre se, como defende o Demandado, se encontra verificada a identidade simultânea entre os sujeitos, o pedido e a causa de pedir nas duas ações, ou se, como sustenta a Demandante, tal não acontece por a presente ação se basear em factos novos e/ou fundamentos jurídicos diversos dos que constituíram a causa de pedir de um dos pedidos que formulou no anterior processo. Na realidade, é hoje praticamente pacífica a doutrina segundo a qual uma decisão transitada em julgado é suscetível de modificação caso se pronuncie sobre danos futuros e a realidade não venha a corroborar a prognose efetuada ou quando ocorram circunstâncias supervenientes que não tenham sido por ela considerados. E é assim, observe-se, mesmo quando se trate de decisões absolutórias ou a alteração respeite a factos que foram dados como não provados no processo anterior, máxime, em consequência da sua imprevisibilidade. […]”. Quanto à excepção peremptória “fundada numa interpretação literal da Base LXXXV, nº 11, da Concessão e da cláusula 88.11 do Contrato de Concessão” foi, nomeadamente, considerado que: “[…] 34. O Tribunal Arbitral alegou que isso sucedia “em razão do momento escolhido pela própria Demandante a fim de exercer o seu direito à reposição do equilíbrio financeiro da concessão”, ou seja, do facto de ela não ter aguardado por data próxima do fim do prazo do contrato para fazer valer o seu direito ao reequilíbrio financeiro. Mas esta afirmação não pode ser interpretada como pretendendo significar que a Demandante só poderia ver ressarcidos os danos sofridos durante todo o período da concessão na condição de aguardar pelo fim do prazo do Contrato para então, já munida de prova inequívoca sobre a perda de receitas efetivamente causada pela introdução de portagens em vias adjacentes, requerer o reequilíbrio financeiro. O que não seria, desde logo, possível, tendo em consideração que o Contrato impõe à Concessionária que, para o efeito de desencadear o correspondente procedimento, a Concessionária notifique «o Concedente da ocorrência de qualquer evento que, individual ou cumulativamente, possa dar lugar à reposição do equilíbrio financeiro da concessão, nos 30 (trinta) dias seguintes à data da sua ocorrência» (cláusula 88.12 do Contrato).” Entendeu, assim, o Tribunal, à luz do entendimento que foi assumido pelo anterior Tribunal Arbitral quanto ao modo pelo qual devia proceder ao apuramento dos danos que o evento gerador do direito à reposição do equilíbrio financeiro do Contrato haveria de projetar sobre a concessão, até ao termo do seu período de vigência, que, “seria seguramente desrazoável retirar-se das prescrições constantes da Base LXXXV, n.º 11, da Concessão e da cláusula 88.11 do Contrato a conclusão de que a Demandante só pode obter uma única vez, no âmbito de uma única ação judicial proposta para o efeito, o reconhecimento do seu direito à reposição do equilíbrio financeiro, com exclusão definitiva da possibilidade de vir a obter a compensação dos danos que, nessa ação, o Tribunal entenda qualificar como danos futuros imprevisíveis.” Interpretação essa das referidas disposições que “feriria gravemente princípios e regras constitucionais claros e precisos, nomeadamente a garantia substantiva do direito de propriedade – da qual decorre o direito à indemnização por prejuízos patrimoniais causados por entidades públicas (artigos 62.º e 22.º da CRP) – e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Lei Fundamental). Por isso, uma interpretação das mesmas que salvaguarde a sua conformidade com a Constituição há-de determinar que o seu sentido é o que elas pressupõem a possibilidade de se efetuar um cálculo minimamente preciso dos danos futuros. Não se considerando possível efetuar esse cálculo, nomeadamente, como sucedeu no caso em presença, pela imprevisibilidade do comportamento vindouro dos utentes das autoestradas objeto da concessão, deve entender-se que a Base LXXXV, nº 11, da Concessão e da cláusula 88.11 do Contrato não prejudicam a propositura de nova ação para obtenção adicional que vier a mostrar-se devida por virtude da comprovação da existência de danos supervenientes.” O Recorrente vem interpor recurso de revista deste acórdão do Tribunal Arbitral discordando do julgamento efectuado pelo Tribunal Arbitral. Alega, desde logo, que esta decisão é recorrível, atento o disposto no art. 185-A, nº 3, alínea b) do CPTA por esta decisão ser uma sentença parcial, «sentença interlocutória» definitiva. Elenca como questões a dilucidar a verificação de caso julgado formado na acção Arbitral anterior (de 2013) que defende ter sido incorrectamente decidida, e a excepção peremptória que impede a Concessionária de peticionar sobre um mesmo evento, nova reposição do equilíbrio financeiro por via (e em violação) da Cláusula 88.11 do Contrato de Concessão no presente processo arbitral. Cabe a esta Formação de Apreciação Preliminar apreciar, em termos preliminares e sumários, se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no nº 1 do art. 150º do CPTA, em conjugação com o disposto no art. 185-A, nº 3, alínea b), ambos do CPTA. Tem sido constantemente afirmado por esta Formação que constitui questão jurídica de importância fundamental aquela que, podendo incidir tanto sobre direito substantivo como adjectivo, apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina, ou de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a orientação de um padrão de apreciação de outros casos semelhantes a serem julgados. E tem-se considerado de relevância social fundamental uma questão que apresente contornos abstractos e que não se restrinja ao caso concreto e aos particulares interesses das partes, com repercussão na comunidade ou que possam pôr em causa a eficácia do direito ou a sua credibilidade. A admissão da revista fundada na necessidade de uma melhor aplicação do direito tem a ver com situações em que aquela necessidade seja clara, por se verificarem na decisão recorrida a rever, erros lógicos em pontos cruciais do raciocínio, desvios manifestos dos padrões da hermenêutica jurídica ou indícios de violação de princípios fundamentais, em matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, o que torna evidente a necessidade de intervenção deste Supremo Tribunal. Isto é, esta intervenção pressupõe que esteja em causa a boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo, não bastando, nessa medida, a plausibilidade de erro de julgamento ou o carácter pouco convincente da fundamentação da decisão recorrida (cfr., v.g., o acórdão desta Formação de 19.01.2023, Proc. nº 01698/21.1BELSB). No presente caso, verificamos que estão em causa questões que revestem inegável relevância social e jurídica, não sendo isentas de dúvidas, demandando a concatenação da interpretação de vários normativos legais e contratuais e, de princípios jurídicos, bem reveladores da complexidade jurídica das questões em presença nos autos. Ao que acresce que questões semelhantes podem colocar-se em situações com contornos idênticos (em outras circunstâncias de carácter imprevisto e/ou excepcional) em matérias de grande importância para o Estado, como são indubitavelmente as referentes a contratos de concessão em que este é parte, assumindo interesse tanto para a comunidade jurídica como indirectamente para os cidadãos em geral, por estar em causa o potencial dispêndio de avultadas quantias pelo erário público a título indemnizatório (cfr., v.g., o acórdão desta Formação de 22.09.2022, Proc. nº 0112/22.0BALSB, também no âmbito de aplicação do art. 185-A, nº 3, al. b) do CPTA). O que tudo demanda a admissão da revista por este Supremo Tribunal, para serem dilucidadas as questões suscitadas no recurso, sem prejuízo da apreciação pela Secção da questão da irrecorribilidade suscitada nas contra-alegações da Recorrida (cfr. ponto II da respectiva alegação). Nestes termos, acordam os juízes desta Formação de Apreciação Preliminar, em admitir o recurso de revista. Sem custas. Lisboa, 20 de Junho de 2024. – Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso - Fonseca da Paz. |