Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0520/11.1BESNT
Data do Acordão:02/12/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:IRC
REDUÇÃO DE IMPOSTO
Sumário:O Decreto-Lei n.º 294/97, de 24/10, não consubstancia um regime fiscal substitutivo do IRC e também não se pode qualificar como um regime especial de redução de IRC em sentido técnico, para efeitos das intercomunicabilidades de prejuízos reguladas no n.º 5 do artigo 47.º do CIRC.
Nº Convencional:JSTA000P25598
Nº do Documento:SA2202002120520/11
Data de Entrada:03/15/2019
Recorrente:BRISA-AUTO ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório

1.1. Brisa – Auto Estradas de Portugal, S.A., identificada nos autos, interpõe recurso da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em 04/10/2018, que julgou improcedente a impugnação que deduzira da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2008 e que originou a emissão de reembolso no montante de € 28.569.767,97.

1.2. Formulou alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo:

“A) O presente recurso é interposto contra a Sentença, datada de 4 de Outubro de 2018, proferida nos autos de Impugnação Judicial que correram termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o n.º 520/11.1BESNT, que julgou improcedente a pretensão da ora RECORRENTE e, consequentemente, manteve na ordem jurídica o acto tributário impugnado, referente a IRC do ano de 2008.

B) Contrariamente ao entendimento veiculado pelo Tribunal a quo, os actos de liquidação contestados padecem de vício de violação de lei por preterição de formalidades essenciais, designadamente, do dever legal de fundamentação.

C) Ademais, e também contrariamente ao que foi sustentado na Sentença objecto do presente recurso, o acto de liquidação de IRC ora contestado padece de ilegalidade por errada aplicação dos pressupostos dos quais a lei faz depender a aplicabilidade do (então) artigo 47°, n.º 5 (actual artigo 52º).

D) A decisão proferida pelo Tribunal a quo sustentou o entendimento segundo o qual o (então) artigo 47.°, n.º 5 (actual artigo 52°) não era aplicável, por entender que a RECORRENTE se encontra enquadrada no regime geral de tributação.

E) Ora, no que respeita ao enquadramento normativo do regime aplicável, importa recordar que por revestir a natureza de serviço público, a RECORRENTE beneficiou, relativamente, à actividade concessionada — que se consubstancia na construção, conservação e exploração de auto-estradas — de um regime fiscal especial, o qual se materializou na atribuição de benefícios fiscais em sede de derrama, Imposto do Selo e IRC.

F) Neste sentido, o Decreto-Lei n.º 49319, de 25 de Outubro de 1969, determinava na alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º que seriam garantidas às entidades concessionárias a isenção de impostos, de contribuições e outros encargos fiscais.

G) Assim, a RECORRENTE beneficiou nos primeiros anos de vigência do IRC (de 1989 a 1998) de uma isenção deste imposto relativamente à actividade concessionada, por força do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º215/89, de 1 de Julho, diploma que aprovou o Estatuto dos Benefícios Fiscais e estabeleceu a manutenção dos benefícios fiscais anteriormente vigentes no âmbito dos impostos abolidos pela Reforma Fiscal de 1989.

H) Com efeito, apenas com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, diploma que procedeu a uma das diversas revisões do contrato da concessão, a configuração inicial do benefício fiscal aplicável à RECORRENTE, em sede de IRC, foi alterada.

I) Assim, de uma isenção de IRC relativamente à actividade concessionada, durante o período da concessão, passou-se para outro tipo de isenção/redução de IRC, materializada numa dedução à colecta do imposto, e até à sua concorrência, de uma importância Correspondente a 50% dos investimentos realizados em imobilizações corpóreas reversíveis na área concessionada, na parte não comparticipável pelo Estado.

J) O legislador, de facto, quis continuar a garantir uma exclusão de tributação relativamente à actividade concessionada que, embora alterando a sua formulação, continuou, na prática, a ser (potencialmente) total, isto é, desde que existisse investimento elegível que o possibilitasse.

K) Não obstante, a evolução entretanto verificada no sistema fiscal português e na própria actividade desenvolvida pela RECORRENTE, justificou-se, apenas, e só por estas razões, a introdução de um requisito adicional para a exclusão de tributação em IRC, cujo grau passou a depender da maior ou menor intensidade com que a RECORRENTE vi a preencher os objectivos de política económica, legitimadores da concessão do mencionado regime especial de tributação (ou seja, a isenção/redução de IRC passou a estar condicionada).

L) Assim, atenta a última formulação do benefício fiscal atribuído à RECORRENTE relativamente à actividade concessionada, a separação contabilística apresentava também especial relevância, na medida em que lhe permitia apurar uma matéria colectável e quantificar a parte da colecta relativa a cada uma das actividades desenvolvidas e, consequentemente, calcular adequadamente, o montante a deduzir à colecta da actividade concessionada.

M) Por outro lado, o regime fiscal aplicável à ora RECORRENTE tem, também, uma evidente base contratual, sendo patente, na formulação legal que subjaz ao referido regime, o mútuo acordo das partes envolvidas.

N) Ora, em face do exposto, é inequívoco que o regime ora em apreço consubstancia uni regime que deverá ser forçosamente qualificado como um regime especial, por oposição ao regime geral, consagrado no Código do IRC.

O) Neste sentido, não nos parece correcto o entendimento veiculado na Sentença recorrida, de acordo com o qual a ora RECORRENTE se encontra enquadrada no regime geral de tributação, ainda que com a aplicação de benefícios fiscais específicos no âmbito da actividade concessionada.

P) A este respeito, atente-se no teor do Parecer subscrito pelo Professor Pitta e Cunha (cfr. cit. Doc. 1) do qual decorre “(...) Por outro lado, do ponto de vista do seu alcance substantivo, o regime consagrado para a actividade concessionada da Consulente distancia-se do regime geral de tributação das sociedades em sede de IRC, porquanto se consubstancia num benefício que não tem qualquer paralelo no regime geral

Q) Na verdade, e conforme referido no mencionado Parecer, “o legislador pretendeu, inequivocamente, atribuir certos benefícios apenas ao regime concessionado, pelo que delimitou cuidadosamente o âmbito da actividade concessionada da Consulente, que estaria sujeita ao regime beneficiado, tendo, também, previsto, em sentido contrário, que quaisquer outras actívidades desenvolvidas pela Consulente, estariam sujeitas ao regime geral de tributação”.

R) Em face do que antecede, verifica-se que a RECORRENTE beneficiou de um regime especial, transitório, que se consubstancia numa isenção parcial ou redução de colecta de IRC, restrito ao domínio da sua actividade no âmbito da concessão, aplicável atento o seu âmbito, apenas aos rendimentos daí decorrentes.

S) Já do Parecer subscrito pelo Professor José Casalta Nabais (cfr. junto à Petição Inicial de Impugnação como Doc. 12), resulta que o regime a que a ora RECORRENTE se encontrou sujeita configurou um regime fiscal substitutivo, referindo-se “(...) quanto à actividade concessionada, esse regime fiscal especial substitui todo o regime normal isto e, todos os impostos que seriam aplicáveis caso não tivesse sido estabelecido o regime especial, substituindo portanto, quanto ao IRC, o IRC normal”.

T) Mais refere o Professor José Casalta Nabais que “O carácter especial do regime fiscal da Brisa SA tem por suporte o seu carácter contratual e o facto e de o mesmo, como regime de beneficiação fiscal que ser expressão essencial do equilíbrio das prestações contratuais das partes, no qual os benefícios fiscais, em que esse regime especial se consubstancia, se apresentam como uma inequívoca prestação pecuniária (passiva,) do contraente público”.

U) Também no Parecer subscrito pelo Professor Eduardo Paz Ferreira e pela Professora Clotilde Celorico Palma (cfr. cft. Doc. 2), se sustenta que “(...) estamos claramente perante um regime especial consubstanciado num benefício fiscal, que opera através da dedução à colecta de IRC de certos valores investidos, por contraposição ao regime geral acolhido no Código do IRC, pelo que o entendimento sufraga do de acordo com o qual toda a actividade da Brisa se encontra sujeita ao regime geral de IRC não se nos afigura correcto”.

V) Na verdade, tratando-se o regime fiscal ora em apreço de um regime com inequívoca base contratual, para além da singularidade do correspondente enquadramento, não entende a RECORRENTE como pode o Tribunal a quo entender que os benefícios fiscais concedidos não se subsumem a um regime fiscal diferenciado.

W) Em face do exposto, parece forçoso concluir que a RECORRENTE beneficiou, portanto, até ao exercício de 2007, de um regime especial de tributação de IRC relativamente à sua actividade concessionada, previsto em legislação específica, de que a mesma foi e é a destinatária única e exclusiva.

X) Assim, até ao exercício de 2007, entende a RECORRENTE — em linha com o que, aliás, parece ser o teor do entendimento do Tribunal a quo transmitido através da Sentença proferida —, que reunia as condições para lhe ser aplicável o disposto no artigo 17.º n.º 3, alínea b) do Código do IRC, de acordo com o qual, para efeitos de uma adequada determinação do lucro tributável de IRC, a contabilidade dos sujeitos passivos deste imposto deve “Reflectir todas as operações realizadas (...) e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.”

Y) Deverá, pois, por não se aceitar que a ora RECORRENTE se encontra enquadrada no regime geral de tributação de IRC, — inviabilizando se, assim, a aplicação do (então) artigo 47°, n.º 5 do Código do IRC —, ser revogada a Sentença proferida e, consequentemente, ser anulado o acto de liquidação de IRC ora em apreço, porque praticado com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cfr. artigo 165.º do Código de Procedimento Administrativo).

Z) Conhecido o enquadramento normativo aplicável à actividade concessionada, de origem contratual, aplicável à ora RECORRENTE, importa aferir o que se deve entender por isenção parcial ou redução de IRC, designadamente, por forma a aferir a aplicabilidade do disposto no (então) artigo 47.º n.º 5 do Código do IRC (actual artigo 52º), o qual refere que “No caso de o contribuinte beneficiar de isenção parcial e ou de redução de IRC, os prejuízos fiscais sofridos nas respectivas explorações ou actividades não podem ser deduzidos, em cada exercício, dos lucros tributáveis das restantes”

AA) Com efeito, concluiu o Tribunal a quo que, “(...) por se entender que a Impugnante se encontra enquadrada no regime geral de tributação, ainda que com a aplicação de benefícios fiscais específicos no âmbito da actividade concessionada, não lhe será aplicável o disposto no artigo 47.º, n.º 5 do CIRC”. (sublinhado da ora RECORRENTE).

BB) Mais referindo que “(...) a norma prevista no artigo 47.°, nº 5, do CIRC, embora contenha, de facto a menção “redução de IRC” e não “redução de taxa de IRC”, não pode deixar de ser lida como relativa às situações em que um sujeito passivo beneficie de um regime especial que tributação que lhe confere uma redução na taxa de IRC (…)”.

CC) Ora, desde logo, atentas as especificidades do regime fiscal aplicável à actividade dita concessionada levada a cabo pela ora RECORRENTE, o referido regime poderá ser considerado como um regime especial de tributação que consiste numa isenção parcial.

DD) Mas mais: o regime fiscal aplicável à ora RECORRENTE afigura-se, primordialmente, atentas as suas características, e por determinar a redução do montante de imposto a pagar, como um regime de redução de IRC, ainda que condicional, na medida em que depende da concretização de certos investimentos em áreas específicas.

EE) Com efeito, o regime instituído tem, assumidamente, finalidades extrafiscais e não se baseia no princípio da capacidade contributiva, razão pela qual se distancia e distingue de qualquer dedução à colecta ou isenção prevista no regime geral de IRC.

FF) Por outro lado, decorre também da norma ora em apreço a necessidade de existência de duas actividades distintas e perfeitamente delimitáveis.

GG) Ora, no caso da ora RECORRENTE, a actividade sujeita à aplicação do regime especial integra um conjunto de actos e operações perfeitamente delimitável, sendo caracterizada como um regime de redução de IRC, conforme decorre do enquadramento normativo exposto anteriormente, razão pela qual deverá — contrariamente ao que resulta do teor da Sentença recorrida — verificar-se a incomunicabilidade dos prejuízos com referência aos exercícios nos quais a ora RECORRENTE exerceu actividades sujeitas a regimes fiscais distintos.

HH) De referir que, a propósito da análise da questão ora em apreço, atenta a complexidade e singularidade do regime fiscal aplicável à ora RECORRENTE, foram solicitados diversos Pareceres a reputados Professores em Direito e fiscalistas, tendo o entendimento veiculado no âmbito desses Pareceres sido unânime.

II) Neste âmbito, aquando da análise da questão pelo Professor José Luís Saldanha Sanches (cfr. Doc. 11 junto da Petição Inicial de Impugnação), que se pronunciou sobre o âmbito do reporte de prejuízos em actividades sujeitas a regimes especiais de IRC, conclui o referido autor que, no caso da RECORRENTE, a exigência da dedução conjunta de prejuízos fiscais viola o (então n.º 5 do artigo 47.º (actual artigo 52º), no qual o legislador optou por utilizar a expressão redução de imposto em vez de redução de taxa de imposto.

JJ) Mais menciona o indicado Parecer que, “Se o legislador se preocupou em levar até aos prejuízos o princípio da separação de contabilidades (parte tributada vs. parte isenta), foi porque considerou que só assim poderia controlar ria totalidade as consequências possíveis da atribuição de um qualquer regime de benefício fiscal - e por isso restringiu de forma proporcional e constitucionalmente legítima o reporte de prejuízos.”, acrescentando-se que, a empresa deve poder gerir a sua actividade beneficiada como instrumento de planeamento financeiro, podendo ver a actividade beneficiada e pensá-la num horizonte anual, o que seria inviabilizado se a ora RECORRENTE fosse obrigada a uma compensação cruzada de prejuízos com a actividade normalmente tributada.

KK) Idêntica conclusão foi conhecida no Parecer proferido pelo Professor José Casalta Nabais (cfr. junto à Petição Inicial de Impugnação Judicial como Doc. 12), no qual se conclui que a regra da incomunicabilidade dos prejuízos fiscais tanto exclui a dedução dos prejuízos verificados na actividade sujeita a um regime especial aos lucros obtidos na actividade sujeita ao regime normal do IRC, como a situação inversa.

LL) Em idêntico sentido, refere-se no Parecer subscrito pelo Professor Eduardo Paz Ferreira (cfr. cit. Doc. 2), que “(…) o regime fiscal aplicável à Brisa configura-se essencialmente, atentas as suas características, e por determinar a redução do montante de imposto a pagar, como um benefício fiscal que se consubstancia como um regime de redução condicional de IRC ou isenção parcial”.

MM) Concluindo-se “(…) ser de aplicar, até 31 de Dezembro de 2007, o princípio da incomunicabilidade dos prejuízos, decorrente do artigo 47.º, n.º 5, do Código do IRC, porquanto, atenta a sua configuração substantiva, e atentos os motivos que presidiram a sua consagração, o regime fiscal especial aplicável à actividade concessionada se consubstancia num regime de redução de IRC”.

NN) Tendo ficado demonstrado que a ora RECORRENTE beneficia de um regime de redução de IRC — do qual decorre a incomunicabilidade dos prejuízos fiscais entre a actividade concessionada e não concessionada, por força da aplicação do (então) n.º 5 do artigo 47.º (actual artigo 52°) — importa densificar as razões pelas quais não aceita o entendimento do Tribunal a quo, de acordo com o qual a menção “redução de IRC” não pode deixar de ser lida como “redução de taxa de IRC”.

OO) Atente-se a este respeito, que — contrariamente ao que resulta da Sentença recorrida — o mencionado preceito legal refere-se a redução de IRC e não a redução da taxa de IRC, ao contrário do que sucedia ao abrigo de preceito legal equivalente no âmbito da vigência do Código da Contribuição Industrial (cfr. § 1.º do artigo 43.º do Código da Contribuição Industrial).

PP) Deste modo, uma eventual pretensão de restringir a aplicação do princípio da separação contabilística entre parte sujeita ao regime geral e parte sujeita a regime especial de redução de IRC, ao nível do reporte de prejuízos, carece actualmente de base legal.

QQ) Com efeito, e contrariamente ao que sustenta a Sentença recorrida, um regime de redução de IRC não corresponde, necessária e exclusivamente, a um regime de redução da sua taxa nominal, podendo resultar, igualmente, de quaisquer outros mecanismos técnicos que conduzam também a uma efectiva redução do imposto.

RR) Neste sentido, aquando da análise da questão pelo Professor Rogério Fernandes Ferreira (cfr. Doc. 10 junto da Petição Inicial de Impugnação), conclui o referido Professor pela aplicabilidade, ao caso em apreço, do (então n.º 5 do artigo 47.º do Código do IRC, referindo o mencionado Parecer, quanto ao entendimento da Administração tributária — nos termos do qual, não obstante a ora RECORRENTE gozar de benefícios fiscais, não goza de isenção nem de redução de taxa de IRC, razão pela qual não pode aplicar-se o n.º 5 do artigo 47.º do Código do IRC — que tal entendimento só poderia estar correcto caso o mencionado artigo se referisse a “redução de taxa” e não a “redução de IRC”.

SS) Efectivamente, conforme se postula no mencionado Parecer, um regime de redução do IRC é efectivamente um regime de redução do imposto, resulte essa redução de menos taxa aplicável ou de outros cômputos que conduzam igualmente a efectiva redução do imposto, tal como sucede fio caso ora em apreço.

TT) Já no Parecer subscrito pelo Professor Paulo de Pitta e Cunha, que presidiu à reforma fiscal de 1988 (cfr. cit. Doc. 1), são detalhadas as principais diferenças entre o Código do IRC e o anterior Código da Contribuição Industrial, concluindo expressamente que “Em face do exposto, sendo evidente a intenção do legislador em alargar o âmbito de aplicação da disposição ora em apreço, parece-nos que, uma interpretação que reitere a in viabilização da incomunicabilidade dos prejuízos fiscais, após a entrada em vigor do Código do IRC, retiraria qualquer efeito útil do alcance da alteração ora em apreço”.

UU) Assim, ao concluir pela não aplicação do disposto no (então) artigo 47.º n.º 5 do Código do IRC (actual artigo 52°), deverá a Sentença proferida ser revogada e, consequentemente, ser anulado o acto de liquidação de IRC ora em apreço, porque praticado com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cfr. artigo 165.º do Código de Procedimento Administrativo).

VV) No que respeita em concreto, à parte da Sentença, na qual o Tribunal a quo refere que: “(...) embora reconhecendo o dúbio elemento literal da norma, é de presumir ter sido adoptada a melhor solução na lei (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), segundo a interpretação que melhor satisfaz o elemento teleológico da norma, face à conjugação como artigo 17.º, n.º 3 alínea c), do IRC, e do artigo 2.º, n.º 1 e 2 do EBF sentido da mesma referir-se às situações em que o sujeito passivo beneficie de redução de taxa de IRC.”, um tal entendimento, tal como analisado no Parecer subscrito pelo Professor Eduardo Paz Ferreira e pela Professora Clotilde Celorico Palma (cfr. cit Doc. 2), não é compatível com as regras de hermenêutica aplicáveis.

WW) Com efeito, o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil é claro quando determina que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas sim reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (ratio legis), tendo em conta a unidade do sistema (elemento sistemático), as circunstâncias em que a lei foi elaborada (elemento teleológico) e as condições específicas do tempo em que é aplicada (elemento histórico).

XX) Ora, conforme sustentado no referido Parecer, mediante a interpretação restritiva, como a levada a cabo pelo Tribunal a quo, “limita-se o sentido da norma, não obstante a amplitude da sua expressão literal, sendo fulcral que haja fundamentação suficiente para tal não se devendo nunca pôr em causa os direitos dos contribuintes e as suas legitimas expectativas pondo-se em risco a certeza e segurança jurídicas caracterizadoras de um Estado de Direito”.

YY) Com efeito, quer o elemento literal ou gramatical, quer os elementos sistemático, teleológico e histórico militam no sentido da interpretação, de acordo com a qual o legislador se quis reportar a situações de “redução de IRC” (e não “redução de taxa de IRC”).

ZZ) Deverá, pois, por preconizar uma interpretação restritiva da expressão redução de IRC ser revogada a Sentença proferida e consequentemente, ser anulado o acto de liquidação de IRC ora em apreço, porque praticado com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cfr. artigo 165.º do Código de Procedimento Administrativo).

AAA) Conhecidas as circunstâncias que se devem verificar para que o princípio da incomunicabilidade dos prejuízos fiscais se verifique nos termos do Código do IRC, importa aferir de que forma é que os sujeitos passivos e, em concreto, a ora RECORRENTE deve proceder ao reporte dos prejuízos fiscais.

BBB) Na verdade, a singularidade do regime a que a ora RECORRENTE se encontrava sujeita, até 31 de Dezembro de 2007, suscitou diversas questões práticas, desde logo ao nível do preenchimento da respectiva declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, sendo certo que os prejuízos fiscais gerados pela actividade não concessionada da ora RECORRENTE, nos períodos anteriores, foram sendo evidenciados nos mapas anexos à Declaração Modelo 22 de IRC, nos quais foi detalhado o apuramento dos resultados fiscais de cada uma das mencionadas actividades, apresentados por referência aos exercícios de 2004 a 2007.

CCC) Assim, atenta a existência de prejuízos fiscais a reportar, o valor de IRC a reembolsar deveria ascender a € 46.035372,14, sendo este o valor que resulta da autoliquidação relativa ao exercício de 2008, ao invés de € 28.569.767,97, devendo ser restituída a diferença, no valor de €17.465.604,17.

DDD) Deverá, pois, por corporizar a comunicabilidade de prejuízos entre a actividade concessionada e não concessionada, ser revogada a Sentença proferida e, consequentemente, ser anulado o acto de liquidação de IRC ora em apreço, porque praticado com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cfr. artigo 165.º do Código de Procedimento Administrativo).

EEE) No que respeita aos juros indemnizatórios, por entender que inexistem vícios a imputar ao acto de liquidação impugnado, refere a Sentença recorrida que “(…) falecem os pressupostos para o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios”.

FFF) Em face ao que antecede, sendo de revogar a Sentença proferida na parte em que mantém na ordem jurídica o acto de liquidação de IRC impugnado, porque praticado com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis, deverá também ser revogada a referida Sentença na parte em que não reconhece o direito a juros indemnizatórios (cfr. artigo 165.ºdo Código de Procedimento Administrativo).

GGG) Por outro lado, a Sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, prevista no n.º 1. do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no que ao pagamento de juros indemnizatórios pelo atraso verificado sobre o reembolso (no montante de € 28.569.767,97) efectuado a 29 de Dezembro de 2009.

HHH) Mais: nos termos do n.º 1, do artigo 125.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, bem assim, nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil é nula a Sentença por se verificar a oposição dos fundamentos com a decisão.

III) Com efeito, examinando-se a decisão recorrida, parece entender o Tribunal a quo que deverá haver uma separação contabilística das operações relativas à actividade concessionada e não concessionada imposta pelo regime fiscal vigente e, por outro lado, conclui pelo enquadramento no regime geral e IRC.

JJJ) Ora, tais entendimentos são reveladores da incongruência de que padecem, porquanto, por um lado, o Tribunal a quo entende, por força da existência de um regime fiscal específico, que a contabilidade deve ser feita separando as actividades levadas a cabo pela ora RECORRENTE, mas, por outro lado, considera que ambas as actividades devem ser tributadas de acordo com o regime geral.

KKK) Por fim, deverá também a Sentença proferida ser revogada na parte em que mantém na ordem jurídico o acto de liquidação de IRC impugnado, porque praticada com ofensa de normas constitucionais, designadamente do princípio constitucionalmente consagrado da tributação de acordo com o rendimento real e, bem assim, do princípio jurídico fundamental pacta sunt servanda, que encontra o seu fundamento último na própria ideia de Estado de Direito ou no princípio da segurança jurídica ou da protecção da confiança.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DETERMINANDO-SE A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA, COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer propugnando pela improcedência do recurso e que se transcreve:

“1 — BRISA-AUTO ESTRADAS DE PORTUGAL, SA vem interpor recurso de revista da douta sentença proferida a fls. 504 a 511 que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o indeferimento da reclamação graciosa, relativa à liquidação efectuada em sede de IRC do exercício de 2008, por com ela se não conformar.

Alega, para tanto nos termos conclusivos que resultam de fls. 561 a 570, imputando à decisão recorrida erro de direito quanto à inaplicabilidade e interpretação dada ao disposto no artigo no artigo 47°, nº 5 do IRC.

Entende a recorrente que o D.L. nº 271/99, de 16.07 concedeu à recorrente benefícios fiscais e entre eles a possibilidade de dedução dos prejuízos fiscais ao montante apurado nos termos da al. a) do nº 1, do artigo 71º do CIRC, e, assim, o prejuízos apurados nos exercícios de 2002 a 2007 na actividade não concessionada não pode ser deduzido, nesse exercício, ao lucro tributável obtido na actividade concessionada (artigo 47°, nº 5 do CIRC, na redacção dada à data dos factos); que este regime fiscal especial, tem natureza contratual e essa natureza não foi posta em causa ou objecto de revogação; a douta sentença ao afastar a aplicação do disposto no artigo 47°, nº 5 do CIRC lesa os direitos patrimoniais da recorrente, viola o princípio constitucional da tributação de acordo com o rendimento real.

Imputa, ainda, à sentença recorrida o vício de nulidade por omissão de pronúncia na medida em que se não pronuncia sobre o pedido de juros indemnizatórios, bem como, em seu entender, estar patente o também vício de oposição dos fundamentos com a decisão (artigos 125º do CPPT e 615°, nº 1 als. c) e d), do CPC).

Pede, afinal, a revogação da decisão recorrida e que seja julgada procedente a impugnação.

2 — Não foram apresentadas contra-alegações.

3 — Das invocadas nulidades:

Não assiste razão à recorrente no que toca às nulidades que imputa à douta sentença. De facto, na douta sentença recorrida conheceu-se de todas as questões colocadas em juízo e o não se ter debruçado sobre os peticionados juros indemnizatórios prende-se com o facto de se ter decidido pela improcedência da impugnação. Pois, “2. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (...)“ — artigo 608°, nº 2 do CPC.

Foi o que aconteceu no presente caso.

E, no que toca à fundamentação e coerência da decisão não se vê que haja disparidade ou obscuridade entre as premissas e a conclusão, antes está patente harmonia lógica.

Devem, pois, improceder os invocados vícios geradores de nulidade.

4 — Analisando a matéria em controvérsia, entendemos não assistir razão à recorrente, mostrando a douta sentença ter feito uma correcta análise fáctico-jurídica da questão em causa, mostrando-se bem fundamentada de facto e de direito.

Está-se perante uma situação de benefícios fiscais que foram reconhecidos à recorrente e que resultam do disposto no D.L. nº 271/99, de 16.07, alterado pelo D.L. nº 287/99, de 28.07, sendo que apenas dizem respeito à actividade da concessionária no âmbito estrito da concessão e aos rendimentos próprios dessa actividade como se frisa no preâmbulo do citado D.L. nº 271/99. E, actua sobre a colecta apurada, determinada de acordo com o regime geral de tributação em sede de IRC de modo apurar o montante da dedução à colecta de que pode beneficiar.

O facto de na redacção do disposto no artigo 47°, nº 5, do CIRC se expressar “redução de IRC” e não “redução de taxa”, não se pode deixar de entender que a situação se aplica a sujeito passivo que está a beneficiar de um regime especial que lhe confere uma redução na taxa do IRC.

“Consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.

São benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior.” — artigo 2º n°s 1 e 2, do E.B.F.

Deve, pois, interpretar-se o disposto no citado artigo 47°, nº 5 citado à luz do disposto no artigo 9°, nº 3 do C. C., no sentido de alcançar o elemento teleológico da norma que melhor reflete a “mens legislatoris”.

A impugnante/recorrente, “in casu” mostra-se enquadrada no regime geral de tributação, beneficiando de benefícios fiscais específicos no âmbito da sua actividade concessionada. Assim, a douta sentença recorrida fez, em nosso entender, uma correcta análise da matéria decidenda ao decidir como decidiu.

5 — Emite-se, pois, parecer no sentido da improcedência do presente recurso.”

1.5. Sendo objeto de recurso o decidido na sentença recorrida, cumpre apreciar e decidir as seguintes questões:

- se, contrariamente ao entendimento tido, os atos de liquidação contestados padecem de vício de violação de lei por preterição de formalidades essenciais, designadamente, do dever legal de fundamentação;

- se, contrariamente ao que foi sustentado, o ato de liquidação de IRC do ano de 2008 padece de ilegalidade por errada aplicação do pressupostos de aplicabilidade do art. 47.º n.º 5 do C.I.R.C.;

- se a dita sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia, prevista no n.º 1 do art. 125.º do C.P.P.T., no que ao pagamento de juros indemnizatórios pelo atraso verificado sobre o reembolso no montante de € 28.569.767,97, efetuado a 22-12-09;

- se se a sentença é ainda nula, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C. por se verificar oposição entre os fundamentos e a decisão.

Com efeito, não tendo sido invocado na petição de impugnação a violação de normas e princípios constitucionais, designadamente, o da tributação de acordo com o rendimento real, matéria de que não se conheceu na sentença recorrida, consideramos não ser de apreciar autonomamente tal questão.

2. Fundamentação

2.1. Na sentença recorrida foi considerada provada a seguinte matéria de facto:

“A. A Impugnante tem por objecto social a construção, conservação de auto-estradas e respectivas áreas de serviço, bem como o estudo e realização de infraestruturas de equipamento social [cf. não controvertido — cf. artigo 42.º da p.i. e artigo 1.º dos factos elencados na informação junto à contestação].

B. A Impugnante exerce uma actividade concessionada e outra actividade não concessionada [cf. não controvertido — cf. artigo 42.º e 44.º da p.i. e artigo 1.º dos factos elencados na informação junto à contestação, prova testemunhal].

C. Até 31.12.2007, à actividade concessionada da Impugnante foram atribuídos benefícios fiscais em sede de derrama, imposto de selo e IRC [cf. não controvertido - cf. artigo 45.º da p.i. e artigo 3.º e 5.º dos factos elencados na informação junto à contestação].

D. A actividade não concessionada encontra-se sujeita no regime geral de tributação em sede de IRC [cf. não controvertido – cf. artigo 48.º da p.i. e artigo 2°, 1.ª parte, dos factos elencados na informação junto à contestação].

E. Na actividade não concessionada foram apurados pela Impugnante prejuízos fiscais desde 2002 a 2007 [cf. não controvertido - cf. artigo 51.º da p.i. e quadro identificado no artigo 55.º da informação junto à contestação].

F. A 29.05.2009 pela Impugnante foi apresentada a declaração de rendimentos de IRC, modelo 22, referente ao exercício de 2008, inscrevendo no campo 368, referente ao total a recuperar, o montante de € 46.134.091,41 [cf. cópia de declaração modelo 22 a fls. 51 dos autos].

G. Através do ofício n.º 15228, de 30.06.2008, da Direcção de Serviços de IRC, foi a Impugnante notificada para esclarecer o fundamento do valor indicado no campo 309 do quadro 09 da declaração de rendimentos apresentada para o ano de 2008, no montante de € 69.791.843,07 [cf. cópia do oficio a fls. 131 dos autos].

H. Através de requerimento apresentado pela Impugnante a 13.07.2009, foi apresentada resposta ao solicitado em G) supra [cf. cópia do requerimento apresentado a fls. 132 a 158 dos autos].

I. Através de oficio n.º 30059, de 23.11.2009 da Direcção de Serviços de IRC, foi a Impugnante notificada de que “[p]or despacho de 18 de Novembro p.p, do substituto legal do Director-geral dos Impostos, sancionado o entendimento de que estes Serviços devem proceder à correcção da liquidação do IRC do exercício de 2008, com base na eliminação da dedução dos prejuízos fiscais deduzidos, em virtude dos prejuízos apurados, em cada ano, da actividade dora da concessão terem sido deduzidos nesse mesmo ano, nos lucros da actividade concessionada, pelo que a sua dedução não poderá ser considerada na declaração do exercício de 2008” [cf. cópia do ofício a fls. 159 dos autos].

J. A 14.12.2009 foi emitida a liquidação de IRC n.º 2009.2610404351, em nome da Impugnante, referente ao exercício de 2008, onde foi apurado reembolso no montante de € 28.569.767,97 [cf. cópia da liquidação a fls. 51 dos autos].

K. A 05.05.2010 foi pela Impugnante apresentada reclamação graciosa contra o acto de liquidação identificado no ponto anterior [cf. cópia da petição apresentada a fls. 160 a 188 dos autos e carimbo aposto na 1.ª pág. da petição de reclamação graciosa junto ao corresponde processo em apenso].

L. Por despacho de 12.04.2011, da Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças de Lisboa, foi indeferida a reclamação graciosa identificada no ponto anterior [cf. cópia do despacho e informações conexas a fls. 53 a 76 dos autos].

M. Através do ofício n.º 034460, de 13.04.2011, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi a Impugnante notificada do teor da decisão identificada no ponto anterior [cf. cópia do oficio a fls. 52 dos autos].

N. A petição inicial que deu origem à presente impugnação judicial foi apresentada presencialmente em 29.04.2011 [cf. carimbo aposto a fls. 3 dos autos].

*

Nada mais se provou para a decisão a proferir.

Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.

Pelo tribunal foram ouvidas as testemunhas …………...., ..................., ......................... e ………….., todos colaboradores da Impugnante relacionados com a área financeira/contabilística, e que reiteraram os argumentos de direito expendidos na petição inicial, quando à coexistência de duas áreas de actividade exercida pela Impugnante, uma área concessionada e outra área não concessionada, encontrando-se a primeira sujeita a benefícios fiscais advenientes do contrato de concessão.”

*

2.2. De Direito.

2.2.1. Se, contrariamente ao entendimento tido, os atos de liquidação contestados padecem de vício de violação de lei por preterição de formalidades essenciais, designadamente, do dever legal de fundamentação:

A recorrente visa a reapreciação do dito vício de violação de lei centrado na falta de fundamentação, ainda que tenha invocado também a preterição do direito de audição.

Quanto à falta de fundamentação, na sentença recorrida foi considerado que o constante das alíneas H e I dos factos assentes anteriormente transcritos, resultava “provado que a Impugnante tomou conhecimento da correcção efectuada à declaração de rendimentos por si entregue, no que se refere aos prejuízos deduzidos, pelo que lhe foi possível identificar itinerário cognoscitivo e valorativo do autor do acto no que concerne à liquidação impugnada, tanto mais que esse conhecimento resulta reflectido na argumentação expendida quer na reclamação graciosa apresentada, quer na petição inicial que deu origem à presente acção.”

Certo é ter sido fundamentado na decisão que sustenta a liquidação de procedimento relativa ao IRC do exercício de 2008 não terem sido aceites, pela A.T., como prejuízos fiscais deduzidos os apurados pela ora recorrente, em cada ano, da atividade fora da concessão e na liquidação que veio a ser efetuada.

E na liquidação é referido ainda que há lugar a reembolso, nos termos do n.º 2 do art. 96.º do CIRC, no montante que veio a ser apurado e de que foi emitida nota.

Tendo a ora recorrente invocado em sede de reclamação graciosa a aplicação do art. 47.º n.º 5 do CIRC, a mesma veio a ser indeferida com referência a esta disposição não ser aplicável.

Assim sendo, consideramos tal como na sentença recorrida, “que a fundamentação do acto tributário em causa, resultante da articulação entre a declaração de rendimentos apresentada pela Impugnante e da notificação do despacho de 18.11.2009, do substituto legal do Director-geral dos Impostos, encontra-se devidamente fundamentado, pelo que não padece do vício de forma consistente na falta de fundamentação”, nos termos dos artigos 77.º da L.G.T..

Também no que respeita à preterição do direito de audição, nos termos do art. 60.º da L.G.T..

Com efeito, conforme decidido resulta da al. G) que a ora recorrente teve oportunidade de se pronunciar na fase que antecedeu a liquidação, sendo aplicável o previsto no n.º 3 desta última disposição, bem como na decisão da reclamação graciosa é referido ter sido observado o direito de audição, o que, não sendo posto em causa pelo recorrente, leva a considerar ter sido tal direito então também observado.

2.2.2. Se, contrariamente ao que foi sustentado, o ato de liquidação de IRC do ano de 2008 padece de ilegalidade por errada aplicação do pressupostos de aplicabilidade do art. 47.º n.º 5 do C.I.R.C.;

De acordo com o artigo 47.º, n.º 5 do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos, “no caso de o contribuinte beneficiar de isenção parcial e ou de redução de IRC, os prejuízos fiscais sofridos nas respectivas explorações ou actividades não podem ser deduzidos, em cada exercício, dos lucros tributáveis das restantes.”

A questão central prende-se em saber se a situação em que se enquadra a Impugnante, face aos benefícios fiscais concedidos no âmbito do contrato de concessão, ou se a mesma é de redução de I.R.C., leva a considerar encontrarem-se reunidos os pressupostos previstos no artigo 47.°, n.º 5 do C.I.R.C..

A mesma merece resposta negativa, de acordo com o entendimento constante do acórdão do S.T.A. proferido a 22-1-2020 no processo 020/07.4BESNT, o qual se encontra acessível em www.dgsi.pt, e de que se reproduz o excerto que segue no que respeita aos benefícios fiscais concedidos no âmbito do contrato de concessão:

“3.1. Os antecedentes do litígio

O litígio surge – como se entende pelo parecer dos Senhores Professores Saldanha Sanches e João Taborda da Gama junto aos autos pela Recorrente (fls. 112) – na sequência de um pedido de informação vinculativa formulado pela Recorrente à AT, em Agosto de 2004, para esclarecer três questões: i) saber se o regime resultante do referido Decreto-Lei n.º 271/99 se podia qualificar como um “regime especial de redução do imposto”; ii) saber como deveria proceder quando se apurasse um prejuízo fiscal numa das actividades desenvolvidas (fosse na parte da actividade concessionada, fosse naquela não abrangida pelos benefícios fiscais do já mencionado Decreto-Lei n.º 271/99); iii) saber se, caso a AT entendesse que os rendimentos da actividade concessionada se deveriam igualmente reconduzir ao regime geral do IRC, se poderia optar, na qualidade de sociedade dominante de um grupo societário, pela sujeição ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, previstos nos artigos 63.º e seguintes do CIRC.

E as dúvidas que a Recorrente então expressou junto da AT, tendo em vista a sua reorganização contabilística e empresarial para optimizar a sua situação tributária, decorriam da modificação do regime fiscal da actividade concessionada na fase pós-privatização e do ofício que, nessa sequência, a AT enviara à Recorrente em 2000, onde se afirmava o seguinte: “deverá, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º do Código do IRC, organizar a sua contabilidade por forma a que os resultados das operações e das variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se das restantes”. Desse mesmo ofício resultava ainda expresso que a Recorrente «deveria “apurar uma única colecta de IRC”, tendo a dedução por investimento ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 271/99, de 16 de Julho, “como limite máximo a parte da colecta que, proporcionalmente corresponder à actividade concessionada” (informações constantes do parecer dos Senhores Professores Saldanha Sanches e João Taborda da Gama junto aos autos pela Recorrente a fls. 112 e 113).

Lembramos que a Recorrente, que é hoje uma empresa privada integrada num grupo económico privado, foi constituída em 1972, como sociedade anónima de responsabilidade limitada (tendo-lhe sido outorgada, por acto legislativo, a concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas – prevista no Decreto-Lei n.º 49319, de 25 de Outubro de 1969 – nos termos das bases anexas ao Decreto n.º 467/72, de 22 de Novembro), tendo depois o Estado adquirido uma posição maioritária no respectivo capital social. Com efeito, pode ler-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 253/97, de 26 de Setembro, que esta posição accionista do “Estado faz-se por meio do comércio jurídico privado, através da subscrição de acções em sucessivos aumentos de capital, desde 1976. No presente [1997], a participação detida pelo Estado corresponde a cerca de 89,7% do capital da sociedade, a que acresce uma participação de 5% detida pelo IPE - Investimentos e Participações Empresariais, S. A., e outra de 5% pela Caixa Geral de Depósitos, S. A., ambas adquiridas por compra”. É então que se inicia um processo de privatização da empresa – sendo esta uma verdadeira operação de privatização e não uma reprivatização – que apesar disso, seguiu também os termos do regime jurídico da alienação das participações do sector público, estipulado na Lei n.º 71/88, de 24 de Maio. A privatização da Brisa teve lugar em três fases, reguladas pelos seguintes diplomas legais: i) 1.ª fase pelo Decreto-Lei n.º 253/97; ii) 2.ª fase pelo Decreto-Lei 299-A/98, de 29 de Setembro; e iii) 3.ª fase pelo Decreto-Lei 138-A/99, de 23 de Abril.

Ora, a modificação da estrutura accionista da empresa (a sua privatização) implicava, necessariamente, alterações ao conteúdo da concessão e ao regime fiscal da actividade – ambas aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro.

Assim, e no que tange às alterações do regime fiscal da actividade da concessão, ao regime de isenção de imposto, contribuições e outros encargos fiscais – previsto no artigo 5.º, n.º 1 al. b do Decreto n.º 49319 e na Base XI, n.º 1, al. b, anexa ao Decreto n.º 467/92, que se havia mantido na reformulação das bases da concessão aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 458/85, de 30 de Outubro, aquando do alargamento da concessão a outros troços, v. Base XXIII, n.º 1, al. b e cuja vigência no âmbito da reforma fiscal da tributação do rendimento havia sido ressalvada pelo artigo 2.º, n.º 1 al. b do Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, que aprovou o Estatuto dos Benefícios Fiscais – sucedeu, em 1997 (embora só tenha sido efectivamente implementado por via legal em 1999), com a aprovação do Decreto-Lei n.º 294/97 e das novas bases da concessão, um regime temporário de benefícios fiscais, complementar das regras gerais de tributação do rendimento:

Base XIII
Benefícios fiscais da concessionária
A concessionária aceita a modificação dos benefícios fiscais a que alude a base XXIII constante do anexo I ao Decreto-Lei n.º 458/85, de 30 de Outubro, no sentido seguinte:
a) A concessionária mantém a isenção do imposto do selo;
b) Poderá ser deduzida, ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, uma importância correspondente a 50% dos investimentos em imobilizações corpóreas reversíveis, na parte não comparticipável pelo Estado nos termos do presente contrato, realizados pela concessionária entre os anos de 1995 a 2000 inclusive;
c) A dedução a que se refere a alínea anterior é feita, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 71.º do Código do IRC, nas liquidações respeitantes aos exercícios de 1997 a 2005;
d) Os acréscimos das amortizações resultantes da reavaliação do imobilizado corpóreo efectuada pela concessionária em 1989 são considerados integralmente como custos para efeitos do IRC;
e) São ainda consideradas como custos para efeitos do IRC as seguintes amortizações:
1) Amortizações, que poderão ser por um período mínimo de oito anos, dos investimentos na camada de desgaste dos pavimentos betuminosos;
2) Amortizações dos custos diferidos constantes do balanço de 31 de Dezembro de 1996, relativos a «Diferenciais de receitas garantidas» e a «Encargos com empréstimos da cláusula do Acordo de Equilíbrio Financeiro», no valor total de 19 719 073 contos, e que são efectuadas a taxas constantes em função do número de anos de concessão;
f) A concessionária é isenta de derrama;
g) Os benefícios fiscais previstos na presente base são concedidos até 31 de Dezembro de 2005.
Na verdade, como se sublinha no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 271/99, de 16 de Julho, estes regimes fiscais mais favoráveis – primeiro a isenção e posteriormente os benefícios fiscais em matéria de tributação do rendimento – “reconhecidos” ou “atribuídos” por contrato, mesmo que as respectivas bases fossem aprovadas por instrumento legislativo do Governo, deixariam de ser conformes com a Constituição de 1976, que incluiu no âmbito da competência legislativa parlamentar a disciplina da incidência dos impostos e dos benefícios fiscais (artigo 106.º, n.º 2 e 167.º, al. o e 168.º da CRP, na sua redacção original, posteriormente alterados e renumerados, mas sem que tivesse sido modificado o conteúdo no sentido que aqui interessa), se não fossem autorizados pelo Parlamento. É nesse contexto que se compreende a aprovação do Decreto-Lei n.º 271/99, de 16 de Julho, aprovado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 18/99, de 25 de Março, cujo artigo 1.º (já antes transcrito), sob a forma constitucionalmente exigida, veio instituir o regime fiscal já antes consagrado na mencionada Base III do contrato de concessão anexo ao Decreto-Lei n.º 294/97.

3.2. O regime fiscal da actividade concessionada

3.2.1. Dos antecedentes do litígio depreende-se que a questão suscitada pela alteração contratual de 1997 – que tomaria forma legislativa em 1999, e que afectaria, essencialmente, os exercícios fiscais seguintes (… Omitem-se a referência ao ano a que se reportam os rendimentos no dito processo, anterior a 2005.) até 2005, data em que cessariam estes benefícios fiscais temporários – contende com a qualificação da tributação dos rendimentos da actividade da concessão.

No fundo, trata-se de apurar se o regime fiscal da actividade da concessão se deve interpretar como um regime fiscal separado e incomunicável com o regime fiscal aplicável às restantes actividades da empresa ― ou mesmo, como chega a sustentar a Recorrente, de um “regime fiscal especial de tributação do rendimento”, i. e., “um regime fiscal substitutivo do regime geral da tributação dos rendimentos” ― ou se, como afirma a AT, a partir de 2000 os rendimentos da actividade da concessão passam a ficar sujeitos à tributação geral em regime de IRC, cabendo apenas à Recorrente a obrigação de, no apuramento da matéria colectável anual, autonomizar a parte respeitante à concessão para, querendo, deduzir, até esse valor, a importância correspondente a 50% dos investimentos em imobilizações corpóreas reversíveis, na parte não comparticipável pelo Estado (al. b do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 271/99), bem como a consideração como custos para efeitos de IRC dos valores das amortizações referidas nas als. c e d do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 271/99.

3.2.2. Ora, das normas em presença resulta claro que com a aprovação do referido Decreto-Lei n.º 271/99 cessou o benefício de isenção fiscal de que a empresa beneficiava na parte respeitante à actividade concessionada, passando aquela actividade a ficar subordinada às regras gerais em matéria de tributação do rendimento, ou seja, aplicando-se o regime geral do IRC, quer quanto à determinação da matéria colectável, quer quanto à taxa aplicável.

3.2.3. Com efeito, o primeiro argumento que cumpre rejeitar é o de que o Decreto-Lei n.º 271/99 consagre um regime especial de tributação do rendimento substitutivo do regime geral de tributação em IRC. Tal não resulta nem da letra, nem do conteúdo, nem da teleologia do articulado do Decreto-Lei n.º 271/99. Estamos apenas ante um regime de benefícios fiscais que complementa, em sentido favorável ao contribuinte, as regras gerais em matéria de tributação do rendimento e que visa, neste caso, pela sua natureza temporária, amenizar os efeitos daquela tributação para os interesses económicos da empresa (dos accionistas), aproveitando para incidir sobre os investimentos nos activos afectos à concessão que, por efeito da cessação da mesma no fim do respectivo prazo, reverterão para o Estado concedente, livres de ónus e encargos (cf. Base XLI do contrato de concessão anexo ao Decreto-Lei n.º 294/97). Esta é também uma técnica regulatória para neutralizar os efeitos negativos para o interesse público que em regra decorrem das concessões de actividades de interesse público por desinvestimento intencional por parte dos accionistas, quando aquelas concessões começam a aproximar-se do fim do prazo e os investidores, confrontados com a eminência do fim do contrato e, em muitos casos, o efeito da reversão dos bens para o Estado, optam por não realizar despesa de investimento, mesmo que necessária, por temerem já não conseguir promover a respectiva amortização.

Neste caso, o próprio carácter temporário dos benefícios fiscais consubstancia um elemento interpretativo do enquadramento jurídico-normativo daqueles benefícios fiscais como disposições complementares do regime geral de tributação dos rendimentos (IRC) ao qual os rendimentos daquela actividade, até aí isenta, passaram, entretanto, a estar sujeitos. Trata-se de um desagravamento temporário dos efeitos daquela tributação, que afasta um eventual carácter abrupto da mudança, assim como um efeito imediato das consequências financeiras desvantajosas, de modo a afastar uma violação do princípio da protecção da confiança legítima. Princípio que aqui poderia eventualmente ser mobilizado pelo concessionário (o que não é a regra em caso de alterações nos regimes de tributação da actividade), atenta a circunstância, excepcional, de o regime fiscal da actividade ter vindo a integrar as regras do contrato de concessão.

Quanto à “redução de IRC” também se considera, tal como naquele acórdão se sustentou:

“3.2.4.1.1. Em primeiro lugar, porque o Decreto-Lei n.º 294/97 não só não consubstancia (…) um regime fiscal substitutivo do IRC (não existe qualquer semelhança entre a aplicação das regras do Decreto-Lei n.º 294/97 à tributação da actividade concessionada explorada pela Recorrente e a tributação do jogo no âmbito da actividade desenvolvida pelas empresas que exploram os casinos), como também as suas regras sobre a tributação dos rendimentos da concessão não se podem qualificar como um regime especial de redução de IRC.

Trata-se, tão-só, de um benefício fiscal que, para o aqui respeita, se traduz numa dedução à colecta. E os benefícios fiscais deste tipo (deduções à colecta) consubstanciam despesa fiscal fundada em razões sociais e económicas (no caso o já mencionado contributo para a redução do impacto financeiro para a empresa da passagem de um regime de isenção fiscal para um regime de tributação geral dos rendimentos, consistindo esse contributo na dedução de despesa efectivamente realizada pela empresa com os activos que ingressarão na esfera jurídica do Estado no fim da concessão) que operam após o apuramento da colecta, como um momento complementar da liquidação, e não, como sucede com as reduções de IRC em sentido técnico (aquelas a que se reporta o n.º 5 do artigo 47.º do CIRC), como se de alterações estruturais do imposto se tratasse.

As alterações estruturais do imposto resultam obrigatoriamente de condicionantes específicas da natureza do objecto ou do sujeito da tributação e exigem uma mudança estrutural nas próprias regras do imposto, seja no âmbito de incidência (ex. consagração de delimitações negativas de incidência, como sucede com a isenção do mínimo de existência), seja na taxa (ex. taxas reduzidas), seja também na instituição de incomunicabilidades entre tipos de rendimentos.

No caso em apreço não existe uma redução de IRC, apenas uma dedução à colecta do IRC decorrente do benefício fiscal, que, é óbvio, se traduzirá, no final, no pagamento de um valor mais reduzido do imposto, mas não é a esse tipo de consequências, de natureza empírica, que se refere o n.º 5 do artigo 47.º do CIRC quando se refere a “redução de IRC”. As incomunicabilidades de prejuízos reguladas naquele artigo (sobre a qualificação do artigo como acolhendo um regime de incomunicabilidades v. acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Janeiro de 2005, proc. 01214/04) dizem respeito a situações em que, estruturalmente, o legislador diferencia a tributação de uma certa actividade ou aquelas em que expressamente consagra incomunicabilidades entre tipos de rendimentos. Nem uma nem outra hipótese se verificam neste caso.”

Assim, podemos concluir não ocorrer o erro que a respeito da questão em análise é imputado à sentença recorrida.

2.2.3. Se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia, prevista no n.º 1 do art. 125.º do CPPT, no que ao pagamento de juros indemnizatórios pelo atraso verificado sobre o reembolso no montante de € 28.569.767,97, efetuado a 22-12-09:

Na sentença recorrida, considerou-se que, não padecendo a liquidação do vício que que tinha sido imputada à sentença recorrida, não estavam reunidos os pressupostos para o reconhecimento de juros indemnizatórios.

No entanto, quanto ao pagamento de juros indemnizatórios, a recorrente invocou no § 9.º da petição inicial ter direito a juros indemnizatórios pelo atraso verificado no reembolso do imposto devido.

E para tal alegou que tinha apresentado Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, de substituição, a 30 de junho de 2009, bem como que, tendo o reembolso ocorrido a 29 de dezembro de 2009, ocorreu com 90 dias de atraso, tendo sido incumprindo o n.º 3 do art. 96.º do CIRC..

Da matéria de facto resulta ter apresentado Declaração de Rendimentos a 29.05.2009 – alínea F da matéria de facto-, mas não se encontram elucidadas as razões que levaram a decidir a matéria não provada, no que respeita à dita Declaração de substituição.

Tudo ponderado, consideramos ocorrer, quanto a tal, nulidade por omissão ou deficiência de pronúncia, incluindo, na matéria de facto, a parte respetiva, nos termos do n.º 1 do art. 125.º do C.P.P.T.

Importa, pois, conhecer de tal matéria pelo tribunal recorrido, uma vez ampliada a matéria de facto no que respeita à apresentação da dita declaração de substituição, nos termos do art. 682.º n.º 3 do C.P.C..

2.2.4. Se a sentença é nula, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C. por se verificar oposição entre os fundamentos e a decisão:

É certo ter sido referido na sentença recorrida, “quanto ao alegado reconhecimento do direito de separação de colectas referentes à actividade concessionada, importa dizer que o mesmo apenas será aplicável para efeitos de aplicação do benefício fiscal concedido à impugnante.”

Mais adiante é afirmado, concordantemente, que “como consequência de tudo o que ficou dito por se entender que a impugnante se encontra enquadrada no regime geral de tributação, ainda que com a aplicação de benefícios fiscais específicos no âmbito da atividade concessionada, não lhe será aplicável o disposto no artigo 47.º n.º 45 do CIRC.”

E de acordo como tal se decidiu fazer improceder a impugnação, pelo que consideramos não haver nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.

*

Finalmente, uma vez que a apreciação em causa não assumiu especial complexidade e que, face ao valor fixado de € 17 465 604,17, se verifica desproporcionalidade nas custas devidas, consideramos ser de dispensar o remanescente do pagamento de taxa de justiça, nos termos previstos no art. 6.º n.º 7 do R.C.P.

3. Decisão:

Os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso, salvo no que respeita à nulidade por omissão de pronúncia quanto ao pagamento de juros indemnizatórios pelo atraso no reembolso, determinando-se que os autos voltem ao tribunal recorrido, a fim de que se conheça ainda de tal questão, uma vez ampliada a matéria de facto, termos em que o recurso apenas é provido.

Custas pela recorrente – art. 527.º n.º 1 do C.P.C.-, com dispensa do remanescente.

Lisboa, 12 de fevereiro de 2020. - Paulo Antunes (relator) - Aragão Seia - José Gomes Correia.