Texto Integral: | Requerimento apresentado após notificação do acórdão proferido em apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 1488/23.7BEPRT
1.
1.1 O Recorrente, notificado do acórdão proferido nestes autos pela formação a que alude o n.º 5 do art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que julgou não admissível o recurso de revista, apresentou requerimento em que diz que «vem, por tal ser imprescindível para o apuramento da verdade e concretização dos princípios da igualdade, tutela jurisdicional efectiva não discriminatória, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 1.º a 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º, 672.º n.º 2 e 3 do NCPC, artigo 285.º do CPPT e artigos 1.º, 2.º, 9.º alínea b), 13.º, 18.º n.º 2 e 3, 20.º n.ºs 1, 4 e 5, 52.º n.ºs 1 e 3, alíneas a) e b), 202.º n.º 1 e 2, e 204.º , 205.º, 280.º e 282.º da CRP, deduzir RECLAMAÇÃO».
1.2 Cumpre apreciar e decidir.
2.
2.1 Salvo o devido respeito, o Recorrente não tomou em devida nem o regime do recurso de revista nem o regime da reclamação. Vejamos:
Note-se que o objecto da presente “reclamação” não é um despacho que se pronuncie sobre os requisitos gerais de admissibilidade de um recurso, o qual seria reclamável ao abrigo do disposto no art. 643.º do Código de Processo Civil (CPC). Neste preceito apenas está contemplado o recurso para a conferência do despacho do relator que rejeite o recurso para uniformização de jurisprudência previsto na lei processual civil. Mas essa reclamação não está contemplada nem é admissível relativamente a acórdão proferido ao abrigo do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT.
A decisão que não admitiu a revista – e de que o Recorrente pretende “reclamar” para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo – é uma decisão de um tribunal colectivo, ou seja, um acórdão, nos termos da definição dada pelo n.º 3 do art. 152.º do CPC («As decisões dos tribunais colegiais têm a denominação de acórdãos».), «a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário», nos termos do n.º 6 do art. 285.º do CPPT, e que se pronuncia sobre os requisitos específicos de admissibilidade da revista, tal como definidos pelo n.º 1 do mesmo art. 285.º do CPPT («Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito»)..
Esse acórdão, nos termos unânimes da jurisprudência deste Supremo Tribunal, apenas admite recurso para o Tribunal Constitucional ou requerimento de arguição de nulidades ou de pedido de reforma, dirigido e a apreciar pela formação que o proferiu, nos termos dos arts. 615.º e 616.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT.
Em síntese, a decisão da formação de apreciação preliminar, a admitir ou a não admitir do recurso de revista, é definitiva, sendo insusceptível de qualquer reclamação para a conferência ou de recurso para o Pleno da Secção, meios impugnatórios não se encontram previstos na lei.
Pode equacionar-se a convolação do requerimento de reclamação em pedido de reforma do acórdão, ao abrigo do referido art. 616.º do CPC, o que faremos de seguida, uma vez que a pretensão do Recorrente é a de modificar a decisão que não admitiu o recurso de revista, pedindo expressamente a reforma do decidido e, em consequência, que seja admitida a revista interposta.
2.2 Antes do mais, cumpre ter presente que a reforma – uma inovação introduzida pela reforma de 1995/1996 do processo civil, numa solução que mereceu muitas críticas à doutrina – constitui uma excepção ao esgotamento do poder jurisdicional, da qual decorre a possibilidade de, em circunstâncias muito extraordinárias, o tribunal poder alterar a decisão que ele próprio proferiu.
A reforma de uma decisão judicial ao abrigo do n.º 2 do art. 616.º do CPC só pode ocorrer dentro dos estritos limites que lhe fixa a lei («[n]ão cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida»), sendo que «quanto ao alcance do mesmo preceito legal, o STA tem construído um critério orientador para a definição do carácter manifesto do lapso cometido e que possibilita a imediata reparação do erro de julgamento que o originou. Tem sido, com efeito, sublinhada a excepcionalidade desta faculdade, que insere um desvio aos princípios da estabilidade das decisões judiciais e do esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (art. 666.º, n.º 1, do CPC), salientando-se que a mesma só será admissível perante erros palmares, patentes, que, pelo seu carácter manifesto, se teriam evidenciado ao autor ou autores da decisão, não fora a interposição de circunstância acidental ou uma menor ponderação tê-la levado ao desacerto» (Cf. Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 25, pág. 54, também citado por JORGE LOPES DE SOUSA no Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 8 ao art. 126.º, pág. 388 e, entre muitos outros e a jurisprudência aí referida..)
Do que deixámos dito quanto ao âmbito da reforma logo se conclui que não podemos considerar verificada nenhuma das circunstâncias que a poderiam autorizar.
Na verdade, lido o requerimento, verificamos que o Recorrente discorda da decisão de não admitir a revista, mas esgrime os fundamentos da sua discordância desprezando os motivos por que se decidiu nesse sentido. Recordemos: a revista não foi admitida porque, tendo o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte decidido no sentido de negar provimento ao recurso da sentença com dois fundamentos, nas alegações de recurso da revista o Recorrente apenas atacou um deles; por isso, no acórdão cuja reforma ora é pedida entendemos verificar-se a inutilidade do recurso porque, ainda que viesse a ser dada razão ao Recorrente, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte manter-se-ia com base no fundamento que não foi objecto do recurso.
Ora, a esse propósito, o Recorrente limita-se a afirmar que se trata de «[p]osição relativamente à qual e, com todo o respeito, não se pode esboçar a mínima concordância, impondo-se a reforma do Acórdão proferido, o que expressamente se invoca».
Ou seja, o Recorrente manifesta a sua discordância, mas não faz esforço algum para demonstrar que esse entendimento adoptado no acórdão proferido pela formação do n.º 6 do art. 285.º do CPPT enferme de erro manifesto, que determine a sua reforma.
Por outro lado, nós não vislumbramos no acórdão reclamado qualquer vício desse género, sendo que a posição nele adoptada constitui jurisprudência uniforme e pacífica.
Assim, o acórdão em causa não é reformável, e, não o sendo, o poder jurisdicional desta formação, prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, está esgotado (cfr. art. 613.º do CPC).
A reclamação não pode proceder, como decidiremos a final.
3. Em face do exposto, indeferimos o requerido pelo Recorrente.
Custas pelo Recorrente.
*
Lisboa, 3 de julho de 2024. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Aragão Seia. |