Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0902/13.4BEALM |
Data do Acordão: | 10/28/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ARAGÃO SEIA |
Sumário: | |
Nº Convencional: | JSTA000P26587 |
Nº do Documento: | SA2202010280902/13 |
Data de Entrada: | 09/13/2019 |
Recorrente: | MUNICÍPIO DO SEIXAL |
Recorrido 1: | REN – REDE ELÉCTRICA NACIONAL, SA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: O MUNICÍPIO DO SEIXAL inconformado, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (TAF de Almada) datada de 5 de Dezembro de 2018, que anulando o ato de liquidação da taxa de ocupação do espaço aéreo municipal referente ao ano de 2012, no valor de € 60.855,85, assim como o despacho do Presidente da Câmara Municipal do Seixal que deferiu parcialmente a reclamação apresentada daquele ato; e condenando o Município do Seixal no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, julgou procedente a impugnação judicial, deduzida por REN – REDE ELÉCTRICA NACIONAL, SA, do indeferimento expresso da reclamação graciosa relativa a taxa liquidada nos termos do art.º 18.º do Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 197, de 27-08-2003, e do próprio ato de liquidação desse tributo, relativo ao ano de 2012, no valor global de € 60.855,85. Alegou, tendo concluído como se segue: 1- O Tribunal a quo entendeu que a norma de isenção de taxas prevista no Decreto da Junta de Electrificação Nacional de 1940 (art.º 4º do Decreto-Lei n.º 30.349, de 2 de Abril de 1940) ainda está em vigor. 2- Não obstante a reconhecida complexidade e dificuldade da questão jurídica, intercedendo com conhecimentos especializados de índole constitucional, o Mm.º Juiz a quo entendeu existir similitude entre a situação sub judice e aquela sobre a qual o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se acerca de uma isenção de taxas, a favor da “PT Comunicações”. 3- A identidade de razões entre as situações pressuporia que as entidades em presença fossem semelhantes, o que notoriamente não sucede, porque a “PT Comunicações” à época da Lei n.º 40/95 de 15 de Fevereiro), não era semelhante à ora recorrida, a REN, S.A.. 4- A primeira era uma sociedade de capitais exclusivamente públicos e dominada pelo Estado e a segunda, uma sociedade comercial, cujo escopo é o desenvolvimento de uma actividade comercial lucrativa. O Tribunal Constitucional só analisou a isenção fiscal da primeira, à luz de uma entidade que visa o interesse público, que tem um desígnio nacional e em cujo objecto se inscrevia o interesse público de forma imperativa, em virtude do domínio do Estado, o que não sucede, hoje, com a REN, S.A., sociedade comercial, cotada em bolsa, sujeita aos ditames dos seus accionistas e que desperta o interesse de investidores na sua aquisição por vários milhões de euros. 5- A situação dos autos é muito distinta daquela que o Tribunal a quo foi chamado a apreciar porque a aludida isenção do D.L. n.º 40/95, não seria hoje possível, porque depois dela: a) Existiu a revisão constitucional de 1997, a partir da qual se reconheceu a autonomia tributária dos municípios, como corolário do poder de gestão do seu próprio património, contrário à disposição de receitas fiscais locais pelo Estado, sem mais; b) foi aprovado o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, a Lei n.º 53-E/2006 de 29 de Dezembro, no qual se prevê expressamente que a criação de taxas pela utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipais é uma prerrogativa dos Municípios, que através de Regulamento criam as taxas e definem o regime das respectivas isenções (cfr. art.º 6º al. n.º 1 al. d) e art.º 8º n.º 2 al. d) do RGTAL); c) foi aprovada a 5ª Lei das Finanças Locais onde se prevê expressa e inequivocamente um regime de compensação do Município, sempre que este discorde da concessão, por parte do Estado, de isenções fiscais subjectivas relativas a impostos municipais, o mesmo sucedendo quando estejam em causa benefícios fiscais que constituam contrapartida contratual da fixação de grandes projectos de investimento de interesse para a economia nacional (cfr. n.s 4 e 6 do art.º 12º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) e a actual Lei das Finanças Locais no qual se prevê nos art.ºs 15º al d) e art.ºs 16º que os municípios dispõem de poderes tributários relativamente a impostos e outros tributos a cuja receita tenham direito, nomeadamente: Concessão de isenções e benefícios fiscais, nos termos do n.º 2 do artigo seguinte, devendo, por consequência considerar incompatível com um tal regime qualquer norma que contenda com o poder dos municípios disporem do regime de isenções dos seus próprios tributos; d) Foi aprovado o Regulamento Municipal de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal (nas suas sucessivas versões, desde que foi publicado no Diário da República, 2ª Série, n.º 197, de 27 de Agosto de 2003), que deve obediência ao regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (princípio da precedência da lei). 6- A fundamentação do douto aresto do Tribunal Constitucional não seria hoje repetível, facto que o Tribunal a quo não tomou em devida conta, considerando as situações são similares, mas ignorando que entre elas, se abriu um fosso legislativo, que as torna absolutamente diversas e, por sua vez, torna ilegal a decisão proferida sem que tenha observado aqueles normativos. 7- A isenção fiscal do Decreto de 1940 foi criada num tempo em que a construção de uma rede nacional de transporte de electricidade e a inerente actividade de transporte de electricidade correspondiam a acções de interesse e utilidade pública, assumidas pelo Estado como tarefas públicas para satisfação de necessidades colectivas em nome do interesse público. 8- Em 1947 foi criada a Companhia Nacional de Electricidade, SARL (CNE), com capitais do Estado, com vista ao estabelecimento de uma rede primária de linhas de Alta tensão, a quem foi outorgada a respectiva concessão, com declaração de utilidade pública (Decreto 36286, de 17 de Maior de 1947). Em 1969, o Governo decretou a fusão da referida CNE com outros operadores, dando origem à Companhia Portuguesa de Electricidade (CPE), à qual foi outorgada, em exclusivo e por tempo indeterminado, a concessão de exploração de todas as instalações, existentes e a criar, da rende de transporte. Em Abril de 1975 foi decretada a nacionalização da CPE vindo posteriormente a ser constituída a EDP, E.P. que ficou incumbida do transporte de energia. 9- Só em 1991, a EDP foi transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (cft. D.L. 7/91 de 8 de Janeiro), a qual seria depois cindida em 1994, dando origem à REN, S.A., encarregue da actividade de transporte de energia eléctrica, então, igualmente controlada pelo Estado. Em 1995 foi criado o regime jurídico do exercício da actividade de transporte de energia eléctrica (D.L. 185/06 de 27 de Julho) concessão legalmente atribuída à REN, S.A. mantendo-se a mesma controlada pelo Estado, com o estatuto de empresa pública (Cfr. DL 558/99, de 17 de Dezembro que estabelece o Regime aplicável ao Sector Empresarial do Estado). 10- A similitude que o Tribunal a quo viu entre a situação em apreço pelo Tribunal Constitucional e a dos presentes autos existiu, mas já não existe, pelos motivos supra indicados, a que acresce o facto de desde o ano 2012 o Estado ter perdido o controlo efectivo e a maioria do capital social que detinha na Sociedade Gestora de participações Sociais que detinha a totalidade do capital social da ora recorrida. 11- O que está em causa não é utilidade pública do serviço, porque essa mesma utilidade é um pressuposto, é uma condição de concessão. A utilidade pública pode ser assegurada por múltiplas entidades e é-o, basta pensar em tantas IPSS e associações a quem é reconhecido interesse e ordem pública, sem que tal facto seja por si só uma razão justificativa para as mesmas beneficiarem de qualquer isenção fiscal, mormente, quando a actividade desempenhada por essa mesma entidade é remunerada e a concessionária dispõe de mecanismos legais e legítimos para repor o equilíbrio financeiro do contrato, quando se entenda que o mesmo é posto em causa. 12- No art.º 12º do Decreto-Lei n.º 215-A/2012 (Quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, que estabelece os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do Sistema Elétrico Nacional (SEN), bem como as bases gerais aplicáveis ao exercício das atividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade e à organização dos mercados de eletricidade), a propósito especificamente da utilidade pública das instalações prevê-se que as mesmas são consideradas, para todos os efeitos, de utilidade pública e que a aprovação dos projetos confere ao seu titular os seguintes direitos: a) Utilizar, nas condições definidas pela legislação aplicável, os bens do domínio público ou privado do Estado e dos municípios para o estabelecimento ou passagem das partes integrantes da RESP, nos termos da legislação aplicável (sublinhado nosso). 13- A isenção da norma de 1940 foi aprovada num quadro constitucional completamente distinto do actual, no qual se caminhava para a centralização administrativa, no qual a autonomia local, a autonomia financeira local e a autonomia tributária, não se afirmavam como princípios constitucionais sobreponíveis aos interesses do Estado central. 14- No entanto, com a aprovação da Constituição da República de 1976 e subsequentes revisões, o Princípio da Autonomia local foi encarado, logo no art.º 6º, como um princípio fundacional do Estado de Direito Democrático, aí se afirmando o respeito do Estado unitário pelas autarquias locais. 15- A lei fundamental preceitua ainda no art.º 237º, a descentralização administrativa como princípio orientado e mediador da distribuição de tarefas entre o Estado as autarquias locais. 16- A autonomia financeira tem assento no art.º 238º da CRP e constitui um pilar essencial da autonomia local, pois de nada valeria às autarquias locais disporem de meios humanos, de poder regulamentar ou de órgãos representativos se não dispusessem de património e finanças próprios que permitissem levar a cabo as tarefas de que estão incumbidas e assim prosseguir os seus próprios interesses. 17- Não oferece hoje quaisquer dúvidas a existência de um património local que às autarquias incumbe administrar de forma autónoma em relação ao Estado, que está impedido de ali se imiscuir, salvo nos termos da lei, nomeadamente, nos termos do art.º 238º da CRP, art.º 15º e 16º da Lei das Finanças Locais, Lei 73/2013, de 3 de Setembro e art.ºs 6º e 8º da RGTAL. Constitui um limite material à própria revisão constitucional o regime das autarquias locais (al. n) do art.º 288º da CRP) 18- A revisão constitucional e 1997 consagrou de forma alargada o princípio da autonomia financeira das autarquias locais, do qual dimana como expressão última, o princípio da autonomia tributária. 19- Como concretização desta mesma autonomia, a partir da terceira Lei das Finanças Locais Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, que aos municípios foi reconhecido o direito inalienável e exclusivo de cobrar taxas, nomeadamente pelo uso do seu domínio público e privado, no qual se inclui o espaço aéreo (cfr. as sucessivas leis das Finanças Locais, Lei n.º 1/79, de 2/1, Lei n.º 98/84, de 29 de Março, Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, Lei 2/2007, de 15 de Janeiro, Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro e mais recentemente o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro). 20- As Leis supra aludidas, todas elas Leis de valor reforçado, prevêem não só o direito a cobrar taxas pelo uso do espaço público municipal, mas também o direito inalienável de isentar e criar benefícios fiscais, quando está em causa, a administração do seu património, o que é absolutamente incompatível com a subsistência no ordenamento jurídico de uma isenção de taxas pela ocupação do espaço público municipal prevista no aludido decreto da Junta de Electrificação Nacional de 1940 (art.º 4º do Decreto-Lei n.º 30.349, de 2 de Abril de 1940), contrario a este regime legal, actualmente em vigor. 21- Nas referidas leis das Finanças Locais e no RGTAL prevê-se expressamente um regime próprio de compensação sempre que esteja em causa um projecto de âmbito ou interesse nacional que, nos termos da lei, justifique criar uma isenção ou benefício fiscal sobre território cuja administração não lhe pertença. 22- É à assembleia municipal que incumbe mediante proposta da câmara municipal, aprovar regulamento contendo os critérios e condições para o reconhecimento de isenções totais ou parciais, objectivas ou subjectivas, relativamente aos impostos e outros tributos próprios (cfr. art.º 16º n.º 2 e art.º 15º al. d) da Lei 73/2013, de 3 de Setembro) e aos municípios que incumbe criar taxas e estabelecer o respectivo âmbito de isenção, nos termos do disposto nos art.ºs 6º e 8º do RGTAL, aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro. 23- Ainda que assim não se entendesse, o que só por absoluta cautela se admite, o art. 4º do citado decreto de 1940 foi revogado, pela Lei das Finanças Locais (cft. art.º 15º e 16º) pelo Regime Geral das taxas das autarquias Locais (cfr.º art.º6º e 8º) e pelo próprio diploma que regula o Sector eléctrico nacional, anteriormente citado, em que se reconhece o direito ao uso do espaço público municipal nos termos da lei, ou seja, no respeito da constituição e das aludidas leis de valor reforçado que impedem o Estado se imiscuir nas receitas próprias das autarquias locais, por maioria de razão, quando as mesmas respeitem à administração do seu património. 24- O Município do Seixal aprovou ao abrigo da constituição e da Lei, a que deve obediência, um Regulamento Municipal, no qual se prevêem taxas pela ocupação do espaço público do município, mas também isenções e benefícios ao abrigo da autonomia tributária que a Constituição e a Lei lhe reconhecem. 25- Por isso, a norma contida no art.º 4º do Decreto de 1940 não está em vigor por ser contrária à Constituição da República Portuguesa, às Leis de valor reforçado que aprovaram o Regime Geral das taxas das Autarquias Locais, à Lei das Finanças Locais e ao Regulamento de ocupação do espaço público do Município do Seixal. 26- A criação de uma isenção fiscal com o âmbito da norma de 1940 hoje em dia, seria no mínimo ilegal, prima facie por violação de Lei de valor reforçado, por não respeitar o que se acha previsto, no art.º 16º da LFL e os artºs 6º e 8º do RGTAL, uma vez que se o Estado pretendesse fazê-lo teria de consultar e compensar o Município e o Município não aprovaria a citada isenção. 27- Acresce que uma norma de isenção igual à que está contida no Decreto de 1940 seria inconstitucional por violação do princípio da autonomia local na vertente da sua autonomia financeira, porque através da mesma se consentiria que o Estado se imiscuísse na administração do património local. 28- Está assente hoje, face à Constituição da República Portuguesa, que a gestão do património local, cabe a cada Município e que o Estado não pode dispor sob pena de inconstitucionalidade, do património local que não é seu. Ora conceder a uma sociedade anónima que prossegue de forma legítima o lucro (que não é uma associação benemérita, é aliás uma sociedade anónima cotada em bolsa), a possibilidade de usar gratuitamente o que não é seu, é hoje inconstitucional. O Estado não pode dispor do que não é seu e, a prová-lo, temos os inúmeros contratos de concessão, nos quais o uso do espaço público municipal se faz, nos termos da lei. Ora, nos termos da lei, não pode ser, nem é, nos termos de uma lei pretérita e inconstitucional. 29- Sintomático do que se acaba de dizer, é o facto de não existir nenhuma concessão em que o Estado tenha disposto do património municipal e, por consequência, de receitas locais, fora do quadro legal supra indicado (que por isso se entende derrogou qualquer norma em sentido diverso). No sector do comercio e transporte do gás natural, no sector da distribuição de energia em baixa tensão, em é paga uma renda a cada Município (cfr. D.L. 230/2008, de 27 de Novembro), no sector das telecomunicações em que é paga uma taxa de direitos de passagem (Lei das comunicações electrónicas –Lei 5/2004, de 10/2), ou seja, em todos os sectores, que têm em comum, nos primeiros dois casos, a utilidade e interesse público, foram criados regimes específicos para a justa remuneração devida pela ocupação do espaço público municipal, tendo os tribunais e a jurisprudência afastado, uma por uma, todas as normas e interpretações que conduzissem à susceptibilidade de uso gratuito do domínio público. 30- O facto da recorrida se dedicar apenas ao transporte de energia não a torna “menos comercial”, porque a exclusão do comércio de electricidade do seu objecto constitui uma imposição da legislação comunitária que visa assegurar a livre concorrência em matéria de comercialização de energia, por forma a assegurar o acesso às redes em condições de igualdade (cft. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro, que estabelece os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do Sistema Elétrico Nacional (SEN), bem como as bases gerais aplicáveis ao exercício das actividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade e à organização dos mercados de electricidade). 31- Acresce que a recorrida é concessionária de um serviço de interesse público nos termos do contrato de concessão e da lei. A concessionária é compensada pelo exercício da concessão e o seu escopo, desenvolvimento de uma actividade comercial, não sofre qualquer alteração pela circunstância de desempenhar uma actividade de interesse público. 32- E não se pense que a criação de apenas uma isenção de uso do espaço público municipal criada pelo Estado, não ofende o princípio da autonomia local porque, s.m.o., a violação do princípio não se mede pela quantidade de vezes que é violado, mas antes se é ou não é violado. 33- O núcleo fundamental de direitos atribuídos pela Constituição aos municípios fica irremediavelmente afectado por isenções atribuídas por lei, fora do âmbito da Lei das Finanças Locais e do RGTAL. 34- Por conseguinte, não restam dúvidas acerca do vício de inconstitucionalidade de um qualquer diploma que elimine parte das receitas próprias dos municípios – particularmente, as que têm uma previsão constitucional expressa, como é o caso das taxas pela utilização do domínio público, devendo, por isso, considerar-se revogadas as regras incompatíveis com a actual versão da Constituição da República Portuguesa (que, após a revisão constitucional de 1989 previu expressamente a existência e um domínio público municipal e a revisão de 1997 consagrou de forma alargada a autonomia financeira dos municípios). 35- Não obstante, o que dispõem o art.º 238º n.º 4 do CRP, o art.º 16º da LFL e os art.ºs 6º e 8º do RGTAL, o Tribunal a quo limitou-se a remeter para a fundamentação do douto aresto do Tribunal constitucional, anterior às normas supra referidas, com os quais entendeu existir uma identidade de razões para motivar a decisão recorrida. 36- Ao fazê-lo o Tribunal a quo proferiu uma sentença ilegal porque violou o disposto na Constituição e na lei (cfr art.ºs 235º, 238º da CRP, a LFL 73/2013, de 3 de Setembro, art.º 15º al. d), o art.º 16º n.º2, 4 e 6, por maioria de razão, art.º 6º n.º 1 al. d) e 8º n.º 2 al d) do RGTAL). Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogada sentença recorrida. Contra-alegou a recorrida tendo concluído: A ora Recorrida, conclui as suas contra-alegações nos termos que se seguem, (i) requerendo que se mantenha a decisão a quo, confirmando-se a ilegalidade do tributo de que foi alvo por violação do Decreto n.º 30.349, de 2 de Abril de 1940 e, subsidiariamente, (ii) requerendo a ampliação do âmbito do recurso, tudo com os seguintes fundamentos: § 1. Bem andou a sentença recorrida ao julgar verificado o vício de violação do Decreto n.º 30.349, de 2 de Abril de 1940. § 2. Nem a Constituição da República Portuguesa, nem qualquer dos diplomas legais invocados nas alegações de recurso do Município do Seixal impõem conclusão diversa. § 3. O Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais e as sucessivas Leis das Finanças Locais não têm qualquer pretensão de conter uma regulação das isenções aplicáveis às taxas, pelo que, naturalmente, não se pode retirar dos mesmos qualquer conclusão sobre a vigência da isenção sob análise, datada de 1940. § 4. A autonomia financeira das autarquias locais, com a correspondente consagração constitucional do direito à arrecadação e disposição de receitas próprias, não pode prevalecer, sem mais e em termos plenos, em qualquer circunstância, o mesmo se diga, naturalmente quanto à previsão, reflexo daquela autonomia, nas ‘Leis das Finanças Locais’ da possibilidade de liquidar taxas pela ocupação e aproveitamento do domínio municipal. § 5. Em particular, como refere o Tribunal Constitucional, da autonomia financeira e da disposição de património próprio das autarquias locais não pode resultar: «uma garantia de todas e quaisquer posições patrimoniais contra a fixação, pelo Estado e na prossecução das suas incumbências próprias, do regime de utilização de bens como as vias públicas, tal como não pode resultar dessas garantias uma reserva de competência para todo o regime das taxas municipais. Ponto é que o conteúdo ou núcleo essencial da autonomia local não seja afectado» — cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 288/2004, de 27 de Abril de 2004. § 6. Concluindo o Tribunal Constitucional naquele aresto que o conteúdo ou núcleo da autonomia local são preservados face a isenção que apenas «afecta as autarquias na obtenção de receitas a partir de uma determinada utilização de certos objectos patrimoniais específicos: pela passagem de instalações […] pela via pública, mas “permanece em geral intocada a possibilidade de fruição económica do património da autarquia quanto a tudo o resto”, sem se afectar a “constituição financeira das autarquias”» — cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 288/2004, de 27 de Abril de 2004. § 7. Ainda no aresto citado, o Tribunal Constitucional salienta que a isenção governamental que procura atender a interesses públicos constitucionais ultrapassa o âmbito das autarquias locais e, nesta medida, a dimensão da sua autonomia. § 8. Não só a isenção prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 30.349, de 2 de Abril de 1940 não implica uma qualquer violação do princípio da autonomia local, não pondo em causa direitos consagrados na Constituição ou na Lei, como ainda esta isenção tutela interesses públicos constitucionais que transcendem mesmo o âmbito constitucional das autarquias locais. § 9. «A criação de condições para a existência de um [serviço público de transporte de electricidade] constitui uma forma e prossecução de objectivos com relevância constitucional» — cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 288/2004, de 27 de Abril de 2004. § 10. Está, assim, em causa uma finalidade pública — assegurar a existência de um serviço público de transporte de electricidade, que assume clara relevância constitucional e que tem de ser prosseguido a nível nacional. § 11. Faz todo o sentido que o legislador pretenda isentar de determinados ónus uma entidade, como a ora Recorrida, que desempenha, de modo exclusivo, actividade de primordial importância para a colectividade nacional e que teria, na sua falta, de ser assumida pelo próprio Estado. § 12. A esta luz, a existência da isenção em causa ultrapassa a dimensão das autarquias locais e da sua autonomia, então, não pode, em caso algum, considerar-se revogada pela consagração constitucional posterior do mesmo princípio e muito menos pelo facto de as Leis que regulam as finanças locais permitirem, em geral, a liquidação de taxas pela ocupação e aproveitamento do domínio público. § 13. A isenção ora analisada mostra-se limitada a certo objecto patrimonial, pelo que, mantém-se em geral intocada a possibilidade de fruição económica do património do Município do Seixal quanto a tudo o resto, não se contendendo, como tal, com o conteúdo ou núcleo essencial do princípio da autonomia local ou do direito de liquidação de taxas dele decorrente. § 14. Vale assim dizer que a situação da Recorrida era, em 2012 (e é hoje), em tudo semelhante àquela da concessionária de serviço público de telecomunicações no período sobre o qual versou o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 288/2004, de 27 de Abril de 2004, não tendo no âmbito do transporte de energia eléctrica ocorrido quaisquer das mudanças que transformaram o sector das telecomunicações. § 15. Em suma, a isenção do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 30.349, de 2 de Abril de 1940 é materialmente conforme à Constituição da República Portuguesa e às Leis que, ao longo dos anos, têm regulado as Finanças Locais, com base no enquadramento constitucional acabado de formular. § 16. Pelo que, nesta parte deve a sentença recorrida manter-se inalterada, sendo negado provimento ao recurso do Município do Seixal e reconhecido que a liquidação em crise viola o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 30.349, de 2 de Abril de 1940, na medida em que desconsidera a sua aplicação. § 17. Caso se entenda que o acto tributário em crise nos Autos não padece deste vício - por mera hipótese e sem conceder —, importa, subsidiariamente e à cautela, nos termos do artigo 636.º do CPC, aplicável ‘ex vi’ o disposto no artigo 281.º do CPPT, ampliar o âmbito do recurso interposto, como se requer, no sentido de serem reapreciados os vícios de falta de fundamentação e de preterição de audição prévia considerados improcedentes pelo Tribunal a quo. § 18. O ofício de liquidação em crise é extremamente parco nos seus termos, limitando-se a invocar o «Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal» e a indicar o montante total da taxa apurada pelo Município. § 19. Não mencionando este ofício qualquer norma concreta do «Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal», o mesmo deve ser anulado nos termos do n.º 2 do artigo 77.º da LGT. § 20. De outro passo, o Município do Seixal parece incluir nos cálculos conducentes à liquidação da taxa, linhas que se encontram ainda em construção, pelo que fica sem resposta qual foi o iter cognoscivo do Município que levou à liquidação da taxa em apreço sobre cabos que, verdadeiramente, não existiam. § 21. O Município do Seixal parece ainda aplicar no apuramento do valor da relevante taxa o Edital n.º 014/2013, edital esse que não só foi apenas aprovado em Dezembro de 2012 e publicado em Diário da República e Edital Municipal já em 2013, como é expresso no sentido de ser aplicável somente para 2013… que confusão! § 22. Ademais, face à liquidação em crise, não é exequível à Recorrida determinar da bondade das medições efectuadas pelo Município; com efeito, não é, designadamente, possível apurar se as áreas consideradas são efectivamente e apenas domínio Municipal, uma vez que o Município não indica, em concreto, quais as áreas ocupadas relevadas. § 23. Por outro lado, o Município do Seixal, depois de ter fixado o espaço municipal (público e privado) atravessado pelas linhas da RNT, procedeu à sua multiplicação por 6, número esse que corresponde, segundo o Município, ao «número de partes», sem que explique minimamente qual a razão desta multiplicação. § 24. Mesmo que a Recorrida — com base nos dotes de adivinhação que se tem visto forçada a desenvolver na sua relação com o Município do Seixal — assumisse que aquela multiplicação estava relacionada com o número de cabos que compõem cada uma das linhas da RNT, tal não esclareceria — de todo em todo — o motivo da mesma multiplicação ou, pelo menos, o motivo de a mesma ter sido feita «por 6», na medida em que como julgou provado o Tribunal a quo, as linhas da RNT são trifásicas e compostas por três cabos condutores e dois de guarda, num total de 5 e não 6. § 25. O Município do Seixal não identifica a composição das linhas de transporte de energia eléctrica em causa ou, concretamente, qual o espaço efectivamente ocupado que foi tido em consideração, limitando-se a referir, de forma absolutamente genérica, que foram considerados, designadamente, terrenos do domínio público, mas também, como anteriormente enunciado, do domínio privado, estradas municipais, estradas(?), caminhos municipais, ruas, espaços verdes — cfr. «Cálculo de Elementos Cadastrais da REN» constante do doc. n.º 3 em anexo à p.i. § 26. A fundamentação em falta é, como se constatou ao longo do processo, in totum inexistente e não apenas não comunicada. § 27. Se no caso concreto a Recorrida não conhece, porque o Município do Seixal não o explica, pelo menos de forma clara e perceptível, quais os pressupostos de facto e de direito da aplicação da taxa em causa e de que modo foi efectuado o cálculo da mesma, nomeadamente no que respeita ao espaço tido em concreto em consideração ou à razão da multiplicação por 6 que é feita depois de se ter apurado aquele espaço, não se pode concluir que à Recorrida seja possível apreender porque o Município actuou com actuou e não de outra maneira. § 28. Donde se constata que a liquidação do tributo em crise permanece — e mesmo quanto à incidência, aspecto nuclear da relação jurídico-tributária — obscuro para o respectivo destinatário (i.e., pela ora Recorrida), pelo que é positivamente incompreensível, inaceitável e ilegal que o mesmo Tribunal entenda que a liquidação se mostra legalmente fundamentada e que a Recorrida a apreendeu perfeitamente. § 29. Ao contrário do que parece entender o Tribunal a quo, o facto de a Recorrida ter reclamado da liquidação e ter apresentado a impugnação dos Autos não é, e não pode ser, suficiente para concluir que aquele acto se encontra devidamente fundamentado. § 30. Tanto mais que a Recorrida se viu forçada, para que aquela impugnação fosse possível, a proceder a uma série de presunções, recorrendo aos dotes de adivinhação que a relação com o Município do Seixal a tem levado a desenvolver e a ora Recorrida invocou não lhe ter sido possível apreender o itinerário cognoscivo que terá levado o Município do Seixal a tomar as opções que tomou e a actuar como actuou no que tange à emissão da liquidação em apreço. § 31. Só a adequada e clara fundamentação do acto de liquidação em apreço teria permitido de modo completo perceber e compreender a razão de ser e a quantificação do tributo que foi liquidado à Recorrida e avaliar se o Município do Seixal também percebeu e compreendeu de forma correcta e avisada os critérios expressos no Regulamento Municipal a que acima se fez referência e no RGTAL. § 32. Ante o que fica acima plasmado, a liquidação impugnada carece de fundamentação factual e de direito suficiente e deve ser anulada, uma vez que viola o disposto nos artigos 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º da LGT, e verifica-se ter ocorrido um vício grave do procedimento de liquidação do tributo em causa, procedimento este assente numa sucessão de actos dirigidos à declaração de direitos tributários — cfr. artigo 54.º n.º 1 da LGT. § 33. Posto isto, decorre do exposto que a sentença dos Autos decidiu erroneamente, violando na sua interpretação designadamente os artigos 77.º, n.º 1, da LGT e 268.º, n.º 3, da Constituição, devendo ser revogada e substituída por decisão que considere verificado o vício de falta de fundamentação em apreço. § 34. É facto assente que a Recorrida não foi ouvida em momento anterior à emissão da liquidação em crise. § 35. Ao contrário do que sustenta o Tribunal a quo a liquidação em crise não foi efectuada com base em declaração do contribuinte, o que impediria desde logo que a audição fosse dispensada nos termos do n.º 2 do artigo 60.º da LGT. § 36. A Recorrida limitou-se a entregar ao Município do Seixal informação georreferenciada quanto às linhas da RNT, o que efectuou também no âmbito da colaboração com o Município na elaboração dos Planos de Ordenamento do Território, informação essa que não consubstancia a submissão de declaração com vista à liquidação da taxa dos Autos. § 37. Desde logo, daquela informação georreferenciada não decorre qual a composição das linhas da RNT, designadamente quanto ao número de cabos que as formam, assim como não decorre qual a extensão do espaço ocupado ao abrigo de servidões de direito privado. § 38. Tudo informações essenciais à emissão da liquidação contestada e sobre as quais devia esta ter sido consultada em momento anterior àquela. § 39. Por «declaração do contribuinte» não se pode entender qualquer entrega de elementos, dados ou informações, devendo, ao invés, entender-se que estará em causa a declaração, em modelo oficial, prevista e imposta por lei, que tenha por efeitos praticamente substituir o sujeito activo no cálculo do tributo a pagar, situação em que a liquidação se limita à mera acção de processar os dados fácticos e jurídicos decorrentes da declaração do contribuinte. § 40. Tudo quanto não ocorreu no caso dos Autos e que impediria o recurso ao n.º 2 do artigo 60.º da LGT. § 41. A audição prévia à liquidação era in casu essencial e útil, posto que: (i) Não houve uma estabilização da quantificação da extensão das linhas a considerar, da extensão ocupada ou da bondade da multiplicação efectuada; (ii) A Recorrida sempre questionou — e se opôs — aos pressupostos da liquidação por referência, designadamente, à absoluta falta de fundamentação do acto de liquidação e à manifesta ausência de audição ao longo do processo de liquidação. (iii) O tributo em causa assenta em realidades e valores em parte não conhecidos pelo Município, que a Recorrida deveria ser dada a hipótese de confirmar ou negar, se lhe tivesse sido dada a hipótese…; desta feita, (iv) Não se pode determinar, com certeza, que a realização de audição não conduziria à alteração da decisão do Município, nos termos em que esta foi emitida. § 42. O valor da liquidação em crise não foi alcançado, ao contrário do que poderia parecer, com recurso a meros cálculos aritméticos efectuados com valores pré-estabelecidos, sendo o único valor pré-estabelecido in casu é o da própria taxa. § 43. O Município reconhece, desde logo no documento designado «Cálculo de Elementos Cadastrais da REN» em anexo à liquidação em crise, que tem dúvidas quanto à correcta identificação e extensão das linhas em causa, o que não o impediu, porém, de liquidar o tributo em causa — na dúvida, o Município, ao invés de dar oportunidade à Recorrida de se pronunciar, tributa. § 44. A existência de um espaço de indeterminação não pode deixar de exigir o exercício do contraditório pelo contribuinte antes mesmo da liquidação do tributo, o que ocorre, designadamente, quando a liquidação é administrativa, mas a base tributária de uma taxa é constituída por um coeficiente ou uma expressão numérica do conhecimento exclusivo ou privilegiado do sujeito passivo ou, pelo menos, que a este é exigível conhecer com o máximo rigor. § 45. Só a compreensão de quais os valores e cálculos subjacentes ao apuramento da taxa poderia possibilitar à Recorrida verificar a acuidade dos ditos cálculos e dos valores considerados e, a final, requerer a correcção de eventuais erros, como sejam a consideração de que as linhas da RNT têm 6 cabos (o que é erróneo) e de linhas que não estavam ainda finalizadas. § 46. Por tudo o que vai acima exposto, é de concluir que a sentença dos Autos decidiu erroneamente, violando na sua interpretação o artigo 60.º da LGT, devendo ser revogada e substituída por decisão que considere verificado o vício de preterição de audição prévia às liquidações das taxas em crise. § 47. Caso não seja imediatamente negado provimento ao presente recurso e não seja dado provimento à ampliação do objecto do recurso subsidiariamente solicitada, então devem os presentes Autos devem descer à primeira instância para que sejam fixados os restantes factos relevantes e apreciados os demais vícios, ou, pelo menos e no limite, devem as partes de ser notificadas, nos termos do artigo 665.º, n.º 3, do CPC, para se pronunciarem sobre os factos e o direito que não foram objecto de pronúncia pelo Tribunal a quo, sob pena de nulidade. Termos em que se requer a V. Exas.: i) que se dignem negar provimento ao presente recurso jurisdicional interposto pelo Município do Seixal, mantendo-se a sentença na parte recorrida; ii) e que, caso assim não se entenda, seja admitida, nos termos do artigo 636.º do CPC, aplicável ‘ex vi’ o disposto no artigo 281.º do CPPT, a requerida ampliação do âmbito do recurso, julgando-se assim verificados os vícios considerados improcedentes pelo tribunal ‘a quo’ e imputados pela Recorrida ao acto impugnado, com todas as consequências legais. O Ministério Público notificado pronunciou-se pela procedência parcial do recurso remetendo para a fundamentação do parecer do Ministério Público na 1ª instância, que concluiu o seu parecer da seguinte forma: “(…) Atento o enunciado, somos de parecer pela procedência parcial da impugnação apresentada por força do fundamento relativo à aplicação da taxa incorreta, com a consequente anulação parcial do ato de liquidação em causa (e reembolsos proporcionais das quantias peticionadas, sendo devidos juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária).”. Cumpre decidir. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta: A) Em 15-06-2007, foi modificado o contrato de concessão da atividade de transporte de eletricidade celebrado entre o Estado Português e a REN – Rede Elétrica Nacional, SA, resultando do mesmo, por extrato, o seguinte: «(…) (…) (…) (…) (…) B) Em 19-12-2011, o Município do Seixal tornou público o edital n.º 213/2011, com o seguinte teor: (…) C) Em 14-01-2013, o Município do Seixal tornou público o edital n.º 014/2013, com o seguinte teor: (…) D) A Impugnante negociou a constituição de servidões sobre alguns imóveis de particulares sitos no concelho do Seixal e pagou indemnizações pela ocupação do espaço necessário à colocação das linhas da Rede Nacional de Transporte de Eletricidade. E) Em 3-12-2007, o Eng.º ………. da Direção Geral de Energia e Geologia remeteu o seguinte telefax à Impugnante: F) Em 30-11-2012, constava do anexo D (linhas e ramais de 150kV) ao normativo para identificação de instalações da RNT, elaborado pela REN, que as linhas 1126- Fernão Ferro-Trafaria 2, 4059-Palmela-Fernão Ferro e 4060-Fernão Ferro-Ribatejo encontravam-se em exploração. G) Em 21-01-2013, a Impugnante forneceu ao Município do Seixal informação cadastral das linhas elétricas existentes no concelho. H) Em 5-02-2013, com base nas informações de cadastro referidas em G), o DPTGU – Sistema de Informação Geográfica do Município do Seixal procedeu ao estudo do cálculo de elementos cadastrais da REN – 2012, dele decorrendo, designadamente, o seguinte: I) O estudo referido na alínea anterior visou a “quantificação de comprimentos lineares simples atravessados, em espaço público municipal, por elementos cadastrais fornecidos pela REN em Janeiro de 2013”, tendo sido considerados como espaço público municipal os terrenos municipais de domínio público e privado, escolas públicas EB 1, 2, 3, estradas municipais/nacionais, estradas, caminhos municipais, ruas, espaços verdes e cemitérios”. J) Em 2-04-2013, o Presidente da Câmara do Seixal emitiu o ofício n.º 12813, dirigido, por carta registada com aviso de receção, ao Presidente do Conselho de Administração da Impugnante, sob o assunto “Ocupação do espaço público, utilização do solo, subsolo e espaço aéreo, com tubos, cabos condutores e outros similares”, com o seguinte teor: K) Em 5-04-2013, o aviso de receção postal do ofício referido na alínea anterior foi assinado, por ……….., em 1749-…..Lisboa. L) Em 6-05-2013, deu entrada no Município do Seixal reclamação da Impugnante pelo qual requer a “anulação da liquidação da taxa pelo licenciamento de ocupação de espaço público referente ao ano de 2012”. M) Em 13-06-2013, a medidora orçamentista …………. do Município do Seixal emitiu a seguinte informação sob o assunto “Taxas de ocupação do espaço público – REN – ANO 2012”: (…) N) Em 13-06-2013, a Chefe de Divisão do Município do Seixal …………. emitiu a seguinte informação sob o assunto “Taxamento de Infraestruturas da REN no Município do Seixal – Ano 2012”: O) Em 30-07-2013, o Presidente da Câmara do Seixal emitiu o ofício n.º 25468, dirigido, por carta registada com aviso de receção, à Impugnante, sob o assunto “Ocupação do espaço público, utilização do espaço aéreo, com cabos condutores e outros similares”, com o seguinte teor: P) Em 19-08-2013, o Diretor do Departamento do Plano, Orçamento e Gestão Financeira (DPOGF) emitiu o ofício n.º 27203, dirigido à Impugnante, sob o assunto “Citação Proc. Execução Fiscal nº26977/2013”, com o seguinte teor: Q) O ofício referido na alínea anterior foi expedido por carta registada com aviso de receção, o qual foi assinado em 21-08-2013. R) Em 4-09-2013, com referência ao processo de execução fiscal n.º 26977/2013, a Impugnante requereu ao Diretor do DPOGF o seguinte: a) que se digne mandar fixar o montante global da garantia a prestar no processo de execução fiscal em epígrafe (processo n.º 26977/2013); e b) que se digne ordenar a suspensão do citado processo de execução fiscal, uma vez que a Requerente apresentou reclamação graciosa que tem por objecto a discussão da legalidade de toda a dívida exequenda, e que do indeferimento daquela reclamação a Requerente apresentará impugnação judicial no prazo legal para o efeito. S) Em 10-09-2013, o Diretor do DPOGF proferiu o seguinte despacho no processo de execução fiscal n.º 26977/2013: «Face ao requerimento apresentado pela executada REN – Rede Elétrica Nacional, S.A., registado sob o n.º 45571, de 04-09-2013, determina-se a suspensão da execução fiscal, condicionada á apresentação de garantia, no montante de €49.967,34 (quarenta e nove mil, novecentos e sessenta e sete euros e trinta e quatro cêntimos), a prestar nos termos do artº 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, devendo a mesma ser prestada no prazo de 30 dias, a contra da data da notificação.» T) Em 30-09-2013, a Impugnante apresentou a impugnação em apreço. U) Em 3-10-2013, o ………….. emitiu a garantia bancária n.º ……….., em que é beneficiária a Câmara Municipal do Seixal, com o seguinte teor: V) A garantia referida na alínea anterior foi apresentada ao Município do Seixal em requerimento de 9-10-2013. W) Em julho de 2014, através de fotografia aérea da área do Município, a Impugnante realizou um estudo que concluiu que a extensão das linhas da RNT no domínio público do Município do Seixal não ultrapassava os 1.666,50 metros lineares. X) O estudo referido na alínea anterior considerou as linhas da RNT que se encontravam junto a estradas e caminhos. Y) Cada linha de transporte da RNTE é formada, no mínimo, por três cabos condutores e dois de segurança, sendo a faixa de proteção da linha de 22,5 metros para cada lado independentemente do número de cabos condutores. Z) Existem linhas de transporte de energia elétrica no Município do Seixal incluídas na RNTE que incidem sobre parcelas de propriedade pertencentes a particulares. Factos não provados 1. O Município do Seixal tem custos acrescidos decorrentes da criação e manutenção de sistemas de gestão de informações suscetíveis de inventariar o património instalado pela Impugnante no espaço aéreo. (Art.º 89.º da contestação: não foi realizada prova demonstrativa) Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido. No essencial a recorrente pretende que este Supremo Tribunal esclareça a questão de saber se a REN – REDE ELÉCTRICA NACIONAL, SA., está ou não isenta do pagamento de taxas municipais pela ocupação do espaço aéreo municipal com as linhas de transporte de energia eléctrica, da sua responsabilidade. O Município do Seixal sustenta a sua posição em dois argumentos, que cumpre apreciar: primeiro, que a norma que consagra a isenção da taxa já não está em vigor e, em segundo lugar, que mesmo que estivesse em vigor não seria aplicável por violar o princípio da autonomia do poder local (inconstitucionalidade) e por violar as regras do direito europeu. Quanto à vigência da norma que consagra a isenção Importa começar por sublinhar que o estabelecimento e exploração da Rede Nacional de Transporte de Electricidade se encontram concessionados pelo Estado Português em regime de serviço público, e em exclusivo, à REN – Rede Eléctrica Nacional, S.A., nos termos do DL n.º 29/2006, de 15.02.2006. O direito da concessionária da RNT à utilização do domínio público municipal para a instalação da rede é de base legal e não contratualizada com o município (v. Base XXVII n.º 1 das Bases da concessão da Rede Nacional de Transporte de Electricidade, aprovadas no Anexo III do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto, na sua redacção actualizada, por último, pelo Decreto-Lei n.º 76/2019, de 3 de Junho). É verdade que o legislador não estipulou para o transporte a mesma regra que vem acolhida no n.º 4 do artigo 44.º do referido Decreto-Lei n.º 172/2006, segundo a qual os municípios têm direito a uma contrapartida pela utilização dos bens do domínio público ou privado municipal. Contrapartida que, actualmente, se traduz no pagamento da renda prevista no Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro; regime jurídico do qual resulta a isenção de pagamento de taxas (artigo 3.º, n.º 4). Neste caso, como afirmam alguns autores, a posição jurídica de autoridade legitimada em que se encontra a concessionária da rede eléctrica e a situação de sujeição ao pagamento de indemnização ou compensação pela afectação do espaço dominial, faz desaparecer qualquer contraprestação possível da estrutura de uma eventual taxa a esse título, impossibilitando uma tributação, cfr. Paulo Dias Neves, em https://www.e-publica.pt/volumes/v2n1a11.html. Ou seja, as redes de energia eléctrica de distribuição em MT e BT estão isentas de taxas de ocupação do subsolo por força do disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro. Já as redes de transporte de energia eléctrica beneficiam de igual isenção, mas por força do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 30349, de 2 de Abril de 1940. Diploma legal que o Recorrente alega estar hoje revogado. Mas sem razão. Primeiro, porque o Decreto-Lei n.º 30349, de 2 de Abril de 1940 continua em vigor no que respeita aos procedimentos de licenciamento das redes eléctricas, como resulta expressamente do n.º 4 do artigo 18.º do Regulamento de licenças para instalações eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26852, na respectiva versão consolidada, publicada em DRE de 5 de Novembro de 2019 [https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/115548614/201911050000/exportPdf/normal/1/cacheLevelPage?_LegislacaoConsolidada_WAR_drefrontofficeportlet_rp=diploma] por remissão do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 11/2018, de 15 de Fevereiro, que estabelece critérios de minimização e de monitorização da exposição da população a campos magnéticos, eléctricos e electromagnéticos que devem orientar a fase de planeamento e construção de novas linhas de alta tensão (AT) e muito alta tensão (MAT) e a fase de exploração das mesmas. E, em segundo lugar, porque a norma legal que consagra a isenção de taxas pela ocupação do solo, subsolo e espaço aéreo por redes de transporte de energia eléctrica não foi expressamente revogada por nenhum diploma legal que alterou aquele Decreto-Lei, nem pelos diplomas legais que vieram regular a organização e o funcionamento do sector eléctrico (antes mencionados) ou estabelecer o regime jurídico do património imobiliário público (Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de Agosto). Quanto à inconstitucionalidade Alega também o Município Recorrente que mesmo que a norma esteja em vigor, ela terá sempre se ser desaplicada, nos termos do artigo 204.º da CRP, por violar o princípio da autonomia do poder local, em especial o princípio da autonomia financeira local (artigo 238.º, n.º 1 da CRP). Mas também aqui sem razão, pois a isenção que vem concedida à REN, pela exploração de redes do transporte de energia eléctrica na parte em que ocupam o espaço aéreo municipal – redes cuja própria natureza jurídica dominial chegou a ser discutida pela doutrina (v. João Filipe Graça, A Rede Nacional de Transporte de Electricidade: O Diálogo na Doutrina Portuguesa, CEDIPRE On-line, n.º 27) – enquadra-se na jurisprudência do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 288/2004, quando aí se considera que as isenções de taxas que venham a ser concedidas em benefício de um serviço público essencial não constituem uma violação daquele princípio. No mesmo sentido v. acórdão n.º 285/2006. E alega ainda, por último, o Recorrente que a norma que foi apreciada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 288/2004 e a solução aí alcançada, consubstanciou uma violação do direito europeu, que é igualmente transponível para este caso. Mas, uma vez mais, sem razão, pois aí estava em causa a isenção legal da taxa de ocupação do domínio público municipal concedida a uma empresa que explorava infra-estruturas que estavam em concorrência com outras infra-estruturas (a concorrência no sector das telecomunicações é também entre redes e infra-estruturas interconectas, pelo que todas têm de estar subordinadas às mesmas condições económicas e exercício da actividade), o que não sucede aqui, onde estamos perante uma concessão exclusiva de uma infra-estrutura explorada em regime de serviço público, que não está em concorrência com outras infra-estruturas (a concorrência no sector eléctrico faz-se na rede). Em outras palavras, enquanto naquele acaso a isenção concedida à PT podia constituir uma vantagem para esta empresa face a outras empresas do sector, abrangidas pelo tributo, neste caso não existem outras empresas que explorem redes de transporte de energia, uma vez que estamos perante uma infra-estruturas única. Por esta razão, não se suscitam os alegados problemas de direito europeu da concorrência a que alude o recorrente. Assim, este recurso que nos vinha dirigido não obtém provimento. Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso. Custas pelo Recorrente. D.n. Lisboa, 28 de Outubro de 2020. – Aragão Seia (relator) – Suzana Tavares da Silva – Paulo Antunes. |