Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01270/15
Data do Acordão:12/14/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA
NULIDADE
NOTIFICAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Contendo a decisão de aplicação da coima a descrição dos factos e a indicação das normas que prevêem e punem a contra-ordenação, não se verifica a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT.
II - Se foram indicados os elementos ponderados na fixação em concreto da coima, a decisão que a aplicou não enferma da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT, que, ademais, nunca se verificará se a coima foi fixada no mínimo legal.
III - A notificação destina-se a dar a conhecer o acto, motivo por que eventual irregularidade da mesma não contende com a validade do mesmo, mas apenas com a sua eficácia.
IV - A prescrição do procedimento contra-ordenacional começa a contar-se da data do facto, como decorre do n.º 1 do art. 33.º do RGIT.
Nº Convencional:JSTA00069953
Nº do Documento:SA22016121401270
Data de Entrada:10/08/2015
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART80 ART70 ART63 N1 A ART3 B ART79 N1 B C ART27 ART26 N4 ART33 N1.
CPP87 ART379 N1 A C ART374 N2.
DL 433/82 DE 1982/10/27 ART41 N1.
CPA91 ART132 ART37.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0382/15 DE 2015/06/25.; AC STA PROC01037/09 DE 2010/01/20.; AC STA PROC0619/08 DE 2008/11/06.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CPPTRIB ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLI PAG357-360.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de contra-ordenação com o n.º 515/13.0BEVIS

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A……………, Lda.” (adiante Arguida ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu negou provimento ao recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima em processo de contra-ordenação tributária.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1. O presente recurso vem interposto de douta decisão que negou provimento ao recurso apresentado e manteve a decisão da fixação da coima proferida.

2. Em sede de defesa, a recorrente invocou diversas questões essenciais e relevantes para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, entre outras, a caducidade do direito de liquidar.

3. Sucede que, nem a douta decisão administrativa nem a douta decisão recorrida se pronunciaram fundamentadamente sobre as questões levantadas.

4. À recorrente é-lhe imputada a infracção prevista no art. 101.º do CIRS, punida pelos artigos 114.º, n.ºs 1 e 2, e 26.º, n.º 4, do RGIT, pela qual lhe foi aplicada uma coima de € 5.364,01.

5. Sucede que, da decisão proferida, o que foi invocado em sede de recurso, não consta a fundamentação legal, nem tampouco a factual, ignorando-se quais os factos provados que sustentaram a decisão administrativa condenatória.

6. Contudo da descrição sumária constante da decisão de aplicação da coima, resulta apenas divergências entre os saldos contabilísticos e de caixa da contagem física; quanto à questão da retenção, nada vem especificado, nada vem discriminado, não sendo claro quais os valores, pagos a quais pessoas, que deram origem à retenção.

7. Inexiste igualmente quaisquer factos indubitáveis que permitem concluir pela liquidação do imposto em falta.

8. Na verdade, uma imputação de factos tem de ser precisa e não genérica, deve ser concreta e não conclusiva, reportando com nitidez os factos relevantes para a caracterização do comportamento contra-ordenacional.

9. Assim, de todo o exposto resulta patente o vício de falta de fundamentação e violação da lei.

10. Consequentemente, na medida em que a douta decisão recorrida limita-se a reiterar a fundamentação daquela, esta decisão peca igualmente por falta de fundamentação, além de padecer por erro de julgamento.

11. Por outro lado, a notificação da decisão da aplicação de uma coima encontra-se assinada por “............”, que não é o Chefe de Finanças, nem agiu por delegação.

12. No caso dos autos, a falta de tal menção afecta, portanto, a validade do acto, desencadeando a sua nulidade, o que foi devidamente invocado.

13. A douta sentença vem discordar de tal entendimento, no entanto não fundamenta em termos legais a sua discordância.

14. A douta decisão não esclarece, em concreto, os pressupostos em que se baseou para chegar ao valor fixado para a coima.

15. Não se vislumbra descrita a factualidade quanto ao elemento subjectivo do ilícito contra-ordenacional que é imputado à recorrente, faltando em absoluto o nexo psicológico nomeadamente volitivo de ligação dos factos descritos ao agente.

16. Face aos factos considerados provados, não se conhece a situação económica do agente, sendo este um dos elementos de averiguação essencial, tendo em vista a determinação da medida concreta a aplicar ao agente.

17. Também, do resto da notificação apenas resulta negligência “simples” sem estar fundamentada.

18. Ainda no que respeita à gravidade e à situação económica, as mesmas não vêm descritas, nem fundamentadas.

19 Acresce que, considerando o disposto no n.º 2 do art. 114.º do RGIT e considerando que o montante da prestação em falta é alegadamente de € 17.880,06, moldura legal é fixada entre € 2.682,01 e € 8.940,03.

20. Considerando, ainda, que a coima aplicada não se situa neste limite mínimo, a decisão não esclarece, por maioria de razão, de que modo e em que medida é que se chegou ao valor fixado para a coima.

21. Assim, e salvo o devido respeito, não se pode aceitar o vertido na douta sentença quando esta refere que “A incompreensão também tem outro fundamento cujo é o de a coima ter sido fixada no patamar mínimo”.

22. Recorde-se que, uma decisão administrativa de aplicação de coima, adquire força idêntica à do caso julgado, quando definitiva e executória, em caso de não interposição de recurso judicial ou da improcedência deste.

23. Ora, as coimas nunca podem ser desproporcionais, nem inadequadas aos ilícitos, nem aos fins que com elas se prosseguem.

24. Tão pouco podem exceder a culpa, em sentido global, pela totalidade das infracções.

25. Assim sendo, o procedimento da contra-ordenação em causa que incide e tem por base e fundamento o imposto de € 53.311,22, que já existia na conta do Caixa, a 31 de Dezembro de 2007, já se extinguiu, por efeitos de prescrição, de acordo com o disposto nos arts. 3.º e 33.º, ambos do RGIT, 27.º A e 28.º, ambos do RGCO.

26. Também, a douta sentença incorreu em erro de julgamento, e violou o disposto nos arts. 26.º, 27.º, 63.º, 79.º, 114.º, todos do RGIT, 101.º do CIRS, 268.º da CRP e 374.º do CPP, sendo nula, de acordo com os artigos 125.º do CPPT e 379.º do CPP, nulidade esta que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência ser revogada a douta decisão, proferida em 1.ª Instância, e substituída por outra que dê provimento integral ao recurso apresentado» (Aqui como adiante, porque usaremos o itálico nas transcrições, as partes que no original surgiam em itálico figurarão em tipo normal, a fim de respeitar o destaque que lhes foi concedido pelos autores.).

1.3 O recurso foi admitido.

1.4 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.5 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pronunciando-se sobre as arguidas nulidades da sentença, considerou que as mesmas se não verificavam.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«A recorrente começa por invocar a nulidade da sentença recorrida, por alegada omissão de pronúncia. Alega concretamente que a sentença recorrida não conheceu da caducidade do direito de liquidar, não identificando as demais questões cujo conhecimento alegadamente terá sido omitido.
Porém, salvo lamentável erro, não se vê que a questão da caducidade do direito à liquidação tenha sido suscitada na petição de recurso de fls. 32 e sgs.
Não procederá, pois, a invocada nulidade.
Alega ainda a ora Recorrente, reiterando o que levou à sua petição de recurso, que a decisão que aplicou a coima padece de falta de fundamentação, que afectará também a sentença recorrida na medida em que esta se limita a reiterar a fundamentação daquela.
Contudo, a eventual falta de fundamentação da decisão que aplicou a coima não é fenómeno susceptível de se repercutir, afectando-a desse vício, sobre a sentença que se tenha pronunciado pela não verificação desse defeito formal na decisão recorrida. A falta de fundamentação da sentença pode é ser geradora de nulidade, nos termos do art. 125.º do CPPT, o que no caso da fundamentação de direito só ocorre, como vem sendo jurisprudência deste STA, quando a omissão seja total, despropositada, ininteligível ou constitua mera aparência de fundamentação (cfr., a propósito, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, anot. 8 ao art. 125.º, 2000, p 544). No caso, tal não se verifica, salvo melhor entendimento.
Quanto à falta de fundamentação da decisão que aplicou a coima e quanto a saber se essa contém os elementos que esclareçam como se chegou ao concreto valor fixado para a coima, trata-se de questões que foram tratadas na decisão recorrida em termos que não são minimamente afrontados pela ora Recorrente, sendo certo que o objecto dos recursos jurisdicionais é a decisão recorrida e não os eventuais actos apreciados nessa decisão que apenas mediatamente serão objecto de conhecimento no âmbito da instância de recurso. Sempre se dirá, no entanto, na linha da sentença recorrida, que não se vê que a decisão de aplicação da coima recorrida padeça do vício de forma que lhe é assacado.
Com efeito, para além de conter a descrição sumária dos factos (no caso, mais que sumária) e a indicação das normas violadas e punitivas, como é exigido pelo art. 79.º, n.º 1, al. b) do RGIT, por forma a permitir ao arguido o efectivo exercício da defesa, contém ainda tal decisão, em conformidade com a al. c) do mesmo preceito, a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima. E, se bem que elementar, esse facto não prejudica o exercício dos direitos de defesa do arguido pois, como é jurisprudência deste STA, sendo a coima fixada no limite mínimo abstractamente aplicável, como é o caso, ou num valor próximo desse limite, a “indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima – perde o seu significado essencial: o arguido não tem necessidade de conhecer os elementos que contribuíram para a fixação da coima pois não pode diminuir o seu valor (...)” (cfr., nesse sentido, entre outro, os doutos acórdãos de 02.11.2006 – P. 0435/06 e de 12.12.2006 – P. 01045/06). O ora Recorrente, na Conclusão 25 da sua Alegação de recurso, parece querer referir que outro seria montante mínimo mas sem razão porquanto o art. 26.º, n.º 4 do RGIT, mencionado, aliás, na decisão que aplicou a coima, é claro ao referir que tratando-se, como é o caso, de uma sociedade, ainda que irregularmente constituída, os limites mínimo e máximo das coimas previstas nos diferentes tipos legais de contra-ordenação são elevados para o dobro.
Questiona ainda a ora Recorrente a legalidade do acto de notificação da decisão que aplicou a coima pelo facto de não ser claro quem assina a notificação que lhe foi remetida para efectuar o pagamento da coima aplicada.
Contudo, o acto de notificação, sendo exterior ao acto notificado, não se integra, salvo disposição em contrário, na formação deste. Por isso, as irregularidades de que eventualmente padeça o acto de notificação, o que não se afigura ser o caso, não se reflectem, em princípio, sobre o acto notificado, não afectando a sua validade.
Certo é que o objectivo da notificação é levar ao conhecimento dos interessados o acto notificado por forma a permitir a eventual reacção contenciosa ou administrativa por parte destes e, no caso dos autos, é seguro que a notificação se efectivou possibilitando ao notificado o uso pleno dos meios de reacção que a lei lhe confere, tendo em vista a revogação ou alteração da decisão que aplicou a coima.
No que concerne à prescrição, questão que não foi suscitada na petição de recurso da decisão que aplicou a coima e sobre a qual a sentença recorrida não se pronunciou, o que o ora Recorrente alega na “Conclusão 25” da sua Alegação é que “o procedimento da contra-ordenação em causa que incide e tem por base e fundamento o imposto de € 53.311,22, que já existia na conta do Caixa, a 31 de Dezembro de 2007, já se extinguiu, por efeito de prescrição”. Explicitando essa questão, refere o Recorrente na motivação do recurso, a fls. 104 v, que “(...) considerando que a coima é determinada em função do imposto em falta, e considerando que, segundo parece, parte do imposto em falta que lhe é imputad(a) já o estaria em data anterior a Dezembro de 2007, tal imposto foi atingido pela prescrição, e parte da coima correspondente a esse imposto também o foi” (sublinhado nosso).
Não é tarefa fácil apreender, na sua real dimensão, o conteúdo desta alegação que, para além disso, como se extrai do que vem referido, assenta em factos meramente hipotéticos (“segundo parece”) que, salvo melhor entendimento, não encontram qualquer apoio ou ânimo no mundo real dos factos que resultaram provados, nem sequer foram invocados na petição de recurso da decisão que aplicou a coima. De facto, de acordo com o que resulta dos factos provados e da decisão que aplicou a coima a data considerar como data da infracção em causa é o dia 06.11.2012, pelo que, mesmo desconsiderando eventuais causas de suspensão ou interrupção, pode afirmar-se que não operou a invocada prescrição».

1.7 Foi dada vista aos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.8 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu efectuou o julgamento da matéria de factos nos seguintes termos:

«Com interesse para a decisão a proferir ficou assente a seguinte factualidade:

A) Na sequência de acção de inspecção realizada no cumprimento da ordem de serviço n.º OI2012010478 em 26/12/2012 foi elaborado o relatório definitivo de inspecção e também o auto de notícia que deu origem ao processo de contra-ordenação cujo recurso ora se aprecia (cfr. auto de fls. 8 destes autos e 11 a 17 da Reclamação Graciosa apensa na contracapa que aqui dou por integralmente reproduzidos, o mesmo se dizendo dos documentos que de seguida se referirão);

B) Um e outros dados a conhecer à Arguida (vide fls. 13 destes autos e 10 do aludido apenso);

C) A notificação do auto de notícia foi nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 70.º do RGIT tendo a Arguida apresentado defesa (cfr. fls. 13 e segs. destes autos);

D) Foi proferida decisão, em 2013-09-10, que aplicou à Arguida a coima de € 5.364,01 (vide fls. 27 a 29);

E) Decisão comunicada à Arguida através do ofício n.º 6268 emitido em 10 de Setembro de 2013 (cfr. docs. de fls. 30 replicado a fls. 49);

F) A Arguida, em resposta à comunicação vinda de referir, em 02-10-2014 apresentou o recurso da referida decisão (vide fls. 31 e segs.);

G) A Arguida não se conformando com as correcções realizadas em sede de inspecção, correcções que também estiveram na base da emissão do auto de notícia, apresentou em 29-04-2013 (expedida via postal no dia 25) Reclamação Graciosa, a qual depois de ter sido a Reclamante notificada para exercer o direito de audição, foi indeferida por despacho proferido em 20-06-2013 e dado a conhecer à Reclamante seis dias depois (cfr. apenso já referido constituído pela RG)».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência da notificação de que lhe fora aplicada uma coima pela prática de um ilícito contra-ordenacional de natureza tributária – falta de entrega de IRS que, devendo ter sido deduzido, o não foi –, a Arguida fez dar entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu recurso judicial dessa decisão administrativa, ao abrigo do art. 80.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), alegando (O Recorrente sujeitou a sua alegação a cinco epígrafes, quais sejam «DA COMPETÊNCIA DOS INTERVENIENTES», «DA FUNDAMENTAÇÃO», «DA MEDIDA DA COIMA», «DA NULIDADE DA NOTIFICAÇÃO» e «DAS INFRACÇÕES EM PARTICULAR».) i) que ignora quem levantou o auto de notícia, que lhe não foi notificado, pelo que «[n]ão tem, assim, forma de averiguar se o funcionário que o redigiu é competente ou não», o que, a seu ver, tem como consequência a nulidade (A Recorrente não diz se a nulidade se reporta ao auto de notícia, à decisão administrativa de aplicação da coima ou a qualquer outro acto. ), ii) que a decisão recorrida não está devidamente fundamentada, por falta de «descrição sumária dos factos» e por falta de referência à notificação do despacho para exercício do direito de audiência e apresentação de defesa e por falta de referência ao exercício desse direito, pelo que invoca expressamente «a nulidade por falta de notificação do despacho para audição e apresentação de defesa» e a «nulidade da decisão por não conter a descrição dos factos constitutivos da contra-ordenação», iii) a falta de indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da medida da coima, que devem respeitar os princípios da graduação das coimas, que determina a nulidade da decisão por falta de fundamentação, iv) «nulidade» da notificação porque «nem sequer se percebe quem efectivamente assina o referido ofício [remetido para notificação] e ao abrigo de que competências» e, apesar disso, porque a Arguida concluiu que «o acto de notificação foi realizado por quem não tinha poder para tal», motivo por que considera que «ao não terem sido especificados os poderes para a realização do acto de notificação, nem tão pouco tal constar dos actos que o delegado pode praticar, implica a nulidade da notificação efectuada» e, finalmente, v) a nulidade da decisão administrativa decorrente da falta de fundamentação do conceito de normalização contabilística que a mesma decisão considera ter sido violada.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, apreciando o recurso, julgou-o improcedente e manteve a decisão de aplicação da coima. Em síntese, considerou que eventuais dúvidas da Arguida quanto à identidade do autuante e respectiva competência deveriam ter sido suscitadas na sequência da notificação que lhe foi efectuada nos termos do art. 70.º do RGIT, motivo por que não ocorre a invocada nulidade prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 63.º do mesmo Regime; que da decisão administrativa da aplicação da coima constam quer as normas que prevêem e punem os factos descritos quer, por remissão para a informação que a antecede, os pressupostos da fixação do montante da coima, aliás dispensável por esta ter sido fixada no seu patamar mínimo; que a notificação da decisão pode ser efectuada por qualquer funcionário do serviço de finanças sem necessidade de qualquer delegação de competências; que eventual falta de fundamentação das correcções operadas em sede de IRS ou falta de conhecimento da mesma é questão estranha ao recurso judicial, que, aliás, aguardou que fosse decidida a reclamação graciosa em que a questão foi suscitada.
A Arguida não se conformou com o assim decidido e recorreu da sentença para este Supremo Tribunal Administrativo. Começa por arguir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, na consideração de que a sentença não conheceu da questão da caducidade do direito de liquidar. Depois, sustenta que a sentença fez errado julgamento quanto à questão da falta de fundamentação da decisão administrativa – defendendo que essa falta de fundamentação se repercute na própria sentença, passando esta a enfermar também desse vício (nulidade da sentença) –, insistindo na tese de que aquela não está fundamentada nem de direito nem de facto, designadamente relativamente à liquidação do imposto em falta. De seguida, considera que a sentença também fez errado julgamento e incorreu em nulidade por falta de fundamentação ao não ter reconhecido que a notificação da decisão administrativa enfermava de nulidade por vir assinada por quem não é o chefe do serviço de finanças, nem haver menção ao acto de delegação de competências e sua publicação no jornal oficial. Depois, considera que a sentença fez errado julgamento no que se refere à questão da fixação da medida da coima, não podendo, como o fez o Juiz, considerar-se que a coima foi fixada no mínimo, pois, ao invés, foi fixada perto do seu máximo. Finalmente, invoca a Recorrente a prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Passemos, pois, a considerar as questões suscitadas pela Recorrente.

2.2.2 DA NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA QUANTO À QUESTÃO DA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO

É certo que o art. 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), aplicável por remissão sucessiva dos arts. 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), e da alínea b) do art. 3.º do RGIT, determina a nulidade da sentença «[q]uando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
No entanto, compulsado o articulado por que a Arguida deduziu o recurso judicial da decisão de aplicação da coima e vistas as conclusões aí formuladas em obediência ao disposto na parte final do n.º 3 do art. 59.º do RGCO, não vislumbramos que a referida questão tenha sido suscitada.
Improcede, pois, a referida arguição de nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.

2.2.3 DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

Como deixámos dito, a alegação de falta de fundamentação foi efectuada – e, por isso, será tratada – sob uma dupla vertente: a do erro de julgamento em que incorreu a sentença quanto à questão da falta de fundamentação da decisão administrativa de aplicação da coima, questão expressamente suscitada pela Arguida no recurso judicial, e a da nulidade da sentença, «na medida em que […] limita-se a reiterar a fundamentação daquela [decisão administrativa]».
Começando por esta última (ou seja, pela nulidade da sentença recorrida), diremos, com o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, que eventual falta de fundamentação da decisão administrativa de aplicação de coima não se repercute na sentença que conheceu, julgando improcedente, a arguição do respectivo vício. A falta de fundamentação da sentença pode, isso sim, erigir-se em nulidade da sentença, como decorre do disposto nos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, aplicável subsidiariamente nos termos acima referidos.
Em todo o caso, considerando a questão sob a óptica da nulidade da sentença, diremos que esta se encontra fundamentada, pois, como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto, a nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre «quando ocorra falta absoluta de fundamentação» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 7 ao art. 125.º, págs. 357 a 360, sendo a citação de fls. 357.), o que não sucede no caso.
Improcede, assim, a arguida nulidade da sentença por falta de fundamentação.
Questão diferente, mas que se coloca, já não ao nível da validade formal da sentença recorrida, mas ao nível da sua validade material, é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento ao considerar que a decisão administrativa estava devidamente fundamentada.
A este propósito, a Recorrente, no essencial, repete a argumentação que aduziu aquando do recurso judicial, parecendo ignorar que o objecto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não a decisão administrativa.
Seja como for, afigura-se-nos que a decisão administrativa, como bem decidiu a sentença, está suficientemente fundamentada: contém a descrição, bem mais do que sumária, dos factos e indica as normas que prevêem e punem o ilícito contra-ordenacional e, bem assim, indica os elementos que contribuíram para a fixação da coima, respeitando assim as exigências formuladas no art. 79.º, n.º 1, alíneas b) e c), respectivamente, do RGIT.
Tenha-se presente que as exigências de fundamentação da decisão administrativa de aplicação da coima se relacionam com a possibilidade do exercício do direito de defesa, com o permitir-se ao arguido conformar-se com a decisão ou reagir contra ela. Assim, os requisitos do art. 79.º do RGIT para a decisão condenatória proferida no processo contra-ordenacional tributário, que «visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar aquela decisão. Por isso as exigências aqui [no art. 79.º do RGIT] feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, Áreas Editora, 2.ª edição, nota 1 ao art. 79.º, pág. 468.).
É certo que os elementos relevados na determinação da medida concreta da coima, em cumprimento do disposto no art. 27.º do RGIT, foram descritos de modo sintético e padronizado, mas, ainda assim, suficiente (Com interesse, vide o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 25 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 382/15, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21 de Setembro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2015/32220.pdf), págs. 2334 a 2338, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/96227826215066e080257e770035334c.). Aí foram considerados os seguintes elementos: «actos de ocultação», «benefício económico», «frequência da prática», «negligência», «obrigação de não cometer a infracção», «situação económica e financeira» e «tempo decorrido desde a prática da infracção»; elementos que foram ponderados nos seguintes termos, respectivamente: «não», «0,00», «acidental», «simples», «não», «baixa» e «< 3 meses».
Em todo o caso, como bem salientaram o Juiz do Tribunal a quo e o Procurador-Geral Adjunto, porque a coima foi fixada no mínimo legal, a eventual falta de indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima perde significado, porque insusceptível de comprometer os direitos de defesa da Arguida (Nesse sentido, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 12 de Dezembro de 2006, proferido no processo n.º 1045/06, publicado no Apêndice ao Diário da República de 16 de Novembro de 2007 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2006/32240.pdf), págs. 2228 a 2231, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/645a53890508e81b80257261004e2de0;
- de 6 de Novembro de 2008, proferido no processo n.º 619/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Maio de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32240.pdf), págs. 1256 a 1259, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8ec037fb7e9bf2478025750100384141;
- de 20 de Janeiro de 2010, proferido no processo n.º 1037/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32210.pdf), págs. 125 a 128, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/922ccee89ce47878802576b700343eff.).
Nem se diga, como a Recorrente na conclusão com o n.º 19, que o limite mínimo da coima abstractamente aplicável é inferior ao concretamente aplicado (€ 2.682,01 e € 5.364,01, respectivamente). Na verdade, a Recorrente parece desprezar o facto de ser uma sociedade e, portanto, de lhe ser aplicável o disposto no n.º 4 do art. 26.º do RGIT, nos termos do qual «os limites mínimo e máximo das coimas previstas nos diferentes tipos legais de contra-ordenação, são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada», como bem assinalou a decisão de aplicação da coima.
Não pode proceder, pois, o recurso nem com fundamento em nulidade da sentença por falta de fundamentação nem com fundamento em erro de julgamento quanto à questão da falta de fundamentação da decisão administrativa de aplicação da coima.

2.2.4 DO ACTO DE NOTIFICAÇÃO

Quanto ao acto de notificação da decisão de aplicação da coima, continua a Recorrente a insistir na ilegalidade do mesmo, se bem que, também aqui, pareça desprezar o conteúdo da sentença.
Alega que aquela notificação se encontra assinada por quem «não é o Chefe de Finanças, nem agiu por delegação», sendo que a falta de tal menção afecta a validade do acto.
Salvo o devido respeito, e como resulta do que ficou dito na sentença recorrida, enquanto eventual incompetência para a decisão do processo de contra-ordenação poderia determinar a invalidade desse acto, a eventual irregularidade na comunicação do acto apenas poderia repercutir-se na eficácia do mesmo e já não na sua validade [cfr. art. 132.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), na redacção do Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro].
Como também bem referiu o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo «o acto de notificação, sendo exterior ao acto notificado, não se integra, salvo disposição em contrário, na formação deste. Por isso, as irregularidades de que eventualmente padeça o acto de notificação, o que não se afigura ser o caso, não se reflectem, em princípio, sobre o acto notificado, não afectando a sua validade».
A Recorrente não explica, nem nós vislumbramos, em que medida os seus direitos ou até os seus interesses legítimos poderão ter sido afectados pelo facto de o ofício para notificação – que não a decisão de aplicação da coima, note-se bem – não ser assinada pelo Chefe do Serviço de Finanças ou por que o funcionário que o assinou só o poderia fazer ao abrigo de delegação de competências.
O acto de comunicação ao interessado do acto (decisão de aplicação de coima) não constitui ele mesmo um acto administrativo, motivo por que, contrariamente ao que parece supor a Recorrente, nunca ficaria sujeito aos requisitos do art. 37.º do CPA, na referida redacção.
O recurso também não pode ser provido com fundamento em erro de julgamento no que se refere à notificação da decisão de aplicação da coima.

2.2.5 DA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL

Sendo certo que nada obsta a que se aprecie a questão (Quer porque a prescrição constitui matéria do conhecimento oficioso, quer porque em sede de recurso jurisdicional da decisão proferida em processo de contra-ordenação o tribunal de recurso não fica limitado pela alegação do recorrente, antes tendo amplos poderes de cognição.), afigura-se-nos manifesto que não se verifica a prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Na verdade, os factos a que se refere o ilícito por que a ora Recorrente foi condenada no processo de contra-ordenação referem-se ao ano de 2012 (6 de Novembro de 2012, de acordo com o auto de notícia e com a decisão que aplicou a coima), motivo por que fácil se torna concluir que nunca poderia ter-se como prescrito o procedimento contra-ordenacional, uma vez que o prazo de prescrição se conta da data do facto (cfr. art. 33.º, n.º 1, do RGIT).
Como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, não é fácil alcançar a alegação da Recorrente no que a esta questão se refere. Na verdade, na conclusão com o n.º 25 afirma, enigmaticamente, que «o procedimento da contra-ordenação em causa que incide e tem por base e fundamento o imposto de € 53.311,22, que já existia na conta do Caixa, a 31 de Dezembro de 2007, já se extinguiu, por efeitos de prescrição, de acordo com o disposto nos arts. 3.º e 33.º, ambos do RGIT, 27.º A e 28.º, ambos do RGCO». Procurando avançar na interpretação, também as alegações não nos fornecem subsídio bastante, pois a Recorrente, na motivação do recurso não explica suficientemente se pretende referir o facto ilícito a 2007 e porquê, limitando-se a afirmar que, «considerando que a coima é determinada em função do imposto em falta, e considerando que, segundo parece, parte do imposto em falta que lhe é imputad(a) já o estaria em data anterior a Dezembro de 2007, tal imposto foi atingido pela prescrição, e parte da coima correspondente a esse imposto também o foi».
Aliás, como também bem realçou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, a alegação «assenta em factos meramente hipotéticos (“segundo parece”) que, salvo melhor entendimento, não encontram qualquer apoio ou ânimo no mundo real dos factos que resultaram provados, nem sequer foram invocados na petição de recurso da decisão que aplicou a coima».
Não se verifica, pois, a invocada prescrição do procedimento contra-ordenacional.

2.2.6 CONCLUSÕES

Improcedem, pois, todos os fundamentos do recurso e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Contendo a decisão de aplicação da coima a descrição dos factos e a indicação das normas que prevêem e punem a contra-ordenação, não se verifica a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT.
II - Se foram indicados os elementos ponderados na fixação em concreto da coima, a decisão que a aplicou não enferma da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT, que, ademais, nunca se verificará se a coima foi fixada no mínimo legal.
III - A notificação destina-se a dar a conhecer o acto, motivo por que eventual irregularidade da mesma não contende com a validade do mesmo, mas apenas com a sua eficácia.
IV - A prescrição do procedimento contra-ordenacional começa a contar-se da data do facto, como decorre do n.º 1 do art. 33.º do RGIT.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 14 de Dezembro de 2016. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia –Casimiro Gonçalves.