Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0186/13.4BEBJA
Data do Acordão:02/16/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRC
AMORTIZAÇÃO DO ACTIVO
TERRENO SUBMERSO POR ALBUFEIRA
Sumário:Os valores contabilizados a título de amortização de terrenos, incluindo os expropriados e submersos, integrantes da bacia/albufeira de barragem objeto de contrato de concessão, por parte do Estado, tal como, os dos terrenos em geral, não são dedutíveis para efeitos fiscais, concretamente, para determinação do lucro tributável, nos termos do art. 17.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).
Nº Convencional:JSTA000P28971
Nº do Documento:SA2202202160186/13
Data de Entrada:01/11/2022
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:EDIA - EMPRESA DE DESENVOLVIMENTO E INFRA-ESTRUTURAS DO ALQUEVA, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.


A representação da Fazenda Pública (rFP) interpôs recurso de revista (excecional), visando acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), datado de 28 de novembro de 2019, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional, dirigido contra sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja, julgando improcedente impugnação judicial, de, entre outros ( Por decisão, transitada em julgado, ao processo (presente) n.º 186/13.4BEBJA foram apensados, em 1.ª instância, os processos n.º 187/13. BEBJA n.º 92/14. BEBJA.), atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), do exercício de 2010 (mantidos na sequência de indeferimento de reclamação graciosa), apresentada por EDIA - Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva, S.A., …
A recorrente (rte) alegou e concluiu: «

a) A questão que se pretende ver melhor analisada pelo tribunal ad quem no presente recurso, é a de saber se, as amortizações de um terreno, incorporado na bacia de uma barragem objeto de um contrato de concessão, são dedutíveis ao resultado fiscal;

b) Entende, a FP, que o acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação dos art.ºs 12.º do DR 25/2009, dos art.ºs 17.º, 29.º e 34.º, todos, do CIRC, pelo que, no nosso entendimento, não deve manter-se;

c) Na verdade, a questão acima identificada assume relevância social fundamental, porquanto, a situação apresenta contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, até porque, está em causa questão que revela especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a casos futuros do mesmo tipo, em que a utilidade da decisão extravasa, em muito, os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio;

d) Por outro lado, a mesma questão assume também relevância jurídica fundamental, uma vez que a questão a apreciar é de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior à comum;

e) In casu, o presente recurso é também absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito, porquanto, o acórdão aqui em crise incorre em erro de interpretação;

f) Desta forma, a necessidade de uma melhor aplicação do direito justifica-se, porquanto, em face das características do caso concreto, existe a possibilidade de este ser visto como um caso-tipo, não só porque contem uma questão bem caracterizada e passível de se repetir no futuro, como a decisão da questão se revela ostensivamente errada, juridicamente insustentável ou suscita fundadas dúvidas, o que gera incerteza e instabilidade na resolução dos litígios;

g) Entendeu o acórdão recorrido que:

«Nesta óptica, ao contrário do sustentado pela recorrida, não há qualquer contrariedade entre as normas contabilísticas e as normas fiscais, sendo a interpretação que se nos afigura correta plenamente compatível com o disposto no artigo 17º. Código do CIRC.»;

h) Do teor dos preceitos, nomeadamente dos art.ºs 29.º e 34.º do CIRC, as depreciações e amortizações dos ativos de uma empresa, para efeitos fiscais, estão associadas ao seu deperecimento;

i) Pelo que, também os terrenos são amortizáveis ou depreciáveis, apenas quando sujeitos a deperecimento, o que não é, claramente, o caso;

j) Ora, para o acórdão recorrido, os terrenos ao serem qualificados como ativos fixos intangíveis, por aplicação da IFRIC – 12, podem ser objeto de amortização fiscal, nos termos do art.º 12.º n.º 1 do DR 25/2009;

k) Contudo, a nosso ver, esta norma fiscal (art.º 12.º n.º 1 do DR 25/2009) não prevê a aceitação da amortização relativa a aquisições de terrenos submersos;

l) Além disso, o DR 25/2009, que visou operacionalizar o regime fiscal das amortizações previsto no CIRC, estabelece como critério-regra que «Podem ser objecto de depreciação ou amortização os elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis e as propriedades de investimento (…)». (In, art.º 1.º do DR 25/2009);

m) E, o art.º 10.º do mesmo DR, vem estabelecer que, para «[e]feitos do cálculo das respectivas quotas de depreciação, é excluído o valor do terreno ou, tratando-se de terrenos de exploração, a parte do respectivo valor não sujeita a deperecimento»;

n) Em ordem ao que antecede, defendemos que as amortizações ou reintegrações relativas aos terrenos, ainda que submersos, não podem ser aceites como custos/gastos fiscais;

o) Acompanhando esta posição, o Douto voto vencido proferido pela Juíza Desembargadora Anabela Russo, no acórdão do TCA Sul n.º 268/15.8BEBJA (relativa à mesma questão e mesma Impugnante - consultável em http://www.dgsi.pt) refere que:

«[a] lei fiscal não admite que as amortizações e reintegrações, ainda que registadas contabilisticamente, relativas a custos de aquisição de terrenos, e mesmo que se entendesse que fazem parte integrante de uma barragem ou de qualquer outra infraestrutura (e não fazem, como na tese que obteve vencimento se concedeu), sejam relevadas fiscalmente (…)»;

p) O modelo da dependência parcial do direito fiscal face ao direito da contabilidade consagrado pelo legislador, implica que o ponto de partida para a determinação do resultado fiscal seja o resultado contabilístico, desempenhando a contabilidade uma função instrumental, mas o resultado contabilístico está sujeito a correções fiscais decorrentes das regras que o CIRC impõe, como resulta do art.º 17.º do mesmo diploma legal, que estabelece que:

«O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.» (…);

q) Como refere o Professor José Casalta Nabais, in “Direito Fiscal”, 4.ª Edição, Almedina, pg. 577, “o lucro contabilístico está sujeito a correcções, pois determinados proveitos ou custos contabilísticos não são havidos como tal no apuramento do lucro fiscal (…).”;

r) Daí que, com o devido respeito, que é muito, não podermos concordar com a decisão proferida, porque colide com o princípio da dependência parcial do IRC face às normas contabilísticas;

s) Por outras palavras, existindo norma fiscal, como é o caso, esta prevalece sobre qualquer norma contabilística;

t) Assim sendo, conclui-se que os terrenos submersos que integram a bacia de uma barragem, ainda que objeto de um contrato de concessão, não estão sujeitos a deperecimento, não sendo, por isso, fiscalmente amortizáveis;

u) Em suma, tal como concluiu o aludido voto vencido:

«[s]ó podem originar amortizações ou reintegrações bens que estejam sujeitos a deperecimento (perda de valor). O que não sucede precisamente com os terrenos, face ao artigo 34.º, nº 1, alínea b), do mesmo código.»;

v) Há assim que concluir que, na decisão proferida pelo TCA Sul, a matéria aqui em crise foi tratada de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo, objetivamente, útil, a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema;

w) Acresce que, a questão subjacente ao presente recurso não tem uma natureza meramente casuística, sendo previsível que a sua solução tenha, ou possa vir a ter, repercussões noutras situações, dada a sua abrangência;

x) Entende, assim, a FP, que está em causa (neste processo) a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental, bem como que, a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, devendo, nestes termos, ser sujeita ao escrutínio da mais alta instância judicial tributária.

Nestes termos, e nos mais de direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso de Revista ser admitido, sendo conhecido do seu mérito e, em consequência, ser dado como procedente, por provado, sendo anulado o acórdão recorrido, por ilegal, e substituído por outro que julgue totalmente improcedente a Impugnação Judicial, com todas as legais consequências, assim se cumprindo, por VOSSAS EXCELÊNCIAS, com o DIREITO e a JUSTIÇA!

Mais se requer a Vossas Excelências, se dignem ordenar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do número 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais (e dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da igualdade, do acesso ao direito e da garantia da tutela jurisdicional efetiva), tudo com as legais consequências.»


*

Não houve lugar à formalização de contra-alegações.

*

Pelos Exmos. Conselheiros integrantes da formação preliminar, em acórdão proferido a 9 de dezembro de 2021, foi decidido admitir a revista, para ser versada «a (questão) de saber se “as amortizações de um terreno, incorporado na bacia de uma barragem objecto de um contrato de concessão, são dedutíveis ao resultado fiscal …”».

*

O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, concluindo que deve ser concedido provimento ao recurso e revogado o acórdão recorrido.

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Cumpridas as formalidades legais, compete-nos conhecer e decidir.

*******

# II.

No acórdão sob revista, em sede de julgamento factual, consta: «

» Comum aos Processos de Impugnação apensos

A) A Impugnante é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos apresentando-se como a entidade gestora do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva;

B) Independentemente do objeto social da Impugnante, encontra-se a mesma com a atividade declarada em termos fiscais de engenharia hidráulica, esta com o CAE 42910;

C) Encontra-se, como tal, enquadrada como sujeito passivo de imposto;

D) Em 18/10/2012 a Impugnante deu entrada a requerimento, na Direcção de Finanças de Beja, anexando-lhe cópia da informação n° 1888/2012 da DSIRC, relativa ao pedido de autorização de utilização de um método de depreciação diferente do estipulado no Decreto-Regulamentar n° 2/90, de 12/01 contendo a seguinte conclusão:

"Face ao exposto ao longo desta informação, somos de parecer que, ao abrigo, do n° 3 do art. 30° do CIRC conjugado com o n° 3 do art. 4° do Decreto Regulamentar n° 25/2009, de 14 de setembro, poderá ser reconhecido, para efeitos fiscais, um método de reintegração que terá por base o perfil de geração de proveitos de acordo com o plano apresentado pela requerente.

No entanto há que considerar que nem todos os investimentos efectuados pela EDIA são passíveis de amortização ao abrigo da lei fiscal pelo que se exclui desta autorização a amortização fiscal do valor dos terrenos submersos por se entender que os mesmos não sofrem qualquer deperecimento.";

»» Comum aos Processos de Impugnação n°s 186/13.BEBJA e 187/13.BEBJA

E) Na sequência das ordens de serviço n°s 01201200221/222, ambas determinadas por despacho do Chefe de Divisão de Inspecção Tributária datado de 05/11/2012, foi realizada acção de inspeção à Impugnante com o objectivo de observar a sua realidade tributária, incidindo em IRC sobre os anos de 2010 e 2011;

F) Na sequência desta acção de inspecção interna foi elaborado relatório definitivo em 26/12/2012 concluindo da seguinte forma:

(...) Da consulta aos elementos de contabilidade verificámos que a empresa depreciou e considerou como gasto do exercício do ano de 2010 relativamente aos terrenos submersos o montante de € 1.276.286,04, apurado de acordo com o mapa e documentos apresentados pela empresa que fazem parte integrante do anexo 1. Note-se que no mapa de apuramento está um valor negativo que de acordo com o Técnico Oficial de Contas da Empresa decorre de correcções aos valores do investimento que serviu de base à criação das fichas de imobilizado definitivo e/ou de transferências entre fichas.

Os elementos de contabilidade do ano de 2011 relevam que o sujeito passivo depreciou e considerou como gasto do exercício relativamente aos terrenos submersos o montante de € 1.946.249,08, apurado de acordo com o mapa e documentos apresentados pela empresa que fazer parte integrante do anexo 2. Note-se que no mapa de apuramento existem valores negativos que de acordo com o Técnico Oficial de Contas de base à criação das fichas de imobilizado definitivo ei de transferências entre fichas.

Face ao exposto, a depreciação dos terrenos submersos não tem relevância em termos fiscais e não há qualquer apoio na lei fiscal que permita o seu acolhimento. Os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimento salvo os terrenos de exploração e os destinados a entulheiras os quais perdem valor respectivamente em função do esgotamento ou em função da superfície degradada pelo que os terrenos em apreço (submersos) não configuram nenhuma daquelas excepções, ou seja, estas depreciações não são aceites como custos para efeitos fiscais por se entender que os mesmos não sofrem qualquer deperecimento nos termos da alínea b) do n° 1 do art. 34.º do CIRC.

Deste modo, é devida uma correcção positiva ao lucro tributável da empresa nos anos de 2010 e 2011 nos montantes de € 1.276.286,04 e € 1.946.249,08, respetivamente, (...)";

G) Notificada que foi quanto ao projecto do relatório a Impugnante não exerceu o direito de audição;

»» Processo de Impugnação n°s 186/13.BEBJA

H) Na sequência do relatório elaborado e conclusões descritas em F), em 17/12/2012 e 28/12/2012 foram emitidas as liquidações com os n°s 20128310052410 e 20122310438852 referente a IRC do exercício de 2010 apurando imposto a pagar pela Impugnante respetivamente no valor de 1.554,08 € e 55.805,67 € sendo fixado o seu termo de pagamento em 04/02/2013 e 04/03/2013;

I) Não se conformando com estas notas de liquidações apresentou, em 11/03/2013, reclamação graciosa contra as mesmas;

J) Sobre esta recaiu a seguinte informação elaborada pela Divisão de Tributação e Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Beja:

"A sociedade acima identificada vem reclamar (...) da liquidação oficiosa do IRC/2010 (...) alegando, em substância, que não se justifica nem tem fundamento o procedimento da inspecção tributária que concluiu pela correcção / expurgação do valor de € 1.290.247,24 respeitante a amortização de terrenos submersos.

4. No que respeita a estes argumentos e a toda a (extensa) exposição da reclamante (...) dir-se-á que toda a tese, que é coerente e congruente e que poderia ser suficiente se reportada a outros bens, carece no entanto e absolutamente de sentido porque enferma de um vício na sua base nuclear: o caso, o primeiro pressuposto errado é que os terrenos submersos de uma barragem não estão contemplados pelo art. 1, n° 1 do DR n° 2/90 (vigente ao tempo), uma vez que não são elementos do activo imobilizado «sujeitos a deperecimento».

5. E foi exactamente isto que ficou perfeita e bastamente esclarecido na informação n° 1888/12 da DIRC: «os terrenos submersos não têm relevância em termos fiscais» e «os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimento» e «os terrenos em apreço não configuram nenhuma daquelas excepções» (relativas a terrenos que perdem valor em função do esgotamento ou em função da superfície degradada como os destinados a entulheiras ou terrenos de exploração).

6. Ao contrário do afirmado pela reclamante, este entendimento é válido para o período ex ante e ex post a concessão porque é um entendimento aplicável (in abstracto) a toda e qualquer situação de terrenos submersos por barragens independentemente das circunstâncias de espaço e de tempo.

7. Como ali se diz, (porque) é um entendimento resultante da natureza das coisas: da submersão do terreno não resulta necessariamente o seu deperecimento; do mesmo modo, aliás, que a construção de um prédio de habitação não implica o deperecimento do terreno em que assenta.

8. Talvez seja conveniente esclarecer que, como ensina qualquer dicionário: DEPERECER, v. intr. Perecer pouco a pouco, definhar (De de+perder) e DEPERECIMENTO, s. m. ato ou efeito de deperecer; desfalecimento gradual;

Consumpção.

9. Será igualmente útil esclarecer que este conceito de deperecimento (que é definhar ou desfalecer gradualmente) não é confundível com aqueloutra situação em que é dada a uma coisa uma utilidade diferente da primitiva ou usual, que é exactamente o que se passa com os terrenos submersos: anteriormente, teriam finalidades agropecuárias, agora têm a finalidade de suportar/conter as águas aprisionadas (como já se disse, o mesmo que passa com um terreno que antes era uma horta e depois passa a sustentar um prédio de habitação: num caso e outro, o terreno não sofreu qualquer definhamento/degradação da sua natureza, simplesmente passou a ter uma utilidade bem diferente).

10. Segundo a ordem da natureza e como é facilmente perceptível, a água de uma barragem não produz aquele efeito de deperecimento/definhamento nos terrenos que alaga, não os vai degradando gradualmente, aliás, em circunstâncias normais, o efeito produzido é contrário: com a matéria orgânica, mineral e outra que arrasta e deposita, enriquece é esses terrenos (quando deixarem de estar submersos).

11. Assim sendo as coisas, como efetivamente são, deixa de fazer sentido discutir-se o método e o período de amortizações — o que, ao fim e ao cabo, é o tema da reclamação e o móbil da reclamante.

12. A finalizar, uma breve nota sobre outro equivoco da reclamante: o destino final dos bens em causa e o seu arrolamento expresso ou tácito em qualquer tipo de contrato bem como as regras de contabilização dos mesmos bens como activos não alteram, como não podem alterar, conforme a ordem natural das coisas, o facto (natural) de serem ou não sujeitos a deperecimento por qualquer agente exógeno.

13. Deste modo, e em conclusão, porque os terrenos submersos não estão abrangidos pelo art. 1°/1 do DR n° 2/90 vigente ao tempo, as amortizações consideradas eram indevidas pelo que se impunha a correcção técnica e subsequentes liquidações adicionais que ora se contestam devendo ser indeferida a presente reclamação. (...)"

L) Com fundamento nesta informação foi elaborado despacho em 18/04/2013, pelo Director de Finanças em regime de substituição, que projectava o indeferimento do reclamado;

M) Notificada a sociedade Impugnante para, querendo, exercer o direito de audição, por meio de ofício datado de 18/04/2013 e recebido a 19/04/2013, silenciou;

N) Mediante despacho de 16/05/2013 foi convertido em definitivo aquele projectado despacho de indeferimento da reclamação graciosa formulada pela Impugnante;

O) Em 17/05/2013 recebeu o ofício que comunicava tal indeferimento;

P) Não se conformando com a mesma apresentou, em 30/05/2013, petição inicial que deu origem aos presentes autos;

»» Processo de Impugnação n° 187/13.BEBJA

Q) Na sequência do relatório elaborado e conclusões descritas em F), em 09/01/2013 foi emitida a liquidação com o n° 20138910000201 referente a IRC do exercício de 2011;

R) Não se conformando com esta nota de liquidação apresentou, em 11/03/2013, reclamação graciosa contra a mesma;

S) Sobre esta recaiu a seguinte informação elaborada pela Divisão de Tributação e Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Beja:

"A sociedade acima identificada vem reclamar (...) da liquidação oficiosa do IRC/2011 (...) alegando, em substância, que não se justifica nem tem fundamento o procedimento da inspecção tributária que concluiu pela correcção / expurgação do valor de € 1.290.247,24 respeitante a amortização de terrenos submersos.

(...)

4. No que respeita a estes argumentos e a toda a (extensa) exposição da reclamante (...) dir-se-á que toda a tese, que é coerente e congruente e que poderia ser suficiente se reportada a outros bens, carece no entanto e absolutamente de sentido porque enferma de um vício na sua base nuclear: o caso, o primeiro pressuposto errado é que os terrenos submersos de uma barragem não estão contemplados pelo art. 1, n° 1 do DR n° 2/90 (vigente ao tempo), uma vez que não são elementos do activo imobilizado «sujeitos a deperecimento».

5. E foi exactamente isto que ficou perfeita e bastamente esclarecido na informação n° 1888/12 da DIRC: «os terrenos submersos não têm relevância em termos fiscais» e «os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimento» e «os terrenos em apreço não configuram nenhuma daquelas excepções» (relativas a terrenos que perdem valor em função do esgotamento ou em função da superfície degradada como os destinados a entulheiras ou terrenos de exploração).

6. Ao contrário do afirmado pela reclamante, este entendimento é válido para o período ex ante e ex post a concessão porque é um entendimento aplicável (in abstracto) a toda e qualquer situação de terrenos submersos por barragens independentemente das circunstâncias de espaço e de tempo. 7. Como ali se diz, (porque) é um entendimento resultante da natureza das coisas: da submersão do terreno não resulta necessariamente o seu deperecimento; do mesmo modo, aliás, que a construção de um prédio de habitação não implica o deperecimento do terreno em que assenta.

8. Talvez seja conveniente esclarecer que, como ensina qualquer dicionário: DEPERECER, v. intr. Perecer pouco a pouco, definhar (De de+perder) e DEPERECIMENTO, s. m. ato ou efeito de deperecer; desfalecimento gradual;

consumpção.

9. Será igualmente útil esclarecer que este conceito de deperecimento (que é definhar ou desfalecer gradualmente) não é confundível com aqueloutra situação em que é dada a uma coisa uma utilidade diferente da primitiva ou usual, que é exactamente o que se passa com os terrenos submersos: anteriormente, teriam finalidades agropecuárias, agora têm a finalidade de suportar/conter as águas aprisionadas (como já se disse, o mesmo que passa com um terreno que antes era uma horta e depois passa a sustentar um prédio de habitação: num caso e outro, o terreno não sofreu qualquer definhamento/degradação da sua natureza, simplesmente passou a ter uma utilidade bem diferente).

10. Segundo a ordem da natureza e como é facilmente perceptível, a água de uma barragem não produz aquele efeito de deperecimento/definhamento nos terrenos que alaga, não os vai degradando gradualmente, aliás, em circunstâncias normais, o efeito produzido é contrário: com a matéria orgânica, mineral e outra que arrasta e deposita, enriquece é esses terrenos (quando deixarem de estar submersos).

11. Assim sendo as coisas, como efetivamente são, deixa de fazer sentido discutir-se o método e o período de amortizações — o que, ao fim e ao cabo, é o tema da reclamação e o móbil da reclamante.

12. A finalizar, uma breve nota sobre outro equivoco da reclamante: o destino final dos bens em causa e o seu arrolamento expresso ou tácito em qualquer tipo de contrato bem como as regras de contabilização dos mesmos bens como activos não alteram, como não podem alterar, conforme a ordem natural das coisas, o facto (natural) de serem ou não sujeitos a deperecimento por qualquer agente exógeno.

13. Deste modo, e em conclusão, porque os terrenos submersos não estão abrangidos pelo art. 1º/1 do DR n° 2/90 vigente ao tempo, as amortizações consideradas eram indevidas pelo que se impunha a correcção técnica e subsequentes liquidações adicionais que ora se contestam devendo ser indeferida a presente reclamação. (...)"

T) Com fundamento nesta informação foi elaborado despacho em 18/04/2013, pelo Director de Finanças em regime de substituição, que projectava o indeferimento do reclamado;

U) Notificada a sociedade Impugnante para, querendo, exercer o direito de audição, por meio de ofício datado de 18/04/2013 e recebido a 19/04/2013, silenciou;

V) Mediante despacho de 16/05/2013 foi convertido em definitivo aquele projectado despacho de indeferimento da reclamação graciosa formulada pela Impugnante;

V) Em 17/05/2013 recebeu o ofício que comunicava tal indeferimento;

Z) Não se conformando com a mesma apresentou, em 30/05/2013, petição inicial que deu origem aos presentes autos;

»» Processo de Impugnação n° 92/14.5BEBJA

AA) Na sequência da ordem de serviço n° 01201300269, determinada por despacho do Chefe de Divisão de Inspecção Tributária datado de 18/09/2013, foi realizada acção de inspeção à Impugnante com o objectivo de observar a sua realidade tributária, incidindo em IRC sobre o ano de 2012;

BB) Na sequência desta acção de inspecção interna foi elaborado relatório definitivo em 18/11/2013 concluindo da seguinte forma:

(...) Da consulta aos elementos de contabilidade verificámos que a empresa depreciou e considerou como gasto do exercício do ano de 2012, relativamente aos terrenos submersos o montante de € 1.964.201,03, apurado de acordo como mapa e documentos apresentados pela empresa que fazem parte integrante do anexo 1. Note-se que no mapa de apuramento está um valor negativo que de acordo com o Técnico Oficial de Contas da Empresa decorre de correcções aos valores do investimento que serviu de base à criação das fichas de imobilizado definitivo e/ou de transferências entre fichas. Note-se que no mapa de apuramento estão dois valores negativos que de acordo com o Técnico Oficial de Contas da Empresa decorre de correcções aos valores do investimento que serviu de base à criação das fichas de imobilizado definitivo ei de transferências entre fichas.

Face ao exposto, a depreciação dos terrenos submersos não tem relevância em termos fiscais e não há qualquer apoio na lei fiscal que permita o seu acolhimento. Os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimento salvo os terrenos de exploração e os destinados a entulheiras os quais perdem valor respectivamente em função do esgotamento ou em função da superfície degradada pelo que os terrenos em apreço (submersos) não configuram nenhuma daquelas excepções, ou seja, estas depreciações não são aceites como custos para efeitos fiscais por se entender que os mesmos não sofrem qualquer deperecimento nos termos da alínea b) do n° 1 do art. 34º do CIRC.

Deste modo, é devida uma correcção positiva ao lucro tributável da empresa no ano de 2012 no montante de € 1.964.201,03. (...)";

CC) Notificada que foi quanto ao projecto do relatório a Impugnante não exerceu o direito de audição;

DD) Na sequência do relatório elaborado e conclusões descritas em BB), em 25/11/2013 foi emitida a liquidação com o n° 20138910014467 referente a IRC do exercício de 2012;

EE) Não se conformando com esta nota de liquidação apresentou, em 07/01/2014, reclamação graciosa contra a mesma;

FF) Sobre esta recaiu a seguinte informação elaborada pela Divisão de Tributação e Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Beja:

3.1. No que respeita a estes argumentos e a toda a (extensa) exposição da reclamante (...) dir-se-á que toda a tese, que é coerente e congruente e que poderia ser suficiente se reportada a outros bens, carece no entanto e absolutamente de sentido porque enferma de um vício na sua base nuclear: o caso, o primeiro pressuposto errado é que os terrenos submersos de uma barragem não estão contemplados pelo art. 1º, n° 1 do DR n° 2/90 (vigente ao tempo), uma vez que não são elementos do activo imobilizado «sujeitos a deperecimento».

3.2. E foi exactamente isto que ficou perfeita e bastamente esclarecido na informação n° 1888/12 da DIRC: «os terrenos submersos não têm relevância em termos fiscais» e «os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimento» e «os terrenos em apreço não configuram nenhuma daquelas excepções» (relativas a terrenos que perdem valor em função do esgotamento ou em função da superfície degradada como os destinados a entulheiras ou terrenos de exploração).

3.3. Ao contrário do afirmado pela reclamante, este entendimento é válido para o período ex ante e ex post a concessão porque é um entendimento aplicável (in abstracto) a toda e qualquer situação de terrenos submersos por barragens independentemente das circunstâncias de espaço e de tempo.

3.4. Como ali se diz, (porque) é um entendimento resultante da natureza das coisas: da submersão do terreno não resulta necessariamente o seu deperecimento; do mesmo modo, aliás, que a construção de um prédio de habitação não implica o deperecimento do terreno em que assenta.

3.5. Talvez seja conveniente esclarecer que, como ensina qualquer dicionário: DEPERECER, v. intr. Perecer pouco a pouco, definhar (De de+perder) e DEPERECIMENTO, s. m. ato ou efeito de deperecer; desfalecimento gradual;

consumpção.

3.6. Será igualmente útil esclarecer que este conceito de deperecimento (que é definhar ou desfalecer gradualmente) não é confundível com aqueloutra situação em que é dada a uma coisa uma utilidade diferente da primitiva ou usual, que é exactamente o que se passa com os terrenos submersos: anteriormente, teriam finalidades agropecuárias, agora têm a finalidade de suportar/conter as águas aprisionadas (como já se disse, o mesmo que passa com um terreno que antes era uma horta e depois passa a sustentar um prédio de habitação: num caso e outro, o terreno não sofreu qualquer definhamento/degradação da sua natureza, simplesmente passou a ter uma utilidade bem diferente).

3.7. Segundo a ordem da natureza e como é facilmente perceptível, a água de uma barragem não produz aquele efeito de deperecimento/definhamento nos terrenos que alaga, não os vai degradando gradualmente, aliás, em circunstâncias normais, o efeito produzido é contrário: com a matéria orgânica, mineral e outra que arrasta e deposita, enriquece é esses terrenos (quando deixarem de estar submersos).

3.8. Assim sendo as coisas, como efetivamente são, deixa de fazer sentido discutir-se o método e o período de amortizações o que, ao fim e ao cabo, é o tema da reclamação e o móbil da reclamante.

3.9. A finalizar, uma breve nota sobre outro equivoco da reclamante: o destino final dos bens em causa e o seu arrolamento expresso ou tácito em qualquer tipo de contrato bem como as regras de contabilização dos mesmos bens como activos não alteram, como não podem alterar, conforme a ordem natural das coisas, o facto (natural) de serem ou não sujeitos a deperecimento por qualquer agente exógeno.

3.10. Deste modo, e em conclusão, porque os terrenos submersos não estão abrangidos pelo art. 1°/1 do DR n° 2/90 vigente ao tempo, as amortizações consideradas eram indevidas pelo que se impunha a correcção técnica e subsequentes liquidações adicionais que ora se contestam devendo ser indeferida a presente reclamação.

3.11. (Nota: entre parêntesis, note-se que o DR 25/2009 que revogou e substituiu o anterior regime é bem mais explícito no seu art. 1º, n° 1, referindo que só «podem ser objeto de depreciação ou amortização os elementos do activo (...) que, com carácter sistemático, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo» e também o seu art. 10/1 nos dá uma achega no mesmo sentido quando nos diz que «no caso de imóveis (...) é excluído o valor do terreno ou (...) a parte do respetivo valor não sujeita a deperecimento — o que nos faz remeter para o que dissemos anteriormente (...)";

GG) Com fundamento nesta informação foi elaborado despacho em 03/02/2014, pelo Director de Finanças em regime de substituição, de indeferimento do reclamado;

HH) Foi dispensado o exercício do direito de audição atento o teor exclusivamente de direito da questão;

II) Em 05/02/2014 recebeu o ofício que comunicava tal indeferimento;

JJ) Não se conformando com a mesma apresentou, em 18/02/2014, petição inicial que deu origem aos presentes autos;

LL) Contabilisticamente a Impugnante enquadrou a generalidade dos bens afetos ao Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva enquanto ativos fixos tangíveis até 01/01/2010;

MM) Após essa data tais bens foram reclassificados como ativos intangíveis conforme previsto na IRFRIC (International Financial Reporting Interpretations Comittee).

9.1.

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos constantes dos autos, designadamente juntos com as petições iniciais e constantes dos processos administrativos.

10.

FACTOS NÃO PROVADOS

Não resultaram por provar quaisquer factos com relevo para a decisão a proferir.

ADITAMENTO OFICIOSO DE FACTOS:

Nos termos do art.° 662.°/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

nn) Por contrato de concessão celebrado em 7 de Outubro de 2007 foi concessionada à recorrente, em regime de exclusivo, pelo prazo de 75 anos, a gestão do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva (EFMA), bem como a utilização do domínio público hídrico afecto a tal empreendimento, para fins de rega e exploração hidroeléctrica (fls. 249).

oo) Os imóveis integrantes da área geográfica do EFMA, que não integravam, na data referida na alínea anterior, o domínio público hídrico, foram expropriados, tendo a recorrente suportado os custos da expropriação;

pp) Nos termos da cláusula 7ª do contrato referido em nn), consideram-se afectos à concessão os imóveis adquiridos pela recorrente por via do direito privado ou mediante expropriação.

qq) Nos termos da cláusula 8ª a água das albufeiras, os seus leitos e margens, assim como as infra-estruturas que integram o sistema primário do empreendimento de fins múltiplos de Alqueva integram o domínio público do Estado.

rr) Nos termos do n.° 2 da cláusula 9.ª, os bens que não pertençam ao Estado revertem para este no termo da concessão, sem qualquer indemnização e livres de quaisquer ónus ou encargos;

ss) Nos termos da cláusula 24.°, n.ºs 5, 6 e 9, as receitas da recorrente provêm da cobrança de taxas sobre a utilização privada dos recursos hídricos e das taxas administrativas devidas pela atribuição de títulos de utilização;

tt) A recorrente solicitou à DGCI "autorização para utilizar um método de amortização diferente do estipulado no Decreto Regulamentar n.° 2/90, de 12 de Janeiro" (fls. 239 dos autos)

uu) Em relação a esse pedido foi prestada informação, referida em D) dos factos provados.

vv) A referida informação mereceu despacho de concordância da Subdirectora Geral de 04-10-2012;

xx) Por carta de datada de 20-01-2011 a Comissão de Normalização Contabilística comunicou à recorrente que a IFRIC 12 é aplicável ao contrato de concessão (fls. 264). »


***

Responder à questão, acima reproduzida, formulada pela formação preliminar, transporta-nos, sem reservas e delongas, para a discussão, análise, valoração e veredicto, do acórdão, deste STA, de 28 de abril de 2021, vertido no processo n.º 268/15.8BEBJA, votado por unanimidade; entretanto, repetidas e reafirmado, nos dois arestos coligidos no acórdão acolhedor desta revista.

Neste cenário, de consenso muito alargado, em obediência ao disposto no art. 8.º n.° 3 do Código Civil (CC) e usando da faculdade concedida pela 2.ª parte do n.° 5 do art. 663.° do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art. 281.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), porque concordamos, continuada e integralmente, com o que, ali, ficou decidido e respetiva motivação, remetemos para a fundamentação jurídica, adotada no aresto acima, expressamente, identificado, como suporte da decisão que se seguirá, incluindo no que tange à razão/justificação para estes autos terem de regressar ao TCAS.


*******

# III.

Pelo congregado destes fundamentos, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- conceder provimento ao recurso (revista excecional);

- revogar o acórdão recorrido;

- determinar a volta do processo, ao TCAS, para os fins identificados.


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Custas pela recorrida; posto que o valor da causa foi fixado (sem crítica das partes) em € 5.241.591,42 e presente o disposto no art. 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), dispensa-se, neste STA, o pagamento de (eventual) remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede € 275.000,00, em função, destacadamente, do cariz remissivo deste aresto.

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Não procedemos à junção de cópia do acórdão remetido, porque, além do mais, se encontra disponível no sítio www.dgsi.pt (com acesso livre).

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[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 16 de fevereiro de 2022. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.