Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0697/14.4BELRS
Data do Acordão:07/11/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOÃO SÉRGIO RIBEIRO
Descritores:TAXA
FORNECEDOR
COMUNICAÇÕES ELECTRONICAS
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - A questão essencial a resolver é a de saber se é necessário, para a aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, uma decisão do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral; ou se basta a desaplicação da norma com base em decisões do Tribunal Constitucional proferidas noutros processos semelhantes, mesmo que não digam respeito ao caso concreto em apreciação pelo Tribunal a quo.
II - Entendemos que em situações especiais como a que está em causa, tendo sido proferidos diversos acórdãos do Tribunal Constitucional que se pronunciaram sobre situações de facto em tudo idênticas à dos presentes e, sobretudo, pelo facto de o sujeito passivo não ter legitimidade para, junto daquele Tribunal, suscitar a fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade de normas, nos mesmos termos em que outros sujeitos passivos em situações de facto similares, mas no âmbito das quais, por não ter sido desaplicada a norma, tenham legitimidade para o efeito, será possível aplicar o artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, devendo ser atribuídos juros indemnizatórios.
III - Nega-se provimento ao recurso.
Nº Convencional:JSTA000P32516
Nº do Documento:SA2202407110697/14
Recorrente:ANACOM - AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES (doravante, ANACOM), devidamente identificada nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, de 06.02.2024, que julgou procedente a ação de impugnação judicial intentada por B..., S.A. (entretanto incorporada pela A..., S.A.), contra o ato de liquidação de Taxa Anual de Atividade de Fornecedor de Redes e Serviços de Comunicações Eletrónicas Escalão 2, relativa ao ano de 2013, no valor total de € 3 005 079, 26, na parte concernente à condenação no pagamento de juros indemnizatórios, veio dela interpor recurso para este Supremo Tribunal.

1.2. A Recorrente conclui da seguinte forma as suas alegações de recurso:
«…
1.ª O presente recurso é interposto per saltum da sentença de fls. 2614 a 2638, retificada por despacho de fls. 2639 (numeração dos autos no SITAF) na parte em que esta condenou a ANACOM, ora Recorrente, no pagamento de juros indemnizatórios;

2Nesse segmento, a sentença recorrida violou o disposto na alínea d) do n.° 3 do artigo 43.° da LGT, na redação dada pela Lei n.° 9/2019, encontrando-se em contradição com a jurisprudência desse Venerando Tribunal em matéria de desaplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade e suas consequências no plano do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios (vide Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.º 0107/17.5BEFUN e Acórdão do STA de 12.10.2022, proferido no processo n.º 01501/19.2BELRS);

3.ª Crê-se, com o devido respeito que, na parte recorrida, a sentença padece de erro de julgamento ou de erro de direito, na medida em que a aplicação do artigo 43.°, n.° 3, alínea d), da LGT, na redação da Lei n.º 9/2019, pressupõe uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, não sendo a existência de Acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional, noutros processos envolvendo as mesmas Partes, para desencadear a aplicação da referida norma da LGT, na redação resultante da Lei n.º 9/2019;

4.ª Decorre do Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário desse Venerando Tribunal (Acórdão de 30.01.2019, proferido no processo n.º 0564/18.2BALSB) que «Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante violação de normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP)»;

5.ª No caso em apreço e apesar de já terem sido proferidos diversos Acórdãos pelo Tribunal Constitucional, julgando inconstitucionais as normas em que se baseou a liquidação impugnada, todas essas decisões foram proferidas em processos de fiscalização concreta da constitucionalidade (recursos de constitucionalidade), não tendo sido proferido qualquer acórdão declarando a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nem estando em causa a violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias;

6.ª A ANACOM, ora Recorrente, encontra-se vinculada pelo princípio da legalidade e pela presunção de constitucionalidade das normas, estando impedida de recusar a aplicação ou desaplicar as normas dos n.ºs 1, 2, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, na redação aplicável à data da liquidação das respetivas taxas, na medida em que não foi declarada, pelo Tribunal Constitucional, a respetiva inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nem está em causa a violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias;

7.ª No entender da ANACOM, ora Recorrente, só existe obrigação de indemnizar com fundamento em julgamento de inconstitucionaiidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43.°, n.° 3, alínea d), da LGT, na redação da Lei n.° 9/2019, quando exista uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral;

8.ª Como nenhum destes pressupostos se verifica no caso em apreço, a apreciação do presente recurso, implica o esclarecimento da seguinte questão de direito:

para aplicar a norma do artigo 43.°, n.° 3, alínea d), da LGT, na redação da Lei n.° 9/2019, é necessária uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, ou basta a desaplicação da norma pelas instâncias, com base em decisões do Tribunal Constitucional proferidas noutros processos, envolvendo as mesmas partes, mesmo que não digam respeito ao caso concreto em apreciação pelo Tribunal a quo?

9.ª No entender da ANACOM, ora Recorrente, à luz dos Acórdãos do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.° 0107/17.5BEFUN, e de 12.10.2022, proferido no processo n.° 01501/19.2BELRS, só existe obrigação de indemnizar com fundamento em julgamento de inconstitucionalidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43.°, n.° 3, alínea d), da LGT, na redação da Lei n.° 9/2019, quando exista uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral;

10.ª Atendendo à natureza jurídico-processual da fiscalização sucessiva concreta da constitucionalidade, que se configura como um incidente processual e como uma questão prejudicial de validade normativa (heterogénea), que se suscita no âmbito de um processo principal ou "processo-pretexto" e que condiciona a decisão final a proferir nesse processo, não pode deixar de se concluir (em linha com a jurisprudência constante do Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.° 0107/17.5BEFUN e reiterada no Acórdão do STA de 12.10.2022, proferido no processo n.° 01501/19.2BELRS), que a alínea d) do n.° 3 do artigo 43.° da LGT, aditada pela Lei n.° 9/2019, apenas tem aplicação nos casos em que o segmento normativo que serve de base à tributação tenha sido julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional;

11.ª Resulta dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 9/2019, que os juros indemnizatórios com fundamento em inconstitucionalidade apenas são devidos, caso o Tribunal Constitucional venha a julgar inconstitucional (em fiscalização abstrata ou concreta) o segmento normativo que serve de base à tributação;

12.ª A ratio legis, o contexto histórico e a motivação do legislador para a introdução da alínea d) do n° 3 do artigo 43° da LGT apontam no sentido de não se pretender alargar o direito a juros indemnizatórios a todos os casos de desaplicação de normas tributárias pelas instâncias com fundamento em inconstitucionalidade, sob pena de se prejudicar o julgamento de constitucionalidade que cabe ao Tribunal Constitucional, violando a reserva de jurisdição que lhe foi constitucionalmente conferida;

13.ª A generalização do direito a juros indemnizatórios, sem qualquer pronúncia do Tribunal Constitucional, equivaleria a alargar um instituto desenhado para o ressarcimento do contribuinte, em situações de pagamento indevido de prestações tributárias, decorrente da violação de normas fiscais substantivas, a todos e quaisquer casos de desaplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade, sem qualquer pronúncia do Tribunal Constitucional, sendo certo que nada impede o contribuinte lesado de aceder aos meios normais de tutela fundados em responsabilidade civil extracontratual do Estado;

14.ª Tendo presente a jurisprudência do STA em matéria de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, seria manifestamente excessivo ignorar por completo, na interpretação do artigo 43.º da LGT, o conceito de "erro imputável aos serviços", criando um campo aberto de acesso à tutela ressarcitória automática, inerente aos juros indemnizatórios, sempre que ocorresse a desaplicação de uma norma tributária sem pronúncia do Tribunal Constitucional, tanto mais que a Administração se encontra vinculada pelo princípio da legalidade e pela presunção de constitucionalidade nas normas;

15.ª Não podendo recusar-se a aplicar a norma julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional em sede de recurso (fiscalização concreta), não é imputável à ANACOM, ora Recorrente, a responsabilidade por eventuais prejuízos causados ao contribuinte;

16.ª O conceito de "erro imputável aos serviços" continua a desempenhar um papel hermenêutico na configuração do direito a juros indemnizatórios;

17.ª Ao considerar que pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, mesmo que não exista uma decisão do Tribunal Constitucional no caso concreto e na ausência de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 43.°, n.° 3, alínea d), da LGT, na redação da Lei n.° 9/2019, padecendo de erro de julgamento ou erro de direito, pelo que deverá ser revogada na parte em que condena a ANACOM a pagar à Impugnante juros indemnizatórios.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. que se pede e espera, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, revogada a sentença recorrida, na parte em que condena a ANACOM a pagar à Impugnante juros indemnizatórios, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA …»

1.3. A Recorrida A..., S.A. (anteriormente designada B..., S.A.), apresentou contra-alegações culminando-as com as seguintes conclusões:

«…
I. O presente Recurso, interposto pela ANACOM da douta Sentença do Tribunal a quo, de 06.02.2024, na parte em que na mesma se decidiu que são devidos juros indemnizatórios a favor da Impugnante, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 3, al. d), da LGT”, determinando, a final, a devolução do montante da prestação tributária liquidada (descontado de devoluções anteriormente efetuadas), “acrescido dos respetivos juros indemnizatórios” (sombreado nosso), é totalmente improcedente – cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

II. Além do mais, verifica-se que (cfr. n.ºs 3 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações):
- Por um lado, a Recorrente invoca que tem que haver pronúncia do Tribunal Constitucional quanto à inconstitucionalidade para haver aquele direito a juros nos termos do art. 43.º/3/d) da LGT, e reconhece que já existe jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional quanto à inconstitucionalidade em causa, nomeadamente a indicada na Sentença recorrida (cfr. n.ºs 2 e 4 das Alegações da Recorrente), e diversa outra que veremos infra, mas conclui que a Recorrida não tem direito aos juros;
- A própria Recorrente reconhece que, no caso em apreço, apenas não existe pronúncia do Tribunal Constitucional no presente processo porque a Recorrente decidiu não recorrer para o mesmo, face à respetiva jurisprudência consolidada (v. n.º 4 das Alegações da Recorrente), o que, por si só, demonstra a falência da argumentação da Recorrente (ficaria na sua exclusiva disponibilidade existir ou não o direito aos juros, pois a Recorrida, que obteve vencimento na Sentença recorrida, não poderia recorrer para o Tribunal Constitucional);

- Por outro lado, a Recorrente assenta a sua argumentação na tese que o art. 43.º/3/d) da LGT “pressupõe uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, não sendo suficiente a existência de Acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional” (cfr. n.ºs 9, 11, 44 das Alegações da Recorrente e Conclusão 7.ª – sublinhados nossos), quando tal não tem qualquer correspondência com o que se estabelece naquele preceito, que não prevê decisão do Tribunal Constitucional e, muito menos, no caso concreto ou com força obrigatória geral (e não existe qualquer jurisprudência desse Venerando Supremo Tribunal neste Sentido);
- De resto, tanto considerando-se os doutos Acórdãos indicados pela Recorrente, como todos os demais acima referidos, a conclusão seria no sentido do direito da Recorrida aos referidos juros (note-se que o Acórdão indicado pela Recorrente no n.º 10 das suas Alegações é anterior à Lei 9/2019, de 01.02). Aliás, o caso em apreço, é totalmente igual ao decidido no douto Acórdão de 03.06.2020, Proc. 0694/16.5BEBJA, em que a decisão do Tribunal Constitucional também foi proferida em processo diferente daquele em que foi proferida a Sentença / Acórdão.
- Por outro lado, ainda, a Recorrente alude em vários pontos das suas Alegações à temática do “erro” dos “serviços” e cita no n.º 10 das suas Alegações, um Acórdão STA relativo a essa questão, o qual, conforme já acima referido, é anterior à Lei 9/2019, de 01.02, sendo que toda a jurisprudência desse STA relativa ao art. 43.º/3/d) da LGT, distingue-o expressamente da temática do “erro” dos serviços”, nomeadamente os dois Acórdãos que a Recorrente cita repetidamente de 02.02.2022, Proc. 0107/17.5BEFUN, e de 12.10.2022, Proc. 01501/19.2BELRS, como, aliás, resulta claramente do confronto daquela norma, introduzida pela Lei 9/2019, com o n.º 1 do mesmo preceito
- Além disso, a Recorrente refere nos n.ºs 34 das Alegações e respetiva Conclusão 13.ª, quanto a “nada imped(ir) o contribuinte de aceder aos meios normais de tutela fundados em responsabilidade civil extracontratual do Estado”, quando, além de tudo, conforme jurisprudência uniforme desse Venerando Supremo Tribunal tal argumentação não tem aplicação no caso em apreço, face ao que se passou a dispor na alínea d) no n.º 3 do art. 43.º da LGT, através da Lei 9/2019, que consagra um reconhecimento aos juros “com objetividade”;
- Finalmente, a título de enquadramento, no n.º 15 das Alegações e respetiva Conclusão 8.ª, a Recorrente enuncia a suposta “questão jurídica”, em termos, no mínimo, muito criativos, pois não tem qualquer correspondência com o preceito aqui em causa, o art. 43.º/3/d) da LGT - conforme enunciado por esse Venerando Supremo Tribunal nos Acórdãos que apreciaram este tema, a questão a dirimir é se a anulação da liquidação baseada na inconstitucionalidade da norma legal em que se fundou o ato tributário, confere o direito a juros indemnizatórios nos termos daquele preceito.

- Concorde-se ou não com a alteração legislativa efetuada pela Lei 9/2019, de 01.02 (matéria que não cabe aqui discutir), não podem os Tribunais deixar de aplicar o disposto na alínea d) no n.º 3 do art. 43.º da LGT, ou ignorar a sua existência e o que no mesmo se dispõe, como parece pretender a Recorrente, sendo que, na perspetiva da Recorrida, não se pode deixar de concordar com o que o legislador veio dispor na alínea d) no n.º 3 do art. 43.º da LGT, pois, como se escreve na Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 835/XIII/3ª, que esteve na origem da alteração legislativa (disponível na página na internet da Assembleia da República (Disponibilizado na página na internet da Assembleia da República, em:https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063484d364c793968636d356c6443397a6158526c6379395953556c4a5447566e4c305276593356745a57353062334e4a626d6c6a6157463061585a684c32526a596a55324d444e684c5449305a446b744e446b304e4330344f47466d4c5449784e445531596a63774d546c6a4f53356b62324d3d&fich=dcb5603a-24d9-4944-88af-21455b7019c9.doc&Inline=true23), e que se junta como Doc. 1, em honra do princípio da colaboração), “não é aceitável que, se por um lado, qualquer contribuinte que incumpra as suas obrigações tributárias dentro dos prazos estipulados tem que pagar juros, por outro lado, as entidades públicas que cobrem inconstitucional ou ilegalmente prestações tributárias aos contribuintes não tenham também que lhes pagar juros (…) Exigir o pagamento aos contribuintes de juros indemnizatórios é justo e repõe maior equilíbrio entre contribuintes e Administrações Públicas (…)”, mantendo-se a recusa em pagar juros, “estaria encontrada para as entidades públicas uma forma de financiamento gratuita para elas, mas lesiva para os contribuintes (…) jogando com o tempo que estes processos levam até à sua conclusão para devolver muito mais tarde – e sem juros – o respetivo montante aos contribuintes (sublinhados nossos).

III. Feita esta síntese da improcedência do Recurso da Recorrente, que não encerra todos os fundamentos pelos quais a douta Sentença não deve ser revogada, vejamos porque esta não enferma de qualquer erro de julgamento – cfr. n.ºs 9 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
IV. A douta Sentença recorrida não enferma de qualquer erro de julgamento, ao decidir que “são devidos juros indemnizatórios a favor da Impugnante, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 3, al. d), da LGT”, sendo o presente Recurso totalmente improcedente – cfr. n.ºs 9 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

V. Em primeiro lugar, sem prejuízo de, como reconhecido pela Recorrente, já existir jurisprudência do Tribunal Constitucional consolidada no sentido da inconstitucionalidade da norma legal em que se fundou o ato tributário, que determinou a anulação da liquidação, maxime a elencada na Sentença recorrida (cfr., igualmente, certidões adiante juntas, como Docs. 2 e 3 (Os Acórdãos em causa são posteriores ao encerramento da discussão, com as Alegações apresentadas em 2021, pelo que a sua junção é admissível nos termos do art. 425.º do CPC e sempre seria nos termos da parte final do art. 651.º/1 do CPC.), de Acórdãos do Tribunal Constitucional, com nota de trânsito em julgado, e Acórdãos referidos supra no n.º 18), o reconhecimento do direito aos juros, nos termos da alínea d) no n.º 3 do art. 43.º da LGT, não depende da existência de decisão do Tribunal Constitucional, e, muito menos, “pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, não sendo suficiente a existência de Acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional”, como alega a Recorrente (cfr. n.ºs 9, 11, 44 das Alegações da Recorrente e Conclusão 7.ª – sublinhados nossos) – cfr. n.ºs 10 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

VI. O art. 43.º/3/d) da LGT, na redação atual (da referida Lei 9/2019), já acima transcrito, estabelece que são devidos juros indemnizatórios: “d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução (sombreados e sublinhados nossos) – cfr. n.ºs 10 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

VII. Ora, é a decisão dos Tribunais Tributários que determina a “devolução, a que alude a parte final do preceito, os quais não deixam de formular um juízo de inconstitucionalidade, que este preceito é aplicável nas decisões dos Tribunais Judiciais, sendo devidos juros, conforme aí estabelecido, após o respetivo trânsito em julgado – cfr. n.ºs 10 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

VIII. Por outro lado, como bem notado no douto Acórdão recorrido, este preceito faz referência a “decisão judicial”, sem especificar qualquer tribunal (nomeadamente Tribunal Constitucional) - com efeito, se o legislador tivesse tido a intenção de restringir as decisões do Tribunal Constitucional, teria escrito isso mesmo – decisão do Tribunal Constitucional e não decisão judicial – cfr. n.ºs 10 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

IX. Nenhum dos seguintes seis Acórdãos desse Venerando Supremo Tribunal: Acórdãos de 23.10.2019, Proc. 01974/16.5BELRS; de 23.10.2019, Proc. 0211/18.0BALSB (Pleno); de 19.02.2020, Proc. 02286/17.2BELRS; de 03.06.2020, Proc. 0694/16.5BEBJA; de 13.01.2021, Proc.0735/19.4BEBRG; de 11.11.2021, Proc. 2614/10.1BELRS, refere como pressuposto da aplicação do art. 43.º/3/d) da LGT, a existência de decisão do Tribunal Constitucional, antes pelo contrário, como resulta expressamente do Acórdão de 23.10.2019, Proc. 01974/16.5BELRS – cfr. n.ºs 10 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

X. Por outro lado, em caso de desaplicação de norma, por inconstitucional, pelas instâncias, e, consequente anulação da liquidação do tributo, o trânsito em julgado ser ou não na sequência de decisão do Tribunal Constitucional depende exclusivamente da Entidade Pública Impugnada, que liquidou o tributo, que tem a disponibilidade de recorrer ou não para o Tribunal Constitucional, e que, no caso em apreço decidiu não recorrer, face à jurisprudência consolidada daquele Tribunal - ou seja, a adotar-se a tese da Recorrente, estaria na sua inteira disponibilidade existir o direito aos juros, o que é inadmissível – cfr. n.ºs 10 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XI. No que respeita aos doutos Acórdão STA de 02.02.2022, Proc. 0107/17.5BEFUN, e o Acórdão de 12.10.2022, Proc. 01501/19.2BELRS (este último com um voto de vencido), invocados pela Recorrente, verifica-se que se fundamentam no facto de nos trabalhos preparatórios (ou melhor, Exposição de Motivos da Proposta de Lei e declarações de um deputado), se fazer referência à “fiscalização concreta” – cfr. n.ºs 10 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XII. No entanto, nesses trabalhos preparatórios nunca se faz referência a decisão do Tribunal Constitucional, sendo que a referência à fiscalização ou apreciação concreta surge sempre naqueles trabalhos por contraposição a fiscalização abstrata ou preventiva (cfr. Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 835/XIII/3ª, já acima referida, como no Relatório de discussão e votação, na especialidade, transcrito no douto Acórdão do STA de 12.10.2022 (Proc. 01501/19.2BELR) - ou seja, resulta daqueles trabalhos preparatórios, que a preocupação do legislador foi que a norma não se aplicaria apenas aos casos de fiscalização abstrata ou declaração com força obrigatória geral e não que a decisão tivesse que ser proferida pelo Tribunal Constitucional – cfr. n.ºs 10 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XIII. No mesmo sentido, note-se que na disposição transitória do art. 3.º da Lei 9/2019, de 01.02, também não se faz referência a decisão do Tribunal Constitucional – cfr. n.ºs 10 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XIV. Note-se ainda, por confronto com a redação do art. 43.º/3/d) da LGT, que decisões do Tribunal Constitucional nunca determinam a devolução da prestação tributária (como referido no preceito a final), porquanto o Tribunal Constitucional julga ou faz um juízo sobre a constitucionalidade da norma, e não de nenhuma liquidação tributária em concreto, pelo que esta expressão indica que não eram as decisões do Tribunal Constitucional que o legislador tinha em mente – cfr. n.ºs 10 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XV. Com efeito, o julgamento sobre o ato tributário de liquidação, em concreto, a determinação da devolução do tributo é feita pelos tribunais tributários, os quais, ao desaplicar determinada norma, com fundamento em inconstitucionalidade, não deixam de formular um juízo sobre inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação do tributo impugnado – de facto, vigora entre nós o modelo de controlo difuso da constitucionalidade, no qual todos os juízes são “juízes constitucionais” porque lhes pertence um duplo direito-dever: (i) o direito de exame da questão da inconstitucionalidade; (ii) o direito de decisão, no caso concreto, com o eventual direito de desaplicação de normas, na hipótese de acolhimento de uma decisão de inconstitucionalidade dessas normas (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Vol. II, 4ª Edição revista, pág. 519/520) – cfr. n.ºs 10 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XVI. Face ao exposto, contrariamente ao defendido pela Recorrente, a aplicação do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, na redação Lei 9/2019, de 01.02, não depende de decisão do Tribunal Constitucional e, muito menos, de “pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, não sendo suficiente a existência de Acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional”, como alega a Recorrente, sem qualquer correspondência com a lei – cfr. n.ºs 10 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XVII. Em segundo lugar, conforme referido na douta Sentença recorrida e é reconhecido pela Recorrente (n.ºs 2 e 4 das respetivas Alegações), existe jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional quanto à inconstitucionalidade da norma legal em que se fundou o ato tributário em causa e que determinou a sua anulação, juntando-se, a título exemplificativo, como Docs. 2 e 3, certidões com nota de trânsito em julgado, dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.ºs 244/2023 e 429/2023, respetivamente, de 11.05.2023 e 04.07.2023 (para além dos muitos outros Acórdãos do Tribunal Constitucional, indicados no n.º 18 supra) – cfr. n.ºs 18 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XVIII. Assim sendo, quer se considerem os doutos Acórdãos STA de 02.02.2022 (Proc. 0107/17.5BEFUN), e de 12.10.2022 (Proc. 01501/19.2BELR), invocados pela Recorrente, quer se considerem todos os demais Acórdãos STA que apreciaram a aplicação do art. 43.º/3/d) da LGT, na redação da Lei 9/2019 - nomeadamente, os doutos Acórdãos de 23.10.2019, Proc. 01974/16.5BELRS; de 23.10.2019, Proc. 0211/18.0BALSB (Pleno); de 19.02.2020, Proc. 02286/17.2BELRS; de 03.06.2020, Proc. 0694/16.5BEBJA; de 13.01.2021, Proc. 0735/19.4BEBRG; de 11.11.2021, Proc. 2614/10.1BELRS), é inquestionável o direito da ora Recorrida aos juros, conforme decidido no douto Acórdão recorrido – cfr. n.ºs 18 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XIX. Em terceiro lugar, não obstante a Recorrente não retirar qualquer consequência para o presente processo, alude em vários pontos das suas Alegações à temática do “erro” dos “serviços” e cita no n.º 10 das suas Alegações, um Acórdão STA relativo a essa questão, o qual, contudo, é anterior à Lei 9/2019, de 01.02 – cfr. n.ºs 20 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XX. Sendo que, toda a jurisprudência do STA posterior àquela Lei refere unanimemente que o previsto na alínea d) no n.º 3 do art. 43.º da LGT, aditada pela mesma, é distinto do erro dos serviços, previsto no n.º 1 do mesmo preceito – cfr. n.ºs 20 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XXI. Com efeito, face à atual redação do art. 43.º da LGT o legislador distingue entre o erro imputável aos serviços (n.º 1) e os demais fundamentos para o direito a juros indemnizatórios, entre os quais se incluiu a inconstitucionalidade da norma em que se fundou a liquidação (n.º 3/d)) – cfr. n.ºs 20 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XXII. Aliás, foi precisamente para ultrapassar essa questão (de inexistência de erro dos serviços), que, pela Lei 9/2019, de 01.02, foi introduzido a alínea d) no n.º 3 do art. 43.º da LGT – cfr. n.ºs 20 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XXIII. Ou seja, o que se veio dispor na alínea d) no n.º 3 do art. 43.º da LGT, nada tem que ver com existência ou não de erro dos serviços ao liquidar o tributo, mas sim com o facto de a inexistência de juros determinar que o contribuinte fosse prejudicado, conforme esclarecido na referida Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 835/XIII/3ª, que esteve na origem daquela alteração legislativa, junto como Doc. 3 das Contra-Alegações da ANACOM de 14.09.2023 (e também disponível na página na internet da Assembleia da República (Disponibilizado na página na internet da Assembleia da República, em:

https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063484d364c793968636d356c6443397a6158526c6379395953556c4a5447566e4c305276593356745a57353062334e4a626d6c6a6157463061585a684c32526a596a55324d444e684c5449305a446b744e446b304e4330344f47466d4c5449784e445531596a63774d546c6a4f53356b62324d3d&fich=dcb5603a-24d9-4944-88af-21455b7019c9.doc&Inline=true)), não sendo esse “erro”, a que não se faz qualquer referência naquela alínea d) no n.º 3 do art. 43.º da LGT, um pressuposto para o direito aos juros, ao abrigo deste preceito – cfr. n.ºs 20 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XXIV. Em quarto lugar, a respeito do que a Recorrente refere no n.º 34 das Alegações e respetiva Conclusão 13.ª, quanto a “nada imped(ir) o contribuinte de aceder aos meios normais de tutela fundados em responsabilidade civil extracontratual do Estado”, sublinhe-se que também não tem aplicação no caso em apreço, face ao que se passou a dispor na alínea d) no n.º 3 do art. 43.º da LGT, através da Lei 9/2019 (cfr., entre outros, Acórdão STA de 23.10.2019, Proc. 01974/16.5BELRS, acima transcrito) – cfr. n.ºs 24 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XXV. Conforme acima referido, concorde-se ou não com a alteração legislativa (matéria que não cabe aqui discutir), não podem os Tribunais deixar de aplicar o disposto na alínea d) no n.º 3 do art. 43.º da LGT, ou ignorar a sua existência, como parece pretender a Recorrente – cfr. n.ºs 24 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XXVI. A aplicação da alínea d) no n.º 3 do art. 43.º da LGT é distinta do instituto da responsabilidade civil do Estado, sendo consagrado na mesma o direito aos juros “com
objetividade, independentemente, da existência, identificação e afirmação, de “erro imputável aos serviços” ou responsabilidade civil – cfr. n.ºs 24 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XXVII. Em quinto lugar, sem prejuízo de tudo o acima exposto, maxime quanto a alínea d) no n.º 3 do art. 43.º da LGT não pressupor a existência de decisão do Tribunal Constitucional (que no caso existe), é inquestionável que, conforme é reconhecido pela própria Recorrente, a aplicação do preceito não pressupõe que tenha existido fiscalização abstrata ou declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral - não só outro entendimento não teria qualquer correspondência com a letra da lei, pelo que nunca poderia ser seguido (v. art. 9.º/2 do C. Civil), como resulta claro dos trabalhos preparatórios daquela alteração legislativa, que aquele âmbito de aplicação mais restrito não foi minimamente o pretendido – cfr. n.ºs 25 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XXVIII. Isto sem prejuízo de a interpretação da lei não se poder limitar à exposição de motivos da proposta de lei ou as declarações de um deputado no processo legislativo, pois a aprovação da mesma pela Assembleia da República pode decorrer de múltiplos fatores e não apenas dos fundamentos constantes dessa exposição e dessas declarações – cfr. n.ºs 25 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XXIX. Finalmente, sem conceder, o art. 43.º/3/d) da LGT, numa interpretação normativa de que não seriam devidos juros nos casos em que não existisse pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral” (ou não existisse decisão prévia do Tribunal Constitucional), sempre seria inconstitucional por violação do Estado de Direito e do direito de propriedade (seria um enriquecimento do Estado à custa de um particular), consagrados nos arts. 2.º e 62.º da CRP, tal como dos princípios da Justiça e proporcionalidade, integrantes do Estado de Direito (art. 2.º da CRP), e da responsabilidade do Estado e das entidades públicas, prevista no art. 22.º da CRP – cfr. n.ºs 28 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XXX. Por outro lado, seria violado o princípio da igualdade, consagrado no art.13.º da CRP, pois o particular que obteve decisão de inconstitucionalidade e anulação do tributo com essa base não teria direito a juros (pelas instâncias ou Tribunal Constitucional), e outros contribuintes que intentassem posteriores ações ou reclamações graciosas já teriam direito a esses juros - tal como teriam aqueles em que a entidade pública Impugnada recorreu / recorresse para o Tribunal Constitucional – cfr. n.ºs 28 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;

XXXI. Face a tudo o exposto, é inquestionável o direito da Impugnante a juros indemnizatórios, como decidido na douta Sentença recorrida.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta Sentença recorrida,
Como é de Lei e de Justiça! …»

1.4. O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso e da manutenção da sentença recorrida, nos termos que se reproduzem:
«…
1. OBJECTO DO RECURSO
1.1 O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a ação de impugnação judicial intentada contra o ato de liquidação de Taxa Anual de Atividade de Fornecedor de Redes e Serviços de Comunicações Eletrónicas Escalão 2, relativa ao ano de 2013, no valor total de € 3 005 079,26, na parte relativa à condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

Considera a Recorrente que «a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ou de erro de direito, na medida em que a aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, na redação da Lei n.º 9/2019, pressupõe uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, não sendo suficiente a existência de Acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional, noutros processos envolvendo as mesmas Partes, para desencadear a aplicação da referida norma da LGT, na redação resultante da Lei n.º 9/2019».
E termina pedindo a revogação da sentença nesse segmento.

1.2 Para se decidir pela procedência da ação considerou o tribunal “a quo”:« Nos termos do disposto no artigo 204º da CRP, desaplico as normas constantes dos nº 1, 4 e 5 do Anexo II da Portaria nº 1473- B/2008, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por ofensa do princípio da legalidade fiscal, na vertente da reserva de lei, ficando, assim, sem suporte normativo a liquidação referente à “Taxa anual de Atividade de Fornecedor de Redes e Serviços de Comunicações Eletrónicas” do ano de 2013, aqui impugnada, vício que determina a sua anulação».

1.2.1 Mais se entendeu serem devidos «juros indemnizatórios a favor da Impugnante, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 3, al. d), da LGT: Quanto ao montante de € 55 421,54, desde 02/01/2014 (data do pagamento) até 12/06/2015 (data da emissão da respetiva nota de crédito, cfr. artigo 61.º, n.º 5 do CPPT); Quanto ao montante de 2 949 657,72 €, desde 02/01/2014 (data do pagamento) até ao processamento da respetiva nota de crédito, cfr. artigo 61.º, n.º 5 do CPPT».

2. APRECIAÇÃO DE MÉRITO.
2.1 A questão que a Recorrente suscita consiste em saber se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento ao ter entendido serem devidos juros indemnizatórios, o que passa por saber se no caso de anulação de ato tributário com base na inconstitucionalidade das normas de incidência, em cuja fundamentação o tribunal “a quo” se apoia em jurisprudência do tribunal Constitucional, há ou não lugar a juros indemnizatórios ao abrigo do disposto na alínea d) do nº3 do artigo 43º da LGT.

2.2 Na sentença recorrida enunciou-se como questão decidenda, para além do mais, saber se o ato tributário impugnado padecia de invalidade decorrente da “ilegalidade e inconstitucionalidade da Portaria n.º 1473-B/2008, por violação do artigo 105.º da Lei 5/2004 é inconstitucional por violação do artigo 112.º, n.ºs 1, 2, 5, 6 e 7 da CRP”, ao abrigo de cujo regime havia sido praticado.

2.3 E para concluir pela resposta afirmativa o tribunal “a quo” apoiou-se na jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta questão e em diversos acórdãos (Acórdãos nºs 429/2023, 430/2023, 723/2023, 850/2023 e 912/2023.) que concluíram pela inconstitucionalidade orgânica daquela portaria, e nos quais aquele tribunal julgou inconstitucionais as normas contidas nos nºs 1, 4 e 5 da Anexo II da Portaria nº 1473-B/2008, de 17/12, na parte em que determinam a incidência objectiva e a taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas enquadrados no escalão 2, por violação do disposto na alínea i) do nº1 do artigo 165º e no nº2 do artigo 266º da CRP.

2.4 Nessa medida entendeu o tribunal “a quo” desaplicar «as normas constantes dos nº 1, 4 e 5 do Anexo II da Portaria nº 1473- B/2008, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por ofensa do princípio da legalidade fiscal, na vertente da reserva de lei, ficando, assim, sem suporte normativo a liquidação referente à “Taxa anual de Atividade de Fornecedor de Redes e Serviços de Comunicações Eletrónicas” do ano de 2013, aqui impugnada, vício que determina a sua anulação».

2.5 Dispõe a este propósito o artigo 43º, nº3, Alínea d), que são também devidos juros indemnizatórios:
“d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.” (Aditado pela Lei n.º 9/2019 de 1 de fevereiro).

2.6 A referida norma foi aditada pela Lei nº 9/2019, de 1 de Fevereiro, que no seu artigo 3º prescreve que “a redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011”.

2.7 No caso concreto as taxas objecto de impugnação foram liquidadas e são relativas ao ano de 2013 (cfr. ponto j) do probatório), pelo que a prestação tributária está abrangida pelo disposto no artigo 3º da Lei nº 9/2019, de 1 de Fevereiro.

2.8 Assim sendo e atento que das decisões do Tribunal Constitucional proferidas nenhuma tem força obrigatória geral e foram proferidas no âmbito de outros processos, a questão que se coloca é a de saber se para efeitos do direito a juros indemnizatórios se mostra necessária a prolação de decisão do tribunal constitucional no caso concreto ou se basta que tenha sido proferida decisão daquele tribunal num caso similar e tendo por objecto a(s) norma(s) que sustenta(m) o ato tributário impugnado.

2.9 Ora este tribunal já se pronunciou sobre esta questão no acórdão de 14/04/2024, proferido no processo nº 0845/17.2BELRS, no qual se adotou o entendimento, que merece a nossa adesão, no sentido de que «…ainda que se retire do exposto nos dois arestos a que alude a Recorrente, que a norma em apreço exige que exista uma decisão do Tribunal Constitucional que julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária, não se retira da mesma a exigência de uma declaração com força obrigatória geral (sendo de notar que o contribuinte não terá legitimidade para desencadear um processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade ao abrigo do artigo 281º nº 3 da CRP, estando esse impulso processual apenas na disponibilidade dos Juízes Conselheiros ou do Ministério Público, nos termos do artigo 82.º da LTC, podendo o mesmo, no limite, solicitar ao Ministério Público que promova esse processo) e, muito menos, uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto, até porque, como refere a própria Recorrente, nem a ANACOM, ora Recorrente, nem o Ministério Público, apresentaram recurso de constitucionalidade, tendo em conta a consolidação da jurisprudência do Tribunal Constitucional em torno da inconstitucionalidade dos n.ºs 1, 2, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17-12, na redacção vigente à datada liquidação das respectivas taxas (cf., por último, o Acórdão n.º 27/2024 do Tribunal Constitucional), o que repugna ao simples bom senso, dado que, tendo sido reconhecida a bondade da pretensão da ali Impugnante pelos motivos já descritos, não faz sentido que a mesma seja, afinal, penalizada por uma conduta a que é alheia, nomeadamente pelo facto de a entidade impugnada conformar-se com a tal consolidação da jurisprudência do Tribunal Constitucional, renunciando a continuar a discutir tal questão, de modo que, perante norma em análise - art. 43º nº 1 al. d) da LGT - e os dados de factos que emergem destes autos, tem de concluir-se no sentido de que estão reunidos os pressupostos legais para que, além do reembolso do montante pago com referência ao tributo descrito nos autos, a aqui recorrida seja ainda credora do pagamento de juros indemnizatórios».

2.10 E afigura-se-nos que se impõe igualmente neste caso reiterar esta jurisprudência, no sentido de que o disposto na alínea d) do nº3 do artigo 43º da LGT deve ser interpretado como abrangendo as situações em que as normas que sustentam o ato tributário tenham já sido julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, não se impondo que essa declaração de inconstitucionalidade tenha sido proferida no âmbito do processo.

3. Em face do exposto, entendemos que a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação do disposto na alínea d) do nº3 do artigo 43º da LGT, motivo pelo qual se impõe a confirmação do julgado nesta parte, julgando-se improcedente o recurso. …»

1.5. Cumpre apreciar e decidir em Conferência.

2. Fundamentação

2.1. De Facto

Com relevância para a decisão, a sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

A) Em 2013, o grupo B... fornecia entre outros, serviços de telefone, de internet e de televisão por subscrição - alegado no artigo 61.º PI e não contestado;

B) A Impugnante foi autorizada pelo Instituto das Comunicações de Portugal, para o exercício de atividade de Telecomunicações de Uso Público, com o Registo nº ...9, datado de 18/01/1999, e foi licenciada como Operadora de Rede Pública de telecomunicações, no território nacional, pela Licença nº 15...-RPT, de 13/02/2003 - cfr. Documento 13 da contestação;

C) Por ofício datado de 31/05/2013, sob o assunto: “Liquidação de taxas - Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, com a redação dada pela Portaria n.º 291-A/2011, de 4 de novembro” o ICP-ANACOM solicitou à Impugnante relativamente à Taxa Anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas (al b) do n.º 1 do artigo 105.º da LCE), declaração de acordo com o modelo que enviamos em anexo, onde será efectuado um apuramento dos rendimentos relevantes relacionados diretamente com o exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, no ano civil anterior - cfr. documento 3 da PI, e fls.1 e 2 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

D) A Impugnante respondeu ao requerido em C), em 28/06/2013, remetendo o documento designado “Declaração para efeitos da taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas”, em conformidade com o modelo de declaração enviado indicando como informação referente ao exercício de 2012, o total dos rendimentos relevantes: € 206 589 207, excluindo, como prestação de serviços provenientes de atividades não relacionadas com fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, o valor de € 435 445 709, discriminado no Anexo I daquela declaração, referente a receitas provenientes de assinatura do serviço de televisão por subscrição (STS) – cabo, de € 307 420 975; a receitas provenientes de assinatura do serviço de televisão por subscrição (STS) – satélite, de ...49, e a receitas provenientes de programação, publicidade e imobiliário, de 19 445 064 - cfr. documento 4 da PI, e fls. 16 a 20 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

E) Em 29/07/2013, o Conselho de Administração do ICP-ANACOM aprovou e publicitou no seu sítio na Internet, o documento designado Cálculo das taxas devidas pelo exercício de actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 105.º da Lei n.º5/2004, de 10 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 51/2011, de 13 de setembro, segundo o qual o valor total dos custos administrativos do ICP-ANACOM a considerar para efeitos de liquidação de taxas devidas pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas no ano de 2013, era de € 24 478 856, o qual correspondia à “Média dos custos dos últimos 2 anos e do orçamento do corrente ano, com exceção dos relativos às provisões para processos judiciais em curso associados à regulação de comunicações eletrónicas, cuja média é a dos últimos 4 anos e do orçamento do corrente ano”- cfr. documento 5 da PI e fls. 21 a 41 do PA, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido;

F) Por ofício datado de 05/08/2013, o ICP-ANACOM comunicou à Impugnante que “no decurso do processo de emissão da faturação, detetou indícios de aplicação não uniforme do conceito de proveitos relevantes por parte das entidades que exercem a atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas.
Assim, decidiu o Conselho de Administração do ICP-ANACOM que, previamente à faturação das referidas taxas, fosse verificada a informação recolhida no âmbito deste processo com vista a garantir a uniformidade de critérios utilizados no cálculo dos rendimentos relevantes, bem como a sua adequação aos termos determinados pela legislação.
Para o efeito, conta o ICP-ANACOM com a colaboração da C..., S.A. – cfr. documento 6 da PI, e fls. 42 a 46 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

G) A Impugnante pronunciou-se sobre o sentido provável da decisão sobre as conclusões da auditoria referida em F) a fls. 57 do PA, o que lhe foi notificado através do ofício do ICP-ANACOM datado de 25/10/2013, através do requerimento junto como documento 8 da PI, a fls. 64 a 70 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - cfr. ofício junto como documento 7 da PI;

H) Em 21/11/2013, o Conselho de Administração do ICP-ANACOM aprovou e publicitou no seu sítio na Internet, em 26/11/2013, o documento designado Cálculo das taxas devidas pelo exercício de actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 105.º da Lei n.º5/2004, de 10 de Fevereiro, segundo qual o valor da percentagem contributiva t2, era de 0,4880%, a aplicar ao valor dos “rendimentos relevantes” de cada fornecedor abrangido pelo Escalão 2, considerando na respetiva fórmula o Total de custos de regulação da atividade dos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas, no ano de 2013 = 24.478.856 €” - cfr. documento publicitado no sitio da Internet junto como documento 9 da PI, e respetiva deliberação a fls. 71 a 90 do PA, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos;

I) Por ofício do ICP-ANACOM, datado de 25/11/2013, sob o assunto “Decisão final sobre as conclusões da auditoria aos proveitos relevantes, reportados ao ICP-ANACOM pelos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas, relativas a 2013”, a Impugnante foi notificada de que, por Deliberação de 21/11/2013, o Conselho de Administração do ICP-ANACOM aprovou: o relatório de audição prévia; os valores dos Rendimentos Relevantes revistos; a fixação do valor da percentagem contributiva t2 em 0,4880%, a aplicar aos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas para o ano de 2013 e a sua publicitação no sítio da Internet do ICP-ANACOM; os valores da liquidação da taxa anual devida peio exercício de atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, a aplicar aos sujeitos passivos situados no escalão 2 em 2013 - cfr. ofício e respetivos documentos anexos, juntos como documento 1 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; e ofício a fls. 91 do PA;

J) Em 25/11/2013, foi emitida pelo ICP-ANACOM, a Fatura/Nota de Liquidação/Recibo nº ...29, no valor de € 3 005 079,26, respeitante à Taxa Anual De Atividade De Fornecedor Redes/Serviços do período de 2013/01 a 2013/12, indicando no campo “Discriminação do Serviço”, “p = 615 794 931,00”, com data limite de pagamento de 26/12/2013 – cfr. respetiva fatura junta no documento 1 da PI, e fls. 92 do PA;

K) A Impugnante pagou a fatura mencionada em J), por transferência bancária, em 02/01/2014 – cfr. aviso de pagamento dirigido ao ICP-ANACOM, junto como documento 2 da PI;

L) A presente impugnação foi apresentada em 25/03/2012 - cfr. fls. 2 do suporte físico dos autos, no SITAF, a fls. 1;

M) Por ofício do ICP-ANACOM, datado de 12/06/2015, sob o assunto “Devolução de parte dos montantes pagos pelos operadores nos termos do n.º5 do artigo 105.º da LCE, em virtude da redução dos custos de regulação nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013, por anulação de provisões”, foi devolvido à Impugnante em 18/06/2015, e relativamente à fatura referida em J), o montante de € 55 421,54 - cfr. respetivo ofício, e AR assinado, cheque emitido em 12/06/2015, e Nota de Crédito ...61 emitida em 12/06/2015, a fls. 1302 a 1312 dos autos.

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FACTOS NÃO PROVADOS.
Dos factos alegados, com interesse para a decisão da causa, nenhum importa registar como não provado.
*
FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO
Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise da prova documental constante dos autos e PA apenso, conforme remissão feita a propósito de cada alínea do probatório.
Embora tenha sido determinado o aproveitamento de prova produzido no âmbito do processo nº 567/13.3BELRS, o depoimento das testemunhas não se mostrou relevante para a fixação da factualidade pertinente para a decisão da causa.


2.2. De Direito

A recorrente contesta o ato de liquidação de Taxa Anual de Atividade de Fornecedor de Redes e Serviços de Comunicações Eletrónicas Escalão 2, relativa ao ano de 2013, na parte concernente à condenação no pagamento de juros indemnizatórios, por entender que para aplicar o artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, na redação da Lei n.º 9/2019, é necessária uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.

A questão essencial a resolver é, portanto, a de saber se, tal como entende a recorrente, é necessário, para a aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, uma decisão do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral; ou se basta a desaplicação da norma com base em decisões do Tribunal Constitucional proferidas noutros processos semelhantes, mesmo que não digam respeito ao caso concreto em apreciação pelo Tribunal a quo.

Apesar de resultar da jurisprudência deste Supremo Tribunal (designadamente dos Acórdãos de 02.02.2022, proferido no Processo n.º 0107/17.5BEFUN, e de 12.10.2022, proferido no Processo n.º 01501/19.2BELRS) que, para que o artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, se mostre aplicável, é necessário que a norma ou normas que sustentam o ato tributário tenham sido declaradas ou julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, ao qual é cometida a reserva da jurisdição constitucional, não decorre destes arestos que tenha de existir necessariamente uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. O mesmo não resultando da letra da lei que não limita a necessidade da existência de uma declaração de inconstitucionalidade unicamente a essas situações, tendo abrangência suficiente para, por uma questão de elementar justiça, abarcar outro tipo de pronunciamentos do Tribunal Constitucional quando a declaração com força obrigatória não é acessível ao sujeito passivo e, além disso, lhe é impossível suscitar uma decisão no caso concreto. É precisamente isso que se passa no caso sub judice.

No que respeita à fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade, a recorrida não tem legitimidade para a desencadear ao abrigo do artigo 281.º, n.º 3, da CRP, estando esse impulso processual apenas na disponibilidade dos Juízes Conselheiros ou do Ministério Público, nos termos do artigo 82.º da LTC, podendo quando muito, e no limite, solicitar ao Ministério Público que promova esse processo.

No que concerne à existência de uma pronúncia de inconstitucionalidade no caso concreto, em caso de desaplicação da norma pelas instâncias, por inconstitucionalidade, o sujeito passivo (recorrida) carece de legitimidade para apresentar recurso de constitucionalidade, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade (artigo 280.º, n.º 1, alínea a), da CRP), maxime porque a desaplicação da norma corresponde à satisfação da sua pretensão estando, antes, na disponibilidade da parte vencida, desencadear esse procedimento. Pelo que, fazer depender a atribuição de juros indemnizatórios de uma declaração de inconstitucionalidade no caso concreto que não está na sua disposição, implicaria um tratamento discriminatório face a um sujeito passivo que, apesar de estar numa situação em tudo igual, não tenha visto o juiz da causa desaplicar exatamente a mesma norma por inconstitucionalidade, tendo podido recorrer para o TC e logrado obter a pretendida declaração de inconstitucionalidade. Um entendimento restritivo no caso sob julgamento, como propõe a recorrente, implicaria que só poderiam ser atribuídos juros indemnizatórios se ela mesma (recorrente), credora tributária, tivesse recorrido da sentença na parte em que desaplicou a norma por inconstitucionalidade, o que não aconteceu. É no mínimo anómalo que em situações como a que está em causa, apesar de existir jurisprudência consolidada dizendo respeito a situações em tudo idênticas, a atribuição de juros indemnizatórios esteja dependente de um supostamente necessário recurso para o TC por parte da credora tributária (no caso sob julgamento, a requerente).

Entendemos, portanto, que em situações especiais como a que está em causa, tendo sido proferidos diversos acórdãos do Tribunal Constitucional que se pronunciaram sobre situações de facto em tudo idênticas à dos presentes autos [vd., por todos, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 173/2024, de 29.02.2024 (Proc. n.º 1109/2023), n.º 44/2024, de 18.01.2024 (Proc. n.º 1086/2023), n.º 27/2024, de 16.01.2024 (Proc. n.º 1001/2022), n.º 911/2023, de 21.12.2023 (Proc. n.º 1239/2022), n.º 850/2023, de 07.12.2023 (Proc. n.º 488/2023), e n.º 430/2023, de 04.07.2023 (Proc. n.º 233/2023)] e, sobretudo, pelo facto de o sujeito passivo não ter legitimidade para, junto daquele Tribunal, suscitar a fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade de normas, nos mesmos termos em que outros sujeitos passivos em situações de facto similares, mas no âmbito das quais, por não ter sido desaplicada a norma, tenham legitimidade para o efeito, será possível aplicar o artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, devendo ser atribuídos juros indemnizatórios

Esta questão não é nova, tendo sido apreciada uma situação em tudo idêntica por este Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 10 de abril de 2024, Processo n.º 0845/17.2BELRS. Por aderimos aos fundamentos aí expressos e no sentido de promover uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil), remetemos para o referido acórdão (integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt), destacando o excerto que de seguida se transcreve:

«…

Na verdade, ainda que se retire do exposto nos dois arestos a que alude a Recorrente, que a norma em apreço exige que exista uma decisão do Tribunal Constitucional que julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária, não se retira da mesma a exigência de uma declaração com força obrigatória geral (sendo de notar que o contribuinte não terá legitimidade para desencadear um processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade ao abrigo do artigo 281º nº 3 da CRP, estando esse impulso processual apenas na disponibilidade dos Juízes Conselheiros ou do Ministério Público, nos termos do artigo 82.º da LTC, podendo o mesmo, no limite, solicitar ao Ministério Público que promova esse processo) e, muito menos, uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto, até porque, como refere a própria Recorrente, nem a ANACOM, ora Recorrente, nem o Ministério Público, apresentaram recurso de constitucionalidade, tendo em conta a consolidação da jurisprudência do Tribunal Constitucional em torno da inconstitucionalidade dos n.ºs 1, 2, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17-12, na redacção vigente à data da liquidação das respectivas taxas (cf., por último, o Acórdão n.º 27/2024 do Tribunal Constitucional), o que repugna ao simples bom senso, dado que, tendo sido reconhecida a bondade da pretensão da ali Impugnante pelos motivos já descritos, não faz sentido que a mesma seja, afinal, penalizada por uma conduta a que é alheia, nomeadamente pelo facto de a entidade impugnada conformar-se com a tal consolidação da jurisprudência do Tribunal Constitucional, renunciando a continuar a discutir tal questão, de modo que, perante norma em análise - art. 43º nº 1 al. d) da LGT - e os dados de factos que emergem destes autos, tem de concluir-se no sentido de que estão reunidos os pressupostos legais para que, além do reembolso do montante pago com referência ao tributo descrito nos autos, a aqui recorrida seja ainda credora do pagamento de juros indemnizatórios, o que significa a decisão recorrida não merece qualquer censura no segmento impugnado, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso. …»

Consideramos, em sintonia com o entendimento reproduzido, que em situações como aquelas que constam dos autos, o artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, permite a atribuição de juros indemnizatórios. Esta solução é a que melhor assegura as garantias do sujeito passivo, sem que ponha em causa a tutela que merece igualmente a posição do credor ou o regular processo de fiscalização da constitucionalidade. Isto porque o credor pode sempre recorrer para o TC, existindo, portanto, este crivo, cabendo a este Tribunal a última palavra em termos de constitucionalidade, não saindo, por conseguinte, minimamente abalada a coerência do sistema.

Face ao exposto, entendemos que a decisão recorrida não merece censura.

3. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente com, ponderados o desempenho processual das partes e a complexidade da causa, dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 11 de julho de 2024. - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro (relator) – Fernanda de Fátima Esteves – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.