Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0807/21.5BESNT
Data do Acordão:07/04/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ESTAGIÁRIO DE ADVOCACIA
NOMEAÇÃO DE PATRONO
Sumário: É de admitir a revista onde está essencialmente em causa a questão – que não parece encontrar solução expressa na lei – de saber se, na ausência de apresentação, por um candidato ao curso de estágio de advogado, de declaração de aceitação do patrocínio subscrita por patrono, a Ordem dos Advogados tem o dever de, a requerimento dele, nomear-lhe um patrono.
Nº Convencional:JSTA000P32503
Nº do Documento:SA1202407040807/21
Recorrente:ORDEM DOS ADVOGADOS
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:



1. AA, intentou, no TAF, contra a ORDEM DOS ADVOGADOS (doravante OA), processo cautelar, onde pediu que fosse deferido o seu pedido de inscrição provisória como advogado estagiário a frequentar o Curso de Estágio no Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados do ano de 2021 sem a apresentação da declaração de patrono e que fosse ordenado a esta entidade a nomeação de um patrono.
Por despacho de 8/2/2022, foi, ao abrigo do art.º 121.º, n.º 1, do CPTA, antecipada a decisão do mérito da causa.
Foi proferida sentença a julgar a acção procedente, condenando-se a entidade demandada “à prática do acto de nomeação de um patrono para a direcção do estágio de advocacia do A.” e a aceitar definitivamente a inscrição deste no referido Curso de Estágio.
A entidade demandada apelou para o TCA-Sul, o qual, por acórdão de 11/04/2024, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença.
É deste acórdão que a entidade demandada vem pedir a admissão do recurso de revista.

2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada pelo acórdão recorrido.

3. O art.º 150.º, n.º 1, do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos possa haver excepcionalmente revista para o STA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como decorre do texto legal e tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência deste STA, está-se perante um recurso excepcional, só admissível nos estritos limites fixados pelo citado art.º 150.º, n.º 1, que, conforme realçou o legislador na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs. 92/VIII e 93/VIII, corresponde a uma “válvula de segurança do sistema” que apenas pode ser accionada naqueles precisos termos.
As instâncias concluíram que as normas dos nºs. 3 e 4 do art.º 192.º do Estatuto da OA, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9/9, “constituem habilitação legal implícita para se proceder à nomeação de patrono a candidatos que, pretendendo inscrever-se no curso de estágio de advocacia, não disponham de declaração de aceitação do tirocínio por patrono, nos termos impostos pelo n.º 2 do art.º 189.º do mesmo Estatuto”, pelo que a entidade demandada deveria ser condenada a deferir o pedido do A. de nomeação de patrono para direcção do estágio de advocacia, a proceder a essa nomeação e a aceitar a sua inscrição no Curso de Estágio do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados do ano de 2021. Para tanto, consideraram, fundamentalmente, que, apesar da interpretação literal dessas normas não preverem a situação em apreço – cingindo-se aos casos em que, no decurso do período de estágio, o patrono apresenta pedido de escusa das suas funções, nos termos do art.º 17.º do Regulamento de Estágio aprovado pela Assembleia Geral da OA –, não havia razões para “distinguir nos candidatos com dificuldade em encontrar patrono, entre os que tiveram a sorte de o conseguir num primeiro momento e aqueles que nem nesse momento o conseguiram”, tomando em atenção que, sendo à OA que cabia regulamentar o acesso e o exercício da profissão (art.º 3.º, n.º 1, al. c), do EOA), não podia impedir a realização do direito fundamental de acesso à profissão que constitui um direito, liberdade e garantia protegido pelo art.º 47.º, n.º 1, da CRP.
A OA justifica a admissão da revista com a relevância jurídica e social das questões a apreciar, atento à sua elevada complexidade, à inexistência de antecedentes jurisprudenciais e à possibilidade de expansão da controvérsia a casos futuros e de impacto na comunidade em geral, bem como com a necessidade de se proceder a uma melhor aplicação do direito, imputando ao acórdão recorrido erro de julgamento, dado que da conjugação dos artºs. 189.º e 192.º, nºs. 3 e 4, ambos do Estatuto da OA, não é possível retirar a sua competência para efectuar a nomeação de patrono a candidato que, pretendendo inscrever-se no curso de estágio, não dispõe de declaração de patrono de aceitação do tirocínio e que a interpretação que nele se perfilha implica a compressão da liberdade fundamental de escolha e do modo de exercício da profissão de todo e qualquer advogado que reúna as condições legais para ser patrono, o qual se vê compelido a exercer a direcção de um determinado tirocínio, que não aceitou, com todas as obrigações inerentes, o que consubstancia uma restrição inadmissível do direito consagrado no art.º 47.º, n.º 1, da CRP, que, sob pena de violação do preceito constitucional do art.º 18.º, teria de estar expressamente prevista.
Resulta do que ficou exposto que nos autos está, essencialmente, em causa a questão – que não parece encontrar solução expressa na lei – de saber se, na ausência de apresentação por um candidato ao curso de estágio de declaração de aceitação do patrocínio subscrita por patrono, a OA tem o dever de, a requerimento dele, nomear-lhe um patrono.
O assunto, de inegável relevância jurídica e de cariz inovador neste STA, reveste-se de complexidade por estar em causa a compatibilização de direitos do candidato com os do patrono que venha a ser nomeado, face ao que dispõe o art.º 47.º, n.º 1, da CRP, e mostra-se dotado de capacidade expansiva por ser previsível que se venha a colocar em casos futuros.
Convém, pois, que o Supremo reanalise o caso que suscita interrogações jurídicas, assim se quebrando a regra da excepcionalidade de admissão das revistas.

4. Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 4 de Julho de 2024. – Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.