Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01267/18.3BELSB-S1
Data do Acordão:07/04/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
COMPENSAÇÃO
RECONVENÇÃO
Sumário:Justifica-se a admissão de recurso de revista em que se suscitam questões jurídicas complexas e relevantes relativas ao modo processualmente correcto de invocar a compensação de créditos, se através de defesa por excepção se através de reconvenção.
Nº Convencional:JSTA000P32504
Nº do Documento:SA12024070401267/18
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:HOSPITAL SANTA MARIA MAIOR, EPE - BARCELOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A..., S.A. - autora da presente «acção administrativa» iniciada como «requerimento de injunção» apresentado junto do Balcão Nacional de Injunções - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAN - de 05.04.2024 - que concedeu provimento à apelação interposta pelo réu HOSPITAL DE SANTA MARIA MAIOR EPE - Barcelos - e, em conformidade, revogou a decisão proferida no âmbito de despacho saneador pelo TAF do Porto - datado de 12.09.2023 -, e determinou que a mesma fosse substituída por um despacho de aperfeiçoamento no sentido de convidar o hospital réu a deduzir a compensação de créditos em sede de reconvenção.

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «importância fundamental» da questão.

O demandado - HOSPITAL DE SANTA MARIA MAIOR EPE - apresentou contra-alegações nas quais defende, além do mais, a não admissão do recurso de revista por falta de verificação dos indispensáveis pressupostos substantivos - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Na presente acção, e em súmula, a autora - A... - demanda o réu - HSMM - pedindo ao tribunal - pedido inicialmente feito no Balcão Nacional de Injunções - que o condene a pagar-lhe a quantia de 106.015,83€ - e respectivos juros de mora vencidos no montante de 3.156,36€ - emergente do fornecimento de bens e serviços no âmbito de contrato celebrado - entre eles - em 20.06.2014.

Após a apresentação de petição inicial corrigida, o réu apresentou contestação na qual, entre o demais, invocou a excepção peremptória da compensação de créditos quanto a boa parte daqueles cujo pagamento lhe era reclamado.

Em sede de saneador, o TAF do Porto - para onde acabou remetida a acção - entendeu, além do mais, que a compensação de créditos invocada como excepção peremptória não era admissível, e, seguindo na esteira do alegado pela autora, e de alguma jurisprudência, julgou ser impróprio o meio processual utilizado pelo réu para a sua pretensão de ver compensados os identificados créditos.

Em sede de recurso de apelação - interposto pelo réu hospital - quanto a esta decisão sobre a pretensão compensatória deduzida como excepção peremptória, o TCAN concedeu provimento ao recurso, e, em consequência da apreciação feita, revogou essa decisão recorrida e determinou que a mesma fosse substituída por despacho a convidar o réu hospital a deduzir a sua pretensão de compensação de créditos enquanto reconvenção.

Respiga-se do texto do acórdão do tribunal de apelação que a alegação do réu hospital aponta no sentido de que antes da propositura da acção o crédito que a autora invoca se extinguiu, entre o mais, por compensação, que ele declarou e comunicou à autora - artigo 848º, nº1, CC - que não terá manifestado oposição, pelo que, julgamos que os termos dessa alegação não se reconduzem à existência de um crédito contra a autora com intuito de obter em juízo a sua extinção mas, antes, um facto extintivo do direito, que, seguindo a jurisprudência supra citada podia ser realizado por via de excepção - artigo 576º, nº3, CPC. Seja como for, a tomada de posição sobre esta questão na decisão recorrida levou a que se decidisse no sentido da impropriedade do meio processual utilizado, em linha com alguma jurisprudência de tribunais superiores, afastando a possibilidade do réu se defender mediante a invocação do seu direito de compensação, e fê-lo sem, antes, como devia, assegurar activamente que o réu aperfeiçoasse o seu articulado, de forma a adaptá-lo à forma que o tribunal considerou ser adequada, isto é, invocasse a compensação através de dedução de reconvenção.

Agora é a autora - A... - que discorda do assim decidido pelo tribunal de apelação, e pede «revista» do respectivo acórdão apontando-lhe «erro de julgamento de direito», a exigir uma melhor aplicação do mesmo, o qual, a seu ver, se desdobra em questões que são juridicamente relevantes. Alega ela que a apreciação do mérito da pretensão de compensação de créditos ficou irremediavelmente inviabilizada pelo facto de não ter sido arguida em sede de reconvenção mas como excepção peremptória - artigo 266º, nº2 alínea c), do CPC - e que conferir ao réu hospital uma terceira oportunidade de corrigir a irregularidade do seu articulado configura, nesta situação, uma subversão do princípio dispositivo e constitui violação do princípio da imparcialidade do juiz e das garantias de um processo justo e equitativo na medida em que permite que o julgador se substitua à parte na escolha do meio processual pelo qual se deve opor às pretensões da autora. E acrescenta que a interpretação do disposto no artigo 193º do CPC no sentido que lhe deu o acórdão recorrido - de ter o tribunal o dever de proferir despacho de aperfeiçoamento no sentido da dedução de compensação em sede de reconvenção, quando, para além do mais, o réu teve oportunidade de apresentar contestação aperfeiçoada após a apresentação de petição inicial aperfeiçoada pela autora - é manifestamente inconstitucional por violar os artigos 20º, nº1 e nº4, e 203º, da CRP.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

E feita uma tal apreciação, impõe-se-nos concluir pela verificação dos pressupostos para a admissão desta pretensão de revista.

De facto, são essencialmente duas as questões que nela são submetidas à apreciação deste Supremo Tribunal: - se a defesa por compensação de créditos deve ser deduzida através de reconvenção; - e se, não o tendo sido, mas antes por excepção, deverá o tribunal proferir despacho de aperfeiçoamento dirigido ao réu.

A circunstância de os tribunais de instância terem abordado e decidido tais questões de forma contraditória, aliada à jurisprudência que a tal respeito vem sendo produzida no âmbito da jurisdição comum - entre outros, AC STJ de 14.04.2021, processo nº 69310/0YIPRT.G1.S1; AC STJ de 14.12.2021, processo nº 107694/20.2YIPRT; AC STJ de 12.01.2022, processo nº 1686/18.5T8LRA.C1.S1; AC STJ de 21.03.2023, processo nº 136586/18.3YIPRT.L1.S1 - e ao facto de, a respeito delas, e neste particular enfoque, ainda não ser conhecida posição expressa deste tribunal de revista, levam a que se considere a apreciação destas questões, no âmbito da presente revista, como juridicamente relevante, em termos de conduzir a decisões de casos concretos futuros de forma mais clara e segura, e de eventualmente conduzir a uma melhor decisão de direito neste concreto caso.

Importa, pois, quebrar neste caso a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e admitir o aqui interposto pela autora da acção.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 4 de Julho de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.