Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0582/15
Data do Acordão:09/21/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
DAÇÃO EM PAGAMENTO
Sumário:I - O ganho correspondente à diferença positiva entre o valor pelo qual um imóvel foi transmitido ao credor mediante dação em pagamento e o valor da sua aquisição, corrigido e acrescido nos termos legais, constitui mais-valia sujeita a tributação nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS, pois essa dação, constituindo uma «alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis», é subsumível à previsão desta norma de incidência.
II - Para o efeito, é irrelevante que a dação tenha sido efectuada para pagamento de dívidas de terceiro, pois o que importa é o valor por que o bem foi alienado, uma vez que o ganho tributado é o que decorre da diferença entre os valores de aquisição e de realização, ou seja, entre o valor por que o bem ingressou no património do sujeito passivo e o valor por que dele saiu.
III - Esta interpretação da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS em nada contende com os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação do rendimento efectivo.
Nº Convencional:JSTA00069826
Nº do Documento:SA2201609210582
Data de Entrada:05/11/2015
Recorrente:A... E B...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF FUNCHAL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
DIR PROC TRIBUT CONT.
Legislação Nacional:CONST05 ART103 N2 ART104 N1.
CIRS01 ART10 N1 A .
CPC13 ART617 N1 N2 ART639 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0578/10 DE 2010/12/16.; AC STA PROC0119/10 DE 2010/04/28.
Referência a Doutrina:JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS - CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ANOTADA TOMOII 2006 PAG226.
XAVIER DE BASTO - IRS INCIDÊNCIA REAL E DETERMINAÇÃO DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS 2007 PAG431.
RUI MORAIS - SOBRE O IRS 2ED PAG134.
PAULA ROSADO PEREIRA - ESTUDOS SOBRE IRS - RENDIMENTOS DE CAPITAIS E MAIS-VALIAS 2005 PAG88.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 288/11.1BEFUN

1. RELATÓRIO

1.1 A…………… e mulher, B…………… (adiante Recorrentes ou Impugnantes), recorrem para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal julgou improcedente a impugnação judicial por eles deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) efectuada relativamente às mais-valias que a Administração tributária (AT) considerou terem obtido com referência à dação de um imóvel em pagamento.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e os Recorrentes apresentaram as alegações, que resumiram em conclusões do seguinte teor:

«A) Os impostos são criados por lei, a qual determina a sua incidência.

B) Não pode o intérprete ficcionar como ganho do contribuinte, simples alienações que, embora onerosas, não acarretam um acréscimo patrimonial ao contribuinte e nem sequer uma efectiva extinção de obrigações das quais ele seja o responsável ou devedor.

C) A alienação efectuada pelo recorrente, embora onerosa, não integra a previsão do n.º 1, al. a) do art. 10.º do Código do IRS.

D) O entendimento de que tal alienação se enquadraria na previsão dessa norma, constitui violação das normas dos arts. 103.º n.º 2 e 104.º n.º 1 da Constituição.

E) O recorrente procedeu à dação em cumprimento ao Banco …………., de dois prédios, para liquidação de um conjunto de dívidas da sociedade C………………, Lda. no valor global de € 874.728,15 e também de uma outra dívida do próprio recorrente, esta no valor de € 25.271,85.

F) Simultaneamente com a dação em cumprimento, o Banco …………. outorgou com a C………….., Lda. um contrato de locação financeira imobiliária, tendo por objecto os mesmos bens imóveis recebidos do recorrente.

G) E o valor de € 900.000,00 foi creditado em conta da C…………., da qual saiu, de imediato, para liquidar as diversas dívidas existentes no referido Banco e da responsabilidade da C…………...

H) O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares incide sobre o valor anual dos rendimentos das diversas categorias previstas no respectivo código.

I) Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

J) O ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor realizado e o valor da aquisição.

L) Mas será o rendimento efectivo e não as meras suposições de rendimento individual que releva para efeitos de imposto de IRS.

M) Com a dação efectuada ao Banco não houve qualquer acréscimo patrimonial na esfera jurídica do recorrente.

N) Houve sim uma diminuição do seu património, já que ficou ele sem a propriedade dos prédios e nenhuma contrapartida teve.

O) Quem obteve alguma contrapartida foi a sociedade C……………, a qual deixou de ser devedora dos montantes até então devidos ao Banco, mas ficando ela obrigada a pagar ao Banco as rendas da locação então contratada.

P) Não tendo havido acréscimo patrimonial para o recorrente, também não existiu ganho sujeito a IRS.

Termos em que deverá receber-se o recurso e decidir-se:

1. Que a sentença recorrida enferma de nulidade por não ter ela apreciado e decidido a questão da inconstitucionalidade suscitada quanto à interpretação do art. 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS, por violação do disposto no art. 103.º, n.º 2 da Constituição

2. Por conseguinte, deverá agora conhecer-se dessa nulidade e decidir-se pela inconstitucionalidade da referida norma e também da inconstitucionalidade da norma do art. 104.º, n.º 1 da CRP, quando interpretada da forma que foi feita pelo tribunal a quo, julgando, por fim o recurso procedente.

3. Quando assim não se entenda, então deverá conhecer-se do recurso e, julgando-se ele procedente, ser anulada a decisão recorrida e substituída por outra que proceda à revogação da liquidação de IRS resultante das correcções efectuadas pela Administração Fiscal, às quais aludem os autos, como é de inteira JUSTIÇA!».

1.3 A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.4 Remetidos os autos a este Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto começou por promover que os autos voltassem ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, a fim de proferido despacho nos termos do n.º 5 do art. 617.º do Código de Processo Civil (CPC).

1.5 Deferida a promoção, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal proferiu o despacho em falta, que foi no sentido de reconhecer a invocada omissão de pronúncia e de, suprindo-a, considerar que não se verifica a inconstitucionalidade do art. 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), na interpretação que lhe foi dada pela AT.

1.6 Regressados os autos ao Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…]
1. Nulidade da sentença
O despacho proferido em 15.09.2015 no tribunal recorrido pronunciou-se sobre a questão de inconstitucionalidade suscitada pelos recorrentes, cuja omissão de pronúncia tinha sido invocada como um dos fundamentos do recurso (violação da norma constante do art. 103.º n.º 2 CRP pela interpretação do art. 10.º n.º 1 al. a) CIRS efectuada na sentença recorrida), desta forma suprindo a nulidade arguida (conclusão D), n.º 1 fls. 207; art. 617.º n.ºs 1 e 2 CPC vigente).
A questão de inconstitucionalidade, consistente na violação da norma constante do art. 104.º n.º 1 CRP pela interpretação do art. 10.º n.º 1 al. a) CIRS efectuada na sentença recorrida, apenas foi suscitada nas conclusões do recurso (conclusão D); sendo questão nova, a ausência de pronúncia não é determinante da nulidade da sentença (art. 125.º n.º 1 CCPT).
Significativamente, os próprios recorrentes apenas argúem a nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a questão de inconstitucionalidade tendo como parâmetro o art. 103.º n.º 2 CRP (fls. 207 n.º 1).
2. Questões decidendas:
1.º Inconstitucionalidade da norma constante do art. 10.º n.º 1 al. a) CIRS, na interpretação efectuada pela sentença recorrida, por violação dos arts. 103.º n.º 2 e 104.º n.º 1 CRP.
2.º Legalidade da tributação em IRS de mais-valias resultantes de dação em pagamento de imóveis.
1.ª Questão decidenda
Tendo a sentença impugnada expressado o entendimento de que da dação em pagamento ao banco credor resultou um ganho constitutivo de mais-valias tributáveis em sede de IRS, é manifesto que a interpretação da norma adoptada não viola o comando constitucional inscrito no art. 103.º n.º 2 CRP, porquanto o ganho obtido se subsume às normas aplicáveis de incidência do imposto (arts. 1.º n.º 1, 9.º n.º 1 al. a) e 10.º n.º 1 al. a) CIRS).
A questão da inconstitucionalidade da interpretação do art. 10.º n.º 1 al. a) CIRS efectuada na sentença, tendo como parâmetro a norma constante do art. 104.º n.º 1 CRP, foi enunciada sob forma difusa, com omissão de quaisquer argumentos que permitam estabelecer uma relação de desconformidade com a norma constitucional alegadamente violada, respeitante à natureza e estrutura do IRS (imposto único e progressivo, visando a diminuição das desigualdades, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar).
Em consequência, não se vislumbrando qualquer argumento que supra o incumprimento do ónus alegatório dos recorrentes, a questão não deve merecer apreciação pelo tribunal de recurso, justificando-se um sumário juízo negativo no sentido da inexistência da inconstitucionalidade alegada.
2.ª Questão decidenda
Os ganhos resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis constituem mais-valias sujeitas a tributação em IRS, enquanto rendimentos da categoria G-Incrementos patrimoniais (arts. 9.º n.º 1 al. a) e 10.º n.º 1 al. a) CIRS).
O ganho sujeito imposto é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, este corrigido pela aplicação de coeficientes de correcção monetária e acrescido das despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação (arts. 10.º n.º 4 al. a), 50.º n.º 1 e 51.º al. b) CIRS).
A dação em pagamento configura uma transmissão onerosa do direito de propriedade constituindo causa de extinção da obrigação (art. 837.º C. Civil).
II. No caso concreto o sujeito passivo obteve um ganho correspondente à diferença positiva entre o valor pelo qual os imóveis foram transmitidos ao banco credor pela dação em pagamento e o valor da sua aquisição, corrigida e acrescida nos termos supra enunciados (cf. factos provados n.º 3).
É irrelevante que a dação em pagamento se destine à satisfação de dívida de terceiro: a sociedade C…………….., Lda. da qual os sujeitos passivos são sócios (factos provados n.º 10); por via de sub-rogação pelo credor, pela devedora ou de sub-rogação legal ingressou na esfera jurídica dos sujeitos passivos um direito de crédito de valor equivalente ao montante da dívida satisfeita (arts. 589.º, 590.º e 592.º C. Civil)».

1.7 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.8 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se a dação de bens imóveis em pagamento de dívidas de terceiro é, ou não, susceptível de gerar uma mais-valia sujeita a tributação em sede de IRS, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do Código deste tributo e, na afirmativa, se essa interpretação deste preceito legal conflitua com os princípios constitucionais vertidos nos arts. 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1. Os impugnantes, pelo ofício n.º 5640 da Administração Tributária datado de 25 de Maio de 2011, foram notificados do seguinte:

Assunto: CORRECÇÕES RESULTANTES DE ANÁLISE INTERNA – ART. 77.º DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA (LGT) E ARTIGO 62.º DO REGIME COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DA INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA (RCPIT)

Exm.º(s) Senhor(es)

Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do artigo 77.º da LGT e do artigo 52.º do RCPIT, das correcções resultantes da acção de inspecção cujo relatório/conclusões se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à ordem de serviço acima referenciada.

· Da alteração efectuada nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRS, sem recurso a métodos indirectos, nos seguintes anos:
ANO(S) EXERCÍCIO(S)RENDIMENTO ALTERADO/APURADO
2007272.769.20 EUR
A decisão referida no ponto anterior tem por base os factos, motivos e fundamentos expressamente desenvolvidos no referido Relatório. A breve prazo, os Serviços da DGCI procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar.
Da presente notificação e respectiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação.
Com os melhores cumprimentos,

(cfr. doc. n.º 2 junto com a p.i.);

2. Anexo à notificação referida no facto provado anterior constava o Relatório da Inspecção Tributária, do qual constava, designadamente o seguinte:

I.4 DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
No ano de 2007 os sujeitos passivos obtiveram rendimentos de mais valia decorrentes do contrato de dação em cumprimento de dois prédios (um rústico e um urbano), sitos na freguesia de …………. e Concelho da Calheta, a qual se encontra prevista na alínea a) n.º 1 do artigo 10.º do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), resultando um rendimento colectável de € 270.195,50 e praticaram omissões desse rendimento na declaração modelo 3 de IRS de 2007.
II. CAPÍTULO
OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
II.1. Credencial e período em que decorreu a acção
(Artigo 46.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributaria (RCPIT)
Ordem de Serviço Interna – OI201100188, com despacho de 2011-03-14
Código Actividade – 12122027 (Pessoas Singulares – Acção de controlo de mais valias)
II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal
(artigo 14 do RCPIT)
Motivo – Omissão de rendimentos da categoria “G”
Âmbito – IRS
Extensão – 2007

(cfr. doc. n.º 2 junto com a p.i.);

3. Do referido Relatório de Inspecção Tributária consta ainda o seguinte: (cfr. doc. n.º 2 junto com a p.i.):

A……………., no dia 14 de Maio de 2007, procedeu à dação em cumprimento dos seguintes bens imóveis:
a) Prédio rústico localizado na freguesia de …………….., concelho da Calheta (220104), inscrito na matriz predial sob o artigo 22566;
b) Prédio urbano localizado na freguesia de …………., concelho da Calheta (220104), inscrito na matriz predial sob o artigo 1301;
pelo preço total de € 900.000,00, não tendo declarado a mais valia resultante desse acto na declaração modelo 3 de IRS de 2007.

A dação em cumprimento de prédios (urbanos e rústicos), define-se como uma alienação onerosa do direito real de propriedade sobre bem imóvel para efeitos do disposto na alínea a) n.º 1 do artigo 10.º do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), enquanto causa de extinção das obrigações (artigo 837.º do Código Civil).

Nos termos do disposto na alínea a) n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, constituem mais valias tributadas pelas regras da categoria G, os ganhos que não sendo rendimentos profissionais e empresariais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis. No caso em apreço, é evidente que com a dação em cumprimento, se operou a transmissão dos bens imóveis, ocorrendo assim uma transmissão onerosa de direitos mais sobre imóveis. De acordo com os documentos 1 e 2 em anexo, verifica-se que os bens alienados se encontram registados em nome do Banco …………. SA, com o NIPC …………., tendo-se verificado a existência de uma correspectividade de atribuições patrimoniais própria de contratos onerosos.

É manifesto que o contribuinte obteve um ganho idêntico ao que teria obtido se tivesse optado por vender os prédios a um terceiro e depois pagasse ao credor. Há efectivamente um ganho, que constitui mais valia e que se concretiza na diferença entre o valor em que esses prédios entraram no património do sujeito passivo, e o valor por que dele saiu por um acto de disposição, no caso a transmissão dos imóveis por via da dação em cumprimento, sendo que o valor de realização dos referidos prédios traduziu-se no preço acordado entre as partes e que corresponde ao valor de uma dívida no montante de € 900.000,00, originando assim uma vantagem patrimonial ao contribuinte, que traduz-se na extinção da dívida.

Uma vez que na escritura de dação em cumprimento não consta um valor atribuído a cada prédio, o valor de realização foi calculado proporcionalmente ao respectivo Valor Patrimonial Tributário (vpt)1 [1 No prédio rústico foi considerado o vpt de € 10,43. No prédio urbano foi considerado o vpt de €336.580,00]
De acordo com o exposto no n.º 1 do artigo 46.º do CIRS, o valor de aquisição do prédio rústico a ser considerado no cálculo da mais valia, por este ter sido adquirido a título oneroso, é aquele que tenha servido para efeitos de liquidação da sisa (actual IMT) e que se cifra em € 5.333,33, sendo que, nos termos do n.º 1 Artigo 50.º do CIRS, este valor é actualizável com o coeficiente de 1,05 previsto na Portaria n.º 768/07 de 09 de Julho, uma vez que decorreu mais de 24 meses entre a data da aquisição (29-06-2004) e a data da alienação (14-05-2007), obtendo-se deste modo um valor actualizado de € 5.699,998 (€ 5.333,33 x 1,05).
No que diz respeito ao bem imóvel urbano este prédio foi inscrito na matriz em 11 de Outubro de 2004, conforme modelo 1 do IMI n.º 380977 apresentada no serviço de Finanças, pelo Sujeito Passivo A, pelo valor patrimonial tributário de € 335.580,00 (vide documento 3 em anexo). Desta forma, como o prédio em causa foi construído pelos próprios sujeitos passivos e não existindo outros elementos disponíveis que evidenciem os custos de construção, de acordo com o art. 3.º do artigo 46.º do CIRS, o valor de aquisição considerado é o valor patrimonial, bem como a data relevante para a aquisição é a data de inscrição na matriz conforme o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 50.º do CIRS.
Nos termos do n.º 1 do artigo 50.º do CIRS, este valor é actualizável com o coeficiente de 1,05 previsto na Portaria n.º 768/07 de 09 de Julho, uma vez que decorreu mais de 24 meses entre a data da aquisição (11-10-2004) e a data da alienação (14-05-2007), obtendo-se deste modo um valor actualizado de € 353.409,00 (€ 338.580,00 x 1,05).
De forma esquemática:

Prédio Rústico
(valores em euros)
Valor de realização
(1)
Valor de aquisição
(2)
Coefeciente desv. da moeda
(3)
Valor de
aquisição
actualizado
4=(2x3)
Despesas e
Encargos 2
(5)
Rendimento colectável
(1-(4+5))
27,88*
5.333,33
1,05
5.599,996
266,67
-5.838,79
* Cálculo: [10,43 / (10,43 + 336.580,00)] x 900.000,00
2 Foi considerado o valor do IMT pago e mencionado no DUC n.º 160004010241203.
Prédio Urbano
(valores em euros)
Valor de realização
(1)
Valor de aquisição
(2)
Coefeciente desv. da moeda
(3)
Valor de
aquisição
actualizado
4=(2x3)
Despesas e
Encargos 3
(5)
Rendimento colectável
(1-(4+5))
899.972,12*
336.580,00
1,05
353.409,00
333,34
546.229,78
* Cálculo: (900.000,00-27,88)
3 Foi considerado o valor do IMT pago e mencionado no DUC n.º 160004010241203.

De acordo com o exposto no n.º 1 do artigo 43.º do CIRS, o valor dos rendimentos qualificados como mais valias é o correspondente ao saldo apurado entre mais valias e menos valias realizadas no mesmo ano. Desta forma, o rendimento da categoria “G” (mais valia) apurada no exercício de 2007 é de € 540.390,99 (546.229,78-5.838,79).
Porém, nos termos do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, é apenas tributado 50% deste montante, que totaliza € 270.195,50 (540.390,99 x 50%).

Os sujeitos passivos praticaram omissões de rendimentos da categoria “G” na declaração modelo 3 de IRS de 2007, apresentada em 2008-04-15, apenas com o anexo “A”.
Desta forma o sujeito passivo deverá acrescer aos rendimentos apurados no anexo “G” referentes à alienação acima referida.

Pelas omissões verificadas e praticadas na declaração atrás referida, apurou-se o imposto em falta (IRS) conforme quadro seguinte:

(valores em euros)
Descrição
Valores Declarados
Valores Corrigidos
Diferenças
Rendimento Global
8.521,62
278.717,12
270.195,50
Deduções Específicas
5.947,92
0,00
Abatimentos
0,00
0,00
0,00
Rend. para det. Taxas
2.573,70
272.769,20
270.195,50
Coeficiente conjugal
2,00
2,00
--------
Taxa
8,50
41,00
--------
Importância apurada
109,39
55.917,69
55.808,30
Parcela a abater
0,00
6.960,42
--------
Valor apurado
218,78
97.914,53
97.695,75
Imp. Trib. Autónomas
0,00
0,00
0,00
Colecta total
218,78
97.914,53
97.695,75
Deduções à colecta
218,78
443,30
224,52
Colecta líquida
0,00
97.471,23
97.471,23
Retenções na fonte
0,00
0,00
0,00
Pagamentos Conta
0,00
0,00
0,00
Imposto apurado
0,00
97.471,23
97.471,23
(…)
IX. CAPÍTULO
DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
Os Sujeitos Passivos forem notificados por carta registada com saída n.º 4.682 de 19-04-2011 para no prazo de 10 dias exercer o seu direito de audição. O Sujeito Passivo A – A…………….. exerceu o direito de audição por escrito em 06-05-2011, em que veio a invocar, entre outros, que “Contrariamente ao que parecem apontar as conclusões do relatório, os prédios em questão eram propriedade exclusiva do ora requerente, viúvo e não também de B……………….”.

No relatório não foi mencionado que os prédios alienados eram propriedade de B…………….. Contudo, de acordo com o exposto no artigo 14.º do CIRS, “as pessoas ... vivendo em união de facto ... podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens”. Ora, a Declaração Modelo 3 de IRS de 2007 foi apresentada pelos sujeitos passivos com o estado civil de unidos de facto. Exercida esta opção, passam para um regime de tributação conjunta dos rendimentos (n.º 2 do artigo 13.º do CIRS), sendo ambos os unidos de facto responsáveis pelo cumprimento das obrigações tributárias.

O Sujeito Passivo refere ainda que “Anteriormente a essa dação, os prédios encontravam-se avaliados pelo Serviço de Finanças, nos seguintes valores
- € 5.333,33, o rústico;
- € 336.580,00, o urbano”.

De acordo com o documento 1 em anexo a este relatório, podemos constatar que o valor patrimonial do prédio rústico, na base de dados da DGCI, cifra-se em € 10,43 e não em € 5.333,33, conforme alega o Sujeito Passivo.
Mais refere que “... entre a data da avaliação do urbano, em sede de IMI ou seja em 11/05/2005 e a data da dação em cumprimento, o ora requerente e a sociedade C…………….., Lda., sua representada, realizaram diversas obras de ampliação e melhoramentos nos prédios já existentes”.
“E para custear tais obras, a referida C…………….. contraiu um financiamento junto do ……………, no valor de € 800.000,00, empréstimo esse avalisado pelo requerente e pela referida B……………… e também garantido por hipoteca sobre os prédios em questão”.
“Daí que o referido banco tenha avaliado os prédios em € 900.000,00 e em € 1.000.000,00; após conclusão das obras”.
“E essas obras acabaram por ser suportadas pelo próprio requerente, Já que, sendo ele o primitivo proprietário dos prédios e estando eles hipotecados, foi forçado a dá-los em cumprimento ao Banco”.
“Por essa razão, muito embora tenha sido a C…………… a realizar uma parte das ditas obras, foi afinal o ora requerente quem teve que as suportar, de facto, dando ele os prédios, para o efeito, ao Banco”.
O Sujeito Passivo alega ter incorrido em encargos com a valorização dos bens, na medida em que celebrou um contrato de dação em cumprimento com a instituição financeira de forma a fazer face à divida assumida pela empresa, para ampliação e melhoramentos. Desta forma, ao invés do que o Sujeito Passivo defende, confirma-se que os encargos de valorização dos prédios objecto do contrato de dação em cumprimento foram, na realidade, assumidos pela empresa que contraiu um empréstimo para o efeito.
O facto da empresa não ter cumprido com as obrigações financeiras, perante a instituição bancária, ter levado o Sujeito Passivo a celebrar com esta um contrato de dação em cumprimento, não implica que por este motivo tenha sido o contribuinte a assumir quaisquer encargos, tendo apenas este vindo a regularizar de livre vontade a dívida assumida pela empresa, de que é sócio.
Acresce que o Sujeito Passivo não exibiu qualquer documento de prova de encargos por ele assumidos para efeitos do disposto no artigo 51.º do CIRS.
Invoca ainda que “... garantindo os prédios hipotecados o pagamento da dívida ao dar os prédios em cumprimento das obrigações assumidas, o requerente ficou apenas desonerado da obrigação de pagamento então existente, mas mais nada lucrou”.
“Por conseguinte, não há mais valias a considerar para efeitos tributários...”.
Consideram-se mais valias os ganhos obtidos, resultantes de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS).
O contrato de dação em cumprimento é um contrato oneroso, com o qual se visa a extinção de uma obrigação.
Está em causa a alienação onerosa de direitos reais sobre Imóveis consubstanciada na dação em cumprimento dos prédios rústico e urbano, identificados no capítulo III deste relatório, tendo em vista a extinção de uma dívida.
O ganho efectivo que deste contrato resulta é gerador de mais valias sujeitas a tributação. Aliás, também para efeitos de IMT (Imposto Municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis) a transmissão por meio de dação em cumprimento é sujeita a tributação tendo em conta a regra 51, n.º 4, do artigo 12.º do CIMT (ainda que se possa verificar a isenção pela aquisição de imóveis por Instituições de crédito, a que se refere o artigo 8.º do CIMT).
O ganho de mais valias em questão resulta da diferença positiva entre o valor pelo qual os imóveis saíram pelo acto de disposição do património do sujeito passivo (contrato de dação em cumprimento celebrado) e o valor pelo qual entraram nesse património, conforme decorre o disposto na alínea a), n.º 4, do artigo 10.º do CIRS.
A circunstância de a venda ter sido efectuada por contrato de dação em cumprimento não impede a formação do ganho sujeito a tributação, o qual se gera em consequência da referida diferença positiva, entre o valor de realização e o valor de aquisição.
4. Sobre o Relatório da Inspecção Tributária referido nos factos provados anteriores foi exarado o seguinte:












7. O contrato de dação em cumprimento referido no facto provado anterior teve como base o contrato de promessa outorgado a 23 de Junho de 2006 nos seguintes termos (cfr. doc. n.º 6 junto com a p.i.);







8. No dia 11 de Maio de 2007, o Banco …………….. celebrou com a sociedade C…………….., Lda. um contrato de locação financeira imobiliária, tendo por objecto os aludidos dois prédios (cfr. doc. n. 4 junto com a p.i.);

9. O contrato referido no facto provado anterior teve como base, o contrato de promessa outorgado a 23 de Junho de 2006 nos seguintes termos (cfr. doc. n.º 8 junto com a p.i.).


10. Ambos, os Impugnantes são sócios da referida sociedade C……………, Lda. (cfr. doc. n.º 5 junto com a p.i.);

11. Em 23 de Junho de 2006, o Impugnante A…………….. era responsável perante o Banco …………… pelo montante de € 25.271,85, proveniente de uma livrança por si subscrita, no valor de € 24.150,00 e respectivos juros vencidos no montante de € 1.121,85 € (cfr. doc. n.º 6 junto com a p.i.);

12. Em 23 de Junho de 2006, a sociedade C……………, Lda., por sua vez era também responsável perante o referido Banco, entre outros, pelo pagamento do montante de € 874.728,15, proveniente de um crédito a descoberto na sua conta de depósitos à ordem n.º 452 do valor de uma livrança subscrita pela referida sociedade C……………. e respectivos juros e ainda de um empréstimo celebrado com a dita sociedade. (cfr. doc. n.º 6 junto com a p.i.);

13. A 22 de Junho de 2006, foi creditado na conta da sociedade C…………., Lda. aberta no Banco ............... o valor de € 900.000,00. (cfr. doc. n.º 9 junto com a p.i.)».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A…………….., ora Recorrente, deu em cumprimento ao “Banco ………….., S.A.” dois prédios para pagamento de responsabilidades, do montante de € 900.000,00, perante aquela instituição, sendo umas próprias e outras da sociedade denominada “C……………, Lda.”, da qual ele é sócio, gerente e garante.
A AT, considerando que dessa dação em pagamento resultaram para aquele sujeito passivo de IRS ganhos da categoria G (“mais-valias”) não declarados, procedeu à correcção da matéria tributável e consequente liquidação adicional de imposto e respectivos juros compensatórios.
Inconformados com essa liquidação, os sujeitos passivos impugnaram-na. Na parte que ora nos interessa considerar invocaram os seguintes dois fundamentos: i) a dação em pagamento não gerou quaisquer ganhos para os Impugnantes e ii) a interpretação subscrita pela AT viola o n.º 2 do art. 103.º da CRP.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal julgou a impugnação judicial improcedente. Isto, em suma e depois de tecer pertinentes considerandos em torno da natureza da dação em pagamento – concluindo tratar-se de uma causa de extinção das obrigações que pressupõe a alienação onerosa do direito de propriedade de bens –, porque considerou que a dação em pagamento efectuada pelos Impugnantes se integra na previsão da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS, motivo por que decidiu que bem andou a AT ao considerar rendimento sujeito a IRS as mais-valias resultantes dessa alienação.
Os Impugnantes recorreram dessa sentença. Sustentaram, antes do mais, a nulidade da sentença por ter omitido pronúncia sobre a questão, invocada na petição inicial, respeitante à inconstitucionalidade da interpretação do art. 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, efectuada pela AT; depois, suscitam a questão da inconstitucionalidade da mesma interpretação à luz do art. 104.º, n.º 1, da CRP; finalmente, aceitando embora que a referida dação em cumprimento constitui uma alienação onerosa de bens imóveis, discordam que dela tenha resultado qualquer ganho sobre o qual possa incidir IRS.
Entretanto, pronunciando-se sobre a nulidade da sentença invocada pelos Recorrentes, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, reconhecendo que omitira pronúncia, passou a conhecer da invocada inconstitucionalidade, tudo ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 617.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT. Considerando – e bem – que apenas lhe cumpria apreciar a conformidade da interpretação da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRC à adoptada pela AT com a norma constitucional do n.º 2 do art. 103.º da CRP, entendeu ser improcedente a alegação aduzida pelos Impugnantes, de que «sendo os impostos criados por lei, a qual determina a sua incidência, não pode o intérprete ficcionar como ganho do contribuinte simples alienações que, embora onerosas, não acarretam um acréscimo patrimonial ao contribuinte e nem sequer uma efectiva extinção de obrigações das quais ele próprio fosse o responsável ou devedor». Em suma, sustentou que o ganho dos Impugnantes sujeito a tributação consiste «na diferença entre o valor do imóvel quando entrou no património do impugnante e o valor que lhe foi atribuído quando saiu por via da dação em cumprimento».
Assim, deve ter-se por suprida a nulidade por omissão de pronúncia.
Resta-nos para decidir as questões de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento ao considerar que a AT fez correcta interpretação da norma de incidência e correcta aplicação da mesma à situação sub judice.
Os Recorrentes suscitam ainda, pela primeira vez em sede de alegações de recurso, a questão da inconstitucionalidade da interpretação efectuada pela AT da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS à luz do art. 104.º, n.º 1, da CRP.
Porque a questão da constitucionalidade é do conhecimento oficioso, não será por os Impugnantes não a terem suscitado anteriormente que ela deixará de ser conhecida (Nos termos do art. 204.º da CRP, «Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados». Assim, os tribunais de recurso, ainda que a questão da inconstitucionalidade não tenha sido suscitada em 1.ª instância, não podem com esse argumento (de que se trata de questão nova) eximir-se ao conhecimento da mesma.). No entanto, há que ter em conta que estes se limitaram a alegar, vaga e genericamente, sem a invocação de qualquer argumento a favor da sua tese, que a interpretação do art. 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS efectuada pela AT e ratificada pela sentença recorrida, viola o art. 104.º da CRP, norma que estabelece o «essencial da constituição fiscal» (Cfr. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, Coimbra Editora, 2006, nota I ao art. 104.º, pág. 226.), designadamente o seu n.º 1, que, relativamente ao IRS, dispõe: «O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar».
Na verdade, compulsadas as alegações de recurso e respectivas conclusões (Que devem constituir uma síntese das razões por que o recorrente pretende a alteração do decidido pelo tribunal que proferiu a decisão recorrida (cfr. art. 639.º, n.º 1, do CPC).), não vislumbramos outra argumentação em ordem a suportar a invocada violação do art. 104.º, n.º 1, da CRP que não seja a de que «o entendimento de que tal alienação se enquadraria na previsão dessa norma, constitui violação das normas dos arts 103.º, n.º 2 e 104.º, n.º 1 da Constituição» [cfr. conclusão D)] e, a fls. 205, a alegação de que «a interpretação feita na douta sentença recorrida, segundo a qual não haveria sequer que questionar se o recorrente teria efectivamente obtido uma vantagem patrimonial […] também viola o disposto no art. 104.º, n.º 1 (parte final), da Constituição» porque «não seria o rendimento efectivo do agregado familiar, mas sim o rendimento presumido a considerar».
Assim, salvo o devido respeito, não explicam os Recorrentes em que medida a mais-valia que a AT considerou obtida com a dação em pagamento constitui rendimento presumido (tanto mais que a mais-valia foi apurada com base na diferença entre o valor por que os prédios ingressaram no seu património e o valor por que dele saíram, ou seja, constitui, tal como foi calculada, um rendimento efectivamente obtido) e também não explicam em que medida a subsunção da situação fáctica sub judice à previsão da norma da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS contende com o princípio constitucional enformador da tributação do rendimento pessoal.
Ora, não obstante a questão da constitucionalidade ser do conhecimento oficioso, no caso de a mesma invocada pelo recorrente, este não fica dispensado do ónus de alegação que sobre ele impende (cfr. art. 639.º do CPC). O incumprimento desse ónus, não tendo a consequência de dispensar o tribunal ad quem do conhecimento da questão, por certo não o obriga a suprir a falta de alegação.
Assim, não vislumbrando nós argumento que possa suportar a tese dos Recorrentes e também o não adiantando estes, não se justifica mais do que «um sumário juízo negativo no sentido da inexistência da inconstitucionalidade alegada», fazendo nossas as palavras do Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal.
Por isso, enunciámos as questões a apreciar e decidir nos termos referidos em 1.8.

2.2.2 DA TRIBUTAÇÃO EM IRS, CATEGORIA G (MAIS-VALIAS), DO GANHO RESULTANTE DA DAÇÃO DOS IMÓVEIS EM PAGAMENTO

Como deixámos já dito, os Recorrentes aceitam que a dação em pagamento dos prédios constitui uma alienação onerosa de bens imóveis, mas discordam que dela tenha resultado qualquer ganho sujeito a tributação, sustentando a inexistência de «um acréscimo patrimonial ao contribuinte» ou «sequer uma efectiva extinção de obrigações das quais ele seja o responsável ou devedor». Isto, se bem alcançamos a sua alegação, porque com a dação em pagamento «não houve qualquer acréscimo patrimonial na esfera jurídica do recorrente», mas antes «uma diminuição do seu património, já que ficou ele sem a propriedade dos prédios e nenhuma contrapartida teve».
Salvo o devido respeito, os Recorrentes incorrem num equívoco quanto à natureza do ganho sujeito a tributação.
Como ficou dito em anterior acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, que seguiremos de perto (Referimo-nos ao seguinte acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 28 de Abril de 2010, proferido no processo n.º 119/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 703 a 707, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/16bed846e6cd819b8025771a003cd07b.) – e que a sentença também citou –, há efectivamente um ganho, que constitui mais valia, e que se materializa na diferença entre o valor por que os prédios foram adquiridos pelo Recorrente e o valor por que saíram do património dele por via da dação em cumprimento. Tenha-se presente que «a mais-valia é um ganho que se materializa na diferença entre o valor por que um activo entrou no património individual e o valor por que dele saiu por força de um acto de disposição ou outro facto que, segundo a lei, constitua a realização de mais-valia» (Cfr. JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, IRS Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág. 431, que, igualmente, depois de referir que esta «formulação geral necessita, contudo, de alguma particularização e desta se ocupa o citado n.º 4 do artigo 10.º», bem como «tem de ser complementada por uma definição rigorosa do que seja valor de realização e valor de aquisição», salienta que «a diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, sem mais qualificações é o que define o ganho sujeito a imposto para as mais-valias prediais, resultantes de alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis» (sublinhado nosso). ).
Recordemos que o IRS assenta sobre uma concepção de rendimento designada por rendimento-acréscimo, entendendo-se como rendimento qualquer incremento patrimonial, independentemente da respectiva proveniência, num dado período de tributação. No caso das mais-valias, pese embora a dificuldade da sua definição, motivo por que a lei optou por uma «enumeração casuística das sujeitas a tributação», «diremos que estão em causa ganhos resultantes da alienação de um bem económico, na medida em que esta alienação não constitui objecto específico de uma actividade empresarial» (Cfr. RUI DUARTE MORAIS, Sobre o IRS, Almedina, 2.ª edição, pág. 134.).
«As mais-valias correspondem a ganhos, rendimentos ou incrementos patrimoniais de carácter ocasional ou fortuito, e que não decorrem de uma actividade do sujeito passivo especificamente destinada à sua obtenção, mas relativamente aos quais o princípio da capacidade contributiva determina a sujeição a imposto. Assim, constituem mais-valias os ganhos decorrentes da transmissão onerosa de um bem ou direito, sem que tal transmissão constitua o objecto específico de uma actividade empresarial» (Cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, Estudos sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Almedina, 2005, pág. 88.).
Consideram-se, pois, mais-valias quaisquer rendimentos acrescidos ao património do contribuinte, v.g. por via da transmissão onerosa de bens imóveis, ainda que alheias à actividade ou vontade da entidade em cujo património tal valorização se irá afinal repercutir.
É inequívoco, para efeitos de tributação em IRS, que se considera mais-valia sujeita a imposto a diferença positiva entre o valor de transmissão e o valor de aquisição resultante da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis [art. 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS].
A finalidade dessa alienação onerosa, designadamente, no caso da mesma consistir em dação em pagamento, ser a extinção de responsabilidades próprias ou alheias, é de todo irrelevante para a sujeição a IRS, categoria mais-valias. A vantagem patrimonial em causa refere-se, exclusivamente, à diferença entre os valores de realização e de aquisição, sendo totalmente irrelevantes, para efeitos da incidência do IRS, outras circunstâncias da alienação onerosa dos imóveis, designadamente o destino ou finalidade dada ao valor de realização.
E bem se compreende que assim seja: na verdade, caso o Recorrente tivesse vendido os prédios e utilizado o produto da venda para pagar dívidas de terceiros por certo ninguém questionaria a sujeição a IRS da mais-valia obtida com a alienação; porque haveria de ser de outro modo quando a alienação se faz mediante dação em pagamento?
Concluímos, pois, que o Recorrente obteve uma efectiva vantagem patrimonial, um ganho para efeito da previsão normativa constante do n.º 1 do art. 10.º do CIRS.
Esta é, aliás, a posição que este Supremo Tribunal tem vindo a adoptar mesmo nos casos em que a alienação onerosa dos bens imóveis ocorre mediante venda coerciva em sede de execução (Vide o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 16 de Dezembro de 2010, proferido no processo n.º 578/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Maio de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32240.pdf), págs. 1926 a 1931, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/eac52aae251f6c258025780200415e64?OpenDocument. ).
Assim, porque ocorreu um efectivo ganho para o Recorrente, nenhuma censura merece a sentença recorrida que, considerando que tal ganho se encontra sujeito a tributação em sede de mais-valias, julgou improcedente a liquidação impugnada.

2.2.3 DA CONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO SUBJACENTE À LIQUIDAÇÃO IMPUGNADA

Sustentam ainda os Recorrentes que essa interpretação se deve ter por inconstitucional, por violadora do n.º 2 do art. 103.º da CRP, na medida em que entendem que a mesma assenta numa ficção de rendimento, pois a dação em pagamento não acarreta um acréscimo patrimonial e nem sequer corresponde a uma extinção de obrigações dos ora Recorrentes ou da sua responsabilidade.
Salvo o devido respeito, o pressuposto em que assenta a tese dos Recorrentes não é correcto. Como deixámos dito, esse acréscimo resulta da diferença entre o valor por que foram adquiridos os imóveis e o valor por que foram alienados e constitui uma vantagem patrimonial para efeitos da incidência do IRS.
Não estamos, pois, perante qualquer rendimento ficcionado, mas perante uma vantagem patrimonial efectiva, directamente subsumível na previsão da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS, o que arreda a possibilidade de procedência da argumentação da inconstitucionalidade por violação do n.º 2 do art. 103.º da CRP.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O ganho correspondente à diferença positiva entre o valor pelo qual um imóvel foi transmitido ao credor mediante dação em pagamento e o valor da sua aquisição, corrigido e acrescido nos termos legais, constitui mais-valia sujeita a tributação nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS, pois essa dação, constituindo uma «alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis», é subsumível à previsão desta norma de incidência.

II - Para o efeito, é irrelevante que a dação tenha sido efectuada para pagamento de dívidas de terceiro, pois o que importa é o valor por que o bem foi alienado, uma vez que o ganho tributado é o que decorre da diferença entre os valores de aquisição e de realização, ou seja, entre o valor por que o bem ingressou no património do sujeito passivo e o valor por que foi alienado.

III - Esta interpretação da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS em nada contende com os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação do rendimento efectivo.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.

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Lisboa, 21 de Setembro de 2016. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Isabel Marques da Silva.