Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01890/18.6BELRS
Data do Acordão:07/03/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC
REVISÃO OFICIOSA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (art. 78º nº 1 da L.G.T.) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do art. 43º nºs 1 e 3 al. c) da L.G.T.
Nº Convencional:JSTA000P32476
Nº do Documento:SA22024070301890/18
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 1890/18.6BELRS (Recurso Jurisdicional)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 23-02-2023, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A..., S.A.” no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a decisão de indeferimento da revisão oficiosa, por si apresentada, do ato tributário de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”), efetuada pela entidade Banco 1... AG, Sucursal em Portugal, em 12/05/2011, relativa a dividendos do exercício de 2010 e pagos pela entidade B..., SGPS, S.A., no montante retido de € 672.840,00, discutindo apenas a bondade da aludida decisão na parte em que condenou a Fazenda Pública, ora Recorrente, no pagamento de juros indemnizatórios.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

a. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial procedente e, consequentemente, i) anulou a decisão de indeferimento da revisão oficiosa e o ato de retenção na fonte de IRC, relativo aos dividendos pagos à Impugnante pela B..., SGPS, SA, referentes ao exercício de 2010, no valor de € 672.840,00 e, ii) condenou a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante, sobre o montante de imposto pago indevidamente, contados desde o pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, com as legais consequências.

b. O objeto do presente recurso circunscreve-se à parte decisória constante no ponto ii), referente aos juros indemnizatórios.

c. Entendeu ainda o tribunal a quo que são devidos juros indemnizatórios contados nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, ou seja, desde o pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, no entanto não pode a AT concordar com tal entendimento, pois como demonstraremos infra, não ocorreu erro imputável aos serviços no momento em que foram praticados os atos de retenção na fonte que determinaram a quantia a pagar.

d. O ato de retenção na fonte não foi praticado pela Administração Tributária, mas antes pelo substituto tributário, estando assim afastada a possibilidade de existir erro imputável aos serviços até ao eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos corretos.

e. O Tribunal a quo determinou que sejam pagos juros indemnizatórios desde o pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

f. Ora, só quando a Administração Tributária se pronuncia sobre a revisão oficiosa deduzida pelo contribuinte (indeferimento), é que o erro lhe pode ser imputável.

g. Só em 05/07/2018 é que foi proferida decisão de indeferimento da revisão oficiosa apresentada pela Recorrida.

h. Assim, antes dessa data - 05/07/2018 - não poderia ser imputado à Administração Tributária qualquer erro imputável aos serviços, pois o ato de retenção na fonte não foi praticado pela Administração Tributária, mas antes pelo substituto tributário.

i. Assim, entende a Fazenda Pública que a tutela do direito a juros indemnizatórios sobre o indevidamente pago só pode ser reconhecida a partir do momento em que a Administração Tributária se pronunciou, ou seja, com a decisão da revisão oficiosa.

j. Isto é, a Administração Tributária não podia ter sido condenada ao pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante, nos termos do artigo 43.º da LGT conjugado com o n.º 5, do artigo 61.º, do CPPT, contados desde o pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, uma vez que a revisão oficiosa só foi apresentada em 08/05/2015 e decidida em 05/07/2018 e, por conseguinte, só a partir do indeferimento da revisão oficiosa é que poderia ser imputado erro aos serviços.

k. Neste sentido também já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão (referido na sentença) de 08/03/2023, proferido no processo nº 3022/19.4BELRS, em que era parte a aqui impugnante e evocou o artº 8º, nº 3 do Código Civil, e a jurisprudência uniformizada pelo Acórdão do Pleno do STA proferido em 29-06-2022, no processo 093/21.7BALSB, publicado em www.dgsi.pt

l. Face ao exposto, conclui-se que o Tribunal a quo procedeu a uma incorreta interpretação da lei, pois ao decidir pelo pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante contados desde o pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito violou as normas previstas no artigo 43.º da LGT conjugado com o n.º 5, do artigo 61.º, do CPPT

m. Deveria o Tribunal recorrido ter condenado a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios à impugnante desde o indeferimento da revisão oficiosa (05/07/2018) até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

n. Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada quanto ao segmento decisório dos juros indemnizatórios.

Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso e a douta sentença ser revogada no segmento decisório dos juros indemnizatórios.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO
A COSTUMADA JUSTIÇA”

A Recorrida “A..., S.A.” apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões;

“(…)

A) O recurso interposto tem por objeto a Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa (adiante, “Tribunal a quo ou TTL”), que julgou procedente a impugnação judicial deduzida do ato tributário de retenção na fonte para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), efetuado pelo Banco 1... (Portugal) S.A., relativo a dividendos, referentes ao período de tributação 2010, e pagos em 12 de maio de 2011, pela sociedade B..., SGPS, S.A. à ora Recorrida, e condenou a AT ao pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto indevido, na parte referente ao termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios devidos sobre o montante indevidamente retido na fonte, a pagar pela AT à Recorrida.

B) A Fazenda Pública, ora Recorrente, considerou que, no caso em apreço, tais juros apenas são devidos a partir da data de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa, i.e., 05.07.2018, e até à emissão da nota de crédito;

C) Contudo, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, nas situações em que tenha sido praticado um ato ilegal de retenção na fonte de IRC contestado através de pedido de revisão oficiosa, são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido;

D) Sobre esta matéria, defendendo serem devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, se tem pronunciado a jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 093/21.7BALSB, de 29.06.2022, bem como o Acórdão da 2.ª Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 13.12.2023, proferido no âmbito do processo n.º 02440/11.0BEPRT.

E) No caso em apreço:

a. a Recorrida apresentou pedido de revisão oficiosa do ato de retenção na fonte de IRC em 08.05.2015 [ponto 7) do probatório fixado na Sentença recorrida];

b. a AT dispunha do prazo de 1 ano para decidir o supramencionado pedido, findo o qual, não existindo decisão, são devidos juros indemnizatórios;

c. decorrido 1 ano da apresentação do pedido, a AT ainda não tinha decidido, o que só veio a acontecer em 05.07.2018;

d. é a partir daquela data, i.e., de 09.05.2016, que são devidos juros indemnizatórios pela AT em conformidade com o entendimento do STA;

F) O presente recurso deve ser julgado improcedente, por não provado, e a Sentença recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que condene a AT ao pagamento de juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido de revisão oficiosa do ato ilegal de retenção na fonte de IRC, i.e., desde 09.05.2016, e até emissão da nota de crédito, com as demais consequências legais.

Nestes termos e nos mais de Direito, se requer a V. Exa. se digne:

a) A julgar o recurso interposto pela Fazenda Pública parcialmente improcedente;

b) A revogar a Sentença recorrida e substitui-la por Acórdão que condene a AT ao pagamento de juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa apresentado do ato ilegal de retenção na fonte de IRC, i.e., desde 09.05.2016, e até emissão da nota de crédito, com as demais consequências legais.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido parcial provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em analisar o invocado erro de julgamento da decisão recorrida no que concerne ao termo inicial do afirmado direito a juros indemnizatórios a favor da ora Recorrida, com a cobertura do disposto no art. 43º da LGT.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1) A Impugnante é uma sociedade de direito espanhol, com sede e direção efetiva em Paseo ... ..., Madrid, Espanha - cf. Modelo RFI junto como doc. 2 da PI.

2) Em 06/03/2007, a Impugnante adquiriu 26.700.000 ações representativas de 5% do capital social da B..., sociedade com sede e direção efetiva em Portugal, pelo valor total de € 98.800.000,00 - cf. comunicação à Comisión Nacional del Mercado de Valores, junto como doc. 3 da PI.

3) Em 2011, a sociedade B..., SGPS, S.A., era uma entidade residente em Portugal, tributada em sede IRC e que desenvolvia uma atividade empresarial - facto não controvertido.

4) Em 12/05/2011, na sequência da distribuição de lucros, foram pagos à Impugnante, na qualidade de acionista da entidade B..., dividendos no montante de € 4.485.600,00, sobre o qual foi efetuada a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 15%, pelo Banco 1... AG, Sucursal em Portugal, no montante de € 672.840,00, através da guia de pagamento ...70 - cf. doc. 1 junto com a PI e detalhe da guia a fls.81 do processo de revisão oficiosa (RO), junto com o Processo Administrativo (PA).

5) O imposto retido através da guia de pagamento (retenção na fonte) n.º ...70 foi entregue ao Estado no dia 20/06/2011 - cf. detalhe da guia a fls.81 do processo de RO, junto com o PA.

6) Os dividendos recebidos por sociedades espanholas, provenientes de participações por si detidas estão isentos de tributação em Espanha - cf. doc. 4 e 5, juntos com a PI.

7) Em 08/05/2015 deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 3, o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Impugnante contra o ato de retenção na fonte, efetuado pelo Banco 1... AG, Sucursal em Portugal, relativo a dividendos referentes ao exercício de 2010, pagos em 12/05/2011 pela sociedade B..., SA, pedindo a anulação do ato e a devolução das quantias pagas, que foi instaurado sob o processo ...28 - cf. fls. 1 seg. do processo de RO, junto com o PA.

8) No âmbito da análise do pedido de revisão oficiosa referido no ponto antecedente, os serviços da Direção de Serviços de Relações Internacionais da Autoridade Tributária e Aduaneira (DSRI), elaboraram a informação ...18, com o projeto de decisão no sentido do indeferimento do pedido, da qual consta, designadamente, o seguinte:

[IMAGEM]

(…)” - cf. fls.105 a 107 do processo de RO, junto com o PA e doc. 6 da PI.
9) Pelo ofício ...39 de 13/04/2018, da DSRI foi remetido à mandatária da Impugnante o projeto de decisão e concedido o prazo de 15 dias para exercício do direito de audição - cf. fls.108 do processo de RO, junto com o PA.
10) Por requerimento com data de entrada na DSRI de 07/05/2018, a Impugnante exerceu o direito de audição sobre o projeto de decisão, que tem o teor do documento 7 da PI, pedindo, a final, o deferimento do pedido de revisão oficiosa - cf. doc. 7 da PI, para o qual se remete e se dá por reproduzido e fls. 110 a 120 do processo de RO.
11) Em 27/06/2018, os serviços da DSRI, após análise do direito de audição elaboraram a informação com a proposta de decisão no sentido do indeferimento, da qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)

[IMAGEM]

(…)” - cf. doc. 8 da PI e fls.123v a 124 do processo de RO, junto com o PA.
12) Por despacho de 05/07/2018, proferido pelo Diretor de Serviços da DSRI, aposto na informação referida no ponto antecedente o processo de revisão oficiosa foi indeferido - cf. despacho a fls. 122 do processo de RO, junto com o PA.

*
III.2 – Factos não Provados
Não existem outros factos provados ou não com relevância para a presente decisão.
MOTIVAÇÃO
A matéria de facto, constante das alíneas do probatório foi a considerada relevante para a decisão da causa e, a formação da convicção do tribunal assentou na análise crítica dos documentos identificados e não impugnados, referenciados em cada uma das alíneas, para as folhas dos processos onde se encontram.”
«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de analisar o invocado erro de julgamento da decisão recorrida no que concerne ao termo inicial do afirmado direito a juros indemnizatórios a favor da ora Recorrida, com a cobertura do disposto no art. 43º da LGT.

Para conceder abrigo à pretensão da Impugnante no domínio dos juros indemnizatórios, e com o alcance descrito, a decisão recorrida ponderou que:
“(…)
A Impugnante peticiona ainda o reembolso do imposto retido acrescido de juros indemnizatórios.
Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora no que respeita ao período de tempo em que o sujeito passivo se viu privado de meios financeiros, de forma indevida. Trata-se de uma situação em que se vem a concluir que o pagamento efetuado não era devido e que foi motivado por erro imputável aos serviços (artigo 43.º, n.º 1, LGT).
Decorre do artigo 100.º da LGT que, em caso de procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a Administração Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato objeto do litígio.
No que respeita à restituição do tributo, a cabal reintegração da ordem jurídica violada justifica, de harmonia com a teoria da reconstituição da situação atual hipotética, a obrigação de restituição do imposto que houver sido indevidamente pago (neste sentido, o acórdão do TCA-Sul de 22/05/2019, proc. n.º 1770/12.9BELRS, disponível em www.dgsi.pt).
O direito do sujeito passivo à restituição da quantia paga prefigura-se, nessa medida, como uma consequência necessária e direta da anulação da liquidação.
Tendo-se concluído que a retenção de imposto impugnada padece do vício de violação de lei (erro sobre os pressupostos de direito), a mesma é consequência de um erro imputável aos serviços, encontrando-se reunidos os pressupostos para reconhecer à Impugnante, juntamente com o reembolso do imposto pago, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios contados nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, ou seja, desde o pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Termos em que procede, também nesta a presente impugnação. …”.

Nas suas alegações, a Recorrente refere que não praticou o acto de retenção na fonte colocado em crise nos autos, mas antes pelo substituto tributário, estando assim afastada a possibilidade de existir erro imputável aos serviços até ao eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, ou seja, a partir do momento em que, pela primeira vez, a AT toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos, de modo que, a tutela do direito a juros indemnizatórios sobre o imposto indevidamente pago só pode ser reconhecida a partir do momento em que a Administração Tributária se pronunciou, o que significa que o Tribunal a quo deveria ter condenado a AT no pagamento de juros indemnizatórios à ora Recorrida desde o indeferimento da revisão oficiosa (05.07.2018) até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

Que dizer?

Pois bem, no Ac. deste Supremo Tribunal (Pleno) de 29-06-2022, Proc. nº 093/21.7BALSB, www.dgsi,pt, ponderou-se que:

“…

A questão do termo inicial da obrigação de juros indemnizatórios, quando ligada à existência de procedimentos graciosos de reclamação, ou de revisão oficiosa, tem-se colocado diversas vezes e mereceu resposta uniforme, desde logo, do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

A anulação do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos "ex tunc", tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética (cfr. Diogo Freitas do Amaral, A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª. edição, Almedina, 1997, pág.70; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.Edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.868 e seg.).

Os juros indemnizatórios correspondem à materialização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

A norma constitucional remete para o instituto da responsabilidade civil, pelo que serão aplicáveis as respectivas regras.

A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal. Com estes pressupostos, pode dizer-se que a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos llegais, Áreas Editora, 2010, pág.37 e seg.).

O artº.43, da L.G.T., estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios, mas não esgota as causas da sua constituição. Na verdade, outras normas da ordem jurídica tributária prevêem o pagamento de juros indemnizatórios pelo credor tributário. São os casos, por exemplo, do atraso no pagamento de reembolsos do I.V.A. (cfr.artº.22, nº.8, do C.I.V.A.), do atraso no pagamento dos reembolsos do I.R.S. (cfr.artº.102-B, nº.2, do C.I.R.S.) e do I.R.C. (cfr.artº.104, nº.6, do C.I.R.C.).

Avançando, comecemos pelo exame do termo inicial da obrigação de juros indemnizatórios, quando ligado à existência do procedimento gracioso de revisão oficiosa.

Nesta sede, deve confirmar-se a orientação jurisprudencial, que se tem por consolidada, do Pleno da Secção deste Tribunal, de que é expressão o acórdão fundamento lavrado no processo nº. 51/19.1BALSB e datado de 11/12/2019, a qual se expressa no seguinte: pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr.artº. 78, nº.1, da L.G.T.) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artº. 43, nºs.1 e 3, al.c), da L.G.T. (cfr. v.g.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 11/12/2019, rec.51/19.1BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.5/19.8BALSB). …”.

No caso dos autos, é ponto assente que a Recorrida apresentou pedido de revisão oficiosa do ato de retenção na fonte de IRC em 08.05.2015 [ponto 7] do probatório fixado na Sentença recorrida], sendo que a AT dispunha do prazo de 1 ano para decidir o supramencionado pedido, findo o qual, não existindo decisão, são devidos juros indemnizatórios, verificando-se que, decorrido 1 ano da apresentação do pedido, a AT ainda não tinha decidido, o que só veio a acontecer em 05.07.2018.

Com este pano de fundo, tendo presente que o artigo 43º nº 3, alínea c) da Lei Geral Tributária (“LGT”) refere que são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, o que ocorreu, no caso subjudice, em ../../2016, é a partir dessa data que são devidos juros indemnizatórios pela AT, e não, como pretende a Recorrente, apenas a partir de 05.07.2018, de modo que, com a presente fundamentação, o presente recurso tem de proceder parcialmente, de acordo com o exposto pela Recorrida, impondo-se a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa apresentado do ato ilegal de retenção na fonte de IRC, i.e., ../../2016, e até emissão da nota de crédito.

Uma nota final para dizer que, apesar da procedência parcial do recurso, entende-se que a Recorrente terá de suportar as custas na totalidade, dado que, o art. 527º do C. Proc. Civil aponta para uma correspondência entre a responsabilidade pelo pagamento das custas e o resultado da actividade processual dos sujeitos intervenientes no processo, sendo que a responsabilidade pelo pagamento das custas assenta precisamente na ideia de que um processo não deve causar prejuízos à parte que tem razão, ou seja, procura-se não se impor um sacrifício patrimonial à parte em benefício da qual a actividade do tribunal se realizou, uma vez que é do interesse do Estado que a utilização do processo não cause prejuízo ao litigante que tem razão.

Na verdade, no regime de custas definido pelo legislador ordinário para o processo civil a responsabilidade pela dívida de custas em sede cível assenta, a título principal, no princípio da causalidade, isto é, as custas serão suportadas pela parte que a elas houver dado causa, entendendo-se como tal a parte vencida, na proporção em que o for e, só subsidiariamente a responsabilidade pelas custas apelará ao princípio da vantagem ou do proveito resultante do processo, isto é, só quando, pela natureza da acção, não haja lugar a vencimento por qualquer das partes, as custas serão suportadas por quem do processo tirou proveito.

Pois bem, no caso dos autos, no âmbito do presente recurso, a Recorrida não pugnou cegamente pela manutenção do decidido no segmento impugnado, assumindo a posição que veio a ser sufragada no âmbito do presente aresto, o que significa que não tem sentido a sua condenação em custas, as quais deverão ser assumidas na sua totalidade pela Recorrente em função dos princípios acima enunciados.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente no segmento impugnado, de acordo com o proposto pela Recorrida, determinando-se a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa apresentado do ato ilegal de retenção na fonte de IRC, i.e., ../../2016, e até emissão da nota de crédito.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 3 de Julho de 2024. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.