Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01632/08.4BEPRT-A |
Data do Acordão: | 07/11/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | JOAQUIM CONDESSO |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL ÂMBITO EXECUÇÃO DE JULGADO ANULATÓRIO CASO JULGADO |
Sumário: | I - O recurso de revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual (cfr.artº.285, nº.2, do C.P.P.T.), sendo restrito ao julgamento da matéria de direito, assim estando, por princípio, excluído o erro de julgamento quanto à matéria de facto (cfr.artº.285, nºs.3 e 4, do C.P.P.T.). Ou seja, o âmbito de cognição do S.T.A. a propósito deste recurso circunscreve-se apenas ao erro de direito, podendo este resultar da aplicação de normas de direito substantivo ou de direito processual. II - A instância do recurso de revista excepcional não serve para apreciar questões/vícios de inconstitucionalidade, atenta a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta de constitucionalidade, tudo conforme jurisprudência uniforme deste Tribunal. III - Tendo sido julgado improcedente, no âmbito de impugnação judicial, o pedido de indemnização formulado ao abrigo do disposto no artº.53, da L.G.T., em especial, por falta de prova da verificação dos pressupostos aí previstos, o identificado pedido não poderá ser, novamente, formulado e julgado procedente em sede de execução de julgado, a tal obviando o trânsito em julgado da decisão judicial estruturada no processo declarativo. (sumário da exclusiva responsabilidade do relator) |
Nº Convencional: | JSTA000P32522 |
Nº do Documento: | SA22024071101632/08 |
Recorrente: | A..., S.A. |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | ACÓRDÃO "A..., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso de revista ao abrigo do artº.285, do C.P.P.T., dirigido a este Tribunal e tendo por objecto acórdão do T.C.A. Norte, datado de 19/05/2022, constante a fls.83 a 91 do presente apenso de execução de julgado, o qual negou provimento ao recurso interposto da decisão proferida pelo T.A.F. do Porto, mantendo a sentença recorrida, a qual julgou improcedente e absolveu a entidade executada do pedido de execução de sentença, no que tange ao pagamento de indemnização pelos prejuízos sofridos com a prestação de garantia bancária, no montante de € 83.866,88, acrescidos de juros legais até ao seu pagamento integral, tudo ao abrigo do artº.53, da L.G.T.X RELATÓRIO X X O recorrente termina as alegações do recurso de revista (cfr.fls.98 a 114 do presente apenso de execução de julgado) formulando as seguintes Conclusões:1-Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que confirmou a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a ação de execução de julgados proposta pela Recorrente, peticionando a condenação da AT no pagamento de indemnização no montante de € 83.866,88 pela prestação indevida de garantia, em virtude da decisão proferida no âmbito do Processo n.º 1632/08.4BEPRT. 2-Cabia ao Tribunal a quo apreciar se a aquela decisão enfermava de erro de julgamento de direito, sendo que, para o efeito, se impunha indagar se produzindo-se a necessária prova em sede de execução de julgado, poderia ser reconhecido à Recorrente o direito à indemnização prevista no artigo 53.º da LGT, ainda que, por falta de prova, tal pedido tivesse sido julgado improcedente em sede de impugnação. 3-A presente revista incide, assim, sobre a questão de saber se tendo sido julgado improcedente, em sede de impugnação judicial, o pedido de indemnização formulado ao abrigo do disposto no artigo 53.º da LGT (em especial, por falta de prova da verificação dos pressupostos aí previstos), poderá este pedido ser novamente formulado e julgado procedente em sede de execução de julgado, contanto que seja feita a necessária prova. 4-Não há dúvidas que controvérsia em causa é capaz de se expandir de modo a ultrapassar os limites da situação singular, sendo inegável a existência de interesses comunitários relevantes que impõem a sua apreciação e, concomitantemente, incontornável a utilidade jurídica e social da presente revista. 5-Estamos, ademais, claramente, perante uma questão complexa, com possível ressonância em vários casos e com potencial recorrência no futuro, sobre a qual não se pronunciou ainda doutrina nem a jurisprudência, afigurando-se, assim, premente uma análise estabilizadora em sede de revista. 6-Encontram-se, portanto, claramente preenchidos os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso de revista. 7-Nos termos do disposto no artigo 100.º da LGT “(…) a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial (…) de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade (…)”. 8-O conteúdo do aludido dever de reconstituição comporta, naturalmente, “(…) a obrigatoriedade da restituição do imposto que houver sido pago, do pagamento dos juros indemnizatórios previstos no art. 43.º e da indemnização resultante da prestação de garantia bancária ou equivalente a que alude o art. 53.º” – cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Op. Cit., página 869 (anotação ao artigo 100.º, Ponto 4). 9-Dispõe o n.º 1 do artigo 53.º da LGT, sob a epígrafe “Garantia em caso de prestação indevida”, que “[o] devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.” 10-Este direito de indemnização – que encontra o seu fundamento no artigo 22.º da CRP – visa “(…) protege[r] os contribuintes contra o funcionamento indevido da administração tributária, nos casos em que tenham que suportar custos com a prestação de garantias por dívidas que se venha a verificar não serem devidas” – cfr. JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES ET AL., Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 2015, Almedina, página 549 (o realce é nosso). 11-De acordo com a jurisprudência, o contribuinte que pretenda ver ressarcidos os montantes despendidos em virtude prestação indevida de garantia não tem necessariamente de deduzir este pedido no processo em que conteste a legalidade da dívida (neste sentido, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.06.2011, proferido no âmbito do Processo n.º 0216/11); e mesmo que o faça, não tem de provar nessa sede os prejuízos sofridos para que o mesmo seja julgado procedente, podendo fazê-lo apenas em sede de execução (veja-se, neste sentido, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 04.11.2020, proferido no âmbito do Processo n.º 0438/09.8BECTB). 12-Tendo em conta a unidade do sistema jurídico, não poderá também deixar de se considerar a formulação deste pedido, quando desacompanhada da comprovação dos pressupostos de que dependeria a sua procedência, processualmente inócua; esta situação não poderá deixar de ser equiparada àquela em que o contribuinte não formula qualquer pedido em sede de impugnação. 13-Deve, assim, entender-se que o facto de o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida ser eventualmente julgado improcedente em sede de impugnação em nada obsta a que o mesmo volte a ser formulado e apreciado em sede de execução – pelo menos quando tal suceda em virtude da falta de comprovação dos pressupostos de que dependeria a sua procedência (neste sentido, veja-se a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral constituído sob a égide do CAAD no âmbito do Processo n.º 875/2019-T). 14-Note-se, ademais, que, em sede de impugnação, o Tribunal julgou improcedente o pedido de reconhecimento do direito a indemnização por prestação de garantia indevida formulado pela Recorrente porque esta “não fez [nessa sede] prova dessa prestação.” 15-Ora, tendo a Recorrente apresentado, nesta sede, o suporte documental necessário à comprovação da prestação de garantia e dos prejuízos daí decorrentes, não se pode dizer que o Tribunal a quo tenha sido colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir a decisão proferida em sede de impugnação – resultado que o instituto do caso julgado visa evitar (cfr. artigo 580.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). 16-Com efeito, se o Tribunal a quo julgasse o pedido em causa improcedente, não o faria à luz da mesma fundamentação (a falta de comprovação da constituição de garantia), pelo que não estaria a reproduzir a decisão proferida em sede de impugnação; e, se julgasse o pedido procedente, também não estaria a contradizer a decisão proferida em sede de impugnação, na medida em que estaria a apreciá-lo à luz de novos elementos (mormente probatórios). 17-Assim, não se vislumbra qualquer óbice a que o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida formulado pela Recorrente pudesse ser (novamente) apreciado pelo Tribunal a quo. X Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.X Remetidos os autos a este Tribunal, o recurso de revista foi admitido por acórdão desta Secção (cfr.fls.127 a 130 do presente apenso de execução de julgado), proferido pela formação a que alude o artº.285, nº.6, do C.P.P.T., mais fixando como questão a decidir por este Supremo Tribunal:"a de saber se, tendo sido julgado improcedente, em sede de impugnação judicial, o pedido de indemnização formulado ao abrigo do disposto no artigo 53.º da LGT (em especial, por falta de prova da verificação dos pressupostos aí previstos), poderá este pedido ser novamente formulado e julgado procedente em sede de execução de julgado, contanto que seja feita a necessária prova.". X O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando, em síntese, pelo não provimento do recurso (cfr.fls.132 a 134-verso do presente apenso de execução de julgado).X Corridos os vistos legais (cfr.fls.140 do presente apenso de execução de julgado), vêm os autos à conferência para deliberação.X Do acórdão recorrido consta provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.85 a 87 do presente apenso de execução de julgado): FUNDAMENTAÇÃO X DE FACTO X 1-Em 29/07/2008, B..., S.A., atualmente designada por A..., S.A., pessoa coletiva n.º ...02, aqui Exequente, apresentou petição inicial que deu origem à impugnação judicial que correu os seus termos neste tribunal com o n.º 1632/08.4BEPRT, tendo por objeto os atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referente ao período 0412, no valor de € 1.838.282,60 e correspetivos juros compensatórios no valor de € 218.377,90, ali peticionando a anulação dos atos de liquidação, bem como o reconhecimento do direito à indemnização previsto no artigo 53.º da LGT, por ter prestado indevida garantia, com vista à suspensão do processo de execução – cfr. processo de impugnação judicial cujos presentes autos se encontram apensos. 2-Para cobrança coerciva do montante relativo aos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios identificados em 1), foi pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 2, instaurado o processo de execução fiscal n.º ...87 – facto não controvertido. 3-No âmbito do processo de execução fiscal identificado no ponto que antecede, a aqui Exequente, com vista à suspensão do mesmo, apresentou garantia bancária com o n.º ...00, emitida em 12/08/2008, pelo Banco 1..., S.A., no valor de € 2.660.942,81 (dois milhões, seiscentos e sessenta mil, novecentos e quarenta e dois euros e oitenta e um cêntimo) – cfr. Doc. constante de fls. 159 a 163 do processo eletrónico. 4-Por despacho de 06/01/2014, do Chefe de Finanças Adjunto, proferido no processo de execução fiscal n.º ...87, foi ordenado o levantamento da garantia bancária prestada naqueles autos, em virtude da aqui Exequente, ali executada, ter procedido em 18/12/2013, ao pagamento da quantia exequenda em dívida – cfr. Doc. constante de fls. 159 a 163 do processo eletrónico. 5-Por sentença de 05/04/2019, a impugnação judicial a que se alude em 1), foi julgada “parcialmente procedente e, em consequência, anular a liquidação adicional de IVA n.º ...41, respeitante ao período 0412, no valor de € 1.838.282,60 bem como a liquidação dos juros compensatórios correspondentes n.º ...42, no valor de € 218.377,90, no total de € 2.056.660,50 e, consequentemente, condenar a Fazenda Pública a restituir à impugnante a quantia paga pela mesma a esse título, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios sobre a mesma desde a data do respectivo pagamento e até à emissão da respectiva nota de crédito, à taxa legal, no mais absolvendo-se a Fazenda Pública do pedido.” – cfr. sentença de fls. 701 a 732 do processo eletrónico de impugnação judicial cujos presentes autos se encontram apensos, e Doc. n.º 2 junto com o requerimento inicial, de fls. 18 a 49 do processo eletrónico. 6-Tal como se extrai da fundamentação da sentença a que se alude em 5), o pedido em que decaiu a Impugnante, com a consequente absolvição da Impugnada do mesmo, foi o pedido de reconhecimento do direito à indemnização previsto no artigo 53.º da LGT, por ter prestado indevida garantia com vista à suspensão do processo de execução fiscal, porquanto e como ali se fundamentou, “apesar de a impugnante alegar ter prestado garantia, não fez prova dessa prestação. Acresce que não alegou qualquer prejuízo emergente da prestação de garantia. Assim, não estão verificados os pressupostos legais para atribuição da indemnização requerida, improcedendo, nesta parte, o pedido” - cfr. sentença de fls. 701 a 732 do processo eletrónico de impugnação judicial cujos presentes autos se encontram apensos e Doc. n.º 2 junto com o requerimento inicial, de fls. 18 a 49 do processo eletrónico. 7-A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), apresentou recurso da decisão proferida no processo de impugnação a que se alude nos pontos precedentes, tendo vindo a desistir do mesmo por requerimento de 11/06/2019 – cfr. requerimento de fls. 761 do processo eletrónico de impugnação judicial cujos presentes autos se encontram apensos. 8-Por despacho de 26/09/2019, foi julgada válida a desistência do recurso da sentença a que se alude em 7) – cfr. fls. 791 do processo eletrónico de impugnação judicial cujos presentes autos se encontram apensos. 9-Em 12/11/2019, a aqui Exequente, apresentou requerimento junto do serviço de Finanças de Matosinhos 2, por referência ao processo de execução fiscal n.º ...87, requerendo ao abrigo dos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT, indemnização pelos encargos incorridos com a prestação de garantia indevida, face à anulação das liquidações por decisão judicial transitada em julgado no processo de impugnação n.º 1632/08.4BEPRT, pelo valor de € 83.866,88 – cfr. Doc. n.º 5 junto com o requerimento inicial, de fls. 53 a 98 do processo eletrónico. 10-O peticionado em 9), foi indeferido por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade de Grandes Contribuintes, com a seguinte fundamentação, que entre o demais, dali se extrai: “(…) Da sentença resulta que o pedido de indemnização foi formulado na impugnação judicial, mas o tribunal julgou o mesmo improcedente por falta de demonstração dos pressupostos processuais para o seu reconhecimento. Transitada em julgado a sentença, cabe à administração fiscal, em estrito cumprimento do n.º 2 do art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa, do n.º 2 do art.º 24.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário e do art.º 100.º da Lei Geral Tributária, proceder a execução de sentença nos termos delimitados pela mesma, na qual a indemnização por prestação de garantia indevida não se mostra reconhecida. Termos pelos quais improcede a pretensão formulada no requerimento apresentado, não havendo lugar ao pagamento de indemnização pela garantia prestada no âmbito do processo de execução fiscal para cobrança coerciva da dívida tributária sindicada na impugnação judicial n.º 1532/08.4BEPRT. (…)” - cfr. Doc. n.º 6 junto com o requerimento inicial, de fls. 99 a 100 do processo eletrónico. 11-Em 11/11/2020, foi apresentado via Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais (SITAF), o requerimento inicial que deu origem à presente execução – cfr. fls. 1 e ss do processo eletrónico. Mais se provou que, 12-O Banco 1..., S.A. emitiu “Declaração”, em data não identificada, com o seguinte teor: “(…) vem pelo presente documento declarar, que relativamente à garantia bancária n.º ...00, datada de 12/08/2008, emitida a pedido do Ordenante: B..., S.A., em benefício da DIRECÇÃO GERAL DOS IMPOSTOS, pelo montante total de € 2.660.94,81, a mesma foi cancelada em Dezembro de 2013, a qual acarretou as seguintes despesas/comissões e/ou encargos Comissões - € 65.922,82 Imposto de Selo: € 17.944,06 Despesa Total: € 83.866,88 (…)” – cfr. Doc. n.º 4 junto com o requerimento inicial de fls. 52 do processo eletrónico. X Em sede de aplicação do direito o acórdão recorrido negou provimento ao recurso interposto da decisão proferida pelo T.A.F. do Porto, mantendo a sentença recorrida, a qual julgou improcedente e absolveu a entidade executada do pedido de execução de sentença, no que tange ao pagamento de indemnização pelos prejuízos sofridos com a prestação de garantia bancária, no montante de € 83.866,88, acrescidos de juros legais até ao seu pagamento integral, tudo ao abrigo do artº.53, da L.G.T.ENQUADRAMENTO JURÍDICO X X Avancemos para o conhecimento do mérito da revista.O recurso de revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual (cfr.artº.285, nº.2, do C.P.P.T.), sendo restrito ao julgamento da matéria de direito, assim estando, por princípio, excluído o erro de julgamento quanto à matéria de facto (cfr.artº.285, nºs.3 e 4, do C.P.P.T.). Ou seja, o âmbito de cognição do S.T.A. a propósito deste recurso circunscreve-se apenas ao erro de direito, podendo este resultar da aplicação de normas de direito substantivo ou de direito processual (cfr.Ricardo Pedro, Linhas gerais sobre as alterações ao regime de recursos jurisdicionais no âmbito do CPPT, em especial o recurso de revista excecional, in Comentários à Legislação Processual Tributária, AAFDL, Dezembro de 2019, pág.370 e seg.; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 5ª. Edição, 2021, pág.1202). No âmbito da presente instância de recurso de revista excepcional, deve recordar-se, igualmente, que a mesma não serve para apreciar questões/vícios de inconstitucionalidade, atenta a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta de constitucionalidade, tudo conforme jurisprudência uniforme deste Tribunal (cfr.v.g. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/12/2020, rec.1456/10.9BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/03/2021, rec.1078/04.3BTSNT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/12/2022, rec.60/17.5BEMDL; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/02/2023, rec.1100/21.9BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 31/05/2023, rec.30/17.3BCLSB; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/2023, rec. 343/12.0BEVIS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/04/2024, rec.2064/11.2BELRS). Atento o decidido no acórdão que a admitiu, em sede de apreciação preliminar, a questão a examinar na presente revista consiste em saber se, tendo sido julgado improcedente, no âmbito da impugnação judicial, o pedido de indemnização formulado ao abrigo do disposto no artº.53, da L.G.T. (em especial, por falta de prova da verificação dos pressupostos aí previstos), poderá este pedido ser novamente formulado e julgado procedente em sede de execução de julgado, contanto que seja feita a necessária prova. Na área do direito tributário, nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo, além do mais, a indemnização derivada de prestação de garantia bancária indevida (cfr.artº.53, da L.G.T.). Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos "ex tunc", tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/02/2023, rec.971/21.3BELRS; Diogo Freitas do Amaral, A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª. Edição, Almedina, 1997, pág.70; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.Edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.868 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, 6ª. Edição, 2011, pág.526 e seg.). Como decorrência da anulação judicial do acto tributário ilícito e do citado desaparecimento de todos os seus efeitos "ex tunc", surge-nos a norma que consagra a possibilidade de pagamento de uma indemnização quando se conclua que o sujeito passivo prestou uma garantia no âmbito de processo de execução fiscal, visando a sua suspensão, sendo esta indevidamente prestada (cfr.artºs.53 e 100, da L.G.T.; artº.171, do C.P.P.T.). O artº.53, da L.G.T., atribui ao devedor que, para suspender a execução, tenha oferecido garantia bancária ou equivalente, o direito a ser indemnizado, total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação. A indemnização será total ou parcial conforme o vencimento que o interessado obtenha em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida (cfr.artº.53, nº.1, da L.G.T.). Se se comprovar que houve erro imputável aos serviços, essa indemnização será devida independentemente do período de tempo durante o qual a garantia tiver sido mantida (cfr.artº.53, nº.2, da L.G.T.). Se a anulação, total ou parcial, não tem por fundamento um erro daquele tipo (v.g.liquidação é anulada por erro imputável ao próprio contribuinte ou por vício de forma ou incompetência) a indemnização só é devida se a garantia tiver sido mantida por mais de três anos (cfr.nº.1 do preceito). O prejuízo consagrado no artº.53, nº.1, da L.G.T., pode englobar não só o custo da garantia prestada, como qualquer outro lucro cessante ou dano emergente, tudo dentro dos limites previstos no nº.3 do mesmo preceito. Mais se dirá que à face do referido artº.53, da L.G.T., não é reconhecido o direito de indemnização por prejuízo resultante da prestação de garantia quando não houver vencimento, total ou parcial, no processo administrativo ou judicial que tiver sido utilizado pelo sujeito passivo para o efeito (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.Edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.433 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. Edição, 2011, pág.237 e seg.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.548 e seg.). Por último, deve recordar-se que o pedido de indemnização pode ser formulado, inclusivamente, no âmbito da execução de julgado anulatório e por apenso ao processo de impugnação respectivo, tal como pode o apuramento do respectivo montante ser relegado para a mesma execução de julgado anulatório, tudo nos termos do artº.609, nº.2, do C.P.Civil (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/11/2020, rec.0438/09.8BECTB; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais, Áreas Editora, 2010, pág.157 e seg.). Revertendo ao caso dos autos, como decorre do probatório supra, a sentença proferida no pretérito dia 5/04/2019 e no âmbito do processo de impugnação 1632/08.4BEPRT, face ao qual estes autos de execução de julgado correm por apenso, no conhecimento do pedido formulado pela sociedade impugnante e ora recorrente, ao abrigo do artº.53, da L.G.T., decidiu que apesar de a impugnante alegar ter prestado garantia, não fez prova dessa prestação. Mais acrescenta que não alegou qualquer prejuízo emergente da prestação de garantia. Para concluir que não estão verificados os pressupostos legais para atribuição da indemnização requerida, improcedendo, nesta parte, o pedido. Em consequência do que decide, neste segmento, absolver a Fazenda Pública do pedido (cfr.pontos 5) e 6) do probatório supra; cópia da sentença junta a fls.32-verso a 47-verso dos presentes autos). Igualmente se deve vincar que a identificada sentença transitou em julgado (cfr.pontos 7) e 8) do probatório supra). Ora, é incontornável, como se afirma no acórdão objecto do presente recurso de revista, que a execução em apreço deve respeitar o julgado no processo 1632/08.4BEPRT, conformando-se com os precisos termos que resultam da decisão anulatória aí proferida. Pelo que, a resolução do conflito de interesses pressuposta no requerimento executivo que originou o presente apenso, devia ter lugar na acção declarativa, mediante impugnação, em sede de recurso perante Tribunal superior (apelando, por exemplo, à violação do artº.609, nº.2, do C.P.Civil)., da parte desfavorável à recorrente da sentença proferida em 05/04/2019, conducente à formação do título executivo a seu favor, também quanto à pretensão indemnizatória pela prestação de garantia indevida, o que não fez. A procedência, a improcedência ou a omissão de apreciação de uma determinada pretensão na sentença declarativa terá, necessariamente, que ter tratamento diverso na consequente acção executiva. Somente a ausência de pronúncia na sentença declarativa que constitui título executivo, acerca de uma pretensão acessória ou dependente do pedido principal anulatório poderá, eventualmente, ser considerada consequência automática, "ope legis", da procedência do pedido anulatório do acto de liquidação e enquadrar-se no disposto no citado artº.100, da L.G.T. Pelo contrário, se existe uma tomada de posição na sentença declarativa que constitui título executivo, desfavorável à pretensão da parte, não se vislumbra como poderá, em sede executiva, reverter-se tal improcedência, na medida em que a regra nos diz que se executa nos limites constantes do título executivo, no caso a sentença estruturada em sede de processo declarativo (cfr.artº.621, do C.P.Civil). Porém, como, com acerto, se refere no acórdão recorrido, tal somente é válido no presente meio processual acessório, assim podendo a recorrente exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pelo artº.22, da Constituição da República Portuguesa, como pela lei ordinária (Lei 67/2007, de 31/12), demonstrando, em processo próprio, a existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual. Concluindo, deve este Tribunal responder de forma negativa à questão identificada pela formação preliminar como objecto do presente recurso de revista (tendo sido julgado improcedente, no âmbito de impugnação judicial, o pedido de indemnização formulado ao abrigo do disposto no artº.53, da L.G.T., em especial, por falta de prova da verificação dos pressupostos aí previstos, o identificado pedido não poderá ser, novamente, formulado e julgado procedente em sede de execução de julgado, a tal obviando o trânsito em julgado da decisão judicial estruturada no processo declarativo). Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao recurso excepcional de revista e, em consequência, mantém-se o acórdão recorrido, ao que se provirá na parte dispositiva deste aresto. X Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE REVISTA E CONFIRMAR O ACÓRDÃO RECORRIDO, o qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica. DISPOSITIVO X X Condena-se o recorrente em custas (cfr.artº.527, do C.P.Civil). X Registe.Notifique. X Lisboa, 11 de Julho de 2024. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Anabela Ferreira Alves e Russo. |