Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01531/07.7BELSB-A 01228/17 |
Data do Acordão: | 07/04/2024 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | CRISTINA SANTOS |
Descritores: | CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO CONSERVAÇÃO E EXPLORAÇÃO DE AUTO-ESTRADAS GARANTIA BANCÁRIA SEGURO-CAUÇÃO DIREITO DE CRÉDITO CESSÃO DE CRÉDITOS EMPREITEIRO CONCESSIONÁRIO |
Sumário: | I - A concessão de exploração de um bem do domínio público rodoviário do Estado (lanço de auto-estrada) é o contrato administrativo pelo qual uma pessoa colectiva pública (concedente) procede à transferência para outrem de uma parcela do domínio público, pelo qual o concessionário, v.g. um particular, se encarrega de gerir e/ou explorar um bem do domínio público (lanço de auto-estrada já implantado e construído), exercendo sobre esse bem os poderes e actividade de gestão e/ou exploração económica que legalmente cabem à Administração, em substituição desta. II - Por disposição expressa do nº 2 da Base XLIV do regime concessório de auto-estradas da zona Oeste de Portugal (DL 393-A/98, 12.04) levado à cláusula 47.2 do contrato de concessão firmado inter-partes, a entidade pública concedente determinou a emissão futura de um acto jurídico de transferência para a concessionária das garantias prestadas pelas sociedades empreiteiras em benefício do dono da obra (garantias bancárias e seguros-caução) nos termos dos artºs 100º/1/2 e 102º/5/6, REOP (DL 235/86, 18.08) a título de caução da boa execução do contrato de empreitada de obras públicas a si adjudicado. III - A validade jurídica da transmissão a terceiro das garantias autónomas prestadas (artº 582º nº 1 CC) pelo empreiteiro a título de caução da boa execução do contrato de empreitada de obra pública nos termos do REOP (DL 236/86, 18.08), tem como pressuposto o quadro da cessão dos direitos de crédito objecto das garantias autónomas a transmitir, o mesmo é dizer, tem como pressuposto o contrato (negócio-base – artº 578º nº 1 CC) realizado entre cedente e cessionário. IV - De acordo com as disposições conjugadas dos artºs. 578º nº 1 e 582º nº 1, C. Civil, nada sendo declarado em contrário pelas partes a transmissão das garantias das obrigações opera automaticamente no quadro da cessão dos direitos de crédito por elas garantidos (accesorium sequitur principale), isto é, de acordo com os termos e os efeitos do negócio-base em que a cessão de créditos garantidos se integra, no caso, de cessão dos direitos de crédito do dono da obra emergentes do contrato de empreitada de obras públicas adjudicado às sociedades empreiteiras (al. B do probatório). V - O termo de entrega de 01.01.2007 das garantias prestadas (als. Z e DD do probatório), não constitui modo juridicamente válido de transmissão para a concessionária das garantias bancárias e seguros-caução prestados em benefício do dono da obra pelas sociedades empreiteiras, posto que a cessão de direitos de crédito emergentes do contrato de empreitada de obras públicas a que as garantias bancárias e seguros-caução prestados respeitam, não se verifica. |
Nº Convencional: | JSTA000P32499 |
Nº do Documento: | SA12024070401531/07 |
Recorrente: | A..., SA |
Recorrido 1: | B..., SA E OUTRA E OUTROS |
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC |
Aditamento: | |
Texto Integral: | A... SA, com os sinais nos autos, inconformada com o acórdão proferido pelo TCA-Sul dele vem recorrer de revista, concluindo como segue – fls.893/sitaf: 1. O Acórdão sub judice debruça-se sobre a natureza jurídica das garantias bancárias e seguros caução, sobre a respectiva transmissibilidade e sobre a relação entre as bases de uma concessão e as normas de direito civil, retirando à Base em crise nestes autos a natureza de norma legal e remetendo-a para o foro meramente contratual. 2. A matéria objecto de decisão por parte do Tribunal a quo "extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio" e que revela "especial capacidade de repercussão social ou da controvérsia relativamente a futuros casos do mesmo tipo ". 3. A intervenção deste Venerando STA, sindicando o Acórdão a quo, é ainda necessária para uma melhor aplicação do direito, porquanto a referida Decisão fez uma errada aplicação de normas legais. 4. Pelo que deverá ser admitido o presente recurso de revista, por se encontrarem preenchidos os requisitos do artigo 150.º do CPTA. 5. A cláusula do Contrato de Concessão celebrado entre a Recorrente e o Estado Português, que verte a Base XLIV, n.º 2, do Decreto-Lei nº 393- A/98, de 4 de Dezembro, é válida. 6. Ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo, a referida cláusula não se encontra ferida de nulidade. 7. A Recorrente não foi a dona de obra do contrato de empreitada ao abrigo do qual foram prestadas as garantias em crise nestes autos, nem acompanhou a execução da obra. 8. Através da cláusula do Contrato de Concessão sub judice, a Recorrente não sucedeu na posição contratual do dono de obra dessa empreitada. 9. Pelo que não se verificou qualquer cessão da posição contratual, não tendo sido omitido o necessário consentimento do sujeito cedido. 10. A transferência das garantias sub judice consubstancia, juridicamente, uma cessão de créditos, regulada nos artigos 577º e seguintes do Código Civil. 11. Conforme dispõe o artigo 577.º do mencionado Código, a cessão de créditos não carece do consentimento do devedor. 12. Assim sendo, a transferência das garantias prestadas a pedido das Recorridas não está sujeita ao preceituado no artigo 424.º do Código Civil, mas ao disposto nos artigos 577.º e seguintes do referido código. 13. Ao exigir o consentimento das Recorridas e das entidades emissoras das garantias, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 577.º e seguintes do Código Civil, bem como o artigo 424.º ao considerar aplicável o regime da cessão da posição contratual. 14. As Bases da Concessão, tendo sido aprovadas por acto legislativo, têm força de Lei. 15. O legislador, ao qualificar a actividade objecto da Concessão Administrativa como pública, fê-lo para afastar a vontade das partes, e estabeleceu que a regulamentação da actividade concessionada se fizesse por acto legislativo. 16. A Base da Concessão é um acto legislativo, é materialmente normativo e não poderá ser qualificado como acto administrativo. 17. Pelo que, no que toca à sua força de lei, se aplicarão as regras gerais relativas à especialidade da Lei. 18. O que, no presente caso, implica que o diploma legislativo que procedeu à aprovação das Bases afaste as normas legais do Código Civil que o contrariem. 19. Pelo que a Base XLIV, n.º 2, do Contrato de Concessão definiu, com força de lei, a transmissão das garantias bancárias e seguros-caução, não se reconduzindo a mera manifestação de vontade do Estado Concedente e da Concessionária. 20. A não ser aplicável o regime do artigo 577.º do Código Civil, o que não se concede, a Base XLIV, n.º 2, afasta a aplicação do artigo 424.º do Código Civil. 21. O Acórdão a quo violou, pelo exposto, a Base XLIV, n.º 2. 22. A Recorrente é alheia à forma como foi e tem sido conduzida a execução do contrato de empreitada e ao relacionamento das partes no âmbito do respectivo contrato, uma vez que a Recorrente nunca actuou como dono de obra, não lhe tendo sido cedida essa posição contratual pelo dono de obra. 23. A existência de defeitos no lanço em crise nestes autos e o impasse gerado pela posição adoptada pelas Recorridas de rejeição de responsabilidade pelos mesmos obrigaram a Recorrente a realizar intervenções no referido lanço, com vista a manter a integridade da infra-estrutura e as condições de segurança na circulação, e a interpelar as Recorridas sob pena de execução das garantias bancárias e seguros-caução. 24. Por meio de providência cautelar requerida pelas aqui Recorridas, a Recorrente ficou, porém, impedida de executar as referidas garantias bancárias e seguros-caução. 25. Em face da impossibilidade de manutenção desse status quo, a Recorrente exigiu do Estado Português, enquanto Concedente, o ressarcimento dos prejuízos por si suportados, tendo sido ressarcida dos mesmos na sequência de processo arbitral por si instaurado com esse propósito. 26. Em consequência, a Recorrente procedeu à entrega das garantias bancárias e dos seguros caução ao Estado Português, aqui Recorrido. 27. A Recorrente é (e sempre foi) alheia ao litígio e à questão de fundo que opõe as Recorridas à C... SA (actualmente, D... SA), quanto à caducidade das referidas garantias e seguros-caução. 28. A Recorrente tinha (e tem) a obrigação legal e a obrigação contratual perante o Estado Concedente de zelar pela manutenção e pela segurança da circulação nos lanços em causa neste processo, pelo que agiu sempre norteada pelos seus deveres legais e contratuais e com base na informação que lhe foi transmitida pelo dono de obra de que as referidas garantias bancárias e seguros-caução não tinham caducado. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Excelências, se deverá julgar procedente o presente recurso e, em consequência, se deverá revogar o Douto Acórdão recorrido, apreciar o pedido de declaração de nulidade deduzido pelas Recorridas, julgando-o improcedente e absolvendo a Recorrente do pedido, assim se fazendo a costumada Justiça. * As Recorridas B..., SA e E..., SA contra-alegaram, concluindo como segue – fls. 941/sitaf: 1. Não está preenchido nenhum dos pressupostos de admissibilidade previstos no art. 150º do CPTA, pelo que o presente recurso não deve ser admitido; 2. Diz a Recorrente que ocorreu uma mera cessão de créditos, logo dispensando o consentimento das Recorridas - mas sem razão; 3. Na tese da Recorrente, teria passado a ser a beneficiária das garantias de boa execução da obra sem todavia ser parte no Contrato de Empreitada; seria a beneficiária das garantias das obrigações das Recorridas, mas não seria sujeita activa das obrigações garantidas (ou de quaisquer outras obrigações das Recorridas); 4. Esta construção é, obviamente, desprovida de qualquer sentido ou fundamento, servindo apenas para tentar justificar o injustificável - que, na falta de consentimento das Recorridas e dos bancos garantes, a Recorrente não passou a ser beneficiária das garantias; 5. Sustenta a Recorrente que as bases da concessão têm a força de lei, e que determinaram, com força de lei, a transmissão das garantias. Ora, nada mais incorrecto; 6. A transferência para a Recorrente das garantias, prevista no n.º 2 da Base XLIV da Concessão, nunca se realizou. 7. A referida Base XLIV, n.º 2, da Concessão prevê e determina a realização, em data futura, de um certo acto, a saber, a transferência das garantias prestadas pelas Requerentes (deverão igualmente ser transferidas para a Concessionária todas as garantias que se encontrem em vigor); 8. Assim, é claro que a transferência das garantias não se verifica ope legis. Como resulta com clareza da expressão usada pelo legislador (deverão ser transferidas para a Concessionária todas as garantias...), a referida Base da Concessão caracteriza a transferência das garantias como um acto a praticar no futuro, entre, naturalmente, todas as partes interessadas, incluindo as empreiteiras e as próprias entidades prestadoras das garantias; 9. A título subsidiário, o acórdão recorrido decidiu ainda que as garantias só poderiam ser executadas nos termos do disposto no art. 100º do Decreto-Lei nº 235/86, o que, manifestamente, não ocorreu, como decorre do acórdão; 10. Ora, no seu recurso, a Recorrente não impugna este fundamento do acórdão; 11. Consequentemente, transitou em julgado a questão de a Recorrente não ter executado as garantias nos termos do disposto na lei aplicável ao caso, o que é razão suficiente para a improcedência do recurso; 12. Sustenta a Recorrente que factos posteriores no âmbito das suas relações com a concedente C...., actualmente D..., foi ressarcida dos prejuízos que sofreu em virtude da providência cautelar que a impediu de executar as garantias em causa na presente acção, e que já entregou as garantias ao Estado Português. 13. Ora, segundo confessa, a Recorrente perdeu interesse nesta acção, pois já foi indemnizada dos danos que sofreu por não ter podido executar as garantias, e já as restituiu ao Estado Português; 14. Trata-se assim de um caso de manifesta inutilidade superveniente da lide, o que deve ser declarado, com a consequente extinção da presente instância. Termos em que, não admitindo e, subsidiariamente, julgando improcedente o recurso, se fará a costumada Justiça. * O F..., IP, representante do Estado Português admitido nos autos em incidente de intervenção principal espontânea, devidamente notificado não contra-alegou – vd. fls. 619/624 e despacho de fls. 644, vol-3º do processo físico, fls. 661/sitaf. * Mediante acórdão da Formação de Apreciação Preliminar deste STA foi decidido admitir a revista – vd. fls.963/sitaf. * O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, “… devendo ser revogado o acórdão recorrido e mantida a citada cláusula [cláusula XLIV nº 2 das bases do contrato de concessão, DL 393- A/98, 04.12] na ordem jurídica.” - vd. fls. 1056/sitaf. * Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Conselheiros Adjuntos, vem para decisão em conferência. * Pelas Instâncias foi julgada provada a seguinte factualidade: A. As AA. são sociedades comerciais que têm por objecto a actividade de construção civil e obras públicas (acordo). B. Em 04.11.1994 as AA organizadas em consórcio externo, como empreiteiros, celebraram com a JAE enquanto dona da obra um contrato de empreitada para a construção do itinerário complementar 1 - variante à estrada Nacional 8 - entre ... e ..., conforme doc. de fls. 38 a 44 destes autos e de fls. 81 a 87 dos autos cautelares que aqui se dá por integralmente reproduzido (acordo). C. A obra em questão foi executada em 2 fases, correspondendo a primeira fase à execução dos trabalhos entre o Ponto Kilométrico 0+000 e o Ponto Kilométrico 5+000 e a 2ª fase à execução dos trabalhos entre o Ponto Kilométrico 5+500 e o Ponto Kilométrico 24+087 (acordo: cf doc. de fls. 38 a 44 destes autos e de fls. 81 a 87 dos autos cautelares). D. No decurso da execução da empreitada de obra as AA foram prestando à JAE garantias bancárias e seguros caução (acordo: cf. doc. de fls. 38 a 44 destes autos e de fls. 81 a 87 dos autos cautelares). E. As AA prestaram à JAE a garantia bancária n.º ...67 emitida em ../../1994, pelo Banco 1..., cf. doc. de fls. 45 e de fls. 246 a 248 (acordo). F. A A. E..., prestou à JAE diversas garantias bancárias e seguros caução nomeadamente as seguintes: · - garantia bancária nº ...67, emitida em ../../1994, pelo Banco 1...; cf. doc. de fls. 45; · - garantia bancária nº ...38, emitida em ../../1995 pelo Banco 1...; cf. doc. de fls. 47 e de fls. 246 a 248; · - garantia bancária nº ...51, emitida em ../../1995 pelo Banco 1...; cf. doc. de fls. 48 e de fls. 246 a 248; · - garantia bancária nº ...93, emitida em ../../1996 pelo Banco 2..., ora Banco 1...; cf. doc. de fls. 49 e de fls. 246 a 248; · - garantia bancária nº ...23, emitida em ../../1997 pelo Banco 3..., ora Banco 4...; cf. doc. de fls. 50 e de fls. 246 a 248; · - garantia bancária nº ...59. emitida em ../../1997 pelo Banco 5...; cf. doc. de fls. 51 e de fls. 246 a 248; · - garantia bancária nº ...59, emitida em ../../1997 pelo Banco 5...; cf. doc. de fls. 51 e de fls. 246 a 248: · - garantia bancária nº ...71, emitida em ../../1998 pelo Banco 5..., no valor de EUR 19.951.92; cf. docs. de fls. 52 e de fls. 246 a 248 (acordo); · - Seguro caução nº ...51, emitido em ../../1996 pela G...; cf. doc. de fls. 53 e 54 e de fls. 246 a 248; · - Seguro caução nº ...83, emitido em ../../1996 pela G...; cf. doc. de fls. 56 e de fls. 246 a 248: · - Seguro caução nº ...09, emitido em ../../1996 pela G...; cf. doc. de fls. 57 e 58 e de fls. 246 a 248; · - Seguro caução nº ...09, emitido em ../../1996 pela G..., cf. doc. de fls, 59 e 60 e de fls. 246 a 248: · - Seguro caução nº ...54, emitido em ../../1996 pela G...; cf. doc. de fls. 61 e 62 e de fls. 246 a 248; · - Seguro caução nº ...29, emitido em ../../1996 pela G...; cf. doc. de fls. 63 e 64 e de fls. 246 a 248: · - Seguro caução nº ...70, emitido em ../../1996 pela G..., no valor de EUR 158.114,83. cf. doc. de fls. 65 e 66 e de fls. 246 a 248 (acordo); · - Seguro caução nº ...32, emitido em ../../1997 pela G..., no valor de EUR 19.951,92; cf. doc. de fls. 67 e 68 e doc. fls. 246 a 248 (acordo); · - Seguro caução nº ...09, emitido em ../../1998 pela G...; cf. doc. de fls. 69 e 70 e de fls. 246 a 248. G. A A B..., prestou à JAE diversas garantias bancárias e seguros caução e nomeadamente os seguintes: · - garantia Bancária nº ...76 emitida em ../../1994 pelo Banco 1...; (cf. doc. de fls. 71 e de fls. 246 a 248; · - Seguro caução nº ...22/09, emitido em ../../1995 pela H..., no valor de EUR 24.939,89; cf. doc. de fls. 72 e 73 e de fls. 246 a 248 (acordo): · - Seguro caução nº ...74/00, emitido em ../../1995 pela H..., no valor de EUR 74.819,68; cf. doc. de fls. 74 e 75 e de fls. 246 a 248 (acordo): · - Seguro caução nº ...61/03, emitido em ../../1995 pela H..., no valor de EUR 149.639,37; cf. doc. de fls. 76 e 77 e de fls. 246 a 248 (acordo) · - Seguro caução nº .../00, emitido em ../../1996 pela H..., no valor de EUR 29.927,87; cf. doc. de fls. 78 e 79 e de fls. 246 a 248 (acordo): · - Seguro caução nº ...08/09, emitido em ../../1996 pela H..., no valor de EUR 149.639,37; cf. doc. de fls. 80 e 81 e de fls. 246 a 248 (acordo); · - Seguro caução nº A0950041/..., emitido em ../../1998 pela I..., no valor de EUR 13.860,20; cf. doc. de fls. 82 e 83 e de fls. 246 a 248 (acordo); · - Seguro caução nº A950041/..., emitido em ../../1998 pela I..., no valor de EUR 29.907,03; cf, doc. de fls. 84 e 85 e de fls. 246 a 248 (acordo). · - Seguro caução nº 0950041/11, emitido em ../../1905 pela I..., no valor de EUR 249.398,95; cf. doc. de fls. 86 e 87 e de fls. 246 a 248; (acordo); · - Seguro caução nº A950041/... emitido em ../../1998 pela I..., no valor de EUR 19.009,15; cf. doc. de fls. 88 e 89 e de fls. 246 a 248 (acordo); · - Seguro caução nº A950041/18, emitido em ../../1996 pela I..., no valor de EUR 29.927,87; cf. doc. de fls. 90 e de fls. 246 a 248 (acordo); · - Seguro caução nº A950041/21, emitido em ../../1996 pela I..., no valor de EUR 199.519,16; cf. doc. de fls. 91 e fls. 246 a 248 (acordo): · - Seguro caução nº A950041/25, emitido em ../../1996 pela I..., no valor de EUR 34.915,85; cf doc. de fls. 92 e 93 e de fls. 246 a 248 (acordo): · - Seguro caução na A950041/30, emitido em ../../1996 pela I..., no valor de EUR 24.939,89; cf. doc. de fls. 94 e 95 e de fls. 246 a 248 (acordo): · - Seguro caução na A950041/..., emitido em ../../1996 pela I..., no valor de EUR 99.759,58; cf. doc. de fls. 96 e 97 e de fls. 246 a 248 (acordo): · - Seguro caução nº A950041/..., emitido em ../../1996 pela I..., no valor de EUR 24.939,89; cf. doc. de fls. 98 a 99 e de fls. 246 a 248 (acordo); · - Seguro caução nº A950041/..., emitido em ../../1997 pela I..., no valor de EUR 99.759,58; cf. doc. de fls. 100 e 101 e de fls. 246 a 248 (acordo); · - Seguro caução nº A950041/..., emitido em ../../1997 pela I..., no valor de EUR 59.855,75; cf. doc. de fls. 102 e 103 e de fls. 246 a 248 (acordo): · - Seguro caução nº A950041/90, emitido em ../../1997 pela I..., no valor de EUR 74.819,68; cf. doc. de fls. 104 e 105 e de fls. 246 a 248 (acordo); · - Seguro caução nº A95004/..., emitido em ../../1997 pela I..., no valor de EUR 39.903,83. cf. doc. de fls. 106 e 107 e de fls. 246 a 248 (acordo). H. Em 15.01.1998 foi lavrado o auto de recepção provisória parcial da empreitada de obra subscrito pelos representantes do dono da obra relativo ao troço aberto ao tráfego em 29.08.1997, ficando de fora desta recepção os troços de intervenção da J..., e foi declarado pela Comissão de Recepção designadamente o seguinte: «Tendo-se verificado que os trabalhos foram executados de harmonia com as prescrições do projecto que serviu de base à adjudicação, designadamente o respectivo Caderno de Encargos, pelo que se encontram em condições de serem recebidos provisoriamente, a Comissão de Recepção da Empreitada é de parecer que para efeitos de garantia de trabalhos que é de três (3) anos para os trabalhos da estrada e de cinco (5) para os trabalhos de obras de arte, sejam consideradas as respectivas aberturas ao trafego e que são: Troço entre o PK 0+000 e 5+500 da Plena-Via Ramo A do Nó 1, restabelecimentos 11, 9, 9A e rotunda neste restabelecimento, aberto em 12 de Setembro de 1995. Restante troço excluindo as obras de intervenção da J... aberto em 29 de Agosto de 1997» (cf. doc. de fls. 110 e 111 dos autos e de fls. 151 e 152 dos autos cautelares apensos, que aqui se dá por integralmente reproduzido). I. Esse auto foi aprovado em 18.03.1998 pelo Director de Serviços da Direcção dos Serviços de Construção da JAE (cf. doc. de fls. 110 e 111 dos autos e de fls. 151 e 152 dos autos cautelares apensos, que aqui se dá por integralmente reproduzido). J. Em 22.10.1998, a A. B... solicitou à JAE a vistoria para efeitos de recepção definitiva do troço entre o PK 0+000 e 5+50 da Plena Via, ramo A do Nó 1, estabelecimentos 6, 61, 7, 7B, 8, 9, 91, 10, 11 e 11 A, 11B e rotunda, conforme doc. de fls. 112 dos autos e de fls. 153 dos autos cautelares, que aqui se dá por integralmente reproduzido. K. Em 11.12.1998 a A. B... solicitou à JAE a devolução e extinção das garantias bancárias e seguros caução prestadas na sequência da empreitada de obra conforme doc. de fls. 110 dos autos e de fls. 157 dos autos cautelares, que aqui se dá por integralmente reproduzido. L. Em Dezembro de 1998 por contrato de concessão celebrado com o Estado Português, o R. A... tornou-se concessionária da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados na zona Oeste de Portugal (acordo). M. As bases dessa concessão foram aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 393-A/98 de 04.12. N. As A A. não foram partes e não deram a sua aceitação ou ratificaram qualquer contrato celebrado entre a JAE, agora C..., e a R. (acordo). O. A obra construída pelas AA. para a JAE em execução do Contrato de Empreitada foi integrada, já depois de construída, nesta mesma concessão (acordo). P. Em 10.08.1999 a A... enviou ao D... o ofício constante de fls. 256 dos autos e de fls. 434 dos autos cautelares e o relatório fotográfico de fls. 257 a 272 dos autos e de fls. 437 a 450 dos autos cautelares documentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos, dando conhecimento ao D... que o pavimento do lanço .../... entre o km 54 e 57 apresentava deficiências. Q. Com data de 29.08.2000 o K... (K...) enviou às AA. o ofício de fls. 291 e 292 que aqui se dá por reproduzido, referindo que o D... remeteu, proveniente da A..., um relatório com a indicação de patologias detectadas no troço de auto-estrada construído pelas AA. R. Em 30.08.2000 as AA solicitaram à JAE a vistoria para efeitos de recepção definitiva dos trabalhos de estrada do troço compreendido entre PK 5+500 e o final da obra aberto ao trânsito em 29.08.97, conforme doc. de fls. 113 dos autos e de fls. 154 dos autos cautelares que aqui se dá por integralmente reproduzido. S. Com data de 05.09.2000 o K... (K...) enviou às AA. o ofício de fls. 293, que aqui se dá por reproduzido, referindo que só após a correcção das anomalias apontadas “será possível a marcação de data para a realização da vistoria para efeitos de recepção definitiva dos trabalhos de estrada”. T. Com data de 29.09.2000 a A. B... enviou ao K... o ofício de fls. 294 que aqui se dá por reproduzido. U. Com data de 16.11.2000 o K... enviou às AA. o ofício de fls. 295 a 297 que aqui se dá por reproduzido, no qual conclui que o dono da obra considera a obra não recebida e entende que não há fundamento legal para a restituição das cauções. V. Com data de 30.10.2002 as AA. enviaram ao D... o ofício de fls. 299 a 301 que aqui se dá por reproduzido, no qual indicam os trabalhos que entendem necessários para que seja efectuada a recepção definitiva da empreitada. W. Em 06.06.2003 foi lavrado o auto de vistoria para a recepção definitiva da obra, conforme doc. de fls. 302 a 347 que aqui se dá por reproduzido que indica terem-se detectado deficiências, que aponta no relatório anexo. X. Em 18.07.2003. foi lavrado o auto de recepção definitiva das obras de arte tendo esse auto sido subscrito por representantes da dona da obra e das empreiteiras e sido declarado designadamente o seguinte: «Depois de ter sido efectuada a vistoria aos trabalhos de Obras de Arte correntes que constituíram a empreitada acima referida, a Comissão concluiu que os mesmos não apresentam deficiências, deteriorações, indícios de ruína ou de falta de solidez pelos quais deva responsabilizar-se o empreiteiro, ocorridos no respectivo prazo de garantia que decorreu até vinte e nove de Agosto de dois mil e dois, pelo que foi deliberado recebê-los». conforme doc. de fls. 114 e 115 dos autos e de fls. 155 e 156 dos autos cautelares, que aqui se dá por integralmente reproduzido. Y. Esse auto foi homologado em 21.07.2003 pelo Director Assessor da Administração, por delegação do Conselho de Administração do D... conforme doc. de fls. 155 e 156 dos autos cautelares apensos, que aqui se dá por integralmente reproduzido. Z. Em 01.01.2007 foi elaborado o termo de entrega constante de fls. 244 e 245 dos autos e de fls. 277 a 278 dos autos cautelares segundo o qual a C... entregou à A... todas as garantias prestadas a favor do dono da obra pelo Consórcio B... e E..., no âmbito do Contrato de Empreitada nº ...41, garantias e seguros caução que foram listados em anexo a este termo, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. AA. Com data de 26.04.2007 a A... enviou às ora AA o ofício constante de fls. 108 e 109 dos autos e de fls. 149 a 150 dos autos cautelares que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta designadamente o seguinte: “A A..., S.A. é a entidade concessionária da auto-estrada A8 na qual se encontra integrado o Lanço .../..., construído por V. Exas. no âmbito do Contrato de Empreitada. 2. O Lanço em causa padece de vários defeitos resultantes de deficiências de construção, cuja responsabilidade (nomeadamente no que respeita à respectiva reparação) recai sobre os empreiteiros da obra, ou seja, sobre as empresas que compõem o consórcio. Apesar de V. Exas. terem sido interpelados, pelo respectivo dono da obra [e pelos meios próprios], para procederem à reparação dos mencionados defeitos ao abrigo do Contrato de Empreitada, a verdade é que, até à presente data, não foram cumpridas por V. Exas. as inerentes responsabilidades contratuais. Tal facto obrigou esta concessionária a realizar várias intervenções no Lanço em causa, necessárias para manter a integridade da infra-estrutura e as condições de segurança na circulação. A realização de tais obras - de natureza normalmente pontual e superficial - foi imposta em virtude da omissão do cumprimento das obrigações de reparação por parte das empresas consorciadas. Nessas intervenções, já despendeu a esta concessionária o valor de Euros 2.006.871,11. É de sublinhar que as intervenções já realizadas não tiveram o propósito de solucionar todas as patologias existentes no Lanço e que são da vossa responsabilidade e para cuja resolução será necessário realizar outros trabalhos, cujos custos não poderão deixar de ser imputados a V.Exas. e como tal considerados no âmbito das garantias prestadas no âmbito do Contrato de Empreitada. 3. Por imposição do nº 2 da Base XLIV da Concessão, aprovada pelo Decreto-Lei nº 393-A/98 de 4 de Dezembro, todas as garantias prestadas a favor do dono da obra pelo Consórcio B... SA, E... SA e que se encontrem em vigor relativamente a obras realizadas no âmbito do Contrato de Empreitada, devem ser transferidas para a concessionária por força da integração do referido Lanço no objecto da Concessão. Ao abrigo da mencionada disposição legal, recebeu esta Concessionária um conjunto de Garantias bancárias Seguros Caução (as "Garantias") prestadas pelos membros do Consórcio no âmbito do Contrato de Empreitada, e que ainda se encontram em vigor. Em virtude do supra exposto, vimos pela presente informar que, não nos sendo apresentada por V. Exas., no prazo de 8 dias a contar da presente, uma solução satisfatória para resolver, de forma consensual, os problemas acima descritos iremos proceder ao accionamento das Garantias como forma de esta concessionária ser ressarcida dos montantes despendidos nas obras efectuadas no Lanço .../...” BB. Em 07.05.2007 as ora AA. enviaram à A... a carta constante de fls. 250 dos autos e de fls. 428 dos autos cautelares que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual responde ao ofício de 26.04.2007, acima referido. CC. Até 27.08.2007, data da entrada em juízo da PI, a JAE não restituiu às AA as mencionadas garantias bancárias e seguros caução ou promoveu a sua extinção (acordo; cf. PI de fls. 1). DD. Em 09.08.2007 a C... enviou às ora AA o ofício constante de fls. 252 dos autos e de fls. 430 dos autos cautelares, que aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual informa as AA, designadamente, que as garantias e seguros caução foram transferidos para a concessionária A.... EE. Em 30.08.2007 a C... enviou às ora R o ofício constante de fls. 254 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual informa, designadamente, que a obra nunca foi recebida definitivamente e que dentro do prazo de garantia as AA foram informadas dos defeitos de construção.
DO DIREITO
Perante o teor das conclusões formuladas pela Recorrente A..., SA, são duas as questões centrais que cumpre decidir: a. natureza jurídica e qualificação da figura constante da cláusula do nº 2 da Base XLIV da concessão de lanços de auto-estradas da zona Oeste de Portugal aprovada pelo DL 393-A/98 de 04.12 e reproduzida na cláusula 47.2 do contrato de concessão de exploração e conservação do lanço A8/IC1-.../... (cessão de créditos versus cessão da posição contratual) * Nas contra-alegações as Recorridas B..., SA e E..., SA suscitam que se verifica o trânsito em julgado relativamente à “…questão de a Recorrente não ter executado as garantias nos termos do disposto na lei aplicável ao caso …nos termos do artº 100º do DL 236/86 …” e a inutilidade superveniente da lide por o Recorrente “… ter sido indemnizado dos danos que sofreu por não ter podido executar as garantias e já as restituiu ao Estado Português.”, conclusões 9 a 11 e 12 e 14. Nenhuma das citadas questões logra procedência, na medida em que, quanto à primeira, o Tribunal a quo na fundamentação de direito não decidiu nenhuma questão trazida a recurso em matéria de execução das garantias, posto que apenas teceu considerações quanto à sede normativa da obrigatoriedade de o empreiteiro prestar caução na modalidade de garantias, nos termos de disposição expressa no REOP. Quanto à segunda, o objecto do recurso não se prende com quaisquer questões indemnizatórias, antes envolve a transmissibilidade das garantias prestadas, pelo que se não se verifica a invocada inutilidade de prossecução da instância no tocante à presente revista. * Por despacho saneador-sentença de 25.06.2009, fls. 498/Sitaf, a ora Recorrente e Concessionária A... SA é parte Ré única na acção. * Em síntese, o litígio trazido a revista tem a seguinte conformação. Na presente acção são AA as aqui Recorridas sociedades B... SA e E... SA, constituintes do consórcio adjudicatário e subsequentes co-contratantes do contrato de empreitada de obras públicas, em que foi dona da obra a então Junta Autónoma das Estradas (JAE), celebrado em 04.11.1994 ao abrigo do DL 235/86, 18.08 (REOP) para construção do Itinerário Complementar 1 – Variante à Estrada Nacional nº 8 - Lanço .../..., doravante lanço A8/IC1-.../... – vd. als. A e B do probatório. Para garantia da boa execução do contrato respeitante à construção do lanço de auto-estrada A8/IC1-.../... as sociedades contratantes prestaram a título de caução definitiva diversas garantias bancárias e seguros-caução tendo como beneficiária directa e exclusiva a dona da obra, a extinta JAE, ao abrigo do artº 100º do REOP vigente, DL 235/86, 18.08 e DL 405/93, 10.12 – vd. als. D a G do probatório. A concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados na zona Oeste de Portugal regula-se pelo regime das bases concessórias aprovado pelo artº 1º DL 393-A/93, 04.12, atribuída ao consórcio ora Recorrente A... SA pelo artº 2º DL 393-A/93 tendo sido celebrado o respectivo contrato em ../../1998 mediante minuta aprovada em resolução do Conselho de Ministros de 13.11.1998 (artº 14º DL 9/97, 10.01 e artº 3º (outorga do contrato) DL 393-A/93, 04.12) - vd. als. L e M do probatório. Concluída a execução da empreitada, foi transferido o lanço A8/IC1-.../... para a Concessionária e ora Recorrente A... nos termos do nº 1 da Base XLIV e cláusula 47.1 do contrato de concessão (transferência da exploração e conservação dos lanços existentes) decorridas 24 horas sobre a data da celebração do contrato de concessão (../../1998), passando a integrar o objecto da concessão de exploração e conservação dos lanços de auto-estrada na zona Oeste de Portugal por remissão para o objecto concessório no tocante aos lanços especificados no nº 2 da Base II (objecto da concessão) ex vi nº 1 da Base XLIV - vd. al. O do probatório. A Concessionária ora Recorrente mediante ofício de 26.04.2007 interpelou as ora Recorridas pelos custos por si assumidos com as obras de reparação levadas a efeito e outras necessárias a efectivar no lanço A8/IC1-.../..., fundadas em “(..) vários defeitos resultantes de deficiente construção cuja responsabilidade (nomeadamente no que respeita à respectiva reparação) recai sobre os empreiteiros da obra, ou seja, sobre as empresas que compõem o consórcio (..)”, obras realizadas “(..) em virtude da omissão de cumprimento das obrigações de reparação por parte das empresas concessionárias (..)” - vd. al. AA do probatório. Invocando os termos do nº 2 da Base XLIV do regime jurídico da concessão, no ofício de 26.04.2007 mais informa a Concessionária que as garantias bancárias e seguros caução “(..) prestadas pelos membros do Consórcio no âmbito do Contrato de Empreitada, e que ainda se encontram em vigor (..)” pelo que, não sendo resolvidos “(..) no prazo de 8 dias (..) os problemas acima descritos iremos proceder ao accionamento das Garantias como forma de esta concessionária ser ressarcida dos montantes despendidos nas obras efectuadas no Lanço .../... (..)” - vd. al. AA do probatório. O pedido deduzido pelas ora Recorridas em via de articulado de aperfeiçoamento da petição inicial é o seguinte: “(..) Deverá a presente acção ser admitida e, em consequência, ser declarada nula a deliberação da R A... SA, tomada para accionamento das diversas garantias bancárias prestadas no âmbito da empreitada de construção do Itinerário Complementar 1– Variante à Estrada Nacional nº 8 - entre .../... (..)”. * Vem controvertida a transmissão para a Concessionária ora Recorrente A... SA - determinada no nº 2 da Base XLIV da concessão e levada à cláusula 47.2 do contrato de concessão - das garantias bancárias e seguros-caução prestados nos termos do artº 100º DL 236/85, 18.08 do REOP (regime jurídico das empreitadas de obras públicas) a título de caução definitiva para garantia da boa execução do contrato de empreitada celebrado em 04.11.1994 entre as sociedades empreiteiras aqui Recorridas e a então dona da obra JAE, títulos entregues à Concessionária ora Recorrente por termo de entrega de 01.01.2007 da C... EPE, entidade pública empresarial sucessora nas atribuições da extinta JAE, de que as ora Recorridas foram informadas mediante ofício de 09.08.2007 da concessionária - vd. als. B, Z e DD do probatório. Resumidamente, o TAC de Lisboa considerou que o nº 2 da Base XLIV da concessão constitui um “.. comando individual e concreto ... e configura um contrato administrativo com objecto passível de um contrato de cessão de posição contratual, contrato privado ..”. Neste quadro legal considerou que a JAE, na qualidade de dona da obra, não estava impedida de transmitir a sua posição contratual à Concessionária A... de conformidade com o disposto nos artºs. 424º e ss., 595º C. Civil e artº 9º nº 3 DL 183/88, 24.05 (regime jurídico dos seguros de crédito) no tocante às garantias e seguros-caução prestados pelas sociedades empreiteiras no âmbito da empreitada de obras públicas nos termos do artº 100º DL 236/85, 18.08 do REOP (regime jurídico das empreitadas de obras públicas). Todavia, dado que nem as sociedades empreiteiras nem as sociedades garantes (banco e seguradoras) intervieram na referida cessão da posição contratual da dona da obra para a concessionária, tal constitui violação do disposto nos artºs. 286º, 292º 294º, 424º CC e 185º nº 3 CPA. Neste sentido emitiu pronúncia declarando “… a nulidade da cláusula contida na Base XLIV, nº 2 do contrato de concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados na zona Oeste de Portugal, por aplicação dos artºs. 286º, 292º, 294º, 424º do CC e 185º nº 3 al. b) do CPA e, em consequência, declaro a ilegalidade da conduta da R para ao abrigo dessa cláusula determinar o accionamento das garantias e seguros caução prestados pelas AA à JAE no âmbito do contrato de empreitada de construção do Itinerário Complementar 1 – Variante à Estrada Nacional 8 entre ... e .... (..)”. Interposto recurso, o TCAS secundou o entendimento da 1ª Instância e confirmou o julgado, considerando que a Base XLIV, nº 2 do regime da concessão consagra a figura da cessão da posição contratual e constitui “ .. um comando individual e concreto já que ali se determina que as garantias prestadas pelas AA no âmbito de um dado contrato de empreitada deverão ser transmitidas para a R ..” pelo que “ .. não é configurável a figura da cessão de créditos ..” sustentando a ora Recorrente A..., que o acórdão incorre em violação primária de direito substantivo por erro de julgamento nas matérias levadas às conclusões. Vejamos, em primeiro lugar, o tipo de contrato concessório presente nos autos.
1. concessão de exploração e conservação de lanço de auto-estrada construído – domínio público rodoviário do Estado;
A concessão de exploração e conservação do lanço de auto-estrada A8/IC1-.../... foi atribuída à ora Recorrente mediante acto administrativo incorporado no artº 2º DL 393-A/93, de 04.12, tendo a concessão por conteúdo os termos especificados nas bases concessórias aprovadas pelo artº 1º - bases que constituem a definição prévia, por decreto-lei, das cláusulas regulamentares da concessão - concretamente no nº 2 da Base II ex vi nº 1 da Base XLIV e levadas às cláusulas contratuais, v.g. à cláusula 5.2 alínea a) do contrato concessório celebrado em ../../1998. Na verdade, como nos diz a doutrina, “(..) sendo a concessão um acto que disciplina uma relação jurídica administrativa concreta entre a Administração e um sujeito e que, além disso, opera a transferência de um direito da Administração para o concessionário, a natureza material ou substancialmente administrativa parece indiscutível. A atribuição da concessão de serviços públicos será portanto uma manifestação da função administrativa (..) Quando o Legislador é também Administrador, dir-se-á pois que os actos concretos e individuais que incorpora em diplomas legais são uma manifestação da sua qualidade de administrador e não de legislador … o que define o carácter individual do acto atributivo da concessão é a escolha da pessoa a quem vai ser confiada a gestão do serviço público … a circunstância de a concessão ser atribuída a essa pessoa com exclusão de todas as demais; portanto, atribuindo uma posição jurídica nova a uma pessoa (carácter constitutivo e translativo da concessão) que é portanto tratada diferentemente de todas as outras … só será constitucionalmente legítima se se entender que ela incorpora um acto administrativo. (..)” (Pedro Costa Gonçalves, A concessão de serviços públicos, Almedina/1999, págs. 111 e 115.) * No caso presente, estamos perante uma concessão de exploração e conservação do lanço de auto-estrada A8/IC1-.../..., acto jurídico de direito público de natureza contratual (não unilateral) em que o Governo mediante decreto-lei, isto é, antes da celebração do contrato e na qualidade de Administração-concedente definiu prévia e unilateralmente as bases da concessão. Neste enquadramento, antes da celebração do contrato as bases da concessão assumem natureza regulamentar e, uma vez celebrado o contrato de concessão, incorporam-se nele e passam a constituir cláusulas contratuais vinculando apenas as partes que o outorgaram, ou seja, neste quadro conceptual “(..) os deveres do concessionário são perante a Administração concedente, deveres contratuais e, perante terceiros, deveres regulamentares – desde que os terceiros sejam titulares de um direito às prestações em que o serviço público se traduz (estão aqui em causa os utentes) a satisfação desse direito cabe ao concessionário, por força de uma disposição com eficácia regulamentar que a isso o obriga (..)” (Pedro Costa Gonçalves, A concessão de serviços públicos, págs. 197, 200, 201, 231.) A concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados na zona Oeste de Portugal - definida no nº 1 Base II – constitui, como a designação desde logo indica, uma concessão de obras públicas que leva associada uma concessão de exploração do domínio público, sendo que apenas são públicas as coisas assim qualificadas por lei (CRP artº 84º nº 1 d) (as estradas) e nº 2 (definição da dominialidade estadual, regional e autárquica, bem como o regime, condições de utilização e limites). (Marcello Caetano, Manual de direito administrativo, Vol. II, págs. 880 – 886; Pedro Costa Gonçalves, A concessão de serviços públicos, págs. 91, 93 e 95.) No caso da presente revista a concessão tem por exclusivo objecto a exploração e conservação de um bem integrado no domínio público rodoviário do Estado na formulação dada, no regime vigente, pelo artº 3º alínea n) da Lei 34/2015, 27.04 que aprovou o Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, definido como “a universalidade de direito de que o Estado é titular, formada pelo conjunto de bens afectos ao uso público viário, pelos bens que materialmente ou funcionalmente com ele se encontrem ligados ou conexos, bem como por outros bens ou direitos que, por lei, como tal sejam qualificados.” O Código da Estrada (artº 1º DL 114/94, 03.05) define a auto-estrada como “uma via destinada a trânsito rápido, com separação física de faixas de rodagem, sem cruzamentos de nível, nem acesso a propriedades marginais, com acessos condicionados e sinalizada como tal. Tem no mínimo 2 vias de rodagem para cada sentido, com separação física de faixas de rodagem. E apenas acessíveis a veículos motorizados ligeiros e pesados, e com velocidade mínima de 50 km/h e máxima entre 80 e 120 km/h.”, igualmente adoptada, em parte, pelo artº 3º h) Lei 34/2015 (Rede Rodoviária Nacional). As concessões de obras públicas e de exploração do domínio público perfilam-se como contratos administrativos a dois títulos: primeiro, por determinação de lei, conforme artº 178º nº 2 als. b) e d) CPA/91, tipificação que o artº 200º nº 2 CPA/2015 remeteu para o Código dos Contratos Públicos, v.g., artºs 407º e 408º; segundo, por natureza, na medida em que se trata de contratos que têm “(..) por objecto a transferência para um particular do exercício de uma actividade pública legalmente reservada à Administração e que o concessionário desempenhará por sua conta e risco, mas no interesse geral. (..)” (Diogo Freitas do Amaral/Lino Torgal, Estudos sobre concessões e outros actos da Administração (pareceres), Almedina/2002, págs. 24-25.) * Embora nos termos do artº 2º DL 393-A/93 tenha sido atribuída à Recorrente A... uma concessão de obras públicas, como tal expressamente definida na Base III, no caso dos presentes autos o objecto concessório reporta-se autonomamente à exploração e conservação da infra-estrutura rodoviária já implantada e construída, conforme nº 2 da Base II ex vi nº 1 da Base XLIV, concretamente o lanço de auto-estrada A8/IC1-.../.... Isto é, reporta-se à concessão de exploração e conservação do lanço de auto-estrada construído em empreitada de obras públicas adjudicada pela extinta JAE (dona da obra) às sociedades empreiteiras aqui Recorridas e executada mediante contrato de 04.11.1994 celebrado entre as ora Recorridas e a dona da obra, a extinta JAE. O que significa que a Concessionária ora Recorrente A... SA não executou nem mandou executar as obras relativas ao lanço de auto-estrada A8/IC1-.../... em questão nos presentes autos. Pelo que nunca assumiu o duplo estatuto de concessionária e de dona da obra nos termos e para os efeitos do artº 2º nº 2 do DL 235/86, 18.08 do REOP, posto que, como nos diz a doutrina, “(..) se na empreitada de obras públicas é a Administração que assume a posição de dono da obra (aquele que manda executar uma obra – cfr. artº 2º nº 2 do REOP), na concessão de obras públicas essa posição é, em princípio, por ela transferida para o concessionário [nota 90 - Constitui, na verdade, regra nas concessões de obras públicas serem empreiteiros contratados pelo concessionário quem, sob a direcção deste, leva a cabo os trabalhos de construção do empreendimento ] Portanto, e a contrastar com a bilateralidade subjectiva da empreitada de obras públicas, nas concessões existe, em regra, uma relação multilateral, que integra (pelo menos) o concedente, o concessionário e o empreiteiro de obras públicas, cumulando-se amiúde na esfera jurídica do co-contratante da Administração o duplo estatuto de concessionário e de dono da obra pública. (..) Num contrato de concessão de obras públicas, o cenário normal é o de ser o próprio concessionário a conceber e projectar as obras que posteriormente financiará, executará e explorará. (..)” (Diogo Freitas do Amaral/Lino Torgal, Estudos sobre concessões .., págs. 72-73 e 75-76.) Diversamente da concessão de obras públicas, na concessão de exploração de um bem do domínio público com carácter autónomo, que é a figura do caso presente, “(..) uma pessoa colectiva pública (concedente) transfere para outrem (concessionário, normalmente um particular) os poderes associados à gestão e exploração económica de um ou vários bens do domínio público, de modo a proporcionar a obtenção da utilidade pública que os bens são capazes de gerar, por conta e risco do concessionário (..) É, pois, o contrato pelo qual a Administração Pública procede à transferência para outrem de uma parcela do domínio público com a faculdade de exercício de todos os poderes inerentes; ou, pondo a tónica noutro elemento, é o contrato administrativo pelo qual um particular se encarrega de gerir ou explorar um bem do domínio público, exercendo sobre esse bem os poderes e actividade que legalmente cabe à Administração, em substituição desta. Com a transferência de exploração de um bem do domínio público, transfere-se igualmente a faculdade de exercício relativamente aos poderes que sobre ele tem a entidade pública concedente, respeitantes à respectiva gestão ou exploração económica. (..)” (Jorge Andrade da Silva, Código dos Contratos Públicos - anotado e comentado, Almedina/2018, 7ª ed., - artº 408º, pág. 857.) Deste modo, temos por assente que a Concessionária ora Recorrente A... SA é alheia ao contrato de empreitada de obras públicas relativo ao lanço de auto-estrada A8/IC1-.../... em questão nos presentes autos, contrato celebrado em 04.11.1994 entre as sociedades empreiteiras ora Recorridas e a dona da obra, a extinta JAE - vd. als. A e B do probatório. Cabe passar à questão suscitada quanto natureza e figura jurídica constante da cláusula contida no nº 2 da Base XLIV da concessão de lanços de auto-estradas da zona Oeste de Portugal aprovada pelo DL 393-A/98 de 04.12 e levada à cláusula 47.2 do contrato de concessão de exploração e conservação do lanço A8/IC1-.../..., trazida a revista nas conclusões 5 a 13 e 20-21.
2. transmissão para o concessionário de garantias bancárias e seguros-caução prestados pelo empreiteiro no decurso do contrato de empreitada de obras públicas – negócio causal;
O regime regulamentar concessório das auto-estradas da Zona Oeste de Portugal, aprovado pelo DL 393-A/98 de 04.12, no capítulo dedicado à exploração e conservação e sob a epígrafe de “transferência da exploração e conservação dos Lanços existentes” dispõe como segue nos nºs. 1 e 2 da Base XLIV: · nº 1 - Os Lanços referidos no nº 2 da Base II, bem como os equipamentos e instalações a eles afectos. … transferem-se para a Concessionária às 24 horas da data da assinatura do Contrato de Concessão, tornando-se a respectiva exploração e conservação sua responsabilidade exclusiva a partir de então e podendo a partir deste data iniciar-se a cobrança de portagens nos termos das bases XLVII e seguintes. · nº 2 - Na data referida no número anterior deverão igualmente ser transferidas para a Concessionária todas as garantias que se encontrem em vigor relativamente a obras realizadas naqueles Lanços. Conforme minuta do contrato, aprovada em resolução do Conselho de Ministros de 04.12.98 publicada no DR nº 280/1998, 2º Suplemento, 2ª Série 1-B de 04.12.1998, o nº 2 da citada disposição regulamentar foi incorporado no contrato de concessão de exploração e conservação do lanço A8/IC1-.../... mediante a cláusula 47.2, dispondo como segue: · 47.2 – Na data referida no número anterior deverão igualmente ser transferidas para a Concessionária todas as garantias que se encontrem em vigor relativamente a obras realizadas naqueles lanços, as quais se encontram identificadas no anexo nº 12. * Sustentam as Instâncias que este nº 2 da Base XLIV (e consequente cláusula contratual 47.2) consagra a figura da cessão da posição contratual da dona da obra, a extinta JAE, para a Concessionária A..., todavia inválida por falta de intervenção das sociedades empreiteiras cedidas e das sociedades garantes (banco e seguradoras) na referida cessão da posição contratual, em violação do disposto nos artºs. 286º, 292º, 294º, 424º C. Civil e 185º nº 3 CPA. Em sentido diverso, a Concessionária ora Recorrente sustenta que a transferência das garantias em questão configura uma cessão de créditos na especificidade de cessão de crédito garantido, definido no artº 577º ex vi 588º C. Civil, não sendo necessária a intervenção das sociedades garantes (banco e seguradoras) nem das sociedades empreiteiras ora Recorridas na qualidade de devedor garantido, devendo ser-lhe apenas notificada a transmissão conforme disposto no artº 583º C. Civil, o que foi feito mediante ofício de 09.08.2007- vd. alínea DD do probatório. Estamos perante duas figuras, dum lado a cessão da posição contratual e, do outro, a cessão de créditos, que não cabe confundir. A cessão da posição contratual encontra a sua estatuição geral no artº 424ºe ss. C. Civil, no capítulo relativo às “Fontes das obrigações” e diz respeito ao contrato, sendo a posição que uma das partes tem relativamente a este que é transmitida, ou seja, na cessão da posição contratual o cedente demite-se da sua posição de contraente entrando o cessionário para o lugar dele, estando, portanto, aqui envolvido um fenómeno de transmissão ou de sucessão, em sentido lato, na relação obrigacional complexa, verificando-se uma substituição de sujeitos, logo, uma modificação subjectiva da mesma relação contratual. Como nos diz a doutrina “(..) A cessão da posição contratual caracteriza-se … por abarcar, na sua unidade, o complexo dos direitos e obrigações que a formam (..)” (Galvão Teles, Manual dos contratos em geral, pág. 454.), “(..) A cessão da posição contratual consiste, precisamente, no negócio pelo qual um dos outorgantes em qualquer contrato bilateral ou sinalagmático transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato. São três os protagonistas da operação: o contraente que transmite a sua posição (cedente); o terceiro que adquire a posição transmitida (cessionário); e a contraparte do cedente, no contrato originário, que passa a ser contraparte do cessionário (contraente cedido ou o cedido, tout court) O elemento que imprime carácter ao negócio é o objecto da transmissão efectuada por um dos contraentes. … Se do contrato-base tiverem resultado, para o interessado em transmitir, apenas direitos ou somente obrigações, a cessão que ele efectuar para terceiro reduzir-se-á naturalmente a uma cessão de créditos ou a uma assunção de dívida. (..) A relação contratual que tinha como um dos titulares o cedente é a mesma de que passa a ser sujeito, após o novo negócio, o cessionário: successio non producit novum ius sed vetus transfert. (..)”, não sendo possível a transmissão da posição contratual, que implica a substituição do co-contratante, sem o consentimento do contraente cedido, v.g. do contraente público. (Antunes Varela, Das obrigações em geral, Vol-II, págs. 347-348 e 351.) Consentimento que em sede de REOP tem previsão expressa no artº 127º DL 236/86 - decorrente do princípio do intuitu personae ou princípio da execução pessoal do contrato (artº 288º CCP) que investe a celebração dos contratos públicos - e se manteve em todos os Diplomas subsequentes que regulam esta matéria do contrato de empreitada de obra pública, até ao presente CCP devendo esta previsão, ainda, ser genericamente admitida no contrato (artº 318º CCP). (Miguel Lorena Brito, A modificação subjectiva do contrato no Código dos Contratos Públicos revisto, in Comentários à revisão do CCP, Coord. Carla Amada Gomes et altrii, AAFDL/2018, pág.1186.) * Distintamente, na cessão de créditos “(...) o credor transfere para terceiro (o cessionário), independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito (artº 577º C. Civil) … O termo cessão tanto designa o acto (contrato) realizado entre cedente e cessionário, como o efeito fundamental da operação (a transmissão da titularidade do crédito) … [tanto] o facto gerador da transferência do crédito ... como o fenómeno translativo, ou seja, o efeito do negócio de cessão (..)” Como salienta o Autor que vimos citando, a cessão de créditos é um negócio causal, um negócio que a lei perspectiva como um efeito de um negócio, o negócio base (artº 578º nº 1 C. Civil) variável de caso para caso, em que a transmissão do crédito se integra, como seja a venda, doação, pagamento, cessão de créditos futuros com o fim de garantia de crédito actual concedido (cessão de crédito em garantia), causa-função que “(..) o artº 577º intencionalmente omite ao definir a figura, por querer introduzir na noção legal apenas as notas comuns a todas as espécies geradoras do fenómeno da transmissão do direito de crédito. (..)” (Antunes Varela, Das obrigações em geral, Vol-II, págs. 252-254 e 257.) Por isso, “(..) A disciplina completa do negócio de que a cessão é um dos efeitos, depende não só do regime previsto para esta na lei civil, mas igualmente, da restante disciplina decorrente da lei ou pautuada pelas partes para esse negócio … sendo que o crédito se transmite por mero acordo das partes juntamente com as garantias e outros acessórios do direito que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente, salvo convenção em contrário, artº 582º nº 1. Contudo, a transmissão do crédito só é eficaz em relação ao devedor cedido, após o conhecimento, notificação ou aceitação da mesma por parte deste (artº 583º nºs 1 e 2) (..)” (Pestana de Vasconcelos, Direito das garantias, Almedina/2023, 4ª ed., pág. 636.) * Quanto a esta questão da natureza de efeitos translativos, vejamos o caso concreto. Do teor textual da cláusula regulamentar do nº 2 da Base XLIV da concessão bem como da consequente cláusula contratual 47.2 resulta claro que através dos segmentos normativos “deverão igualmente ser transferidas para a Concessionária todas as garantias” e, com remissão expressa para a data do nº 1 da citada Base, “às 24 horas da data da assinatura do Contrato de Concessão” o Concedente determinou a emissão de um acto jurídico próprio concretizador do efeito de transferência para a Concessionária de todas as garantias em vigor prestadas durante a execução das obras realizadas nos Lanços referidos no nº 2 da Base II. Ou seja, o Concedente estatuiu unilateral e imperativamente a emissão de um futuro acto de transferência das garantias bancárias e seguros-caução (ainda em vigor) prestados pelas sociedades empreiteiras ora Recorridas a favor da dona da obra, a extinta JAE, a título de garantia da boa execução da obra pública objecto do contrato de 04.11.1994, a saber, a construção do lanço de auto-estrada A8/IC1-.../... nos termos do artº 100º do REOP, DL 235/86, 18.08 – vd. als. D a G do probatório. Todavia, o exacto teor textual da cláusula regulamentar e levada à cláusula contratual referida, não permite sustentar que o Concedente determinou seja a transmissão do direito de crédito da dona da obra JAE para a Concessionária A... - direito de crédito concretizado na execução do Lanço pelas ora Recorridas e garantido a título de caução nos termos do artº 100º DL 236/85, 18.08 do REOP pelas garantias bancárias e seguros-caução prestados - seja a cessão da posição contratual da dona da obra JAE no contrato de empreitada de obras públicas adjudicado às sociedades empreiteiras ora Recorridas, na medida em que não se faz a mínima referência a nenhum destes efeitos transmissivos do negócio-base garantido. Sendo certo que nos termos do artº 582º nº 1 CC e salvo acordo em contrário, com o crédito transmitem-se as garantias que o envolvem, reafirmando este dispositivo o antigo princípio de accesorium sequitur principale, sendo que não se verifica a transmissão de garantias e outros acessórios inseparáveis da pessoa do cedente. * Aplicando o regime cível citado ao caso trazido a revista, o quadro legal é o seguinte: com o tipo de negócio (contrato) realizado entre cedente e cessionário que serve de base ao efeito da transmissão do direito de crédito (artº 578º nº 1 CC) transmitem-se também as garantias pessoais (garantias bancárias e seguros-caução) prestadas em benefício da dona da obra JAE pelas sociedades empreiteiras ora Recorridas (artº 582º nº 1 CC). (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, Vol. I, pág. 522.) Todavia, além de não existir preceito legal no sentido inverso, isto é, no sentido de que a transmissão das garantias envolve por inerência a cessão dos direitos de crédito garantidos, temos que ter presente que sendo a cessão de créditos um efeito de um outro negócio, o chamado negócio base (artº 578º nº 1 CC), para efeitos de aferir da sua validade substancial sempre seria necessária a concreta expressão de vontades das partes intervenientes no negócio que serve de base à transmissão dos direitos de crédito garantidos para o cessionário, o que, em face do probatório e pelas razões de direito a seguir expostas, não se verifica no presente caso trazido a revista. Efectivamente, por disposição expressa no texto do nº 2 da Base XLIV levado à cláusula 47.2 do contrato o Concedente determinou a emissão futura de um acto jurídico de transferência para a Concessionária A... das garantias prestadas pelas empreiteiras em benefício da JAE dona da obra a título de caução da boa execução do contrato de empreitada de obras públicas nos termos do artº 100º REOP (DL 235/86), sendo que pelo respectivo titular não houve nem transmissão dos créditos garantidos por essas mesmas garantias, nem transmissão da relação obrigacional complexa, ou seja, não houve cessão da posição contratual da dona da obra JAE. * Pelo que vem de ser dito, neste ponto afastamo-nos do entendimento das Instâncias em favor da cessão da posição contratual e também não se acompanha a Recorrente quanto ao enquadramento sustentado no corpo alegatório e levada às conclusões sob o nº 10, no sentido de que “… a transferência das garantias para a Recorrente consubstancia, juridicamente, uma cessão de crédito garantido.” Consequentemente, em primeiro lugar cumpre saber da conformidade legal da transmissão de garantias fora do quadro negocial previsto nos artºs 578º nº 1 e 582º nº 1 CC de transmissão do crédito, ou seja, fora do quadro do exercício do poder de disposição do titular dos próprios direitos de crédito garantidos ou da cessão do complexo de direitos e obrigações detidos no contrato, na medida em que, conforme o nº 2 da Base XLIV e cláusula 47.2 do contrato, não é a dona da obra JAE que determina a transmissão das garantias bancárias e seguros-caução em favor da Concessionária A..., ora Recorrente, mas um terceiro alheio ao contrato de empreitada de obras públicas, o Concedente, através do comando ordenador da emissão de um futuro acto jurídico de transferência daquelas garantias, a concretizar no âmbito da concessão de exploração de um bem do domínio público, o designado lanço de auto-estrada A8/IC1-.../... atribuída à Concessionária. * Em suma, primeiro, cumpre saber se, nos termos determinados pelo Concedente nas citadas cláusulas regulamentar e contratual, houve transferência para a Concessionária das garantias bancárias e seguros-caução prestados no âmbito do contrato de empreitada celebrado em 04.11.1994 pelas sociedades empreiteiras ora Recorridas em benefício da dona da obra a extinta JAE, caucionando a execução da construção daquele lanço da A8/IC1-.../.... Em segundo lugar, cumpre saber se a autonomia das garantias bancárias e seguros-caução permite, em tese, que as mesmas sejam transmitidas independentemente da cessão do crédito garantido.
3. garantia autónoma – termo de entrega de 01.01.2007;
Vejamos quanto à caução mediante garantia autónoma. No regime do REOP, artº 100º nº 1, DL 235/86, 18.08, a caução definitiva tem por função legalmente definida garantir o cumprimento do contrato de empreitada de obras públicas, ponto por ponto e nos prazos estabelecidos, isto é, abrangendo as obrigações principais e as obrigações acessórias projectadas segundo o espectro temporal definido para a execução da obra pública. Relativamente à caução exigida ao adjudicatário co-contratante por disposição expressa do artº 100º do REOP, no caso exigida às sociedades empreiteiras ora Recorridas em benefício do dono da obra, a extinta JAE, admite a lei que a mesma seja prestada mediante garantia bancária (artº102º nº 5) ou seguro caução (artº 102º nº 6). (REOP, artº 100º nº 1 – O adjudicatário garantirá por caução o exacto e pontual cumprimento das obrigações que assume com a celebração do contrato de empreitada.) (REOP, artº 100º nº 2 – O dono da obra poderá recorrer à caução, independentemente de decisão judicial, nos casos em que o empreiteiro não pague nem conteste no prazo legal as multas contratuais aplicadas ou não cumpra as obrigações legais ou contratuais líquidas e certas.) (REOP, artº 102º nº 5 – Se o adjudicatário pretender prestar caução mediante garantia bancária apresentará documento pelo qual um estabelecimento bancário legalmente autorizado assegure até ao limite do valor da caução o imediato pagamento de quaisquer importâncias exigidas pelo dono da obra em virtude de incumprimento das obrigações a que a garantia respeita.) (REOP, artº 102º nº 6 – Tratando-se de seguro-caução, o adjudicatário apresentará apólice pela qual uma entidade legalmente autorizada a realizar este seguro assuma, até ao limite do valor da caução, o encargo de satisfazer de imediato qualquer importância exigida pelo dono da obra em virtude de incumprimento das obrigações a que o seguro respeite.) A garantia bancária, também designada pelos Autores por garantia bancária autónoma ou garantia autónoma tout court, constitui um negócio de garantia pessoal prestado por uma instituição bancária ou financeira, entidade que “(..) vem garantir pessoalmente a satisfação de uma obrigação assumida por terceiro, independentemente da validade ou eficácia desta obrigação ou dos meios de defesa que a ela possam ser opostos, assegurando, assim, que o credor obterá sempre o resultado do recebimento da prestação. (..)” (Luís Menezes Leitão, Garantias das obrigações, Almedina/2022, págs. 140-141.) Ou seja, a garantia autónoma “(..) é a garantia pela qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato-base) sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato (..) O garante paga ao credor sem discutir, depois o devedor tem de reembolsar o garante, também sem discutir. (..) No caso da garantia autónoma o garante não se obriga a satisfazer uma dívida alheia. Ele assegura ao beneficiário um determinado resultado, o recebimento de certa quantia em dinheiro e terá de proporcionar-lhe esse resultado, desde que o beneficiário diga que não o obteve da outra parte, sem que o garante possa entrar a apreciar o bem ou mal fundado desta alegação. (..)”, o que significa que a garantia não é acessória da obrigação que garante, é autónoma face à dívida, independente da discussão acerca do cumprimento ou do incumprimento do contrato. (Inocêncio Galvão Telles, Garantia Bancária Autónoma, O Direito, Ano 120, págs. 275 e segs.) Distintamente da garantia autónoma à 1ª solicitação (on first demand), na garantia autónoma simples, que é o caso, o garante cumpre a prestação pecuniária objecto da garantia independentemente das vicissitudes da obrigação principal e de eventuais excepções a este oponíveis, “(..) mas já se torna necessário, para poder exigir o cumprimento da obrigação do garante, que o beneficiário faça perante este prova de que ocorreu o facto constitutivo do seu direito, sem o que o garante poderá legitimamente recusar o cumprimento. (..)” (Luís Menezes Leitão, Garantias das obrigações, págs. 146-147.) Através deste negócio, que não se encontra previsto na nossa legislação mas é aceite no nosso ordenamento jurídico face ao princípio da liberdade contratual, artº 405º C. Civil, a entidade bancária/garante compromete-se a realizar a prestação de entrega de fundos com autonomia em relação à obrigação do devedor principal. O que significa que o banco/garante não promete o resultado da prestação a título primário ao credor/garantido pela ordem de emissão da garantia, antes emerge do contrato de garantia bancária uma obrigação autónoma a cargo do banco/garante cujo objecto consiste na entrega de uma determinada quantia pecuniária ao respectivo beneficiário, o dito credor/garantido e, uma vez efectivada, ficando com o direito a ser reembolsado (direito de regresso) pelo devedor/dador da ordem, da quantia entregue ao garantido; neste sentido vd o acórdão do STJ de 27.09.2016 in proc.174/13.OYYPRT-A.P1.S1. * No caso dos autos, relativo à garantia autónoma prestada a título de caução (artº 102º nº 5 REOP) de bom cumprimento do contrato de empreitada de obras públicas celebrado entre as sociedades empreiteiras ora Recorridas e a dona da obra JAE na qualidade de credor/garantido e beneficiário nos termos previstos nos contratos de garantia autónoma, esta terá direito a exigir do banco/garante a soma de dinheiro acordada nos diversos contratos, somas que o beneficiário pode efectivar de imediato poupando-se aos incómodos e demoras de um procedimento judicial, função acentuada no acórdão do STJ de 22.05.2014 in proc.724/12.0YYPRT-A.P1-S1. Efectivamente, “(..) a obrigação do garante não tem o mesmo conteúdo da obrigação do devedor/dador da ordem. Trata-se de uma prestação pecuniária e a obrigação garantida pode não o ser. Pode tratar-se de uma prestação de facto ou da prestação de uma coisa que não dinheiro. Como sucede, p. ex., com a garantia do bom cumprimento de um contrato de empreitada. O credor/garantido terá do garante o direito a exigir a soma de dinheiro acordada. É este o conteúdo da obrigação autónoma, diverso, como se vê do da obrigação garantida. Estas garantias desempenham, sublinhe-se, uma marcada função indemnizatória – a obrigação do garante é uma obrigação de indemnização com um montante pré-fixado. (..) com vista a indemnizar o dano do não cumprimento (..)” (Pestana de Vasconcelos, Direito das garantias, Almedina/2023, 4ª ed., pág. 151.) Considerando que o contrato de garantia, sendo um contrato autónomo, assenta na ordem que o garantido dá ao garante de, verificados certos pressupostos, pagar ao beneficiário “(..) esta ordem, integra-se tendencialmente na estrutura negocial de um mandato (..)” (Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, Garantias de cumprimento, Almedina/4ªed., págs.127-128.) Neste sentido e como é uniformemente sustentado pela doutrina, “(..) não se trata de um negócio abstracto, mas de um negócio causal. Com efeito, o contrato em análise tem, em si, uma função própria: assegurar uma obrigação emergente de um outro contrato, o contrato-base. A sua causa (no sentido de causa-função) é, pois, de garantia (..)” (Pestana de Vasconcelos, Direito das garantias, 4ª ed., pág. 147 e referências doutrinárias em nota.) Dito de outro modo, “(..) a causa da garantia autónoma, a finalidade económico-social que serve, o seu escopo, é precisamente garantir determinado contrato base, finalidade esta objectivada na própria carta de garantia e nos contratos (entre o credor e o devedor e entre este e o banco) que a precedem (..)” (Almeida Costa e Pinto Monteiro, Garantias Bancárias – O Contrato de garantia à primeira solicitação», Parecer in Colectânea de Jurisprudência, ano XI, tomo 5, págs. 15 a 34.) Efectivamente, como nos diz a doutrina e jurisprudência dos tribunais comuns, v.g. os acórdãos do STJ de 20.03.2012 in proc. 7279/08.STBMAI.P1.S1; de 22.05.2014 in proc.724/12.0YYPRT-A.P1-S1; de 27.09.2016 in proc.174/13.OYYPRT-A.P1.S1, na garantia autónoma distinguem-se três relações contratuais entre sujeitos diversos, a saber, “(..) O contrato principal, ou seja, aquele donde decorrem as obrigações garantidas e que é concluído entre o credor/garantido e o devedor/ordenante. O contrato entre o devedor e o garante, em regra um banco, pelo qual este último se vincula mediante uma remuneração (comissão do banco), a celebrar com o credor o contrato de garantia autónoma. E, por fim, o contrato de garantia autónoma em si, celebrado entre o banco/garante e o credor/garantido do qual decorre a garantia autónoma. (..)” (Pestana de Vasconcelos, Direito das garantias, 4ª ed., págs.144-145;) Resulta da interpretação dos contratos de garantia autónoma juntos aos autos e levados ao probatório – vd. als. D a G – que os mesmos foram celebrados na modalidade de garantia autónoma simples, ou seja, limitada à autonomia da obrigação do banco/garante de “… fazer entrega de quaisquer importâncias que se tornem necessárias, até àquele limite, logo que a Junta Autónoma das Estradas o exija, se o adjudicatário, por falta de cumprimento do seu contrato, ou de quaisquer compromissos assumidos em consequência do mesmo, com elas não entrar em devido tempo …”. No caso dos autos e a título de exemplo, a garantia autónoma nº ...71 emitida pelo Banco 5... (banco/garante) a favor da dona da obra JAE (credor/garantido) em nome e a pedido da sociedade empreiteira E... SA ora Recorrida (devedor/ordenante), constante de fls. 52 do Vol-I dos autos, levada à al. F do probatório. Todavia, exactamente porque é um negócio causal, a autonomia de que goza a garantia bancária, traduzida em que o garante não se pode fazer valer de quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato garantido, tem limites posto que, “(..) mesmo no caso de garantia “on first demand” deve aceitar-se a existência de um limite cuja violação implicaria um desrespeito de princípios basilares da ordem jurídica portuguesa … Assim sendo, talvez se deva considerar que o garante possa recusar o pagamento exigido quando é notória a inexistência dessa obrigação, ou seja, se tal exigência se apresenta como manifestamente inadmissível. (..)” (Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, Garantias de cumprimento, Almedina/2ªed., págs.74-79.) Ou seja, “(..) O garante só pode recusar-se a pagar a garantia, logo que solicitada, se possuir provas inequívocas de abuso evidente ou de fraude manifesta do beneficiário. (..)” (Almeida Costa e Pinto Monteiro, Parecer in Colectânea de Jurisprudência, págs. 15 a 34.) * O que nos leva ao termo de entrega de 01.01.2007 relativo aos títulos de garantias autónoma e seguros caução entregues à Concessionária, em que são devedores/ordenantes as sociedades empreiteiras ora Recorridas, a saber se da entrega dos títulos se extraem consequências jurídicas translativas no sentido trazido a recurso pela Recorrente na conclusão sob o nº 10 de que “a transferência das garantias para a Recorrente consubstancia, juridicamente, uma cessão de crédito garantido” . De acordo com a matéria de facto levada à alínea Z do probatório “Em 01.01.2007 foi elaborado termo de entrega … segundo o qual a C... entregou à A... todas as garantias prestadas a favor do dono da obra pelo Consórcio B... e E..., no âmbito do Contrato de Empreitada nº ...41, garantias e seguros caução que foram listados em anexo a este termo, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.”, entrega de títulos de que as sociedades empreiteiras foram informadas por ofício de 09.08.2007 pela C... instituto público sucessor das funções públicas cometidas à JAE no tocante à administração rodoviária, matéria de facto levada à alínea DD do probatório . Conforme acima exposto, o comando regulamentar do nº 2 da Base XLIV (e consequente cláusula contratual 47.2) não tem efeitos operativos imediatamente translativos das garantias prestadas pelas ora Recorridas, pelo contrário, determina a futura emissão de um acto jurídico pelo qual “deverão igualmente ser transferidas para a Concessionária todas as garantias que se encontrem em vigor relativamente a obras realizadas naqueles Lanços”, no caso, as garantias relativas às obras no lanço .../... da A8/IC1 executadas no quadro do contrato de empreitada de obras públicas de 04.11.1994 adjudicado às ora Recorridas – vd. alínea B do probatório. Efectivamente, o REOP é claro quanto à obrigatoriedade de prestação de caução a cargo do adjudicatário em benefício do dono da obra em ordem a garantir o exacto e pontual cumprimento das obrigações assumidas no contrato de empreitada (artº 100º nº 1), bem como de prestar caução mediante garantia bancária que “assegure até ao limite do valor da caução o imediato pagamento de quaisquer importâncias exigidas pelo dono da obra em virtude de incumprimento das obrigações a que a garantia respeita” (artº 102º nº 5), sendo certo que, como vem sendo afirmado, a garantia autónoma assume a natureza negócio causal na medida em que tem como função económica assegurar obrigações emergentes de um outro contrato, no caso dos autos, do contrato de empreitada de obras públicas de construção do lanço de auto-estrada A8/IC1-.../.... Tendo em consideração a ligação causal das garantias autónomas prestadas a título de caução de cumprimento das obrigações de execução pontual do contrato de empreitada, em que a dona da obra é o credor/garantido, tal significa que aquelas obrigações de cumprimento garantido em favor do credor/beneficiário (dono da obra) e assumidas pelo devedor/ordenante (empreiteiro) para caução do contrato principal (empreitada) celebrado entre o credor/beneficiário e o devedor ordenante por disposição expressa do REOP, constituem o objecto das garantias a transferir para a Concessionária mediante o acto jurídico translativo determinado no nº 2 da Base XLIV, levado à cláusula contratual 47.2. Ou seja, os créditos da dona da obra garantidos nos termos do REOP constituem o objecto dos efeitos transmissivos das garantias prestadas pelo empreiteiro e, por força das disposições conjugadas dos artºs.578º nº 1 (regime inter partes da cessão) e 582º nº 1(transmissão das garantias) ambos do C. Civil, o efeito de transferência das garantias, nada sendo declarado em contrário pelas partes, opera automaticamente por força da cessão dos direitos de crédito garantidos, de acordo com os termos e os efeitos do negócio-base em que a cessão dos créditos garantidos se integra. Nestes termos, a validade jurídica da transmissão a terceiro das garantias autónomas prestadas (artº 582º nº 1 CC) pelo empreiteiro a título de caução da boa execução do contrato de empreitada de obra pública nos termos do REOP (DL 236/86, 18.08), tem como pressuposto o quadro da cessão dos direitos de crédito objecto das garantias autónomas a transmitir, o mesmo é dizer, tem como pressuposto o contrato (negócio-base – artº 578º nº 1 CC) realizado entre cedente e cessionário. * Aplicando o exposto ao caso dos autos, o termo de entrega de 01.01.2007 das garantias prestadas, levado às alíneas Z e DD do probatório, não constitui modo juridicamente válido de transmissão para a Concessionária ora Recorrente das garantias autónomas prestadas em benefício da dona da obra pelas sociedades empreiteiras ora Recorridas, na medida em que, de acordo com as disposições conjugadas dos artºs. 578º nº 1 e 582º nº 1 C. Civil a transmissão das garantias das obrigações opera no quadro da cessão dos direitos de crédito por elas garantidos, no caso, dos direitos de crédito do dono da obra emergentes do contrato de empreitada de obras públicas adjudicado às sociedades empreiteiras – vd. al. B do probatório - sendo que, como já referido, em face do probatório e pelas razões de direito expostas, a cessão dos direitos de crédito garantidos não se verifica no caso trazido a revista.
4. seguro-caução - termo de entrega de 01.01.2007;
Passemos ao caucionamento da execução da empreitada de obra pública mediante seguro-caução. Nos termos do artº 102º nº 6 REOP “… o adjudicatário apresentará apólice pela qual uma entidade autorizada a realizar este seguro assuma, até ao limite do valor da caução, o encargo de satisfazer de imediato quaisquer importâncias exigidas pelo dono da obra em virtude de incumprimento das obrigações a que o seguro respeita”. O seguro-caução é um contrato nominado, submetido ao princípio da tipicidade regendo-se pelo DL 183/88, 24.05 e RJCS (Regime Jurídico do Contrato de Seguro), de natureza bilateral em que as partes são o segurador e o devedor/tomador do seguro (artº 9º nº 2, DL 183/88), mas que “(..) assenta numa relação entre três sujeitos: as partes do contrato e o credor/beneficiário. Além disso pressupõe sempre a celebração de um outro contrato, de diversa natureza (p. ex., de empreitada) entre o devedor/tomador do seguro e o beneficiário do qual decorre, ou pode vir a decorrer, o crédito objecto do contrato de seguro em si … e tem por conteúdo a atribuição a um terceiro, o beneficiário, do direito (de crédito) a ser indemnizado pelo segurador, se o risco que pode ter por objecto - ou seja, “o incumprimento ou atraso no cumprimento das obrigações que por lei ou convenção, sejam susceptíveis de caução, fiança ou aval” - se verificar (artº 6º nº 1 DL 183/88, 24.05 e artº 162º RJCS) (..)” (Pestana de Vasconcelos, Direito das garantias, 4ª ed., págs.194-198.) Por outro lado, o artº 6º nº 2 DL 183/88 estabelece uma equiparação legal do seguro-caução a outras garantias especiais dispondo que, entre o mais, o Estado, institutos e empresas públicas “ … não podem recusar apólices de seguro de caução nos casos em que, por disposição legal,… exista a obrigação de caucionar ou afiançar e seja devido, designadamente, o depósito de numerário, títulos ou outros valores, garantias bancárias ou fiança para assegurar o cumprimento de obrigações legais ou contratuais”. No caso dos autos de prestação de seguro-caução directo a garantia é prestada a favor de um crédito do beneficiário, já constituído, em que o segurador assume um compromisso directo em face do credor/garantido e beneficiário (a dona da obra JAE), o qual não é afectado em virtude das excepções existentes na relação entre o segurador e o devedor/tomador do seguro. (Luís Menezes Leitão, Garantias das obrigações, págs. 178-179.) No seguro-caução directo coexistem três relações contratuais: uma entre o devedor/tomador do seguro e a seguradora/promitente - relação de cobertura ou de provisão, que constitui o próprio contrato de seguro; a segunda entre a seguradora/promitente e o terceiro credor/beneficiário, que se traduz no direito de crédito deste decorrente do próprio contrato de seguro – relação de prestação; e, a terceira, que consiste no contrato concluído entre o devedor/tomador do seguro e o terceiro credor/beneficiário – relação de valuta, neste sentido vd. acórdão do STJ de 27.06.2006 in proc.06A1682. (Pestana de Vasconcelos, Direito das garantias, 4ª ed., págs.196.) * No processo em revista, a título de exemplo, o seguro-caução nº ...83 emitido pela G... em Portugal, (segurador) em nome e a pedido da sociedade empreiteira E... SA ora Recorrida (devedor/tomador do seguro) referente à Empreitada IC1-Variante à EN 8 entre ... e ..., comprometendo-se a fazer a entrega de quaisquer importâncias que sejam necessárias até ao limite do capital seguro, a pedido escrito da dona da obra Junta Autónoma das Estradas – Direcção dos Serviços de Construção (credor/beneficiário) se o tomador do seguro por falta de cumprimento do contrato celebrado ou de disposições legais inerentes, com elas não entrar em devido tempo – vd. fls. 56 do Vol-I dos autos, levado à al. F do probatório. De modo que, tal como a garantia autónoma, trata-se também de uma garantia pessoal em que a seguradora se obriga a satisfazer o pagamento com independência das obrigações caucionadas a cujo risco de incumprimento o seguro-caução respeita, sendo o entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência nacionais considerar que se insere no esquema formal do contrato a favor de terceiro, como modalidade especial de seguros de crédito lato sensu, na medida em que o seguro é estabelecido para cobrir o risco de depreciação de um crédito em resultado da sua falta de pagamento integral na data do vencimento. (Luís Menezes Leitão, obra citada, pág. 179, enumeração de AA em nota.) Neste sentido os acórdãos do STJ de 11.12.2001 in proc. 01A1493; de 09.02.2006 in proc. 06B023; de 27.06.2006 in proc.06A1682; de 17.04.2007 in proc. 07A830; de 03.04.2008 in proc. 08B470; de 12.11.2009 in proc. 09B0332. * Também neste caso estamos perante um negócio causal tendo por escopo garantir o risco de incumprimento de obrigações de um outro contrato mediante o pagamento de uma quantia pecuniária até um certo limite, no caso, o cumprimento do contrato de empreitada de obras públicas celebrado em 04.11.1994 entre a dona da obra JAE e as sociedades empreiteiras ora Recorridas. Considerando a natureza causal desta garantia pessoal, acrescida da equiparação legal do seguro-caução às garantias bancárias nos termos do artº 6º nº 2 DL 183/88, são aqui aplicáveis as considerações acima tecidas relativamente ao termo de entrega de 01.01.2007 (als. Z e DD do probatório) no segmento respeitante às garantias autónomas. O que significa que as obrigações caucionadas a cujo risco de incumprimento o seguro-caução respeita em favor do credor/beneficiário (dono da obra) e assumidas pelo devedor/ordenante (empreiteiro) para caução do contrato principal (empreitada) celebrado entre o credor/beneficiário e o devedor ordenante por disposição expressa do REOP, constituem o objecto dos seguros-caução a transferir para a Concessionária mediante o acto jurídico translativo determinado no nº 2 da Base XLIV, levado à cláusula contratual 47.2. Do que vem de ser exposto deriva que a validade jurídica da transmissão a terceiro dos seguros-caução prestados (artº 582º nº 1 CC) pelas sociedades empreiteiras (sujeitos tomador do seguro) nos termos dos artºs. 100º nº 1 e 102º nº 6 REOP (DL 236/86, 18.08) em ordem a garantir o risco de incumprimento do contrato de empreitada de obra pública para construção do lanço de auto-estrada A8/IC1-.../... (risco de incumprimento coberto pelo tomador do seguro) celebrado entre a dona da obra JAE e as sociedades empreiteiras ora Recorridas, tem como pressuposto o quadro da cessão dos direitos de crédito objecto dos seguros-caução a transmitir, o mesmo é dizer, tem como pressuposto o contrato (negócio-base – artº 578º nº 1 CC) realizado entre cedente e cessionário. Consequentemente, o termo de entrega de 01.01.2007 das garantias prestadas, levado às alíneas Z e DD do probatório, não constitui modo juridicamente válido de transmissão para a Concessionária ora Recorrente dos seguros-caução prestados em benefício da dona da obra pelas sociedades empreiteiras ora Recorridas, na medida em que, de acordo com as disposições conjugadas dos artºs. 578º nº 1 e 582º nº 1 C. Civil a transmissão daqueles títulos de garantia do risco de incumprimento das obrigações contratuais emergentes da empreitada de obra pública opera no quadro da cessão dos direitos de crédito a cujo risco de incumprimento os mesmos dão cobertura, no caso, repete-se, dos direitos de crédito do dono da obra emergentes do contrato de empreitada de obras públicas adjudicado às sociedades empreiteiras – vd. al. B do probatório - sendo que, como já referido, em face do probatório e pelas razões de direito expostas, a cessão dos direitos de crédito a que os seguros-caução respeitam não se verifica no caso trazido a revista. * Cabe concluir, tomando em conta que o acórdão do TCAS ora sob recurso confirmou o julgado pelo TAC de Lisboa que declarou a nulidade do nº 2 da Base XLIV levado à cláusula 47.2 do contrato e a ilegalidade da conduta da ora Recorrente para, ao abrigo dessa cláusula, determinar o accionamento das garantias prestadas pelas sociedades empreiteiras ora Recorridas. Assente nos termos da fundamentação supra o quadro interpretativo do nº 2 da Base XLIV do regime concessório (DL 392-A/93, 04.12) levado à cláusula 47.2 do contrato de concessão de exploração do domínio público, conclui-se que a cláusula regulamentar levada ao contrato não estatui a transferência automática das garantias prestadas no âmbito do contrato de empreitada de obras públicas mas, diversamente, determina a prática de um futuro acto jurídico de transferência das mencionadas garantias. O que significa que por via do nº 2 da Base XLIV levado à cláusula 47.2 do contrato, a transferência para a Concessionária das garantias prestadas pelas sociedades empreiteiras no âmbito do contrato de empreitada de obras públicas, pura e simplesmente não operou. E significa também que, não tendo o referido nº 2 da Base XLIV levado à cláusula 47.2 do contrato um efeito operativo automático no que respeita à transmissão a terceiro das garantias prestadas, a Concessionária ora Recorrente não pode accionar as citadas garantias autónomas e os seguros-caução, na medida em que o efeito translativo depende do conteúdo, nos termos expostos, do futuro acto jurídico translativo a que a citada cláusula regulamentar e contratual se referem. * Consequentemente, pelas razões expostas, (i) não se acompanha a fundamentação e o segmento decisório do Acórdão do Tribunal a quo na parte em que confirmou a sentença em 1ª Instância e declarou a nulidade da cláusula do nº 2 da Base XLIV levado à cláusula 47.2 do contrato de concessão e, como tal, mantendo-se a mesma válida e eficaz, (ii) confirmando-se o julgado na parte em que declara a ilegalidade da conduta da Concessionária A..., ora Recorrente, para determinar o accionamento das garantias prestadas a título de caução do contrato de empreitada de construção do lanço de auto-estrada A8/IC1-.../..., ao abrigo do nº 2 da Base XLIV levado à cláusula 47.2 do contrato de concessão.
***
Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Conselheiros da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo em conceder parcial provimento ao recurso e revogar o acórdão recorrido na parte em que declara a nulidade da cláusula do nº 2 da Base XLIV levado à cláusula 47.2 do contrato de concessão, confirmando o julgado quanto ao mais. Custas por ambas as partes na medida do decaimento, julgando-se adequado a divisão em 50%, dispensando-se o pagamento do remanescente posto que a complexidade da matéria deriva exclusivamente do objecto da causa, sendo evidente a simplicidade da tramitação processual no seu todo (artº 6º nº 7 RCP).
Lisboa, 4 de Julho de 2024. - Cristina Maria Gallego dos Santos (relatora) - José Augusto Araújo Veloso - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (com declaração de voto).
Proc. 1531/07.7BELSB-A
Declaração de voto. Parcialmente vencida. Não acompanho a fundamentação da decisão na parte em que qualifica ou aceita que seja qualificada como uma “questão de direito civil” a transmissão de garantias prestadas no âmbito de uma execução de empreitada celebrada ao abrigo do REOP, quando a infra-estrutura construída ao abrigo daquele contrato é depois objecto de concessão de exploração a um terceiro, dando lugar a uma sub-rogação do concessionário na posição do concedente, por via da delegação dos poderes que encerra a concessão da exploração. Mas, sobretudo, teria considerado prejudicado, por ser supervenientemente inútil ou impossível, a questão da apreciação da alegada ilegalidade da conduta da concessionária para determinar o accionamento das garantias que caucionavam a correcta execução da empreitada, uma vez que foi trazida ao processo a informação de que essas garantias já não se encontram na posse ou titularidade da concessionária (aqui demandada), por esta as ter “devolvido” ao concedente na sequência da resolução, por via arbitral, do litígio que envolvia a responsabilidade financeira pelos defeitos de execução da empreitada.
Lisboa 4 de Julho de 2024 Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva |