Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0780/16
Data do Acordão:09/21/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:É de admitir o recurso de revista excepcional em que se coloca questão de saber se à isenção de IMI relativa a pessoas colectivas de utilidade pública (PCUP) se aplica, a partir de 1/12/2003 (data do início da vigência do CIMI, em substituição do CCA), o disposto na al. d) do art. 1º, da Lei nº 151/99, de 14/9, ou se aplica o disposto na al. e) do art. 44º do EBF ou, ainda, se ambos os regimes serão aplicáveis; bem como saber que realidades estão subsumidas na expressão legal «prédios destinados directamente à realização dos seus fins», prevista na al. e) do nº 1 do art. 44º do EBF, por se tratar de questão de relevância social de importância fundamental e com um amplo interesse objectivo (transpõe os limites do caso concreto aqui em apreciação, constituindo um caso “tipo” que se repete e previsivelmente continuará a repetir-se) e já que não se conhece pronúncia do STA sobre a matéria.
Nº Convencional:JSTA000P20909
Nº do Documento:SA2201609210780
Data de Entrada:06/20/2016
Recorrente:CEMG - CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -

1 – A Caixa Económica Montepio Geral, vem, ao abrigo do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 10 de Março de 2016, que negou provimento ao recurso por si interposto do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgara improcedente o pedido na acção administrativa especial interposta pela ora recorrente contra o indeferimento de recurso hierárquico tendo por objecto pedido de isenção de IMI de prédio urbano.

A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

I. O recurso interposto tem o mérito de versar globalmente uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, reveste importância fundamental;

II. E a admissão deste recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pela razão de que

III. O que está em causa nestes autos é, imediatamente, firmar jurisprudência quanto à aplicação da alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99 de 14.09 e/ou da alínea e) do nº 1 do actual artigo 44º do EBF, ou ambas as disposições, ou seja, a amplitude da isenção de IMI das PCUP;

IV. Acresce que, a manter-se a jurisprudência do acórdão recorrido, ao nível mediato, também as IPSS que são ope legis PCUP (salvo as misericórdias) verão a isenção de IMI restringida, uma vez que o benefício da alínea f) do nº 1 do actual artigo 44º do EBF, além de ter a mesma redacção no que ao caso interessa, funciona nos mesmos moldes, como resulta da alínea b) do nº 2 e nº 4, ambos do artigo 44º do EBF;

V. E nem a AT aplica a lei, pelo menos às IPSS, com a limitação que resulta do acórdão recorrido, o que é de conhecimento público;

VI. Existem em Portugal milhares de entidades com o estatuto de pessoas colectivas de utilidade pública (PCUP) tal como a recorrente e milhares de IPSS (que são, presume-se, PCUP e podem usar o benefício enquanto tal, porque menos restritivo);

VII. Não há jurisprudência fixada e uniforme no que tange às isenções de IMI de que beneficiam as PCUP (incluindo as IPSS);

VIII. Existem múltiplas decisões dos TAF e agora do TCANorte sobre a matéria, ainda não transitadas, sendo que ao nível dos TAF a maioria são no sentido propugnado pela aqui recorrente (reproduzem-se em anexo 3 do TAF de Leiria)

IX. Sendo que as adoptadas no TCA Norte são meros decalques do acórdão tirado no processo 699/13.BECBR, de Junho de 2015, sendo que todas (sem excepção) decisões dos TAF tiradas depois dessa data (com a publicação em www.dgsi.pt deste acórdão sem a indicação “não transitado em julgado”) também são mero decalque deste acórdão, reproduzindo-o.

X. Por outro lado, como adiante se expõe, o douto acórdão, salvo o devido respeito, aplica a lei de forma manifestamente errada ou juridicamente insustentável.

XI. Tal jurisprudência a fixar-se traria grande alteração da forma como a AT está (a) aplicar a lei (pelo menos quanto às IPSS) restringindo a amplitude do benefício fiscal e com isso causando alarde social no seio das PCUP e IPSS, já de si entidades com debilidades económicas.

XII. Acresce que, ao nível dos TAF, como resulta das decisões já juntas aos autos (caso necessário juntar-se-ão mais, bastando a indicação via mail dos serviços do Tribunal), há correntes jurisprudenciais diferentes, criando grande incerteza e instabilidade, o que só por si merece a intervenção do órgão de cúpula da justiça fiscal como condição para dissipar dúvidas.

XIII. O douto aresto recorrido parte de lapso manifesto para considerar que a alínea d) do artigo 1.º da Lei 151/99 de 14.09 não se sobrepõe às alíneas e) e f) do n.º 1 do actual artigo 44.º do EBF e para considerar que a Lei versa sobre a CA e o EBF sobre o IMI;

XIV. Tal asserção atentará contra o n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei 287/2003, de 12.11 e ainda muito mais acentuadamente contra a letra do n.º 1 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11 (remissões);

XV. Quanto à referida “supressão do benefício fiscal” (da CA para o IMI) a que se alude no acórdão, o n.º 6 do artigo 31.º do Decreto-Lei 287/2003, de 12.11 refere: “Mantêm-se em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI…”, na sequência da autorização Legislativa da AR constante da Lei 26/2003, de 30.07 que autorizou o Governo a aprovar o CIMI e a revogar o CCA, que diz o seguinte no inciso 8) do artigo 1.º: autorizar o Governo a “manter em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao imposto municipal sobre imóveis”

XVI. Haverá que fazer a seguinte pergunta: então se todos os textos legais que referiam, à data, “contribuição autárquica” passaram a referir “imposto municipal sobre imóveis”, como é que a alínea d) do artigo 1.º da Lei 151/99, de 14.09 continuou a “consagrar uma isenção de contribuição autárquica” e não de IMI?

XVII. A contar de 01.12.2003 (data da revogação da CA e do CCA) a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99 de 14.09 passou a ter, na prática, a seguinte redacção: “Imposto municipal sobre imóveis de prédios destinados à realização dos seus fins estatutários”.

XVIII. Não está em causa que o IMI tenha sucedido à CA e que os benefícios desta se transferem para aquele, como se diz na decisão recorrida. O que ocorreu não foi uma “sucessão” de impostos, foi apenas uma mudança de nome, de designação.

XIX. Partindo o douto acórdão recorrido deste lapso manifesto não pode manter-se a douta conclusão de que, in casu, apenas se aplica o regime da alínea e) do n.º 1 do actual artigo 44.º do EBF, nem poderá ainda afirmar-se que a alínea d) do artigo 1.º da Lei 151/99, de 14.09 consagra actualmente uma isenção de CA e não a isenção de IMI para as PCUP e IPSS, uma vez que estas são todas ope legis PCUP;

XX.Aplicar-se-ão as duas normas, como consta do pedido de isenção apresentado à AT, sendo que, uma vez que estamos perante matéria da competência relativa da Assembleia da República (AR), regulada pela Lei 152/99, de 14.09, a norma da alínea e) do n.º 1 do actual artigo 44.º do EBF, não pode considerar-se em vigor na parte em que usa o termo ou expressão “directamente”, porquanto:

XXI. Foi a AR, o poder legislativo, que pretendeu suprimir a expressão “directamente”, naturalmente permitindo uma amplitude maior ao beneficio fiscal, que antes poderia discutir-se, ou para dissipar dúvidas;

XXII. Esta norma isentiva tem como antecedentes os benefícios fiscais das PCUP em sede de contribuição predial (alínea c) do artigo 1.º da Lei n.º 2/78, de 17.01 e a alínea c) do artigo 1.º do Decreto-Lei 260-D/81 de 02.09 que mandava aplicar o seu artigo 3.º e que remetia para o n.º 4 do artigo 7.º e artigo 10.º do Código da Contribuição Predial);

XXIII. Benefício este que tinha uma amplitude igual à que se defende nestes autos, sendo que na vigência do Decreto-Lei n.º 260-D/81 de 02.09 já se isentava de impostos os imóveis cujos “rendimentos se destinam à realização dos fins” das PCUP;

XXIV. Pelo que já no âmbito da norma isentiva ao nível da Contribuição Predial se abrangiam os bens imóveis cujos rendimentos, por eles produzidos, se destinavam a financiar os fins constantes dos estatutos.

XXV. A norma isentiva contida na alínea d) do artigo 1.º da Lei 151/99 e a norma isentiva contida na alínea e) do n.º 1 do actual artigo 44.º do EBF, haverá que ser vista como tendo o mesmo alcance, sob pena de se considerar que afinal a norma da alínea d) do n.º 1 da Lei 151/99, de 14.09 não tem qualquer âmbito de aplicação, o que seria uma conclusão juridicamente insustentável, até pela desconsideração face à “voluntas legislatoris” da Assembleia da República reveladora da vontade da lei;

XXVI. Mesmo que se concluísse que às isenções de IMI das PCUP (aqui incluídas as IPSS) se aplica apenas a alínea e) do n.º 1 do actual artigo 44.º do EBF, não poderia concluir-se como se conclui no douto aresto ora em apreciação quanto à integração da expressão "directamente".

XXVII. Constituirá ainda lapso manifesto esgrimir-se que se não for limitada a amplitude da isenção de IMI apenas aos imóveis de uso como instalações pelas PCUP, aqui incluídas as IPSS (o que a lei não diz), inutilizar-se-ia a segunda parte da norma isentiva que se considera o pressuposto objectivo do benefício fiscal.

XXVIII. Haverá que ter em conta o regime fiscal aplicável no seu todo, quer as PCUP quer às IPSS (alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 44º do EBF) porque, actualmente, todas as IPSS ganham automaticamente a qualificação de PCUP por força do Estatuto das IPSS.

XXIX. O que resulta claro do artigo 8.º do Estatuto das IPSS aprovado pelo Decreto-Lei119/83 de 14.11.

XXX. O legislador ao consagrar um regime diferente para as PCUP (aqui englobando as IPSS) do que é aplicável às Misericórdias (que também são IPSS e PCUP) não quis dar mais benefícios a estas do que àquelas entidades, nem com amplitudes diferentes, até porque os fins e acções das misericórdias, de cariz solidário e assistencial, são levados a efeito, hoje, também por muitos milhares de PCUP e IPSS.

XXXI. O que pretendeu foi apenas diferentes mecanismos de controlo: para as Misericórdias não criou nenhum mecanismo de controlo (por força da parte final da alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF), para as PCUP (aqui incluídas as IPSS que não as Misericórdias) criou os que constam da alínea b) do n.º 2 e n.º 4, ambos do artigo 44º do EBF.

XXXII. Este tipo de benefícios subjectivos e de reconhecimento oficioso (a isenção de IMI das PCUP incluindo as IPSS) têm que respeitar a norma substantiva ínsita no nº 2 do artigo 5º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

XXXIII. Tanto que se trata de benefício irrenunciável, nos termos do n.º 8 do artigo 14.º do EBF: é de reconhecimento oficioso, ou seja, sem que deva existir qualquer iniciativa do interessado, pelo que o pedido feito, foi um mais relativamente ao que a lei exige.

XXXIV. No caso, o benefício fiscal não carece de acto administrativo de mero reconhecimento. Ou seja, não é a AT que tem o poder para dizer o que cabe ou não no âmbito do benefício fiscal. Essa amplitude só pode dimanar da lei da AR, neste caso a Lei 151/99, de 14.12, uma vez que o acto de reconhecimento tem sempre efeito meramente declarativo, porque o benefício é de reconhecimento oficioso.

XXXV.Pelo que os mecanismos previstos na lei, neste caso no EBF, são de mero CONTROLO do benefício fiscal, mas nunca podem permitir não o reconhecer, tendo em conta o princípio da legalidade ínsito na CRP.

XXXVI. Por outro lado o haverá ainda que ter em conta que as normas sobre benefícios fiscais admitem interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF).

XXXVII. Não confere com a realidade o argumento plasmado no douto aresto recorrido tem a ver com esta passagem: "Se o legislador tivesse pretendido relevar a afectação à utilidade pública dos rendimentos dos imóveis, o mais adequado seria isentar de imposto esses rendimentos em si mesmos e não a propriedade e posse desses bens".

XXXVIII. Tal argumento não fará sentido ao nível dos rendimentos as PCUP, uma vez que estão isentas de IRC, como se infere da alínea c) do n.º1 do artigo 10.º do CIRC e a recorrente tem um despacho publicado no DR que lhe confere esse benefício (que por isso é do domínio público).

XXXIX. A interpretação da lei plasmada no aresto recorrido, ao invés do que refere, fere o que denomina de “coerência interna”, pela razão de que existe uma norma idêntica – ou melhor, aparentemente mais restritiva – que é aplicada com a amplitude defendida pela recorrente.

XL. Em sede de IMT, a Administração Fiscal, considera que integra o conceito do destino, directo e imediato, de uma PCUP (como consta do parecer da própria AT, sancionado pelo SEAF, citado na PI) não só o facto de um prédio se destinar a instalações da entidade, mas também quando se destine a obter rendimentos para financiar a PCUP, aceitando a mera alegação da PCUP nesse sentido constante em acta do órgão de direcção. Esta alegação feita na PI não foi contestada pela AT, pelo que se deve dar por assente.

XLI. Nesta linha de pensamento uniforme de aplicação de normas fiscais com redacções similares, a isenção de IMI deverá sempre ser considerada a estas entidades desde que: aleguem que o prédio se destina às suas instalações; aleguem que o prédio se destina a obter rendimentos, desde que estes sejam para financiar exclusivamente a PCUP de acordo com os estatutos.

XLII. É exactamente o que ocorre em sede de isenção de IMT quanto às PCUP (aqui incluídas as IPSS) como resulta do disposto no artigo 6.º , alíneas d) e e) do CIMT e do artigo 10.º n.º 2 alínea b) do CIMT.

XLIII. Percute-se, foi alegado na PI e não colocado em causa pela AT que o parecer sobre a interpretação da norma isentiva das PCUP e IPSS em sede de IMT não era aplicado a todas as entidades na dimensão que o mesmo comporta. Por isso deve ter-se por assente esse desiderato.

XLIV. Portanto o que aqui está verdadeiramente em causa nem será a aplicação extensiva do regime do benefício de IMT ao IMI, é tão só considerar “provado” o que foi alegado e aceite pela AT o que consta de conclusão supra.

XLV. É com base na declaração do destino dos bens constante da deliberação de aquisição que é conferida a isenção de IMT. Tal mecanismo, de mero controlo de benefícios, será de aplicar em sede de IMI.

XLVI. A expressão directamente” constante da alínea e) do nº 1 do actual artigo 44º (antigo artigo 40º) do EBF, provinda da versão original do EBF, de 1989, a considerar-se que tem algum conteúdo, visa obrigar as PCUP (aqui incluídas as IPSS) a consignarem expressamente perante o Fisco o destino dos imóveis (instalações ou obtenção de rendimentos), ficando, assim responsabilizadas os seus responsáveis pelo uso do bem no âmbito do escopo da entidade, com a correlativaresponsabilidade nos termos gerais de direito.

XLVII. Atentará contra a coerência do sistema fiscal que uma norma isentiva em sede de IMT aparentemente mais restritiva em termos de literalidade, seja aplicada com uma amplitude total (prédios de uso em instalações e prédios de rendimento) e uma norma literalmente menos restritiva, em sede de IMI, seja aplicada de forma muitíssimo mais restritiva em termos de amplitude.

XLVIII. Em conclusão, os benefícios fiscais em sede de IMI das PCUP (aqui englobadas as IPSS, salvo as Misericórdias): iniciam-se a partir do ano inclusive em que se constitua o direito de propriedade; são reconhecidos oficiosamente; desde que se verifique a inscrição da matriz em nome da PCUP; e seja feita a prova da natureza jurídica da PCUP; desde que os prédios se destinem à realização dos seus fins (devendo a exigência, quanto à amplitude do “directamente” considerar-se afastada pela Lei 151/99, de 14.09, que é lei posterior à redacção inicial do EBF) aqui incluídos os que produzam rendimentos cujo destino exclusivo seja o financiamento dos fins estatutários da entidade, o que se materializa por declaração do interessado; devendo, à falta de outro regime de controlo, exigir-se os mesmos documentos prescritos para o benefício em sede de IMT, uma vez que a expressão literal do benefício de IMI é menos restritiva que em IMT.

XLIX. Seria absurdo que para efeitos de IMT um prédio fosse considerado que se destina "directa e imediatamente à realização dos seus fins estatutários" de uma PCUP ou IPSS (as normas ao nível do IMT e do IMI têm a mesma literalidade e o mesmo regime de operacionalização) e depois para efeitos de IMI onde as normas são literalmente menos restritivas (quer a norma da Lei 151/99, quer a norma isentiva do EBF) se viesse a adoptar entendimento mais restritivo .

L. Por outro lado, a aplicação do. regime da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do CIMT ao caso em discussão (procedimento de controlo do benefício em sede de IMI de PCUP e IPSS) não corporiza integração analógica da lei, mas apenas a sua aplicação extensiva partindo de um raciocínio por paridade de razão ou até por maioria de razão, uma vez que a norma isentiva em sede de IMI é literalmente menos restritiva.

LI. O douto acórdão recorrido na leitura implícita que faz da lei fiscal viola a CRP, mormente o princípio da legalidade, o que se aduz, para além de violar as normas expressas nestas alegações quando lidas no sentido expresso no douto aresto recorrido ou na leitura da lei propugnada pela AT.

Termos em que, com o douto suprimento e os melhores de direito, deve a revista ser admitida e na procedência das conclusões supra deve substituir-se o douto aresto recorrido por outro que acolha a tese propugnada pela recorrente, em defesa dos superiores interesses de milhares e milhares de PCUP e de IPSS, entidades já de si muito débeis economicamente, assim se fazendo, como se espera a costumada Justiça!

2 – Contra-alegou a recorrida, nos termos de fls. 285 a 300 dos autos, pugnando pela não admissão do recurso de revista ou, caso assim não se entenda, pelo não provimento do recurso.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 305/306 dos autos, concluindo no sentido de que se justifica a admissão da revista em ordem a uma melhor aplicação do direito.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -

5 – Apreciando.

5.1 Da admissibilidade do recurso

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.

Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o recente Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O caso dos autos é substancialmente idêntico ao submetido à apreciação deste STA no recurso n.º 1483/15, cujo Acórdão proferido no passado dia 2 de Março decidiu ser de admitir a revista, com a seguinte fundamentação, a que sem reservas aderimos:

«3.1. Por acórdão proferido em 22/12/2014 no TAF de Aveiro foi julgada procedente a acção administrativa especial que a ora recorrente - Caixa Económica Montepio Geral -(CEMG), deduziu com vista à anulação do acto de indeferimento de recurso hierárquico, praticado pela Subdirectora-Geral dos Impostos, relativo a benefício fiscal consubstanciado na isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativamente ao prédio urbano sito em ………….., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n° 1482, da freguesia da ………….., concelho de Anadia, requerido ao abrigo da al. d) do art. 1° da Lei n° 151/99, de 14/9, e da al. e) do n° 1 e al. b) do n° 2 e n° 4 do art. 44° do Estatuto do Benefícios Fiscais (EBF) e a substituição do mesmo por outro que confira a isenção de IMI ao imóvel em causa.

Desse acórdão do TAF de Aveiro o sr. Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso para o TCA Norte onde, por acórdão de 3/7/2015 (fls. 243/253), foi tal recurso julgado procedente, com fundamento em que o disposto na al. d) do nº 1 do art. 169º da Lei nº 151/99, de 14/9, não se aplica a pedido de isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), mas sim de Contribuição Autárquica (CA), pois que, sendo aquela isenção de IMI regulada na al. e) do nº 1 do art. 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), e dado que o prédio em causa se encontra devoluto, com destino a arrendamento ou venda (não estando, portanto, destinado directamente à realização dos fins da CEMG), então, não goza de isenção de IMI.

3.2. A recorrente e o MP sustentam que se verificam os requisitos de admissibilidade do recurso excepcional de revista (art. 150º do CPTA).

Já o recorrido (Director-Geral da ATA) entende que esses requisitos, nem se verificam nem a recorrente, sequer, os invocou.

O recorrido carece, porém, de razão relativamente a esta matéria, pois que, como se vê do requerimento preliminar às alegações (fls. 262 /264), a recorrente logo aí invoca desenvolvidamente (cfr., aliás, as alíneas transcritas no Ponto 1.2., supra), que a revista deve ser admitida, porquanto a questão de fundo objecto de pedido de apreciação jurisdicional é uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, reveste importância fundamental e porquanto a admissão deste recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

(…)

3.5. No caso, e ao invés do contra-alegado pelo recorrido, afigura-se-nos que estão verificados os apontados requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional. Como, aliás, à saciedade e de forma bastante clara o MP sustenta.

Na verdade, a recorrente pretende ver reapreciadas pelo STA, as seguintes questões, que o acórdão recorrido também considerou: saber se à isenção de IMI relativa a pessoas colectivas de utilidade pública (PCUP) se aplica, a partir de 1/12/2003 (data do início da vigência do CIMI, em substituição do CCA), o disposto na al. d) do art. 1º, da Lei nº 151/99, de 14/9, ou se aplica o disposto na al. e) do art. 44º do EBF ou, ainda, se ambos os regimes serão aplicáveis; e saber que realidades estão subsumidas na expressão legal «prédios destinados directamente à realização dos seus fins», prevista na al. e) do nº 1 do art. 44º do EBF, [isto, caso se entenda que é aplicável o disposto nesse normativo, em exclusividade ou em conjunto com o regime da Lei 151/99].

Ora, como bem se sublinha no parecer do MP, «tendo em conta as centenas de PCUP existentes é evidente a susceptibilidade de repetição das questões controvertidas num número indeterminado de casos futuros.»

Realidade esta que tem chegado, aliás, ao conhecimento deste Tribunal, dado o número de recursos desta natureza que têm vindo a ser distribuídos nesta formação de julgamento, sendo que a própria documentação junta aos presentes autos também dá conta de várias decisões de tribunais de 1ª instância em que é sufragado o entendimento proposto pela recorrente, no sentido de que o prédio em questão beneficia de isenção de IMI ao abrigo do disposto na al. d) do art. 1º da referida Lei nº 151/99, de 14/9 e al. e) do art. 44º do EBF.

Tese esta que, todavia, o acórdão recorrido, seguindo jurisprudência do TCAN, não acolheu, pois que julgou no sentido da não aplicação da al. d) do art. 1º da Lei nº 151/99 e, por consequência, da inexistência do alegado benefício com a amplitude pretendida pela recorrente (cfr. além do acórdão recorrido, também os acs. do TCA Norte, de 9/6/2015, rec. nº 699/13.8BECBR; de 17/9/2015, rec. nº 465/13.0BECBR; de 30/9/2015, recs. nº 0650/03, nº 0625/11 e nº 205/12; de 15/10/2015, recs. nº 0129/13 e nº 0589/12; e de 10/12/2015, rec. nº 0495/13.2BEPNF).

E como acima se deixou dito e noutro local o MP também sublinha, mesmo considerando o regime dualista inerente à própria actividade estatutariamente exercida pela recorrida (com especificidades próprias que, em regra, não se encontram noutras pessoas colectivas de utilidade pública), a questão suscitada revela capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular da recorrente, pois que a aplicação da al. d) do nº 1 do art. 1º da Lei 151/99 e a interpretação da expressão “prédios destinados directamente à realização dos seus fins” se poderá colocar em relação a prédios titulados pelas demais PCUP.

Acrescem eventuais dificuldades quanto à desaplicação da al. d) do nº 1 da Lei 151/99 (na qual assenta a pretendida isenção de IMI), tendo em conta o também disposto no nº 1 do art. 28º e nos n.ºs 1 e 6 do art. 31º, ambos do DL nº 287/2003, de 12/11 (diploma que aprovou o CIMI e o CIMT) e de acordo com os quais (i) todos os textos legais que mencionam Código da Contribuição Autárquica ou contribuição autárquica se consideram referidos ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) ou ao imposto municipal sobre imóveis (IMI), (ii) o CCA é revogado mas a contribuição autárquica se considera substituída pelo imposto municipal sobre imóveis (IMI) e (iii) se mantêm em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI.

Estamos, portanto, perante situação em que a admissão deste recurso de revista se reveste de relevância jurídica e social e em que se manifesta claro interesse objectivo (dado que transpõe os limites do caso concreto aqui em apreciação, constituindo um caso “tipo” que se repete e previsivelmente continuará a repetir-se) e em que também se reconhece a utilidade de intervenção do STA, com vista a uma pronúncia que possa servir como orientação para os tribunais de que aquele Tribunal é órgão de cúpula, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito.» (fim de citação).

Este julgamento tem sido, desde este primeiro Acórdão, reiterado em todos os processos idênticos submetidos à apreciação deste STA, que perfazem já algumas dezenas de acórdãos.

É este julgamento que também aqui se reitera, pelos fundamentos supra, sendo de admitir a revista.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso de revista.


Custas a final.

Lisboa, 21 de Setembro de 2016. – Isabel Marques da Silva (relatora) - Dulce Neto - Ascensão Lopes.