Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 092/24.7BEFUN |
Data do Acordão: | 07/11/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | RECLAMAÇÃO JUDICIAL NULIDADE DE CITAÇÃO GARANTIA |
Sumário: | I - Não pode subscrever-se a tese, adoptada pelo órgão da execução fiscal, de que decorre dos invocados instrumentos de Direito da União Europeia a inadmissibilidade da prestação de garantia, ou a dispensa da sua prestação, para a suspensão do processo de execução fiscal, instaurado para cobrança de dívida resultante da liquidação adicional de IRC, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira. II - É de afastar, logo à partida, essa inadmissibilidade, só porque, supostamente, seria o que resultaria dos instrumentos de Direito da União Europeia invocados. III - Essa actuação é ainda mais censurável por se apoiar, sobretudo, numa comunicação da Comissão. IV - Mesmo no plano dos princípios gerais da União dificilmente se conceberia uma discriminação dos executados em função da situação que esteve na origem do crédito fiscal a recuperar. V - A citação que omite a indicação da possibilidade de prestação da garantia, ou da dispensa dessa prestação, justificada nos referidos termos, determina a nulidade da citação [cf. art. 191.º, n.ºs 1 e 4, do CPC, aplicável subsidiariamente, ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT]. |
Nº Convencional: | JSTA000P32509 |
Nº do Documento: | SA220240711092/24 |
Recorrente: | A... UNIPESSOAL, LDA |
Recorrido 1: | AT - RAM |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 92/24.7BEFUN Recorrente: “A... Unipessoal, Lda.” Recorrida: Administração Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal julgou improcedente a reclamação por ela deduzida, ao abrigo dos arts. 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra a decisão de indeferimento da arguição da nulidade da citação ( Como procuraremos demonstrar adiante, apesar do lapso em que incorreu a Recorrente nas alegações do recurso, é este o acto reclamado.) num processo de execução fiscal em que lhe está a ser exigida coercivamente uma dívida resultante da liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2016, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira. 1.2 A Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor: «I. Interpõe a Recorrente o presente Recurso contra a Sentença proferida no âmbito do processo de Reclamação Judicial que correu os seus termos, sob o n.º 92/24.1BEFUN, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, e que foi apresentada contra a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, que a antecedeu; II. Subjacente à Sentença ora recorrida, está o seguinte entendimento do Tribunal a quo o O que está na base dos presentes autos é a Decisão da Comissão Europeia (Decisão (UE) 2022/1414 da Comissão, de 4 de Dezembro de 2020 relativa ao regime de auxílios SA.21259 (2018/C) (ex - 2018/NN) aplicado por Portugal a favor da Zona Franca da Madeira (ZFM) – Regime III), e que ordenou a Portugal, enquanto Estado-Membro, a imediata e efectiva recuperação dos auxílios concedidos, sob a forma de redução de impostos, de forma ilegal (cfr. art. 5.º da Decisão). o Ora, não há dúvidas de que Portugal está vinculado ao cumprimento de tal decisão. E quanto aos termos em que tal recuperação se processa, há que atender ao teor da Comunicação da Comissão relativa à recuperação de auxílios estatais ilegais e incompatíveis (2019/C 247/01), e ainda ao Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho (também denominado «Regulamento Processual»), dado que quer a Decisão, quer a Comunicação, quer o Regulamento Processual, constituem direito da União Europeia e logo aplicáveis em Portugal nos termos do n.º 4 do art. 8.º da Constituição da República Portuguesa; o Ora, visto o teor de tais actos, temos que o artigo 16.º, n.º 3, do Regulamento Processual estabelece que «a recuperação será efectuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado Membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efectiva da decisão da Comissão». o Por outro lado, no ponto 37 da Comunicação estabelece-se que “(…) os princípios do primado e da efectividade do direito da União Europeia significam que os Estados-Membros e os beneficiários do auxílio não podem invocar o princípio da segurança jurídica para limitar uma recuperação no caso de um alegado conflito entre o direito nacional e o da União Europeia. o O direito da União Europeia prevalece e as regras nacionais não devem ser aplicadas ou devem ser interpretadas de uma forma que preserve a efectividade do direito da União Europeia”. o E tal primazia tem até lugar, note-se, perante decisões judiciais já transitadas em julgado, como decorre do ponto 45 da Comunicação: “Ao abrigo do princípio do primado do direito da União Europeia, as regras da União Europeia em matéria de auxílios estatais prevalecem sobre leis nacionais divergentes, que não devem ser aplicadas. O mesmo se aplica às regras e decisões judiciais nacionais cujo efeito da aplicação do princípio da autoridade do caso julgado se traduza na violação das regras da União Europeia em matéria de auxílios estatais”. o Mais se dispondo no ponto 69 que “Uma decisão da Comissão dirigida a um Estado-Membro é vinculativa para todos os órgãos do Estado destinatário, incluindo os seus tribunais”. Ou seja, e volvendo ao caso que nos ocupa, a aplicação de normativos nacionais não é impedida pela execução de uma decisão de recuperação de auxílios ilegais. Todavia, tais normativos não podem pôr em causa a decisão, e a obrigatoriedade da mesma ser imediata e efectiva. o O que sempre sucederia com os preceitos legais relativos à suspensão do processo de execução fiscal com dispensa de prestação de garantia. De onde, não merece censura a actuação da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira que desconsiderou os normativos nacionais atinentes à possibilidade de dispensa de prestação de garantia visando a suspensão do processo de execução fiscal; III. Em primeiro lugar, e como a ora Recorrente tem sustentado ao longo das peças judiciais apresentadas, o raciocínio adoptado pela Autoridade Tributária, agora corroborado pelo Tribunal a quo, padece de um erro de direito inultrapassável, o qual toma a presente Decisão ilegal; IV. É que, ao contrário do que a Autoridade Tributária e o Tribunal a quo sustentam, a questão não se prende com a vinculação do Estado Português e respectivas instituições à Decisão da Comissão Europeia, mas apenas com a forma adoptada na execução da referida Decisão; V. É que como bem sabe o Tribunal a quo é o próprio Tribunal de Justiça da União Europeia a dizer que a execução das decisões de recuperação de auxílios de Estado considerados ilegais deve ser feita de acordo com a ordem jurídica interna dos Estados Membros; VI. A este propósito veja-se a posição adoptada pelo Tribunal Geral da União Europeia, em 27 de Outubro de 2023, nos processos T-718/22 e T-723/22. Diz então o Tribunal que “No caso de ser identificado um beneficiário do auxílio declarado ilegal e incompatível com o mercado interno, a Comissão esclareceu, no considerando 216 da decisão recorrida, o método com base no qual o montante do auxílio a restituir devia ser calculado pelas autoridades portuguesas”; VII. Mais dizendo que: “É irrelevante para esta conclusão a alegação de que, na prática, as autoridades portuguesas quantificaram o montante dos auxílios a recuperar junto de cada beneficiário segundo um método fixo. Com efeito, essa crítica visa as modalidades de recuperação dos auxílios em causa, que estão sujeitas à fiscalização exclusiva dos órgãos jurisdicionais nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 21 de Dezembro de 2011, A2A/Comissão, C-320/09 P, não publicado, EU:C:2011:858, n.º 162)” – assinalado pela Recorrente; VIII. Isto porque: o Ora, o contencioso relativo a essas medidas nacionais de recuperação, susceptível de determinar a sua anulação, é da competência exclusiva do juiz nacional e deve ser considerado uma simples emanação do princípio da protecção jurisdicional efectiva que constitui, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um princípio geral do direito da União Europeia (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de Fevereiro de 2014, Mediaset, C-69/13, EU:C:2014:71, n.º 34, e de 11 de Setembro de 2014, Comissão/Alemanha, C-527/12, EU:C:2014:2193, n.º 45 e jurisprudência referida); o Decorre do exposto que cabe ao órgão jurisdicional nacional, se for interpelado, pronunciar-se sobre a questão de saber se os auxílios concedidos às recorrentes ao abrigo do Regime III o foram em conformidade com as Decisões de 2007 e de 2013 que o autorizaram e, por conseguinte, constituem «auxílios existentes» na acepção do artigo 1.º, alínea b), ii), do Regulamento 2015/1589, eventualmente após ter submetido uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.º TFUE; o Assim, no âmbito dos presentes recursos, o Tribunal Geral examinará os fundamentos invocados pelas recorrentes apenas na parte em que dizem respeito à decisão recorrida e não às medidas nacionais de recuperação adoptadas pelas autoridades portuguesas em execução desta última decisão (cfr. pontos 26, 27 e 28 da Decisão do Tribunal Geral da União Europeia). IX. De onde se conclui que cabe aos juízes nacionais controlar juridicamente os moldes em que é feita a recuperação dos auxílios em execução da Decisão da Comissão, através da aplicação da legislação interna, o que não sucedeu, antes tendo optado o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo por não apreciar o mérito da pretensão como legalmente se impunha e agora se requer; X. Com efeito, a decisão de não conhecer o mérito da pretensão como legalmente se impunha e ora se requer para além de ser manifestamente ilegal, teve consequências graves na situação económica da ora Recorrente; XI. Conforme sobejamente demonstrado, foi a própria Autoridade Tributária que, incumbida de proceder à recuperação dos auxílios de Estado, decidiu liquidar adicionalmente imposto (IRC), como se este fosse devido nos anos em causa; e subsequentemente, em face da falta de pagamento voluntário do imposto adicionalmente liquidado, instaurar os processos de cobrança coerciva a que ora se reage; XII. Assim, o que está a ser exigido à Recorrente é o pagamento de IRC, pelo que ao qualificar a quantia a recuperar como imposto e emitir actos tributários está a Autoridade Tributária vinculada a cumprir a lei (nomeadamente a possibilidade de pagamento em prestações ou da suspensão do processo de execução fiscal através da prestação de uma garantia ou através da sua dispensa); XIII. Afastar a aplicação destes institutos jurídicos significa negar a natureza tributária da dívida (em manifesta contradição com os actos emitidos); XIV. Certo é que o recurso ao procedimento tributário não possibilita a selecção parcial dos segmentos daquele regime, sendo igualmente certo que não existe qualquer procedimento específico para o efeito porque o Estado (enquanto legislador) não o previu; XV. Centrando o tema que nos ocupa – a Sentença que indeferiu a Reclamação Judicial apresentada contra o pedido de dispensa da prestação da garantia – importa deixar claro que porque assim entendeu o Estado português, na origem destes autos está a emissão de liquidações de IRC, cuja falta de pagamento dentro do prazo de pagamento voluntário deu origem à instauração de processos de execução fiscal contra a Recorrente; XVI. Ora, o processo de execução fiscal consiste num processo de execução simplificado face àquele que é o regime geral de execução (civil), porque assenta no princípio de que o Estado é uma entidade investida de maior autoridade e que se presume que actua de boa fé, circunstância que permite simplificar o processo (menos moroso e com menos etapas que o processo de execução civil), o que precisamente tem levado a um alargamento das dívidas (ainda que não fiscais, o que não é o caso dos autos), a serem cobradas coercivamente por esta via; XVII. A este propósito, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”) de 25/11/2021, proferido no processo 239/14.1BECTB: “O recurso ao processo executivo para cobrança de dívidas não fiscais, legalmente previsto, tem sido visto como uma forma apetecível para diversas entidades credoras, atenta a sua rapidez, simplicidade e eficácia, quando comparado com a execução comum, o que nos deve levar a uma cuidada interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 148.º do CPPT”; XVIII. Naturalmente, e ainda que tendencialmente mais célere e simplificado, o processo de execução fiscal é um processo de cobrança coerciva, em que naturalmente (por imposição da própria justiça e da Constituição portuguesa), são consagradas diversas garantias aos executados; XIX. Ou seja, aqui chegados o que se verifica é que em resultado da Decisão da Comissão que condena o Estado português à recuperação de auxílios ilegais concedidos no âmbito do reconhecimento da ZFM e do regime fiscal especial ao abrigo do qual as entidades com sede naquele local eram tributadas, a Autoridade Tributária optou por recuperar os auxílios de Estado em questão através de liquidações de imposto; XX. E que o recurso àquele procedimento de liquidação de imposto (cfr. artigos 59.º e seguintes do CPPT) implica o cumprimento das normas que o regem, incluindo - com redobrada relevância - as normas que titulam as garantias dos contribuintes; XXI. No que diz respeito à dispensa de prestação de garantia importa ainda notar que de acordo com o n.º 4, do artigo 52.º, da LGT, para que o Executado possa ser isentado da prestação de garantia é necessário que i) a prestação de garantia lhe cause prejuízo irreparável ou ii) que seja manifesta a sua falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e, bem assim, que iii) a insuficiência / inexistência de bens não seja da sua responsabilidade; XXII. Estes requisitos, exigidos pelo n.º 4 do artigo 52.º da LGT, são requisitos alternativos, como nos indica a conjunção disjuntiva “ou”, o que significa que a lei se basta com a verificação de um dos requisitos aí previstos, desde que não seja apurada a responsabilidade do executado pela insuficiência ou inexistência de bens ou de rendimentos (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no Processo: 02029/07, de 09-10-2007, in www.dgsi.pt). XXIII. Ora, a Recorrente não dispõe de meios financeiros ou quaisquer bens imóveis que possa oferecer à penhora e que lhe permitam suspender este processo de execução fiscal – situação essa que o Tribunal a quo não cuidou de analisar; XXIV. Ficou demonstrado nos presentes autos a imperatividade da lei interna na execução da Decisão proferida pela Comissão Europeia, não restando senão concluir que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser anulada por este Tribunal por ter sido proferida em sentido contrário à legislação portuguesa aplicável, devendo ser determinada a baixa dos autos e condenado o Tribunal a quo a proferir uma Sentença que analise o mérito da pretensão da ora Recorrente, como legalmente se impõe. Nestes termos e mo melhores de Direito, deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída a mesma por um acórdão que dê total provimento à pretensão da recorrente, com todas as consequências legais». 1.3 Não foram apresentadas contra-alegações. 1.4 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal admitiu o recurso, para subir imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo. 1.5 Recebido o processo neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso com a seguinte fundamentação: «[…] Conforme resulta da sentença recorrida, na sua apreciação acerca da invocada ilegalidade do acto reclamado por vedar à Reclamante a suspensão do processo de execução fiscal através, designadamente, da prestação de garantia, de um pedido de dispensa de prestação de garantia ou efectuar o pagamento da dívida em prestações, 1.6 Cumpre apreciar e decidir, sendo a questão a dirimir a de saber se é, ou não, admissível a prestação de garantia, ou a dispensa da sua prestação, em ordem à suspensão do processo de execução fiscal instaurado para recuperação de auxílio de estado, que foi determinada pela Decisão (UE) 2022/1414, de 4 de Dezembro de 2020, relativa ao regime de auxílios SA.21259 (2018/C). * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal deu como provada a seguinte factualidade: «1. Pelo Serviço de Finanças do Funchal - 1 foi instaurado contra A... Unipessoal, Lda., o processo de execução fiscal n.º ...58, por dívida de IRC do exercício de 2016 – recuperação de auxílios, no valor global de € 3 738 293,97 (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual e citação junta à p.i.); 2. Citada, a aqui Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças do Funchal – 1 requerimento a arguir a nulidade da citação, uma vez que a citação emitida lhe vedava, no seu entender, a possibilidade de suspensão do processo de execução fiscal através da prestação de garantia, de um pedido de dispensa de prestação de garantia ou efectuar o pagamento da dívida em prestações (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual e citação junta à p.i.); 3. Por despacho de 25/01/2024 foi proferida decisão de indeferimento do pedido de reconhecimento de nulidade da citação apresentado pela Reclamante (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual e despacho e informação de suporte juntos à p.i.); 4. Notificada do despacho de indeferimento, veio a Reclamante apresentar a presente acção (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual e despacho de indeferimento junto à p.i.)». * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR No presente recurso está em causa a legalidade da decisão do órgão da execução fiscal que indeferiu o pedido de que fosse declarada a nulidade da citação por nesta não se ter indicado à Executada, ora Recorrente, como o impunha o n.º 2 do art. 190.º do CPPT, a possibilidade da suspensão do processo de execução fiscal, nos casos referidos no art. 169.º do CPPT e no art. 52.º da Lei Geral Tributária (LGT), mediante a prestação de garantia, ou mediante a dispensa da prestação dessa garantia, se estiverem verificados os respectivos requisitos legais. 2.2.2 DA POSSIBILIDADE DA DISPENSA DA PRESTAÇÃO DA GARANTIA Passamos, a transcrever o referido acórdão: «Este pedido [leia-se, no caso sub judice, referido ao requerimento de declaração de nulidade da citação] foi indeferido com fundamento no pressuposto de que decorreria do Direito da União Europeia, designadamente (i) da Decisão da Comissão Europeia (Decisão (UE) 2022/1414 da Comissão, de 4 de Dezembro de 2020, relativa ao regime de auxílios SA.21259 (2018/C) (ex - 2018/NN) aplicado por Portugal a favor da Zona Franca da Madeira (ZFM) – Regime III); (ii) da Comunicação da Comissão relativa à recuperação de auxílios estatais ilegais e incompatíveis (2019/C 247/01) e (iii) do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho (também denominado «Regulamento Processual»): ser inadmissível qualquer medida que visasse o retardamento da restituição do auxílio declarado ilegal, de que constituiria exemplo a pretendida dispensa de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal. Até porque isso faria com que a decisão de recuperação não fosse imediata e efectiva, como se imporia nos termos da referida Decisão da Comissão. Com esta fundamentação, que mutatis mutandis fazemos nossa, concluímos que o recurso merece provimento: a citação omitiu a possibilidade de prestação de garantia ou da sua dispensa, omissão que entendemos constituir nulidade desse acto, na medida em que prejudica a defesa da Executada [cf. art. 191.º, n.ºs 1 e 4, do CPC, aplicável subsidiariamente, ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT]. * 2.2.4 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, decalcadas do sumário do citado acórdão de 3 de Julho de 2024, proferido no processo com o n.º 33/24.1BEFUN: * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, concedemos provimento ao recurso, revogamos a sentença recorrida e, julgando procedente a reclamação judicial, anulamos a decisão reclamada. * Custas pela Recorrida, que ficou vencida no recurso (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT), que não paga taxa de justiça neste Supremo Tribunal, porque não contra-alegou, e com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais, porque o acórdão é remissivo e à dispensa não obsta o comportamento processual das partes. * Lisboa, 11 de Julho de 2024. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves. |