Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0360/23.5BEBJA |
Data do Acordão: | 07/03/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL APRECIAÇÃO PRELIMINAR |
Sumário: | I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. II - Ainda que a questão, em abstracto, preencha um dos requisitos para a sua admissibilidade, a revista não é de admitir, em face do princípio da limitação dos actos (cf. art. 130.º do CPC), se é manifesto que foi excedido o prazo para o exercício do direito que o recorrente erigiu em questão a submeter a este Supremo Tribunal e que pretende ver reconhecido através do recurso. |
Nº Convencional: | JSTA000P32486 |
Nº do Documento: | SA2202407030360/23 |
Recorrente: | AA |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 360/23.5BEBJA 1. RELATÓRIO 1.1 O Recorrente acima identificado, não se conformando com o acórdão proferido em 24 de Abril de 2024 nos presentes autos pelo Tribunal Central Administrativo Sul – que, concedendo provimento ao recurso por interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja e, em substituição, julgou improcedente a reclamação judicial interposta ao abrigo do disposto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) –, interpôs recurso de revista excepcional, nos termos do art. 285.º do CPPT. 1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, o Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor: «A) Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo TCAS apenas na parte em que decidiu quanto ao pedido de ampliação do objecto formulado pelo reclamante aquando da resposta à contestação da Fazenda Pública e, que julgou o mesmo improcedente por considerar que as circunstâncias do caso não se enquadram na ampliação da instância prevista no artigo 63.º, n.º 1, do CPTA. B) Desde logo e em síntese, sustenta o acórdão recorrido tal entendimento porque, “o indeferimento tácito não configura um acto administrativo inserido no procedimento (sendo ao invés, uma ficção jurídica)”, e ainda “porque não há formulação de novas pretensões que se possam cumular”. C) In casu, impõe-se uma abordagem preliminar do procedimento tributário, nomeadamente, quanto à decisão de indeferimento tácito ficcionada, sobre o pedido de isenção de prestação de garantia com vista à suspensão de execução fiscal. D) O ora recorrente, abrindo mão da previsão normativa do artigo 52.º, n.º 4, da LGT, apresentou requerimento ao OEF tendo em vista a sua dispensa de prestação de garantia face à sua manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescida, sendo que tal pedido foi dirigido ao OEF, fundamentado e instruído com toda a prova documental, nos termos do artigo 170.º, n.º 1 e 3, do CPPT. E) Sobre o OEF impendia o dever de decidir a pretensão do ora recorrente no prazo de 10 (dez) dias após a sua recepção, ao abrigo do disposto no n.º 4 predito normativo. F) A omissão do dever de decidir da Administração Tributária fez presumir indeferida a pretensão do recorrente, assistindo-lhe a faculdade de reacção judicial, vulgo, de reclamar judicialmente da decisão tácita, nos termos do artigo 109.º, n.º 1, do CPA, ex vi artigo 2.º, al. d), do CPPT. G) Sucede que o OEF veio a proferir, em momento ulterior, decisão de indeferimento expresso, trazendo-a aos autos na contestação apresentada. H) O aqui recorrente, confrontado com o referido acto de indeferimento expresso, o qual carreou para os autos razões de facto e de direito até então desconhecidas, as quais motivaram a decisão do OEF, veio requerer a ampliação do objecto para esse acto expresso de indeferimento. I) Posto que, tratava-se de factos supervenientes inseridos num acto administrativo novo, susceptíveis de impedir o efeito útil que poderia advir da sentença a proferir pelo Tribunal Tributário. J) Em síntese, temos por um lado que a decisão de indeferimento expresso foi proferida a 30 de Outubro de 2023, notificada ao seu mandatário em 7 de Novembro de 2023, e por outro que a RAOF foi submetida ao OEF em 31 de Outubro de 2023, sendo que o pedido de ampliação ocorreu já na pendência da acção judicial e após a prolação do acto expresso de indeferimento. K) No sentido da possibilidade da ampliação do objecto para o acto expresso de indeferimento, acompanhamos o aresto deste STA, proferido no processo melhor identificado em alegações e aí devidamente transcrito. L) De igual modo a doutrina converge quanto a essa mesma possibilidade de modificação da instância, sempre que se esteja perante factos supervenientes para o interessado que não poderia ter conhecido no momento da apresentação da sua petição e que o coarctaram ao respectivo direito de defesa. M) Saliente-se que no domínio do procedimento e processo tributário o direito de contraditório assume especial relevância pela natureza das obrigações que lhe subjazem e pela desproporção de meios e de poder que o contribuinte pode opor ao Estado. N) Estando assim especificamente consagrado no artigo 9.º, n.º 1, da LGT, que “é garantido o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva para todos os direitos ou interesses legalmente protegidos” o que pressupõe no acesso à justiça tributária um processo equitativo e necessariamente justo, tal como, constitucionalmente consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da CRP. O) No caso sub judice se a lei permite à Administração Tributária proferir uma decisão expressa de indeferimento após preclusão do prazo a que se encontraria obrigada e ainda, a trazer a mesma ao processo judicial da reclamação apresentada pelo ora recorrente, assiste ao mesmo o direito a requerer a ampliação da instância quanto a esse novo acto, por forma a que as partes pleiteiem com igualdade de armas e que ambos os argumentos possam objecto de contraditório antes de considerados pelo Tribunal. Termos em que, com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, admitindo-se a ampliação da instância quanto ao acto expresso de indeferimento expresso, e, consequentemente, julgando-se a reclamação procedente. Fazendo assim Vossas Excelências, Colendos Conselheiros, a tão acostumada e desejada JUSTIÇA!». 1.3 Não foram apresentadas contra-alegações. 1.4 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se no sentido de que «não compete ao Ministério Público, nesta fase, pronunciar-se quanto à admissibilidade ou não do Recurso de Revista, mas apenas quanto ao seu mérito e só no caso de este ser admitido». 1.5 Cumpre apreciar, preliminar e sumariamente, e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO 2.1.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental, ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cf. art. 285.º, n.º 1, do CPPT). 2.1.2 Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis). 2.1.3 Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» (Cf., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1853/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.). 2.2 O CASO SUB JUDICE 2.2.1 Instaurada execução fiscal contra o ora Recorrente, este deduziu oposição e pediu a dispensa da prestação de garantia ao abrigo do disposto no art. 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (LGT) e no art. 170.º do CPPT. Decorrido o prazo legal para a decisão (cf. n.º 4 do art. 170.º do CPPT) sem que o órgão da execução fiscal se tivesse pronunciado sobre esse pedido, o Executado apresentou reclamação judicial, ao abrigo do disposto no art. 276.º do CPPT. 2.2.2 Tendo presente o teor da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul e os respectivos fundamentos, bem como as alegações do presente recurso excepcional de revista, entendemos não ser de admitir a revista quanto à questão do invocado erro de julgamento por o Tribunal Central Administrativo Sul não ter permitido a ampliação/substituição do objecto do processo. 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. II - Ainda que a questão, em abstracto, preencha um dos requisitos para a sua admissibilidade, a revista não é de admitir, em face do princípio da limitação dos actos (cf. art. 130.º do CPC), se é manifesto que foi excedido o prazo para o exercício do direito que o recorrente erigiu em questão a submeter a este Supremo Tribunal e que pretende ver reconhecido através do recurso. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso. * Custas pela Recorrente. * Lisboa, 3 de Julho de 2024. - Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia - Isabel Marques da Silva. |