Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01235/16.0BELRA
Data do Acordão:07/11/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:RETENÇÃO NA FONTE
RESPONSABILIDADE
Sumário:A sociedade pagadora dos rendimentos, nos casos especiais de retenção na fonte com natureza definitiva, assume a responsabilidade primária pelo pagamento das quantias que deveriam ter sido retidas e não o foram.
Nº Convencional:JSTA000P32520
Nº do Documento:SA22024071101235/16
Recorrente:AA E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
AA e BB, com os demais sinais dos autos, vêm recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a presente impugnação judicial visando a decisão de indeferimento do recurso hierárquico que manteve a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e respetivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2012, no montante total de € 28.098,73.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 139 a 148 do SITAF:
A) – A douta sentença recorrida julgou improcedente o pedido de anulação da liquidação da retenção na fonte de IRS, relativa ao ano de 2012, na quantia de € 27.032,26 e respetivos juros compensatórios de € 1.066,47.
B) - Improcedência do pedido de anulação da liquidação da retenção na fonte de IRS que se fundamentou, nomeadamente, na matéria provada da douta sentença recorrida, conforme assim melhor consta do facto provado nº 3, de cujo teor aqui se reproduz o excerto extraído da sua página 4, a saber: “ … - face ao exposto, a sociedade deveria ter entregue, relativamente a esta partilha de resultados, o imposto devido pelas retenções na fonte de IRS, a título definitivo, no montante de € 27.032,26 (25% * € 108.129,02) entregando a guia de retenção na fonte relativa a estes rendimentos de capitais, com referência a setembro de 2012”.
C) - Improcedência do pedido de anulação da liquidação da retenção na fonte de IRS que resultou do facto do Tribunal “a quo” não ter atendido ao fundamento do pedido que consiste na ilegalidade da liquidação de retenção na fonte efetuada à sociedade A..., Lda de cujo julgamento os recorrentes discordam pois não podia ter sido retido o imposto sobre os resultados já partilhados aos sócios.
D) - Em primeiro lugar, o instituto da retenção na fonte de IRS implica e pressupõe sempre que a entidade que é devedora dos rendimentos sujeitos a IRS tenha efetuado a retenção da fonte do respetivo imposto mas não o tenha entregue nos Cofres do Estado.
E) - Sucede, porém, que relativamente ao rendimento de € 108.129,02, que a Autoridade Tributária entendeu estar sujeito a rendimento de capitais, em 2012, a sociedade A..., Lda, não efetuou a retenção na fonte do IRS de € 27.032,26.
F) – Deste modo, não tendo a A..., Lda, feito, em 2012, a retenção na fonte de IRS sobre a quantia de € 108.129,02, qualificada pela Autoridade Tributária como rendimento de capitais, a liquidação que lhe foi efetuada a título de retenção na fonte é ilegal.
G) – Transcrevendo a doutrina de Joaquim Freitas da Rocha, na sua obra, “Apontamentos de Direito Tributário (A Relação Jurídica Tributária), Edição da Universidade do Minho, 2009, onde nas páginas 30 e ss. se escreve que (iii) esse terceiro não vai sofrer o desfalque patrimonial ou pagar o tributo “do seu bolso” mas vai exigir a quantia respetiva ao sujeito que realizou o ato tributário”;
H) - Em segundo lugar e no seguimento da demonstração inequívoca de que a A..., Lda não efetuou a retenção na fonte de IRS, devida pelos rendimentos, presumidos pela Autoridade Tributária, sobre os resultados da partilha da própria A..., Lda, impõe-se colocar a questão de quem é o sujeito passivo relativamente ao facto tributário previsto na alínea i) do nº 2 do artigo 5º do CIRS, na redação em vigor em 2012, ou seja, “o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 75º do Código do IRC seja considerado rendimento de aplicação de capitais ...”.
I) - Ora e tal como resulta da própria norma de incidência objetiva, o sujeito passivo do valor atribuído na partilha das sociedades são os próprios sócios e não a sociedade.
J) - Deste modo, tendo sido efetuada a liquidação do IRS à sociedade e não aos sócios, a mesma é ilegal.
L) - Em terceiro lugar e estando demonstrado que, não tendo sido efetuada a retenção na fonte de IRS por parte da A..., Lda, os sujeitos passivos da liquidação do IRS devido pela distribuição dos resultados da partilha da A..., Lda são os próprios sócios, coloca-se, pois, a questão de saber se o regime previsto nos nº 1, 2 e 3 do artigo 103º do CIRS é incompatível ou impeditivo da conclusão segundo a qual os sujeitos passivos da respetiva liquidação do IRS são os sócios e não a própria sociedade.
M) – Ora e tendo em conta, a redação em vigor, em 2012, dos nº 1, 2 e 3 do artigo 103º do CIRS resulta que a regra principal consiste na obrigação das entidades que disponham ou sejam obrigadas a dispor de contabilidade organizada reterem o imposto, mediante a aplicação das taxas devidas, aos rendimentos líquidos de que sejam devedoras.
N) - Do regime do artigo 103º do CIRS resultam duas conclusões: a primeira é que se trata duma norma que regula a cobrança do imposto e não a sua liquidação.
O) - Com efeito, das citadas normas resulta que se trata de normas que disciplinam a distribuição de responsabilidade de pagamento do imposto, sendo de referir que o artigo 103º do CIRS faz parte do Capítulo V do CIRS e cuja epígrafe é designada de “PAGAMENTO”.
P) - A segunda é que, sendo cumprida a regra da retenção na fonte por parte da entidade que tem essa obrigação, o substituto é o responsável pelo pagamento do imposto e, não sendo cumprida a obrigação da retenção na fonte, o substituído, ou seja, o sujeito passivo do imposto, é o responsável pelo pagamento do imposto.
Q) - Destas duas conclusões confirma-se, sem margem para dúvidas, que não tendo sido efetuada, nos termos previstos no artigo 103º do CIRS, a retenção na fonte de IRS por parte da A..., Lda os sujeitos passivos da liquidação do IRS devido pela distribuição dos resultados da partilha da A..., Lda, são os próprios sócios e não a sociedade pelo que é ilegal a liquidação da retenção na fonte efetuada à sociedade.
R) – A douta decisão recorrida incorreu numa errada interpretação e aplicação da alínea i) do nº 2 do artigo 5º e dos nº 1, 2 e 3 do artigo 103º, ambos do CIRS.

I.2 – A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.

I.3 – Parecer do Ministério Público
O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
“O presente recurso vem interposto por AA e BB, notificados e inconformados com a sentença proferida em 16/11/2021, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF/Leiria) que julgou improcedente o pedido de anulação da liquidação de retenção na fonte de IRS, relativa ao ano de 2012, no montante de € 27.032,26 e respectivos juros compensatórios de €1.066,47.
O recurso vem interposto nos termos do disposto no art.º 280.º n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
Na impugnação judicial os impugnantes e aqui recorrentes alegaram que foram citados (em processo de reversão) como responsáveis subsidiários, para pagamento da dívida de IRS e de juros compensatórios que não foi paga pela devedora originária, a empresa A... Lda.; que a liquidação de IRS surgiu na sequência de inspecção tributária externa efectuada à devedora originária, na qual a Administração Tributária concluiu que foram distribuídos aos sócios rendimentos de aplicação de capitais (lucros), no montante de €108.129,02 que deveriam ter sido sujeitos a tributação (cfr. artigo 5.º, n.º 2, al. i) do CIRS) à taxa liberatória de 25% (cfr. al. c) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS); os impugnantes discordam desta correcção, porque nem à data da cessação da sociedade, nem antes, foram postos à disposição dos sócios quaisquer rendimentos de capitais, seja a título de dividendos, seja a título de distribuição de lucros, seja a que título for.
Defenderam que não existindo tais rendimentos, também não era exigível a retenção do imposto à taxa liberatória por parte da sociedade devedora originária, mas ainda que se tratasse de distribuição de lucros, a sociedade já não é, na presente data, responsável pela liquidação da retenção, pois não pode reter o que já foi pago aos beneficiários.
A Fazenda Pública contestou, pugnando pela legalidade dos actos impugnados e a consequente improcedência da acção.
O tribunal recorrido identificou a questão a decidir como sendo a de saber se as liquidações impugnadas são ilegais, por erro nos pressupostos de facto, uma vez que os impugnantes alegaram que nunca receberam quaisquer rendimentos de capitais na quantia global de €108.129,02, razão pela qual inexiste qualquer fundamento para a emissão das liquidações ora impugnadas.
Como supra já referimos, nos termos da Sentença recorrida foi julgada improcedente a impugnação deduzida e, em consequência foi mantido, na ordem jurídica, o acto de liquidação de IRS juros compensatórios referentes ao exercício de 2012.
Estando o recurso limitado à discussão sobre a matéria de direito importa ter em consideração a matéria de facto assente e enumerada de 1) a 13) do ponto “IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO - Factos Provados:” da Sentença em reapreciação, a qual não pode ser discutida no âmbito deste recurso jurisdicional.
São as conclusões da Alegação do Recorrente que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontram nos autos os elementos necessários à sua consideração (cf. artº 635º nº 4 do CPC, ex vi artº 1º do CPTA).
Nas conclusões da sua Alegação defendem os recorrentes, no que releva para o recurso, em síntese e de entre o mais, que:
«…
E) - Sucede, porém, que relativamente ao rendimento de €108.129,02, que a Autoridade Tributária entendeu estar sujeito a rendimento de capitais, em 2012, a sociedade A..., Lda., não efetuou a retenção na fonte do IRS de €27.032,26.
F) – Deste modo, não tendo a A..., Lda., feito, em 2012, a retenção na fonte de IRS sobre a quantia de €108.129,02, qualificada pela Autoridade Tributária como rendimento de capitais, a liquidação que lhe foi efectuada a título de retenção na fonte é ilegal.

H) - Em segundo lugar e no seguimento da demonstração inequívoca de que a A..., Lda. não efetuou a retenção na fonte de IRS, devida pelos rendimentos, presumidos pela Autoridade Tributária, sobre os resultados da partilha da própria A..., Lda., impõe-se colocar a questão de quem é o sujeito passivo relativamente ao facto tributário previsto na alínea i) do nº 2 do artigo 5º do CIRS, na redação em vigor em 2012, ou seja, “o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 75º do Código do IRC seja considerado rendimento de aplicação de capitais ...”

L) - Em terceiro lugar e estando demonstrado que, não tendo sido efetuada a retenção na fonte de IRS por parte da A..., Lda., os sujeitos passivos da liquidação do IRS devido pela distribuição dos resultados da partilha da A..., Lda são os próprios sócios, coloca-se, pois, a questão de saber se o regime previsto nos nº 1, 2 e 3 do artigo 103º do CIRS é incompatível ou impeditivo da conclusão segundo a qual os sujeitos passivos da respetiva liquidação do IRS são os sócios e não a própria sociedade.

Q) - Destas duas conclusões confirma-se, sem margem para dúvidas, que não tendo sido efetuada, nos termos previstos no artigo 103º do CIRS, a retenção na fonte de IRS por parte da A..., Lda os sujeitos passivos da liquidação do IRS devido pela distribuição dos resultados da partilha da A..., Lda., são os próprios sócios e não a sociedade pelo que é ilegal a liquidação da retenção na fonte efetuada à sociedade.»
Defendem os recorrentes que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e que deve a sentença recorrida ser revogada.
Da incompetência do STA, em razão da hierarquia:
Como supra referimos o recurso vem interposto nos termos previstos no art.º 280.º n.º 1 do CPPT.
Estabelece o art.º 280.º n.º 1 do CPPT que:
“1. Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”. Tendo em consideração o preceito acabado de citar, é nosso entendimento que ao presente recurso é aplicável a parte final constante do n.º 1, ou seja, para que possa ser interposto recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, é necessário que a decisão proferida seja uma decisão de mérito e que o recurso se fundamente, exclusivamente, em matéria de direito.
Ora, se bem interpretamos, nas alegações do seu recurso, supra citadas, os recorrentes não discutem apenas matéria de direito, mas, também discutem matéria de facto e, se assim é, e nessa medida, o recurso só pode ser admissível para o Tribunal Central Administrativo Sul e não para a Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo.
Como o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, o recurso versa, exclusivamente, matéria de direito, quando as questões que nele se colocam se resolverem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas. O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas conclusões do respectivo recurso se suscitar questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (cf. entre outros, os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 16/12/2009, processo 0738/09, de 21/04/2010, processo 0189/10 e de 04/03/2020, processo 299/19.9BEMDL).
De notar que, nas conclusões das suas alegações de recurso, supra citadas, defendem os recorrentes que a sociedade devedora originária não efectuou a retenção na fonte (nem distribuiu rendimentos), razão por que os ora recorrentes, revertidos, não poderão ser responsáveis por tal retenção na fonte e pelos juros compensatórios considerados devidos. Resulta do supra referido, que os recorrentes pretendem, além do mais, que este Tribunal considere factos que não foram dados como assentes no probatório, como da sua leitura resulta.
Na verdade, o que resulta do probatório é que a no âmbito da referida inspecção, se verificou que a empresa A... Lda. estava em falta, para com a Administração Fiscal, relativamente a retenções na fonte e taxas liberatórias resultantes dos factos descritos em 3) do probatório, tendo sido propostas e efectuadas correcções, tendo sido emitida, à empresa A... Lda., a demonstração de liquidação de retenções na fonte IRS, da qual resultou um montante a pagar de € 28.098,73 e que a referida empresa não pagou a liquidação.
Assim, a questão controvertida, tal como os Recorrentes a colocam, não se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, implicando, antes, a necessidade de dirimir questões de facto, analisando o teor dos factos apurados no processo de inspecção e da prova produzida no processo de impugnação.
Se bem interpretamos e com o respeito devido, o recurso interposto não respeita o disposto no art.º 280.º n.º 1 CPPT; o STA só é competente para conhecer dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância se apenas estiver em causa matéria de direito, o que não acontece no caso presente uma vez que os recorrentes discutem matéria de facto; apreciando a matéria de facto tal como ela se encontra no probatório, a decisão não pode ser diferente da que foi proferida.
Por esta razão verifica-se a excepção de incompetência do Tribunal, em razão da hierarquia, sendo que “o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria” – cf. art.ºs 13.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Na verdade, ao que se nos afigura, com base nos fundamentos do recurso e de acordo com as conclusões da alegação, os recorrentes pretendem ver discutidas e reapreciadas as questões de facto como atrás referimos e como consta das conclusões citadas.
Se bem interpretamos, a resposta às questões suscitadas pelo recorrente não se retiram da matéria de facto dada como provada na Sentença recorrida, devendo concluir-se que outros factos deveriam ter sido apurados, ou apurados de forma diversa e tidos como assentes. Como se escreveu no Acórdão do STA proferido no processo nº 0738/09 (disponível em www.dgsi.pt) “foram esquecidos” factos tidos por relevantes, quer porque a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se diverge nas ilações de facto que se devem retirar dos mesmos.
Ora, salvo melhor opinião, sindicando os recorrentes, também, matéria de facto, o STA é incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, sendo competente para o efeito o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), para onde deverão ser remetidos os autos, após trânsito do Acórdão que venha a ser produzido.
Caso assim se não entenda e caso se considere a matéria de facto tal como foi considerada assente, não pode retirar-se outra conclusão que não seja a da legalidade do acto impugnado sendo, em consequência, negado provimento a este recurso, mantendo-se a sentença recorrida e a consequente improcedência da impugnação.”

I.4 – Notificadas as partes do teor do parecer do MP sobre a exceção arguida, nada vieram dizer.

I.5 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 120 a 133 do SITAF:
1) No dia 31 de julho de 2012, foi deliberada a dissolução e liquidação da sociedade A..., Lda., NIPC ...25, sita na Rua ..., em ..., freguesia ..., concelho ..., tendo como sócios gerentes BB (detentor de 50% do capital social) e AA (detentor dos restantes 50% do capital social), ora impugnantes – cfr. documento de fls. 45 do suporte físico dos autos;
2) A empresa A... Lda. foi objeto de uma ação de inspeção tributária externa, realizada ao abrigo da ordem de serviço n.º ...83, de 19 de julho de 2013 – cfr. documento de fls. 41 a 46 do processo administrativo (“PA”);
3) No âmbito da referida inspeção, verificou-se que a empresa A... Lda. estava em falta relativamente a retenções na fonte a taxas liberatórias, tendo sido propostas correções aritméticas em sede de IRC e IRS (retenção na fonte) com base nos seguintes factos e fundamentos:
“(…)
Após diligências junto do sujeito passivo e consulta à base de dados informática da Autoridade Tributária e Aduaneira, verificou-se, nomeadamente, o seguinte:
- A sociedade supra mencionada cessou para efeitos de IVA e IRC em 03.09.2012;
- O sujeito passivo apurou uma mais valia contabilística no montante de € 34.175,00 (conta 7871), pela venda de elementos do seu ativo fixo tangível, deduzindo o referido valor ao apuramento do lucro tributável, mas não acrescendo a mais valia fiscal correspondente, de igual montante (pois os bens encontravam-se totalmente depreciados); - o sujeito passivo anulou um contrato de locação financeira (n.º ...68), relativamente a uma viatura que se encontrava totalmente depreciada, considerando a respetiva indemnização e juros pagos à locadora como gastos do período (documentos de suporte 1014 e 1015, do diário 23), mas considerando, incorretamente, a anulação da dívida existente com a locadora, no montante de € 25.741, 54, por contrapartida de créditos de sócios à sociedade (documento de suporte 1023, do diário 23), em vez de considerar o respetivo valor como ganho, a balancear com os gastos contabilizados nessa sequência. - face ao exposto, a sociedade deveria ter entregue, relativamente a esta partilha de resultados, o imposto devido pelas retenções na fonte de IRS, a título definitivo, no montante de € 27.032,26 (25% * € 108.129,02) entregando a guia de retenção na fonte relativa a estes rendimentos de capitais, com referência a setembro de 2012. (…)”
- cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 43 e 44 do PA;
4) Na sequência das correções do relatório de inspeção tributária, no dia 25 de outubro de 2013 a Administração Tributária emitiu à empresa A... Lda. a demonstração de liquidação de retenções na fonte IRS, da qual resultou um montante a pagar de € 28.098,73 – cfr. documento de fls. 58 do PA
5) A referida empresa não pagou a liquidação referida na alínea precedente, tendo sido iniciado contra ela o respetivo processo de execução fiscal – facto não controvertido;
6) AA e BB, ora impugnantes, foram citados do processo de reversão contra si iniciado, na qualidade de responsáveis subsidiários da empresa A... Lda., para pagamento da quantia exequenda de € 32.357,62 – cfr. documentos de fls. 62 a 66 do PA;
7) No dia 31 de março de 2015, os impugnantes apresentaram reclamação graciosa contra a liquidação de retenções de IRS n.º ...25, no valor de € 27.032,26, do ano de 2012 – facto não controvertido e cfr. informação constante do documento de fls. 67 do PA;
8) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Leiria, datado de 1 de junho de 2015 – cfr. documento de fls. 72 e 73 do PA;
9) No dia 19 de junho de 2015, os impugnantes interpuseram recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. documento de fls. 2 a 8 do PA;
10) No dia 23 de junho de 2015, a Divisão de Justiça Tributária – Contencioso da Direção de Finanças de Leiria redigiu “Informação” sustentando o indeferimento do recurso hierárquico – cfr. documento de fls. 9 a 11 do PA;
11) Na análise do recurso hierárquico, no dia 27 de abril de 2016, a Direção de Serviços do IRS emitiu “Informação”, da qual se extrai o seguinte: “(…) 8 – Face ao exposto, a sociedade deveria ter entregue, relativamente a esta partilha de resultados, o imposto devido pelas retenções na fonte de IRS, a título definitivo, no montante de € 27.032,26 (25% x € 108.129,02), entregando a guia de retenção na fonte relativa a estes rendimentos de capitais, com referência a setembro de 2012.
9 – Nestes termos, competindo à AT fazer prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efetuar as correções em causa (cfr. n.º 1 do artigo 74.º da LGT), ou seja, demonstrar que foi distribuído aos sócios, nos termos do artigo 81.º do CIRC, o montante de € 108.129,02, relativos a rendimentos de aplicação de capitais (lucros) sujeitos a tributação, esta demonstra fundamentadamente tais pressupostos (cfr. III do relatório de inspeção que aqui se dá por inteiramente reproduzido e como fazendo parte integrante da presente informação).
10 – Cabia agora aos sujeitos passivos ora recorrentes provar, sem margem para dúvidas que não estavam reunidas as condições legais para operar tal correção, o que não logrou fazer, porquanto, limita-se a alegar que não foram postos à disposição dos sócios da sociedade quaisquer rendimentos de capitais, seja a título de rendimentos de capitais, distribuição de lucros, seja a que título, sem apresentar qualquer prova do alegado, e muito menos, apresentando factos concretos que ponham em causa as correções efetuadas pela inspeção tributária.
11 – Efetivamente, não basta alegar que não foram distribuídos aos sócios rendimentos de aplicação de capitais, é necessário prová-lo (cfr. n.º 1 do artigo 74.º da LGT), com a apresentação de factos concretos em que tais alegações se fundamentam, assim como apresentando factos que possam contestar o que foi apurado na ação inspetiva, concretamente, o descrito no ponto III do relatório de inspeção.
12 – Quanto à responsabilidade pela retenção na fonte, preceitua o artigo 101.º, n.º 1, do CIRS que “As entidades que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada são obrigadas a reter o imposto, mediante a aplicação, aos rendimentos ilíquidos de que sejam devedoras (…)”, e conjugando o n.º 2 deste artigo com a al. c do n.º 1 do artigo 71.º, temos que “Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 25%, os (…) rendimentos a que se refere a al. i) do n.º 2 do artigo 5.º pelo que, na situação em apreço é a A... Lda. responsável por reter o imposto na fonte.
13 – Pelo exposto, não assiste razão aos recorrentes, uma vez que a responsabilidade em caso de substituição tributária cabe ao substituto tributário, e o substituído é apenas subsidiariamente responsável pelo imposto não retido (cfr. n.ºs 1 e 3 do artigo 103.º do CIRS e n.ºs 1 e 3 do artigo 28.º da LGT).
CONCLUSÃO
14 – Nestes termos, e tendo como base os fundamentos que antecedem, deve o presente recurso hierárquico ser indeferido (…)” - cfr. documento de fls. 13 a 17 do PA;
12) Com base na informação referida na alínea precedente, no dia 6 de julho de 2016, a Chefe de Divisão da Direção de Serviços do IRS proferiu despacho de indeferimento do recurso hierárquico, nos seguintes termos: “Concordo pelo que nos termos e com os fundamentos expostos, nego provimento ao recurso” - cfr. documento de fls. 12 do PA;
13) Através do ofício n.º ...48, datado de 25 de julho de 2016, os impugnantes foram notificados da decisão final de indeferimento do recurso hierárquico – cfr. documentos de fls. 20 a 22 do PA.

II.2 – De Direito
I. Vem o presente recurso interposto pelos impugnantes, ora Recorrentes AA e BB, como responsáveis subsidiários da sociedade devedora originária, A..., Lda – por a dívida de IRS e de juros compensatórios no montante global de e € 28.098,73.
Para se decidir pela improcedência da ação considerou o tribunal a quo que os impugnantes ora Recorrentes, apesar de alegarem que não receberam da sociedade devedora originária a A..., Lda, quaisquer rendimentos de capital na quantia global de € 108.129,02, “…não juntaram qualquer documento que demonstrasse tal situação - sendo certo que era sobre eles que recaía o respetivo ónus da prova, nos termos do artigo 74.º da LGT e 342.º do Código Civil.”
Considerou ainda improcedente a alegada ilegalidade da liquidação impugnada quer por falta de fundamentação quer por errónea quantificação.

II. Inconformados com o assim decidido, recorrem para esta Instância Superior os ora impugnantes alegando em síntese que “…não tendo sido cumprida pela A..., Lda a obrigação de retenção na fonte de IRS sobre os resultados partilhados de € 108.129,02 é ilegal a liquidação do referido valor à referida empresa pois não pode ser liquidado um imposto que não existe na esfera da entidade que não o reteve.” Isto significa que “… não tendo sido efetuada, nos termos previstos no artigo 103º do CIRS, a retenção na fonte de IRS por parte da A..., Lda os sujeitos passivos da liquidação do IRS devido pela distribuição dos resultados da partilha da A..., Lda., são os próprios sócios e não a sociedade pelo que é ilegal a liquidação da retenção na fonte efetuada à sociedade.”
Pelo que concluem que a douta decisão padece de errada interpretação e aplicação da alínea i) do nº 2 do artigo 5º e dos nº 1, 2 e 3 do artigo 103º, ambos do CIRS.

III. Remetidos os autos a este Supremo Tribunal, veio o Magistrado do Ministério Público emitir Parecer, a fls. 165 e ss. do SITAF, a sublinhar que os Recorrentes não discutem apenas matéria de direito mas também discutem matéria de facto , o que por sua vez determina a incompetência absoluta deste Tribunal para conhecer do objecto do presente recurso, sendo competente para o efeito, o Tribunal Central Administrativo Sul nos termos artigo 38.º, n.º 1, alínea a) do ETAF, e artigo 2.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro.
Importa, por isso, conhecer a questão prévia suscitada quanto à competência deste Supremo Tribunal em razão da hierarquia.

IV. E a mesma não tem razão de ser.
Com efeito, se é certo que a Fazenda Pública entendeu que os ora Recorrentes não provaram a (alegada) não distribuição dos resultados da partilha, não é menos verdade que os mesmos não contestaram essa leitura, pelo menos nesta instância.
Ao invés, limitaram-se a contestar – isso sim – os fundamentos de exigibilidade pela AT da retenção na fonte que deveria ter sido feita pela A... e não o foi. E alegam – apenas isso – que a exigibilidade dos valores correspondentes à retenção devida deveria ter incidido sobre os sócios que beneficiaram dos rendimentos partilhados.
O único facto em que sustentam a sua decisão é o de que “em 2012, a sociedade A..., Lda, não efetuou a retenção na fonte do IRS de € 27.032,26.” (sic). Este singelo facto já consta da matéria de facto sedimentada e, por isso, não exige uma pronúncia quanto à sua verificação (cfr. n.º 3 do Probatório)
E este singelo facto é quanto basta à pretensão dos Recorrentes, adiante-se desde já.
Quanto ao mais, os Recorrentes não questionaram nenhuns outros factos assentes no Probatório, nem se exigem indagações factuais adicionais para efeitos da prolação do presente Recurso.
Não se verifica, pelo exposto, a alegada exceção de incompetência em razão da hierarquia.

V. A questão a decidir é tão-somente uma e é exclusivamente de Direito: para efeitos de IRS, no caso de partilha de resultados em que seja exigível ao pagador dos rendimentos promover a retenção na fonte do imposto exigível, a quem incumbe a responsabilidade quando tal obrigação não seja cumprida?
Era a seguinte, à data dos factos, a redacção do artigo 103.º do Código do IRS (doravante, CIRS):
Artigo 103 .º
Responsabilidade em caso de substituição
1 - Em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desobrigado de qualquer responsabilidade no seu pagamento, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Quando a retenção for efectuada meramente a título de pagamento por conta de imposto devido a final, cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária, ficando este ainda sujeito aos juros compensatórios devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo da apresentação da declaração pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior.
3 - Nos restantes casos, o substituído é apenas subsidiariamente responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efectivamente o foram.
4 - Tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respectivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido.
5 - Em caso de não cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 101.º e no artigo 120.º, as entidades emitentes de valores mobiliários são solidariamente responsáveis pelo pagamento do imposto em falta.

VI. Ora, da norma supra logo se conclui que o respectivo n.º 1 é inaplicável, uma vez que pressupõe a concretização da substituição: “Em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues”.
A resposta terá de se encontrar, por isso, forçosamente nos números seguintes deste artigo, os quais regulam os casos de importâncias não retidas (como sucede in casu).
E, uma vez que os Recorrentes não contestam a fonte legal da obrigação de retenção – o artigo 71.º, n.º 1, alínea c) do CIRS, na redacção à data dos factos – há que concluir que impendia sobre a A... a obrigação de reter na fonte os rendimentos contemplados na alínea i) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS. E daí decorre que tal retenção na fonte tinha uma natureza especial: deveria ter lugar a título liberatório. Ou seja, tratava-se de uma retenção na fonte a título definitivo e não de uma retenção na fonte com natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.

VII. Assim sendo, o n.º 2 do artigo 103.º do CIRS tão-pouco pode ser aplicável, uma vez que pressupõe que as retenções em causa tenham a natureza de “pagamento por conta de imposto devido a final”. O que, como acabou de se ver, não é o caso.
A norma aplicável é, por isso, aquela que se encontra vertida no n.º 3 o artigo 103.º do CIRS: “Nos restantes casos, o substituído é apenas subsidiariamente responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efectivamente o foram”.
Assim, e contrariamente ao que sustentam os ora Recorrentes, revertidos no processo de execução, a responsabilidade em casos como aquele sobre que versam os autos incumbe ao substituto tributário (A...) e não aos substituídos (sócios).
A sociedade pagadora dos rendimentos, nestes casos muito especiais de retenção na fonte com natureza definitiva, assume responsabilidades muitos graves pelas quantias que deveriam ter sido retidas e não o foram: é a responsável primária pelo pagamento das mesmas. Já os sócios apenas podem ser responsabilizados a título exclusivamente subsidiário – mas não é disso que, ora, aqui se trata.
E, por isso, é inevitável concluir no sentido do indeferimento da pretensão dos Recorrentes.


III. CONCLUSÕES
A sociedade pagadora dos rendimentos, nos casos especiais de retenção na fonte com natureza definitiva, assume a responsabilidade primária pelo pagamento das quantias que deveriam ter sido retidas e não o foram.


IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao presente recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.


Lisboa, 11 de Julho de 2024. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Joaquim Manuel Charneca Condesso.