Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01375/14.0BELRS |
Data do Acordão: | 07/03/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ARAGÃO SEIA |
Sumário: | |
Nº Convencional: | JSTA000P32472 |
Nº do Documento: | SA22024070301375/14 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | BANCO 1..., SA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A Representante da Fazenda Pública, notificada da douta sentença proferida em 27 de outubro de 2020, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, e com ela não se conformando, vem, nos termos do disposto nos artigos 280.º a 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), INTERPOR RECURSO da mesma para o Supremo Tribunal Administrativo, Secção de Contencioso Tributário, juntando para o efeito as respetivas ALEGAÇÕES (n.º 2, do art.º 282.º do CPPT). Concluiu nos seguintes termos: A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pelo aqui Recorrido Banco 1..., S.A., com vista à anulação parcial da liquidação adicional de Imposto do Selo número ...87, no valor de 360.840,79 € e das liquidações dos juros compensatórios associados, no valor de 34.336,48 €, relativas ao ano de 2011, cuja nota de cobrança recebeu o número ...69, tendo sido determinado um saldo a pagar no valor de € 395.177,27, e apenas quanto à correção que se concretiza num valor de 48.888,76 €, acrescido de juros compensatórios, perfazendo o valor total de 53.146,30 €. B) Atenta a matéria de facto dada como provada e a motivação de direito invocada na douta sentença, não pode a Fazenda Pública deixar de manifestar clara discordância com o decidido, por discordar da aplicação do direito vertida na sentença. C) O Recorrido, enquanto instituição de crédito que realiza, no âmbito da sua atividade, intermediação de operações de crédito, de prestação de garantias ou juros, comissões e outras contraprestações devidos por residentes no mesmo território a instituições de crédito ou sociedades financeiras não residentes, é sujeito passivo de imposto, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 2.º do CIS, sendo responsável pela cobrança, receção e entrega nos cofres do Estado sobre todas as operações sujeitas a Imposto do Selo, nos termos dos arts. 23.º, 41.º e 44.º do CIS. D) Enquanto instituição de crédito, o Recorrido aproveita da isenção de Imposto do Selo que incida sobre juros e comissões cobradas, garantias prestadas e, bem assim, sobre a utilização de crédito, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do Código do Imposto do Selo (CIS). E) A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) assentou a correção questionada, fundamentalmente, no n.º 1 do art.º 1.º do Código do Imposto do Selo e na verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo, a qual significa estarem sujeitos àquele imposto as «operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado», designadamente o seu n.º 1 que prevê «juros por, designadamente, desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e por crédito sem liquidação», esgrimindo que a al. l) do n.º 1 do art.º 7.º do Código do Imposto do Selo se aplica apenas aos juros remuneratórios. F) Contudo, na douta sentença recorrida, o Tribunal a quo aderiu à argumentação exposta pelo Recorrido, podendo ler-se na mesma, entre o mais, o seguinte: «(…) verificados os respetivos pressupostos – existência de contrato de empréstimo para aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento e tratar-se o objeto do contrato de habitação própria -, o que a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona, e face à não distinção entre tipologia de juros, não há como não concluir que, desde que observados aqueles dois pressupostos, todos os juros relacionados com aqueles contratos de empréstimo estão isentos de Imposto do Selo. Só assim não seria, isto é, só seriam tributados em sede de Imposto do Selo os juros moratórios (e, nesse caso, também os juros remuneratórios) caso inexistisse a norma de isenção que é a al. l) do n.º 1 do art.º 7.º do Código do Imposto do Selo.» (cfr. pág. 7 da sentença). G) Em concordância com este entendimento, o Tribunal a quo decidiu julgar a impugnação judicial procedente, por provada, e anular parcialmente a liquidação de Imposto do Selo e de juros compensatórios em contenda, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir ao Impugnante o valor por este indevidamente pago e, no pagamento de juros indemnizatórios ao Impugnante sobre o valor indevidamente pago, bem como no pagamento das custas do processo (cfr. págs. 10 e 11 da sentença). H) O legislador não especificou quais os juros a que se estava a referir na alínea l), do n. º1, do artigo 7.º, do CIS. Contudo, e face às normas constantes do artigo 9.º do Código Civil, necessário será, em casos como este, proceder a uma interpretação sistemática, tendo em conta o ordenamento jurídico na sua íntegra. I) Posto isto, e muito embora ao elaborar o normativo em causa o legislador estivesse ciente da existência de juros remuneratórios e de juros moratórios, nos termos do artigo 806.º do Código Civil, certo é que, a este respeito, dever-se-á ter presente, além do facto primordial de tal isenção ser um benefício fiscal, afigurando-se por isso como uma medida de caráter excecional, o facto de o legislador, ao elaborar a lei, ter tido como ponto de partida o pressuposto de todo o comércio jurídico se basear, por princípio, nos ditames da boa-fé objetiva e subjetiva, de acordo com os quais os agentes naquele intervenientes cumprirão pontualmente os contratos celebrados. J) E, nem mesmo atendendo aos elementos histórico e teleológico da norma em análise caberá razão ao Recorrido, uma vez que, constituindo o benefício consagrado na alínea l), do n.º 1, do artigo 7.º, do CIS, na sua base, uma medida de incentivo à aquisição de habitação própria, o mesmo não deixa de apresentar o caráter excecional de que se revestem todos os benefícios fiscais. K) Concomitantemente, não poderá considerar-se o entendimento sufragado a este respeito pela Administração Fiscal contrário ao fim preconizado pela norma, sendo que, e ao distinguir-se o tratamento fiscal a conferir aos mencionados juros (remuneratórios e de mora), não se está a atribuir à norma um caráter penalizador dos clientes que incumprem os contratos de crédito à habitação, prosseguindo o imposto uma função sancionatória (o que, concordamos, não é de todo admissível), mas sim a distinguir, atendendo à diversidade das situações em causa, na tentativa de não se proceder, ao não distinguir, a um desvirtuamento da própria natureza e caráter dos benefícios fiscais. L) O benefício fiscal, por regra, é uma medida de caráter excecional, como decorre do aludido n.º 1 do art.º 2º do EBF. Contudo, entende-se que por vezes as finalidades puramente fiscais podem ceder perante necessidades de outra índole, tais como a «tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (cfr. n.º 1 do art.º 2.º do EBF). M) A conformação prática de tais objetivos não pode deixar de estar rodeada de especiais cautelas no sentido das vantagens concedidas pelo legislador fiscal servirem os referidos interesses públicos extrafiscais e não constituírem instrumentos para retardar, pagar menos ou não pagar os impostos, frustrando os valores fundamentais da tributação, os seus objetivos (cfr. artigo 7.º da Lei Geral Tributária (LGT)), bem como os seus fins, nomeadamente, a promoção da justiça social e a igualdade de oportunidades, nos termos do artigo 5.º da LGT. N) Apesar da obrigação de juros estar numa relação de acessoriedade com a obrigação de capital, a mesma assume plena autonomia perante aquela última, nos termos do artigo 561.º, do Código Civil. Veja-se, a este respeito, o Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de maio de 2009, proferido no âmbito do Proc. n.º 218/09.0OYFLSB, in www.dgsi.pt. O) Logo, fazendo a apropriação do ensinamento à situação em apreço, a obrigação do pagamento de juros já não deriva do contrato de crédito à habitação, mas sim da necessidade da reparação de danos ao Recorrido decorrente da não liquidação do crédito. P) Não fazendo assim sentido os juros de mora decorrentes do incumprimento do contrato à habitação (crédito sem liquidação) usufruírem de um benefício que para eles não está previsto. Q) Trazendo, agora, à colação o aditamento do n.º 2 ao artigo 120.º-A do Decreto n.º 21916, de 28 de Novembro, de 1932 (anterior TGIS), preceito precursor do atual artigo 7.º, n.º 1, alínea l) do CIS, promovido em resultado da publicação do Decreto-Lei n.º 119-B/83, de 28 de fevereiro, o qual se consubstanciou na opção legislativa de isentar os juros dos empréstimos com o escopo de «(…) aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria (…)» enquanto «(…) medida de incentivo à aquisição de habitação própria (…)», verifica-se que a transposição da mencionada norma de isenção para o artigo 7.º, n.º 1, alínea l), do CIS, manteve atual aquele desígnio. R) Contudo, e não obstante tal constatação, não poderá entender-se ter o legislador visado conferir o mencionado benefício às situações de incumprimento contratual, atendendo ao regime jurídico-fiscal dos benefícios fiscais e ao princípio da boa-fé, estruturante de todo o comércio jurídico. S) Ao aceitar-se a pretendida inclusão dos juros de mora advenientes do incumprimento destes contratos, o que sem conceder se admite, estar-se-ia a conferir um benefício “adicional” na tributação àqueloutros sujeitos incumpridores dos referidos contratos, cabendo questionar da justeza de tal opção, atendendo, nomeadamente, ao princípio da igualdade constitucionalmente consagrado. T) Motivo também este, a acrescer aos acima expostos, pelo qual a Recorrente entende que, a despesa fiscal decorrente da isenção em apreço se encontra justificada nas situações relativas a juros remuneratórios, em resultado da execução regular do contrato de crédito à habitação, mas já não, ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, no que concerne a juros moratórios. U) Neste sentido tinham-se já pronunciado os competentes serviços da Administração Tributária, na Ficha Doutrinária exarada no âmbito do Processo n.º 2009003559 – IVE n.º 182, com despacho concordante, de 22/03/2010, da Subdirectora-Geral dos Impostos da Área do Património. V) Os clientes do Recorrido somente podem beneficiar da isenção de Imposto do Selo sobre os juros remuneratórios cobrados nos empréstimos à habitação, porque o elemento justificador da despesa fiscal do Estado contraída é a salvaguarda do interesse público de defesa do direito à habitação, constitucionalmente garantido sob o art.º 65.º da CRP, ficando afastados desta situação os casos de incumprimento do contrato (mútuo para habitação), uma vez que deixa de estar em causa o elemento justificador da despesa fiscal, deixando de haver razão para ser mantido o incentivo fiscal. W) Atente-se que, no regime legal do crédito à habitação instituído pelo Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de novembro, no seu preâmbulo, ficou desde logo afirmada a necessidade de racionalização da despesa do Estado e a necessidade desta ser adequada às necessidades reais do apoio à habitação. X) Por tudo o quanto foi exposto, concluímos pela não isenção, em sede de Imposto do Selo, nos termos da verba 17.3.1, da TGIS, por força do n.º 1, do artigo 1.º, do CIS, dos juros de mora decorrentes do incumprimento de contratos de crédito à habitação, não estando, pois, tais juros abrangidos pela isenção prevista na alínea l), do n.º 1, do artigo 7.º, daquele diploma legal, tendo sido, por isso, corretamente apurado pela AT o montante de € 48.888,76, resultante da aplicação da taxa de 4% sobre os juros de mora decorrentes do incumprimento de contratos de crédito à habitação, nos termos que foram expostos. Y) Não se verificando, nos presentes autos, em nosso entender, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido ao Impugnante qualquer indemnização, nos termos do disposto no art.º 43.º, da LGT. Z) Entendemos, assim, que a Administração Tributária fez uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo a correção sub judice de qualquer ilegalidade, devendo, em consequência, considerar-se, salvo o devido respeito, que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, quando decidiu anular a liquidação quanto a esta correção, pelo que o presente recurso deverá proceder. Requer-se a este Venerando Tribunal que conceda integral provimento ao presente recurso, e, consequentemente, revogue a sentença recorrida, mantendo-se a liquidação adicional de Imposto do Selo e de juros compensatórios do ano de 2011 na ordem jurídica, produzindo integralmente os seus efeitos. Contra-alegou o impugnante, tendo concluído: 1.ª A sentença recorrida julgou integralmente procedente a impugnação judicial deduzida contra parte do ato tributário consubstanciado na liquidação de Imposto do Selo (IS) n.º ...87 e de juros compensatórios n.º ...71 a ...82, datada de 21.01.2014, referente ao ano de 2011, no valor total de € 53.146,30; 2.ª Em causa está uma correção ao IS, efetuada pelos serviços de inspeção tributária à esfera do Recorrido, que tem como fundamento o facto de a isenção, prevista na alínea l), do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS, não abranger os juros moratórios decorrentes do incumprimento pontual do contrato de empréstimo para aquisição, construção e melhoramento de habitação própria, antes e apenas os juros remuneratórios decorrentes daquela operação; 3.ª Decidiu o Tribunal a quo que a interpretação do aludido normativo referente à isenção do IS não conduz ao entendimento segundo o qual o legislador pretendeu excluir os juros moratórios decorrentes do incumprimento do contrato de empréstimo, limitando-se a estabelecer que são isentos os juros relativos a empréstimos para aquisição, construção e melhoramento de habitação própria, sem discriminar o tipo de juros visado; 4.ª Não se conformando, a Representante da Fazenda Pública interpôs recurso assacando à sentença recorrida erro de julgamento de Direito, mantendo o seu entendimento de que, numa interpretação, histórica, teleológica e sistemática ao artigo 7.º, n.º 1, alínea l) do Código do IS, apenas se encontram abrangidos pela isenção os juros remuneratórios decorrentes da realização de empréstimo para aquisição, construção e melhoramento de habitação própria; 5.ª Propugna a Representante da Fazenda Pública que a obrigação de pagamento de juros de mora não deriva do contrato de crédito à habitação, mas sim da necessidade da reparação de danos ao Recorrido decorrente da não liquidação do crédito, pelo que não devem usufruir de um benefício fiscal que para estes não está previsto; 6.ª Para a Representante da Fazenda Pública, tendo em conta o regime jurídico-fiscal dos benefícios fiscais e ao princípio da boa-fé, estruturante de todo o comércio jurídico, não se poderá acolher o entendimento segundo o qual o legislador visou conferir o aludido benefício às situações de incumprimento contratual; 7.ª Na ótica da Representante da Fazenda Pública, a isenção de IS apenas se encontra prevista para os juros remuneratórios cobrados nos empréstimos à habitação, porquanto o elemento justificador da despesa fiscal do Estado contraída é a salvaguarda do interesse público de defesa do direito à habitação, constitucionalmente garantido sob o artigo 65.º da CRP, o que não acontece com as situações relativas ao incumprimento do contrato de empréstimo à habitação, “uma vez que deixa de estar em causa o elemento justificador da despesa fiscal, deixando de haver razão para ser mantido o incentivo fiscal” (cf. ponto V das alegações de recurso); 8.ª Não se verifica, nos presentes autos, que a administração tributária tenha incorrido em erro a si imputável, pelo que não deve ser reconhecido ao ora Recorrido qualquer indemnização, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT; 9.ª É entendimento do ora Recorrido que o juízo formulado pelo Tribunal a quo não merece censura; 10.ª Ao decidir pela inclusão, no âmbito da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea l), do Código do IS, dos juros de mora resultantes de situações de incumprimento do contrato de empréstimos para aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria, o Tribunal a quo fez uma interpretação consentânea com a intenção e motivação do legislador no âmbito da tributação das operações de mútuo sobre as habitações próprias; 11.ª O normativo em questão não exceciona os juros moratórios, limitando-se a estabelecer que são isentos os juros relativos a empréstimos para aquisição/construção/melhoramento de habitação própria; 12.ª O facto de em ambas as normas do artigo 7.º, n.º 1, alínea l) do Código do IS e da verba 17 da TGIS se fazer referência a “juros por empréstimos”, sem qualquer discriminação do tipo de juros, é suficiente para concluir que a isenção se aplica aos mesmos tipos de juros que são abrangidos pela norma de incidência, desde que os empréstimos sejam “para aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria” (neste sentido, vão as decisões arbitrais proferidas no processo n.º 292/2016-T, de 03.11.2016, processos nº 756/2016-T, de 07.12.2017, n.º 496/2017-T, de 26.07.2018, e 431/2018-T, de 24.01.2019); 13.ª Sendo a norma de isenção idêntica à norma de sujeição, não existe o mínimo suporte na letra da lei para o entendimento dos serviços da administração tributária de que o legislador teria pretendido sujeitar a IS os juros de mora e, ao isentar os créditos à habitação, teria pretendido excecionar aqueles juros da isenção – algo, desde logo, reconhecido pela Representante da Fazenda Pública nas suas alegações; 14.ª Acresce que, não se pode acolher o apontado erro de julgamento da sentença recorrida, por alegadamente o Tribunal a quo não ter tido em conta as circunstâncias em que o artigo 7.º, n.º 1, alínea l) do Código do IS foi elaborado, bem como ao fim visado pelo legislador ao editar a norma (a sua ratio legis), isto é, aos elementos histórico, teleológico e sistemático; 15.ª A isenção prevista na alínea l), do n.º 1, do artigo 7.º do Código do IS é assegurada pelo ordenamento jurídico português desde há várias décadas, conforme é, aliás, referido pela Representante da Fazenda Pública nas suas alegações de recurso, e não foi objeto de qualquer alteração, mantendo-se inalterada desde a entrada em vigor do Código do IS em 01.01.2000; 16.ª Não se alcança, pois, qualquer suporte para o entendimento que a Recorrente vem inovatoriamente preconizar, sendo certo que inexistem quaisquer materiais, contemporâneos da ocasio legis, que autorizem a legitimidade da sua posição (neste sentido, vai a decisão decisão arbitral proferida no processo n.º 496/2017-T, de 26.07.2018); 17.ª A interpretação padronizada pela Representante da Fazenda Pública é inclusivamente contrária ao fim preconizado pela norma, tendo em conta que a norma visa incentivar, ou pelo menos desonerar, o crédito à habitação, não se enquadra com tal ratio a carga tributária sobre os juros de mora; 18.ª A interpretação da norma preconizada pelos serviços da administração tributária, sem qualquer amparo na letra, história ou ratio do preceito, torná-la-ia, ao distinguir-se os juros de mora, uma norma penalizadora dos clientes que incumprissem os respetivos contratos de crédito à habitação, conduzindo à sua descaracterização enquanto norma de incidência de um imposto; 19.ª Também quanto à interpretação sistemática do normativo, não assiste razão à Representante da Fazenda Pública, tendo em conta que o ordenamento jurídico português denota não só uma clara preocupação com o apoio e incentivo no acesso à habitação própria, concretizada em diversas medidas de caráter fiscal, tal como acima exposto, como também com a proteção e salvaguarda das famílias devedoras de crédito à habitação, em particular em caso de incumprimento, conforme resulta nomeadamente do Decreto-Lei n.º 103/2009, de 12 de maio, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, da Lei n.º 57/2012, de 9 de novembro, da Lei n.º 58/2012, de 9 de novembro, e da Lei n.º 59/2012, de 9 de novembro, alterou o Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de novembro); 20.ª É totalmente desconforme com a coerência do sistema jurídico o entendimento da administração tributária de que o legislador não pretendeu abarcar na isenção estabelecida na alínea l), do n.º 1, do artigo 7.º do Código do IS os juros de mora que possam decorrer do crédito à habitação, o que oneraria ainda mais os contribuintes já em incumprimento; 21.ª Acresce que, não se pode igualmente acolher o argumento invocado pela Representante da Fazenda Pública a respeito da "excecionalidade" das isenções fiscais, tendo em conta que, não é aceitável, face aos referidos elementos interpretativos acima debatidos, pretender que, quando a norma delimita, com os mesmos termos, a incidência do imposto, as naturezas e finalidades dos juros são indiferentes, mas quando a norma é de isenção, essas diferentes finalidades já deverão ser tidas em conta; 22.ª Conforme propugna a jurisprudência arbitral não há justificação razoável para dar tratamento fiscal mais favorável aos juros remuneratórios do que aos juros de mora, já que, em qualquer dos casos, se está perante quantias que o devedor tem de entregar ao credor como contrapartida do empréstimo e o devedor de juros de mora estará, presumível e tendencialmente, em situação especialmente menos favorável a nível da capacidade contributiva do que o devedor que apenas tem de pagar juros remuneratórios (neste sentido, decisões arbitrais proferidas no processo n.º 292/2016-T, de 03.11.2016 e no processo 756/2016-T, de 7.12.2017); 23.ª Não refletindo a norma em apreço a intenção do legislador, não pode a administração tributária, sob pena de violar a lei, negar a aplicação da norma de isenção nos casos em que haja uma execução irregular do contrato de crédito à habitação, já que é precisamente nessas situações que o próprio Estado pretende assegurar uma especial proteção aos mutuários; 24.ª Interpretando-se a alínea l), do n.º 1, do artigo 7.º do Código do IS, tendo também presente o sistema jurídico em que esta se insere, só poderá concluir-se que a mesma não contém qualquer exceção implícita quanto os juros moratórios associados a empréstimos para aquisição/construção/melhoramento de habitação própria; 25.ª Devem, por tal, improceder as alegações de recurso interposto pela Representante da Fazenda Pública, na medida em que são contrárias à norma legal em apreço; 26.ª É, também, devido o pagamento dos juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da LGT e 61.º do CPPT, porquanto no caso em apreço, em face dos factos apresentados, os serviços de inspeção tributária ficcionaram uma interpretação de uma determinada norma tributária, a qual não tem qualquer arrimo na lei nem se afigura consentânea com a ratio legis aplicada no aludido normativo legal, incorrendo em erro; 27.ª Por último, ainda que se conclua pela procedência do recurso apresentado – o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder – desde já se requer, atento o disposto no n.º 1 do artigo 636.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, a ampliação do objeto do recurso tendo em vista a apreciação pelo Tribunal ad quem quanto à falta de responsabilidade pelo imposto alegadamente em falta; 28.ª Como apontado nos termos da impugnação judicial, o Recorrido é o sujeito passivo do imposto, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IS, mas já o encargo daquele imposto recairá sobre os clientes do Recorrido, enquanto titulares do interesse económico da operação subjacente, nos termos dos artigos 1.º e 3.º, n.ºs 1 e 3, alínea g), do Código do IS; 29.ª Por isso, no caso em apreço estaremos perante uma situação de substituição tributária sem retenção, à qual não se aplica o regime constante do artigo 28.º da LGT; 30.ª Caso seja entendimento que, no caso em apreço, existe sujeição a IS das operações em causa, o pagamento do imposto teria, em qualquer caso, de ser exigido aos clientes, e não ao Recorrido; 31.ª Afigura-se, pois, ilegal o ato tributário impugnado, na medida em daquele resulta a oneração do Recorrido com o encargo do imposto, em violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea g), do Código do IS; 32.ª Entendimento contrário ao sufragado supra é claramente atentatório do princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade (cf. artigo 13.º da CRP); 33.ª No caso sub judice, impor-se ao Recorrido que suporte o encargo do IS, quando a manifestação que o IS pretende tributar se verifica na esfera de outrem, é claramente atentatório do princípio sob análise, na medida em que, por meras razões de facilidade administrativa na cobrança, estar-se-á a onerar, com o encargo do imposto, outrem que não o detentor da capacidade tributária; 34.ª Sempre será, assim, ilegal a correção efetuada pelos serviços de inspeção tributária, impondo-se a anulação dos atos tributários sub judice; 35.ª Por último, ainda que se conclua pela procedência do recurso apresentado – o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder – desde já se requer, atento o disposto no n.º 1 do artigo 636.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, a ampliação do objeto do recurso tendo em vista a apreciação pelo Tribunal ad quem quanto à não sujeição a IS dos juros de mora; 36.ª Na impugnação judicial apresentada o ora Recorrido aduziu, para além do fundamento em que obteve vencimento, o fundamento baseado no facto de existirem razões para entender que o legislador não visou sujeitar os juros de mora a IS, considerando a interpretação correta a efetuar à verba 17.3.1. da TGIS; 37.ª Considerando o disposto na verba 17.3.1. da TGIS, referente à sujeição de operações financeiras e, concretamente dos juros de tais operações, quando haja intervenção de uma instituição de crédito, permite perceber que os juros moratórios nem sequer são sujeitos a IS; 38.ª Compulsada a verba 17 - “operações financeiras” e também da norma residual 17.3.4 – “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, conclui-se que não há razão para considerar que também caem no âmbito de aplicação de tal verba os juros de mora, sobretudo se se perscrutar o fundamento/causa da tributação, que será forçosamente uma causa assente no princípio da capacidade contributiva; 39.ª Face à natureza dos juros de mora aqui em presença, conclui-se que não são reveladores de qualquer manifestação de capacidade contributiva, já que os mesmos possuem uma função meramente indemnizatória do credor, visando colocá-lo no estado em que se encontrava antes da lesão gerada pelo incumprimento, compensando-o pelo decréscimo patrimonial causado pelo devedor, conforme decorre do artigo 806.º do CC; 40.ª Assim, os juros de mora não revelam qualquer riqueza adicional nem do lado do mutuante nem do lado do mutuário, sendo meramente compensadores, insista-se, do decréscimo patrimonial do lesado que resultou do incumprimento contratual que esteve na sua origem; 41.ª Neste sentido, a falta de fundamento da tributação dos juros de mora sempre deveria impedir o intérprete de considerar tais juros incluídos na norma de incidência em apreço, qual seja a verba 17.3 da TGIS, conjugada com o artigo 1.º, n.º 1, do Código do IS; 42.ª Acresce que, tal como inexiste fundamento para tributar em sede de IVA os juros de mora decorrentes do incumprimento de contratos de prestações de serviços sujeitos a IVA (cf. artigo 16.º, n.º 6, alínea a), do Código do IVA), também em sede de IS, no plano das prestações de serviços financeiras isentas de IVA, não se descortina qualquer justificação económica para a sua tributação, uma vez que não está em causa uma contraprestação mas sim uma indemnização; e 43.ª Neste contexto, sempre será ilegal a correcção efectuada pelos serviços de inspecção tributária, impondo-se a anulação dos actos tributários sub judice. Por todo o exposto deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida. O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido da falta de competência hierárquica deste Supremo Tribunal face ao pedido de ampliação do âmbito do recurso. Respondeu o recorrido a tal pronúncia, alegando, em síntese, que não suscitou a reapreciação ou alteração da matéria de facto, razão pela qual e salvo o devido respeito, considera não verificada a exceção de incompetência do Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia. Cumpre decidir. Na sentença recorrida levou-se ao probatório a seguinte matéria de facto: A. O Impugnante, Banco 1..., S.A., foi objeto de uma ação inspetiva externa de âmbito geral, realizada pela Divisão de Inspeção a Bancos e Outras Instituições Financeiras da Unidade dos Grandes Contribuintes, relativamente ao exercício de 2011 (cfr. doc. n.º 1 junto com a p.i.); B. No âmbito da referida ação inspetiva foram realizadas correções em sede de Imposto do Selo, no montante total de € 360.840,79, que deram origem ao ato tributário objeto da presente ação, com valor total a pagar, dado acrescerem àquele valor os juros compensatórios, de € 395.177,27 (cfr. doc. n.º 2 junto com a p.i.); C. No ato impugnado se integrando a correção (e respetivos juros compensatórios) referente ao Imposto do Selo liquidado sobre os juros de mora cobrados pelo Impugnante em face do incumprimento de contratos de crédito à habitação (cfr. teor da p.i. e docs. n.ºs 1 e 2 juntos com a mesma); D. Os serviços de inspeção tributária apuraram, quanto a tal realidade, Imposto do Selo a pagar, no montante de € 48.888,76, o qual resultou, conforme se retira do relatório de inspeção tributária, “(…) da aplicação da taxa de 4% sobre os juros de mora decorrentes do incumprimento de empréstimos de habitação, no valor total de € 1.222.218,99, apurado nos termos previstos na verba 17.3.1 da TGIS, conjugada com o n.º 1 do art.º 1.º, alínea c) do n.º 1 do art.º 2.º, n.º 1 e alínea f) do n.º 3 do art.º 3.º, alínea h) do n.º 1 do art.º 5.º, n.º 1 do art.º 9.º, n.º 1 do art.º 22.º e n.º 1 do art.º 23.º, todos do CIS (…)” (cfr. o relatório de inspeção tributária, designadamente a sua pág. 125 e respetivos anexos demonstrativos – anexos 35 e 36); E. Em 19.03.2014, o Impugnante procedeu ao pagamento do imposto e juros compensatórios relativos ao ato tributário que aqui vem impugnado, aí se englobando a correção sindicada (cf. doc. n.º 3 junto com a p.i. e o teor da própria p.i.). Nada mais se levou ao probatório. Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido e, em primeiro lugar, conhecer-se-á da excepção suscitada pelo Ministério Público, cabendo dizer apenas que não se vislumbra de modo evidente que ocorra a falta de competência para conhecer das questões que vêm suscitadas pelas partes nas alegações e contra-alegações uma vez que, na verdade, não se descortinou qualquer facto que não conste já do probatório da sentença recorrida. Poderia antes configurar-se a existência no âmbito da ampliação do pedido de uma questão de direito que não foi conhecida na sentença recorrida, mas isso não implica que ocorra a falta de competência deste Supremo Tribunal para conhecer do recurso que nos vem dirigido, pelo que, julga-se não verificada a excepção suscitada. Quanto à questão de fundo. Pretendem as partes que este Supremo Tribunal resolva a questão de saber se a isenção prevista na alínea l), do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo abrange os juros moratórios decorrentes do incumprimento pontual do contrato de empréstimo para aquisição, construção e melhoramento de habitação própria ou apenas os juros remuneratórios decorrentes daquela operação. Esta questão já foi anteriormente resolvida por este Supremo Tribunal, entre outros, no processo n.º 01670/15.0BELRS em que foi proferido acórdão no dia 18-05-2022, onde estava em causa liquidação semelhante à destes autos, mas por referência ao ano exercício de 2012. Assim, escreveu-se naquele acórdão: Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa, desde logo, de indagar se a isenção prevista na alínea l), do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo abrange os juros moratórios decorrentes do incumprimento pontual do contrato de empréstimo para aquisição, construção e melhoramento de habitação própria ou apenas os juros remuneratórios decorrentes daquela operação. Na verdade, no recurso interposto pela AT, a mesma refere que, quanto aos juros de mora decorrentes do incumprimento de contratos de crédito de habitação, só podem beneficiar da isenção de imposto do selo os juros cobrados nos empréstimos à habitação porque o elemento justificador da despesa fiscal do Estado é contraída com a salvaguarda do interesse público de defesa do direito à habitação garantido sob o art. 65º da CRP, o que significa que, afastado o elemento justificador da despesa fiscal do Estado, ou seja, verificando-se um incumprimento contratual do mútuo para habitação própria e permanente, deixa de haver razão para ser mantido o incentivo fiscal, caso contrário estaríamos perante uma situação de uso e abuso do incentivo fiscal, pois que, o incumprimento contratual, gerador de juros de mora, afasta-se largamente do intuito do incentivo fiscal concedido aos titulares do empréstimo à habitação própria e permanente, de modo que, os juros de mora pelo incumprimento no pagamento do crédito à habitação não se encontram abrangidos pela isenção do art. 7º n.º 1 al. l) do CIS, porque jamais quanto aos mesmos o legislador podia, logicamente, estabelecer que os mesmos constituem uma “medida de incentivo à aquisição de habitação própria”, como resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 119-B/83, que alterou o art. 120º-A da Tabela Geral do Imposto do Selo, que no seu n.º 2 passou a prever a isenção em causa, estatuindo “Ficam isentos do imposto os juros dos empréstimos concedidos para aquisição de habitação própria.”. Que dizer? O art. 7º nº 1 al. l) do Código do Imposto do Selo estabelece que são também isentos de imposto «os juros cobrados por empréstimos para aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria», prevendo a verba 17.3.1 da TGIS a aplicação da taxa de 4% a «juros por, designadamente, desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e por crédito sem liquidação». Nesta matéria, é sabido que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (art. 9º do C. Civil e art.11º da LGT). A partir daqui, ganha acuidade o exposto na decisão recorrida quando aponta que o facto de em ambas as normas referidas do CIS e da TGIS se fazer referência a «juros ... por empréstimos», sem qualquer especificação de algum tipo de juros, conduz à conclusão de que a isenção se reporta aos mesmos tipos de juros que são abrangidos pela norma de incidência, desde que os empréstimos sejam «para aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria», na medida em que à luz daquela presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, se em duas normas conexas o legislador utiliza a mesma expressão, que é a que considera mais adequada para exprimir o seu pensamento, é de concluir que o faz com a intenção de exprimir a mesma realidade, o que impõe a conclusão de que, se os juros de mora por empréstimos são abrangidos no âmbito de incidência objectiva definido pela verba 17.3.1 da TGIS, estarão abrangidos pela isenção quando esses empréstimos se destinem a aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria. Com efeito, não havendo no art. 7º nº 1 al. l) da TGIS suporte textual para restrição do seu campo de aplicação apenas a alguns tipos de juros abrangidos pela norma de incidência e não havendo qualquer manifestação de intenção legislativa por outra via (como preâmbulo de diploma ou exposição de motivos ou discussão parlamentar) que permita concluir que se pretendeu consagrar solução diferente da que resulta do teor literal, tem de se concluir que há que aplicar a norma da alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º com o sentido que resulta dos seus termos, solução que também se enquadra no propósito legislativo de facilitar o acesso a habitação própria, pois a aplicação do imposto apenas aos juros de mora dos empréstimos com este fim, iria sobrecarregar os contribuintes que presumivelmente estão com maiores dificuldades em efectuar os pagamentos contratados, facto que revela menor capacidade contributiva. Depois, pese embora o argumento relacionado com a natureza de benefício fiscal da isenção dever implicar o seu carácter excepcional, não se pode sancionar, face aos apontados cânones interpretativos, pretender que quando a norma delimita, com os mesmos termos, a incidência do imposto, as funções dos juros são indiferentes; mas que, quando a norma é de isenção, essas diferentes funções fazem toda a diferença. Por outro lado, o facto referido pela Recorrente no sentido de que os juros de mora emergem de uma situação de incumprimento, em temos contratuais, não tem qualquer relevância para este efeito, na medida em que o incumprimento dos empréstimos “para aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria”, dando origem a situações que implicam custos acrescidos para o devedor, e muitas vezes a situações complexas, até porque está em causa matéria relacionada com a habitação própria, sempre seria indiferente a esse putativo “estímulo” - se como estímulo ao incumprimento se pudesse considerar a não sobrecarga adicional de uma situação indesejável, e muito penalizadora para quem, certamente contra vontade, nela incorre. Por outro lado, é sabido que a lei tributária, em matéria de incidência objectiva, atende mais à realidade económica do que às qualificações jurídicas, princípio que tem um afloramento explícito no n.º 3 do artigo 11.º da LGT, que é corolário dos princípios constitucionais da igualdade e da tributação com base na capacidade contributiva. Desta perspectiva, não há justificação razoável para dar tratamento fiscal mais favorável aos juros remuneratórios do que aos juros de mora, já que, em qualquer dos casos, se está perante quantias que o devedor tem de entregar ao credor como contrapartida do empréstimo e o devedor de juros de mora estará, presumível e tendencialmente, em situação especialmente menos favorável a nível da capacidade contributiva do que o devedor que apenas tem de pagar juros remuneratórios, ou seja, não em causa beneficiar legislativamente uma situação originada pela verificação de um incumprimento ilícito, mas sim de lhe dar o mesmo tratamento que é dado às outras situações de pagamento de juros por empréstimo. Por outro lado, esta igualdade de tratamento fiscal justifica-se por valer em relação a qualquer tipo de juros devidos por empréstimos para habitação própria a razão primacial que justifica a isenção, que é o cumprimento pelo Estado da obrigação de estimular o acesso à habitação própria, que constitui uma das incumbências constitucionalmente impostas ao Estado em matéria de habitação [artigo 65.º, n.º 2, alínea b), da CRP], o que leva concluir no sentido de que não há lugar a tributação em imposto do selo de juros de mora por empréstimos destinado a aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria, o que implica a improcedência do recurso interposto pela AT. Não havendo agora razão para decidir de forma diferente, também o presente recurso não obterá provimento. Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso que nos vinha dirigido, perdendo, assim, utilidade o conhecimento da ampliação do âmbito do recurso. Custas pela recorrente. D.n. Lisboa, 3 de Julho de 2024. - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Anabela Ferreira Alves e Russo. |