Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0745/10.7BECBR
Data do Acordão:07/11/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPTT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis).
II -Não se justifica a admissão da revista se a interpretação adoptada pelo Tribunal Central Administrativo quanto ao erro de julgamento de direito é plenamente conforme com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo sobre as questões.
Nº Convencional:JSTA000P32533
Nº do Documento:SA2202407110745/10
Recorrente:A..., LDA.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 745/10.7BECBR

1. RELATÓRIO

1.1 A acima identificada Recorrente, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 7 de Março de 2024 – que, negando provimento ao recurso por ela interposto, manteve a sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) respeitante ao período 0703T –, dele recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«1. No presente caso verifica-se a existência de 2 erros na declaração do sujeito passivo, a saber: i) Quanto ao valor das existências; ii) Não verificação do requisito do esgotamento do activo da empresa;

2. E, 31/03/2007 (data da declaração da cessação da actividade) o ora recorrente, erradamente, declarou que as existências – tecidos – tinham o valor de € 265.005,85.

3. Acontece que, a própria AT não aceitou as existências para garantia do pagamento do IVA no valor de € 55.651,22, o que desde logo demonstra que tais existências nunca poderiam ter o valor referido no número anterior.

4. É a própria AT que entende que as mercadorias não têm o valor de € 55.651,22, mas pretende cobrar IVA como se as mesmas tivessem o valor de € 265.005,85!

5. Tendo em consideração que só em 07/07/2010 é que foi iniciado o processo relativo à cobrança do imposto em falta, então, dúvidas não restam de que o direito à liquidação do imposto (IVA) por parte da Administração Tributária se encontra caducado nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 45.º da LGT.

6. Ao mesmo resultado se chega se se tiver em consideração que, ao contrário do que consta na declaração de cessação de actividade apresentada pelo SP, o activo da empresa não foi esgotado, ou seja, não ocorreu qualquer venda dos bens que o constituem ou sequer ocorreu a afectação a uso próprio do titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma, bem como não ocorreu a sua transmissão gratuita.

7. Uma vez mais, a própria AT reconhece tal facto porquanto tais existências foram avaliadas para efeitos de garantia em pagamento do IVA e as mesmas ainda se encontravam, e encontram, armazenadas na sede da recorrente.

8. Dúvidas não restam de que tendo sido iniciado em 07/07/2010 que o processo relativo à cobrança do imposto em falta, o direito à liquidação do imposto (IVA) por parte da Administração Tributária se encontra caducado nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 45.º da LGT.

9. Por fim, a decisão de 1.ª instância e, consequentemente a de 2.ª instância, é nula nos termos do disposto na norma vertida no artigo 125.º do CPPT e no artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC.

10. O que está em causa é a nulidade por falta de não especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão e não, como refere a decisão do TCA Norte, a falta de pronúncia sobre questões que se devesse pronunciar (alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC).

11. A decisão de primeira instância deu como provado – em F) – que o sujeito passivo, ora recorrente, procedeu em 2007.03.31 à cessação de actividade para efeitos de IVA, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 34.º do CIVA, mantendo no final do exercício fiscal de 2007, existências de mercadorias do montante de € 265.005,85.

12. Contudo, a verdade é que na sentença nada consta sobre o momento em que as tais existências de mercadorias, no alegado montante de € 265.005,85, se esgotaram na própria empresa.

13. Ora, dispõe o referido artigo 34.º, n.º 1, al. b) do CIVA que, para efeitos de declaração, considera-se verificada a cessação da actividade exercida pelo sujeito passivo no momento em que se esgote o activo da empresa, pela venda dos bens que o constituem ou pela sua afectação a uso próprio do titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma, bem como pela sua transmissão gratuita.

14. Pelo exposto, dos fundamentos da matéria de facto deveria constar o momento em que se esgotou o activo da empresa.

15. Da sentença nada é dito sobre se tais existências de mercadorias foram vendidas, foram afectas a uso próprio de algum titular ou a fins alheios à mesma ou se foram objecto de transmissão gratuita.

16. Em suma, deveria a decisão pronunciar-se sobre o momento da desafectação das mercadorias da empresa, bem como sobre o modo pelo qual tal desafectação ocorreu, se pela venda dos bens ou pela sua afectação a uso próprio do titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma, bem como pela sua transmissão gratuita!

17. Assim, é nula de decisão do tribunal a quo, porquanto não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão, tudo nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.

18. Por todo o exposto, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em sua consequência, ser revogado o acórdão recorrido por se verificarem os vícios que lhe são imputados, proferindo-se acórdão que julgue procedente a acção administrativa de impugnação da liquidação e, consequentemente, seja decretada a caducidade do direito à liquidação do impostos por parte da Administração Tributária ou, caso assim não se entenda, seja decretada a nulidade da decisão de 1.ª instância, bem como a de 2.ª instância que confirmou aquela, por falta de fundamentação de facto que justifique a decisão,

assim se fazendo Justiça!».

1.2 A Fazenda Pública não contra-alegou o recurso.

1.3 Tendo verificado a tempestividade do recurso e a legitimidade da Recorrente, o Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo Norte ordenou a sua remessa ao Supremo Tribunal Administrativo.

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no seguinte de que «não compete ao Ministério Público, nesta fase, pronunciar-se quanto à admissibilidade ou não do Recurso de Revista, mas apenas quanto ao seu mérito e só no caso de este ser admitido».

1.5 Cumpre apreciar, preliminar e sumariamente, e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.1.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental, ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cf. art. 285.º, n.º 1, do CPPT).
Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.ºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar naqueles precisos termos.

2.1.2 Como a jurisprudência tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicáveis).

2.1.3 Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» ( Cf., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1853/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.).

2.1.4 Cumpre ter presente que, como decorre do n.º 4 do art. 285.º do CPPT, «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».

2.1.5 Cumpre também ter presente que a jurisprudência tem vindo a afirmar, uniforme e repetidamente, que, atento que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no art. 285.º do CPPT (e no art. 150.º do CPTA), não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo tais nulidades ser arguidas perante o tribunal recorrido mediante reclamação, nos termos do art. 615.º, n.º 4, do CPC ( Vide, a título de exemplo, os seguintes acórdãos da formação do n.º 6 do art. 285.º do CPPT:
- de 3 de Junho de 2020, proferido no processo com o n.º 343/14.6BEPRT-B, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/eb157c30c16c267d802585810030f0f8;
- de 1 de Julho de 2020, proferido no processo com o n.º 1460/10.7BELRA, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/de1cbacc46f1fa58802585a0004d2a45;
- de 16 de Fevereiro de 2022, proferido no processo com o n.º 39/11.0BEALM, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/9ec1ef94cc133cc1802587ec00449c1a.).

2.1.6 Referidos que ficaram os pressupostos da admissibilidade da revista excepcional e o seu âmbito abstracto, passemos a verificar, preliminar e sumariamente, se o recurso pode ser admitido (cfr. art. 285.º, n.ºs 1 e 6, do CPPT), quanto às questões que a Recorrente pretende submeter à apreciação deste Supremo Tribunal.

2.2 O CASO SUB JUDICE

2.2.1 Estamos no âmbito de impugnação judicial de uma liquidação adicional de IVA. Essa impugnação judicial foi julgada improcedente pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e esse julgamento foi confirmado pelo Tribunal Central Administrativo Norte mediante acórdão que é o objecto do presente recurso.
Lida a motivação do recurso, verificamos que a Recorrente sustenta, em síntese, o seguinte: por um lado, que o acórdão recorrido padece de erro julgamento por não ter considerado verificada a caducidade do direito à liquidação, uma vez que, a seu ver, o prazo aplicável é, não o do n.º 1 do art. 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), como entenderam as instâncias, mas o do n.º 2 do mesmo artigo; por outro lado, que quer o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra quer o Tribunal Central Administrativo Norte não se pronunciaram sobre a invocada inexistência do facto tributário, incorrendo assim em nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, que subsumiu à previsão do art. 125.º do CPPT e do art. 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (CPC).
São as questões correspondentes – da caducidade do Supremo Tribunal à liquidação e da nulidade do acórdão – que a Recorrente ora pretende ver reapreciadas por este Supremo Tribunal em sede de revista excepcional, sustentando, a fim de integrar os requisitos de admissibilidade deste recurso, a «importância inegável das questões jurídicas aqui trazidas, atendendo ao elevado número de casos em que se discute a caducidade do direito de liquidação do imposto em caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, bem como ao elevado número de casos em que se discute a nulidade das sentenças por falta de fundamentos de facto que justifiquem a decisão».

2.2.2 Quanto à invocada nulidade do acórdão, há que recordar que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no art. 285.º do CPPT, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo tais nulidades ser arguidas perante o tribunal recorrido mediante reclamação, nos termos do art. 615.º, n.º 4, do CPC.
Sem prejuízo, sempre diremos que, a nosso ver, embora sob a capa da nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, o que a Recorrente verdadeiramente questiona não é a falta de fundamentação do acórdão recorrido – nulidade que, como a doutrina e a jurisprudência têm vindo a afirmar, só se verifica perante a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito ( Cf. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa 1997, pág. 348).
Vide, entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 13 de Julho de 2021, proferido no processo com o n.º 1709/05.8BEPRT, disponível em
https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/f06a7c1c047c1db2802587130072434f;
- de 26 de Maio de 2022, proferido no processo com o n.º 58/10.4BEPRT, disponível em
https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/849cd419385e91ce80258852004b7871.) –, mas o julgamento da matéria de facto efectuado pelas instâncias. A alegação aduzida pela Recorrente em ordem à substanciação da arguida nulidade refere-se, não à validade formal do acórdão, mas ao erro de julgamento da matéria de facto, na medida em que considera que «deveria a decisão pronunciar-se sobre o momento da desafectação das mercadorias da empresa, bem como sobre o modo pelo qual tal desafectação ocorreu, se pela venda dos bens ou pela sua afectação a uso próprio do titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma, bem como pela sua transmissão gratuita». Na verdade, essa alegada omissão não tem como consequência que seja «nula a decisão do tribunal a quo, porquanto não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão, tudo nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC», como sustenta a Recorrente; a verificar-se que as instâncias não apuraram toda a factualidade pertinente à correcta decisão da causa, o vício em que incorreram é o erro de julgamento da matéria de facto. Ora, como deixámos já dito, este Supremo Tribunal não pode sindicar esse julgamento, atento o disposto no n.º 4 do art. 285.º do CPPT.

2.2.3 No que respeita à questão da caducidade do direito à liquidação, as instâncias decidiram que não estão verificados os requisitos para a aplicação do prazo do n.º 2 do art. 45.º da LGT («No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos»), uma vez que nada permite concluir que a declaração evidenciava qualquer erro, a justificar o encurtamento do prazo normal, previsto no n.º 1 daquele artigo.
É doutrina e jurisprudência pacífica que «erro evidenciado na declaração» é aquele que é detectável em face da simples análise da declaração, é «o erro que a AT possa detectar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspecção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza» ( Cf. DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 4.ª Edição, 2012, Anotação 9 ao art. 45.º, pág. 361 e LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, nota 2 ao art. 45.º, pág. 214.
Vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 28 de Abril de 2010, proferido no processo com o n.º 1001/09, disponível em
https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/54ed10c302d61c558025771a00544e4e;
- de 24 de Maio de 2016, proferido no processo com o n.º 991/15, disponível em
https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/e33030a669fb0faa80257fc50038e10c.).
Assim, nada permite concluir que se imponha a este Supremo Tribunal revisitar a questão ou acorrer à correcção de qualquer intolerável erro de julgamento.
Pelo contrário, trata-se de questão que já se encontra suficientemente debatida e com resposta consolidada na ordem jurídica e, tendo o Tribunal Central Administrativo Norte decidido em conformidade, também não se vislumbra que o presente recurso possa ser admitido para melhor aplicação do direito.

2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, cumprindo ao recorrente alegar e demonstrar a factualidade necessária para integrar a verificação dos referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis).

II - A revista não serve para arguir nulidades do acórdão recorrido.

III - O julgamento da matéria de facto não pode ser sindicado em sede de revista, a não ser nos casos previstos na parte final do n.º 4 do art. 285.º do CPPT.

IV - Não se justifica a admissão da revista para enfrentar a questão da caducidade do direito à liquidação, por reclamada aplicação do prazo do n.º 2 do art. 45.º da LGT, se a mesma foi tratada pelo tribunal central administrativo em plena harmonia com a doutrina e a jurisprudência.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 11 de julho de 2024. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Isabel Marques da Silva.