Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0835/13.4BELRS
Data do Acordão:04/07/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IVA
REGULARIZAÇÃO
Sumário:O prazo aplicável para reclamar do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) entregue em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito, é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA.
Nº Convencional:JSTA000P27483
Nº do Documento:SA2202104070835/13
Data de Entrada:12/31/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........................., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;
# I.

A/O representante da Fazenda Pública (rFP) recorre da sentença proferida, no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, em 22 de fevereiro de 2020, que julgou totalmente procedente esta impugnação judicial, apresentada, por A……….……………. S.A., …,contra decisão de indeferimento de pedido de revisão oficiosa, respeitante à legalidade das autoliquidações, de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), dos meses de novembro de 2007 a janeiro de 2009, no valor de € 64.683,18.
A recorrente (rte) formalizou alegação, finalizada com estas conclusões: «

A. A douta sentença recorrida entende que à liquidação indevida de IVA não é suscetível de ser aplicado o regime de regularizações do imposto previsto no artigo 78.º do Código IVA.

B. Segundo aquele regime, o sujeito passivo tem um prazo de dois anos para proceder às regularizações de imposto sejam elas resultantes de incorreção na dedução, ou, da liquidação em excesso de imposto.

C. Segundo a interpretação defendida pela Fazenda Pública, o regime do artigo 78.º do Código do IVA é aplicável aos casos que estão registados na contabilidade e que, por isso, são passíveis de alteração ou retificação.

D. Contudo, a posição do Tribunal a quo considera, no caso de imposto entregue, em excesso, que o prazo para proceder a tal retificação é de 4 (quatro) anos, nos termos do n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA.

E. Com o devido respeito, que é muito, entendemos que aquela interpretação não é a mais adequada.

F. O n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA apenas se circunscreve aos casos cujo direito à dedução do imposto, mencionado em documentos ainda não registados na contabilidade, cuja dedução deva verificar-se nos termos do artigo 22.º do Código do IVA.

G. Ou, dito de um outro modo, o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA determina um prazo máximo de 4 (quatro) anos ao exercício do direito à dedução que ainda não se efetivou, acautelando situações excecionais, que poderiam impedir a dedução do imposto.

H. Com efeito, estando perante uma regularização de imposto, liquidado em excesso, como é o caso, a Fazenda Pública defende que deve estar sujeita à aplicação do regime constante do artigo 78.º do Código do IVA, com a necessária tramitação documental, e cujo prazo de regularização seria de 2 (dois) anos, nos termos do disposto nos n.ºs 2, 3 e 5 do artigo 78.º do Código do IVA.

I. Nesta conformidade, deverá a sentença recorrida ser revogada in tottum, e substituída por acórdão que analise cabalmente, de facto e de direito, as questões suscitadas, em cumprimento das normas legais em vigor, e se pronuncie sobre os pedidos formulados pela FP.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que julgue a presente impugnação judicial improcedente, como é de Direito e de Justiça. »


*

A recorrida (rda) contra-alegou e concluiu: «

A) Das conclusões do recurso, que delimitam o seu âmbito e objecto (cf. artigo 635.º, nº 3 do CPC, subsidiariamente aplicável, nos termos do artigo 2.º, al. e), do CPPT) constata-se que em nenhuma delas se aponta algum vício, em concreto, à douta sentença recorrida, e.g. vício relativo à fundamentação, conformidade com as disposições legais, ou interpretação conforme ao direito;

B) As conclusões iniciais da Recorrente constituem considerações meramente descritivas, introdutórias ou referentes aos argumentos da Recorrente - não da decisão recorrida… pelo que a parte aparentemente significativa das conclusões da Recorrente FP resume-se ao vertido nas conclusões F. a H.

C) Porém, na única conclusão em que se refere criticamente à sentença a quo - conclusão, a Recorrente limita-se a apontar-lhe violações de lei totalmente desenquadradas com as suas alegações, com o caso dos autos e com a decisão de que supostamente recorre.

D) Deve concluir-se que o tribunal ad quem não está habilitado a conhecer do recurso na falta de objecto, não só face às conclusões de recurso (que nada apontam de concreto ao julgado) - como do próprio articulado das alegações de recurso (totalmente omissas neste ponto) - pelo que neste ponto o tribunal ad quem não pode senão julgar esta matéria excluída do objecto do recurso, pelo que dela não pode conhecer.

E) Ora, cabendo ao tribunal em sede de recurso jurisdicional, sindicar se se verificam ou não eventuais vícios apontados à sentença, perante a ausência da invocação de tais vícios, que habilite o tribunal de recurso a extrair questões a decidir sobre a sentença sindicada, afigura-se desprovido de objecto o presente recurso, impondo a rejeição de todas as conclusões de recurso, por totalmente improcedentes;

sem conceder

F) A fundamentação da sentença recorrida, de facto e de direito - no que constitui a ratio decidendi da procedência da impugnação - é irrepreensível à luz das normas e princípios e do imperativo constitucional que impõe a reconstituição da legalidade em situações de cobrança excessiva de tributos.

G) A sentença recorrida identificou com precisão a factualidade relevante, e fundamentou a decisão de forma irrepreensível nas normas legais aplicáveis, e de acordo com a jurisprudência do STA em que se fundamenta - em especial o Acórdão de 2017.06.28 (Proc. nº 01427/14) - reafirmada no recente Acórdão do STA 3 de Junho de 2020, 2.ª Seção, Proc. nº 0498/15.2BEMDL determinando a devida reconstituição da situação tributária do contribuinte;

H) Naqueles arestos o STA tem vindo a decidir uniformemente que “O prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA;

I) Pelo que a sentença recorrida, assim tendo decidido, não merece qualquer censura, pelo que deve ser integralmente mantida na ordem jurídica, improcedendo todas as conclusões do recurso;

J) Na eventualidade de as conclusões antecedentes virem a ser julgadas improcedentes, a recorrida sustenta nesta sede a bondade da sentença em tudo quanto constitui a ratio decidendi da procedência da impugnação, sem prejuízo de também sustentar que a idêntico resultado deveriam conduzir os demais vícios que imputou aos actos tributários impugnados;

K) Os actos impugnados e anulados pelo tribunal a quo foram praticados em manifesto erro sobre os pressupostos de facto e de direito da aplicação das isenções em sede de IVA, conforme já havia sustentado o douto parecer do Digno representante do Ministério Público junto aos autos.

L) A manutenção na ordem jurídica dos actos tributários em crise, consensualmente errados, até para a Recorrente AT, por desconsiderarem a norma de isenção (artigo 9.º, n.º 27.º alínea g) do Código do IVA), e nessa medida ilegais e por isso bem anulados pelo tribunal a quo, ofenderia gravemente as normas e princípios do direito da União Europeia em que assenta o sistema comum do IVA, pelo que a decisão recorrida, provendo a anulação dos actos de liquidação em crise, não merece qualquer censura;

M) Do mesmo modo, solução contrária à sufragada pela sentença recorrida ofenderia as normas e princípios constitucionais em que assenta o princípio do primado do direito da União, em particular em matéria de IVA, pelo que também por essa razão, a sentença recorrida não merece qualquer reparo, devendo ser integralmente confirmada;

N) Na ordem constitucional interna é reconhecido que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático» - cfr. artigo 8.º, n.º 4, da CRP (cit.).

O) Pelo que também os citados normativos não foram respeitados pelos actos de indeferimento e liquidação de IVA em crise na presente impugnação, gerando a interpretação que deles foi feita um vício de inconstitucionalidade material, invocado para todos os efeitos legais.

P) Em caso de dúvida, o que face ao fundado juízo do tribunal a quo se admite por mera cautela e dever de patrocínio, deveriam as pertinentes questões, acima suscitadas, de compatibilidade do direito interno com o direito da União ser submetidas ao TJUE a título prejudicial (cf. supra, capítulo IX das presentes alegações).

Q) Porém, no caso concreto afigura-se que a sentença recorrida a melhor interpretação dos preceitos legais aplicáveis, ao reconhecer que a revisão do acto tributário era devida a fim de repor a legalidade e reconstituir a situação da impugnante, ora recorrida, na medida em que se viu privada de quantias que entregou indevidamente nos cofres do Estado, como a própria Recorrente não deixou de reconhecer.

R) Uma interpretação contrária, in casu, dos preceitos legais referidos seria inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança o qual garante a certeza de segurança nos direitos e expectativas juridicamente tuteladas, com alicerce no princípio do Estado de Direito democrático ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade essa que expressamente aqui se invoca para todos os efeitos legais.

S) Finalmente, caso porventura não fosse negado provimento ao presente recurso, o que se admite por dever de patrocínio e sem conceder, então as deveriam os presentes autos baixar à primeira instância para que fossem fixados os restantes factos relevantes e apreciados os demais vícios imputados aos actos impugnados ou pelo menos serem as partes ser notificadas, sob pena de nulidade, nos termos do artigo 665.º, n.º 3, do CPC, para se pronunciarem sobre tais vícios.

Termos em que se requer a V. Excelências:

i) Se dignem negar provimento ao presente recurso jurisdicional interposto, confirmando integralmente a sentença recorrida; ou em caso de dúvida sobre a bondade da fundamentação para anular do despacho de indeferimento em crise dos actos tributários anulados pelo tribunal a quo à luz da matriz comunitária do imposto, procederem à requerida suspensão da instância e ao requerido reenvio a título prejudicial:

ii) Subsidiariamente, ainda no caso de assim não ser entendido, então deveriam os presentes Autos baixar à primeira instância para que fossem fixados os restantes factos relevantes e apreciados os demais vícios, ou pelo menos deveriam as partes ser notificadas para se pronunciarem sobre tais vícios, sob pena de nulidade, nos termos do artigo 665.º, n.º 3, do CPC.

Assim decidindo farão V. Exas respeitar o DIREITO e a JUSTIÇA. »


*

A Exma. Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida, por, em sintonia com jurisprudência reiterada e uniforme.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

*******

# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, encontra-se exarado: «

1. A Impugnante é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de gestão de fundos e patrimónios - cfr. fls. 197 do processo administrativo junto aos presentes autos.

2. Em 12/07/2012, a Impugnante e a empresa B……………………., SA, celebraram um acordo reduzido a escrito denominado contrato de gestão discricionária de valores mobiliários - cfr. doc. 3 junto com a petição inicial a fls. 60 a 73 dos presentes autos.

3. Nas facturas emitidas pela Impugnante à empresa B………………………, SA, no período compreendido entre Novembro de 2007 e Janeiro de 2009, no âmbito do contrato referido em 2., foi incluído e liquidado IVA às taxas de 21% e 20% - cfr. doc. 6 junto com a petição inicial a fls. 147 a 163 dos presentes autos.

4. Em 28/12/2007, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2007/11, com total de base tributável de 58.930,88€, imposto a favor do sujeito passivo de 0,00€, total de imposto a favor do Estado de 12.375,49 € e imposto a entregar ao Estado de 12.375,49 € - cfr. fls. 103 e 104 do processo administrativo junto aos presentes autos.

5. Em 01/02/2008, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2007/12, com total de base tributável de 565.998,28 €, imposto a favor do sujeito passivo de 0,00€, total de imposto a favor do Estado de 118.859,62 € e imposto a entregar ao Estado de 118.859,62 € - cfr. fls. 105 e 106 do processo administrativo junto aos presentes autos.

6. Em 03/04/2008, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2008/01, com total de base tributável de 128.549,13 €, imposto a favor do sujeito passivo de 0,00€, total de imposto a favor do Estado de 26.549,13 € e imposto a entregar ao Estado de 26.995,32 € - cfr. fls. 107 e 108 do processo administrativo junto aos presentes autos.

7. Em 02/04/2008, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2008/02, com total de base tributável de 14.456,39 €, imposto a favor do sujeito passivo de 0,00€, total de imposto a favor do Estado de 3.008,08 € e imposto a entregar ao Estado de 3.008,08 € - cfr. fls. 109 e 110 do processo administrativo junto aos presentes autos.

8. Em 05/05/2008, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2008/03, com total de base tributável de 306.078,84 €, imposto a favor do sujeito passivo de 0,00€, total de imposto a favor do Estado de 64.241,05 € e imposto a entregar ao Estado de 62.241,05 € - cfr. fls. 112 e 113 do processo administrativo junto aos presentes autos.

9. Em 23/05/2008, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2008/04, com total de base tributável de 74.533,13 €, imposto a favor do sujeito passivo de 476,46 €, total de imposto a favor do Estado de 15.610,74 € e imposto a entregar ao Estado de 15.134,28 € - cfr. fls. 115 e 116 do processo administrativo junto aos presentes autos.

10. Em 01/07/2008, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2008/05, com total de base tributável de 13.838,60 €, imposto a favor do sujeito passivo de 0,00 €, total de imposto a favor do Estado de 2.906,09€ e imposto a entregar ao Estado de 2.906,09 € - cfr. fls. 118 e 119 do processo administrativo junto aos presentes autos.

11. Em 28/07/2008, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2008/06, com total de base tributável de 265.416,63 €, imposto a favor do sujeito passivo de 63,00€, total de imposto a favor do Estado de 55.708,50 € e imposto a entregar ao Estado de 55.645,50 € - cfr. fls. 120 e 121 do processo administrativo junto aos presentes autos.

12. Em 28/08/2008, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2008/07, com total de base tributável de 70.321,54 €, imposto a favor do sujeito passivo de 0,00 €, total de imposto a favor do Estado de 14.064,94 € e imposto a entregar ao Estado de 14.064,94 € - cfr. fls. 122 e 123 do processo administrativo junto aos presentes autos.

13. Em 03/10/2008, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2008/08, com total de base tributável de 17.288,64 €, imposto a favor do sujeito passivo de 0,00 €, total de imposto a favor do Estado de 3.459,07 € e imposto a entregar ao Estado de 3.459,07 € - cfr. fls. 124 e 125 do processo administrativo junto aos presentes autos.

14. Em 04/11/2008, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2008/09, com total de base tributável de 389.121,73 €, imposto a favor do sujeito passivo de 0,00 €, total de imposto a favor do Estado de 77.824,34 € e imposto a entregar ao Estado de 77.824,34 € - cfr. fls. 126 e 127 do processo administrativo junto aos presentes autos.

15. Em 28/11/2008, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2008/10, com total de base tributável de 32.383,34€, imposto a favor do sujeito passivo de 0,00€, total de imposto a favor do Estado de 6.519,53€ e imposto a entregar ao Estado de 6.519,53€ - cfr. fls. 128 e 129 do processo administrativo junto aos presentes autos.

16. Em 05/01/2009, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2008/11, com total de base tributável de 13.103,75 €, imposto a favor do sujeito passivo de 0,00 €, total de imposto a favor do Estado de 2.620,75 € e imposto a entregar ao Estado de 2.620,75 € - cfr. fls. 130 e 131 do processo administrativo junto aos presentes autos.

17. Em 03/02/2009, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2008/12, com total de base tributável de 313.029,40 €, imposto a favor do sujeito passivo de 0,00 €, total de imposto a favor do Estado de 62.568,21 € e imposto a entregar ao Estado de 62.568,21 € - cfr. fls. 132 e 133 do processo administrativo junto aos presentes autos.

18. Em 03/03/2009, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2009/01, com total de base tributável de 76.887,94 €, imposto a favor do sujeito passivo de 22,93 €, total de imposto a favor do Estado de 15.359,03 € e imposto a entregar ao Estado de 15.336,10 € - cfr. fls. 134 e 135 do processo administrativo junto aos presentes autos.

19. Da conjugação do valor das facturas referidas em 3. com as declarações de IVA referidas em 4. a 18. resulta que a Impugnante liquidou IVA sobre as facturas referidas em 3. No valor de 64.683,18 €, o qual se encontra reflectido nas declarações de 4. a 18.

20. A sociedade B……………………….., SA, solicitou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira informação vinculativa relativamente ao enquadramento fiscal a conceder, em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), aos serviços de gestão de valores mobiliários subcontratados pelas entidades gestoras de fundos de pensões, no âmbito, no âmbito da gestão dos activos que integram os fundos por si geridos - cfr. doc. 8 junto com a petição inicial a fls. 173 a 180 dos presentes autos.

21. A solicitação referida em 20. foi objecto de emissão de informação vinculativa pelos serviços da Administração Tributária a qual possui o seguinte conteúdo: “...Em face do exposto e atendendo ao que se encontra expresso na presente informação, somos de parecer que, relativamente, aos serviços prestados pela C……………………., SA e a D………………….., SA, consubstanciados na gestão de parte ou da totalidade dos ativos que constituem os “Fundos de pensões ”, geridos pela sociedade gestora de fundos de pensões, B………………………….., SA, devidamente formalizados através de contratos escritos e respeitando as condições previstas, na subcontratação das funções de gestão, em conformidade com o estabelecido no artigo 37° do Decreto-Lei n° 12/2006, de 20 de Janeiro, se encontram enquadrados na isenção prevista na alínea g) do n° 27 do artigo 9° - Operações de administração e gestão de fundos de investimento... - cfr. doc. 9 junto com a petição inicial a fls. 181 e 182 dos presentes autos.

22. Em 11/03/2011, deu entrada nos serviços da Administração Tributária o pedido de revisão oficiosa da Impugnante da liquidação e pagamento do IVA efectuado em excesso nas declarações periódicas deste imposto relativas aos períodos de Novembro de 2007 a Janeiro de 2009, no montante global de € 64.683,18 - cfr. fls. 2 a 9 do processo administrativo junto aos presentes autos.

23. O pedido de revisão de acto tributário referido em 22. foi objecto de decisão de indeferimento proferida em 21/01/2013 - cfr. fls. 142 a 152 do processo administrativo junto aos presentes autos.

24. A decisão referida em 23. foi enviada à Impugnante através de carta registada com aviso de recepção, tendo o respectivo aviso sido assinado em 14/02/2013 - cfr. fls. 154 a 156 do processo administrativo junto aos presentes autos.

25. A presente acção foi apresentada em 14/05/2013. »


***

Ao invés do propugnado pela recorrida (Conclusões A) a E), da respetiva contra-alegação.), este recurso tem objeto, mínimo, suficiente, que se pode traduzir em determinar se a sentença criticada errou ou não, quanto ao julgamento efetivado, no sentido, último, da procedência desta impugnação judicial e determinação da “devolução à Impugnante do montante de 64.683,18 € a título de IVA entregue em excesso por referência às declarações referentes ao período compreendido entre Novembro de 2007 e Janeiro de 2009”. De forma mais precisa e específica, importa, aqui, versar a questão de saber qual o prazo disponível, utilizável, para a impugnante, formular pedido de revisão oficiosa de autoliquidações, de IVA, em que detetou a entrega de imposto em excesso, por ter incidido sobre operações isentas; alternativamente, 4 anos, nos termos do art. 98.º n.º 2 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) - entendimento da impugnante, sufragado pela sentença recorrida - ou 2 anos, ao abrigo do disposto no art. 78.º n.ºs 2, 3 e 5 do mesmo compêndio, como defende a rte.

Como se dá notícia, em várias ocasiões, nos autos, o STA entendeu, no pretérito e, no presente, não vemos/temos razões para sustentar o contrário ou diferente, que, em síntese, “o prazo aplicável para reclamar do IVA entregue em excesso numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA (Cf., por mais recente, o acórdão, do STA, de 3 de junho de 2020 (498/15.2BEMDL).).

Fixada esta premissa, em sintonia com a respetiva fundamentação, em situações como a que, agora, nos ocupa, importa, sempre, primeiramente, determinar se a regularização, de IVA, pretendida pelo requerente, se destina a retificar um erro material ou de cálculo ou se, diversamente, a corrigir um erro de direito. Portanto, só depois de definida a natureza do erro que suscitou a apresentação do, concreto, pedido de regularização é que se torna possível determinar qual o prazo que lhe é aplicável: o de 2 anos, previsto no art. 78.º do CIVA, para existente erro material ou de cálculo, suscetível de determinar regularização de imposto liquidado em excesso, o de 4 anos, inscrito no art. 98.º n.º 2 do CIVA, quando a liquidação excessiva de tributo é motivada por erro de direito/erro nos pressupostos de direito (Que se pode traduzir, por exemplo, na qualificação como não dedutível de imposto que, posteriormente, o requerente vem a aperceber-se que, afinal, o seria - cf. acórdão, do STA, de 20 de dezembro de 2017 (0366/17) ou, igualmente, na errada aplicação dos métodos de dedução relativos a bens de utilização mista (vulgo, pro rata) – acórdão, do STA, de 20 de junho de 2017 (01427/14).). Não se olvide, ainda, que, para esta jurisprudência, este, último, tipo de erro, não é enquadrável nos que são tipificados (erros materiais ou erros de cálculo (Atente-se, desde logo, no art. 95.º-A n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).)) no art. 78.º do CIVA.

Posto isto, sem delongas, só podemos acolher o decidido em 1.ª instância, com apoio deste discurso fundamentador: «

…é de se concluir que no caso de entrega de IVA em excesso, tal não constitui nem erro material nem erro de cálculo, pelo que não lhe pode ser aplicado o regime previsto no artigo 78º n.º 6 CIVA, mas sim que será aplicável ao caso o regime geral con(s)tante do artigo 98º n.º 2 CIVA, que fixa um limite máximo de quatro anos.
Sendo, consequentemente, de se concluir que as normas do artigo 78º CIVA apenas prevêem situações de facturas inexactas e de erro material ou de cálculo e não os casos de erro de direito ou de enquadramento, sendo-lhes aplicável, sim, o regime resultante da conjugação dos artigos 98º, n.º 2 e 22º, n.º 2, ambos do CIVA, que permitem a rectificação de uma dedução realizada (ou não realizada) por incorrecto enquadramento jurídico das operações.
Daí que sendo o pedido de restituição de IVA pago em excesso formulado pela Impugnante conformador dos presentes autos se sustenta na errada qualificação das operações em causa como sujeitas e não isentas para efeitos de IVA, o mesmo é de considerar como se fundamentando em erro de direito. Pelo que ao pedido em causa no presente processo ser-lhe-á aplicável o regime do artigo 98º, n.º 2 do CIVA, nessa decorrência dispondo o Impugnante de 4 anos para formular o pedido de revisão e, assim, se ver restituído do montante de IVA entregue a mais.
Desse modo, tendo em consideração tudo quanto supra afirmámos, sendo o IVA em causa relativo aos meses de Novembro de 2007 a Janeiro de 2009, pelo que, nos termos do artigo 78º da Lei Geral Tributária, o pedido de revisão poderia ser apresentado no prazo de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços.
Concluímos, pois, que o pedido de revisão do acto foi tempestivo: a declaração mais antiga e relativa ao período de 2007/11 foi entregue em 28/12/2007 - cfr. 4. dos factos provados - e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 11/03/2011 - cfr. 22. dos factos provados -, logo, dentro do prazo de quatro anos de que dispunha.
Pelo que a pretensão da Impugnante nunca poderia ter sido indeferida pelos serviços da Administração Tributária com fundamento na extemporaneidade na apresentação da mesma, extemporaneidade essa fundamentada na (errada, como supra demonstrámos) aplicação ao caso sub judice do regime do artigo 78º do CIVA.
Com efeito, tendo sido adquirido pelos presentes - cfr. 3. a 19. dos factos provados - autos que a Impugnante de facto entregou IVA referente a operações isentas - cfr. 20 e 21 dos factos provados - é de se concluir que a Impugnante entregou nos cofres do Estado IVA em excesso, que requereu a restituição de tais entregas em excesso dentro do prazo legalmente estipulado para tal requerimento e que o montante a restituir requerido pela Impugnante corresponde aos montantes entregues relativos a operações isentas realizadas pela mesma, impõe-se concluir que, no caso dos presentes autos, se verificam todos os requisitos para que se reconheça e declare que a Impugnante tem direito à restituição do IVA que entregou e a qual peticiona no presente processo.
(…). »

Uma derradeira nota, para expressar não vermos como, a partir da letra do art. 98.º n.º 2 do CIVA, se pode defender, como a rte, uma interpretação, restritiva, com o alcance vertido nas conclusões F. e G. Objetivamente, esse normativo, além do direito à dedução, menciona, de forma expressa e alternativa, o direito ao reembolso do imposto entregue em excesso!...


*******

# III.


Ante o exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos negar provimento ao recurso.

*

Custas pela recorrente.

*****
[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 7 de abril de 2021. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.