Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:091/20.8BESNT
Data do Acordão:07/03/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA ESTEVES
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
MATÉRIA DE DIREITO
Sumário:I - A competência para conhecer dos recursos das decisões de mérito dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito.
II - O recurso não versa exclusivamente matéria de direito se nas conclusões de recurso se questionam as ilações ou juízos de facto que o julgador extraiu da factualidade fixada.
Nº Convencional:JSTA000P32457
Nº do Documento:SA220240703091/20
Recorrente:A... UNIPESSOAL, LDA.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

A..., Unipessoal, Lda., devidamente identificada nos autos, inconformada, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa referente à autoliquidação de Imposto de Selo, relativa ao mês de Janeiro de 2019, efectuada ao abrigo da verba 17.3.4 da TGIS, no montante de € 177.231,24.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:

1. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal a quo no passado dia 7 de dezembro de 2023, a qual desatendeu integralmente ao peticionado na impugnação judicial que a ora Recorrente dirigiu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em 29 de janeiro de 2020, contra o indeferimento tácito de reclamação graciosa referente à autoliquidação de Imposto do Selo, relativa ao mês de janeiro de 2019, efetuada ao abrigo da verba 17.3.4 da TGIS, no valor de € 177.231,24.

2. Em linhas gerais, a Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, em função de uma tríplice de fundamentos, a saber: (i) a sentença encerra uma contradição insanável entre os seus fundamentos e o seu sentido decisório, incorrendo assim a mesma numa nulidade que sempre terá de determinar a sua imediata remoção da ordem jurídica, nos termos do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT; (ii) a sentença não especifica, nem concretiza de onde retira, fundamentos de facto que, aparentemente, tiveram relevância na sua aplicação do direito mas que não foram sequer elencados, seja nos factos provados, seja nos factos não provados; e (iii) a sentença incorre ainda num manifesto erro na interpretação e aplicação do direito.

3. Em primeiro lugar, a sentença objeto do presente recurso enferma de um vício de nulidade por oposição entre os seus fundamentos e o seu sentido decisório, o qual sempre terá de implicar a sua imediata remoção da ordem jurídica, nos termos do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT.

4. Tal como foi visto supra e como o Tribunal a quo bem identificou, o thema decidendum aqui em causa passa por delimitar o campo de incidência objetiva da norma constante da verba 17.3.4 da TGIS, verificando para esse efeito o preenchimento, ou não preenchimento, dos elementos subjetivo e objetivo de que esta norma depende.

5. Sendo que, como a sentença do Tribunal a quo bem assinalou, esta verba apenas abrange “(…) comissões e contraprestações por serviços financeiros, cobradas “por” ou “com” intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras».

6. Como o Tribunal a quo reconhece, a letra da lei é manifestamente clara e nada tem de velado – as comissões abrangidas por esta norma serão apenas aquelas que foram cobradas “por” ou “com” a intermediação de uma instituição financeira. Nas próprias palavras do Tribunal a quo, “[f]ace à letra da lei, e no que diz respeito ao elemento subjetivo, a sujeição a IS só ocorre se a entidade credora for uma das entidades expressamente referidas na norma” [cf., pp. 9 da sentença, itálico, negrito e sublinhado nosso].

7. Ora, in casu, tal como se viu e consta da matéria de facto provada, o prestador do serviço e credor da comissão é a ora Recorrente, sendo que esta, tal como o próprio Tribunal a quo também reconheceu, não corresponde a uma instituição financeira, sendo meramente uma sociedade comercial que se dedica à locação operacional de veículos e serviços complementares.

8. Com efeito, tal como decorre dos factos provados, a única instituição financeira aqui em causa, a sucursal em Portugal do Banco 1..., foi a devedora destas comissões, não tendo sido em momento algum a sua credora ou intermediária. Pelo contrário, tal como se viu e provou esta entidade foi a destinatária e adquirente de um serviço prestado pela ora Recorrente, o qual foi remunerado através da cobrança por esta última de uma comissão.

9. Assim, ao verificar o Tribunal a quo devidamente que “[f]ace à letra da lei, e no que diz respeito ao elemento subjetivo, a sujeição a IS só ocorre se a entidade credora for uma das entidades expressamente referidas na norma”, impunha-se igualmente o reconhecimento imediato do não preenchimento dos elemento subjetivo inerente a esta norma de incidência e a consequente anulação do ato tributário sub judice. O exposto tendo em conta que o Tribunal a quo reconheceu expressamente que a ora Recorrente não se qualifica como uma instituição financeira, designadamente quando concluiu que “[n]a lei portuguesa não se encontra uma definição expressa, limitando-se o legislador a enunciar entidades que qualifica, casuisticamente, como “instituições de crédito”, “sociedades financeiras” e “instituições financeiras”, para efeitos de aplicação de um determinado regime jurídico (…) nas quais não se incluem, à partida, as sociedades que se dedicam apenas à locação operacional de veículos e serviços complementares (que são contratos mistos, de aluguer com a eventual componente adicional de prestação de serviços), como sucede com a Impugnante” (cf. pág. 10 da sentença).

10. Ao assim não ter procedido, em função da matéria de facto dada por provada e tendo em conta a interpretação que o Tribunal a quo começa por empreender na sua sentença da norma contida na verba 17.3.4 da TGIS, dúvidas não restam de que existe uma manifesta oposição entre os fundamentos da sentença e o seu sentido decisório, ao concluir pela suposta verificação neste caso dos pressupostos de aplicação desta norma de incidência.

11. Neste sentido, tal como concluiu o STA no acórdão de 20 de maio de 2021, proferido no processo n.º 281/17.0YHLSB.L1.S1, “oposição entre os fundamentos e a decisão corresponde a um vício lógico do acórdão - se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença” [itálico, negrito e sublinhado nosso]. Em sentido idêntico, veja-se ainda o acórdão do TCAS de 14 de abril de 2016, proferido no processo n.º 08128/14, onde se concluiu que “A nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, que é prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC e incluída no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT, verifica-se que há um vício real na lógica-jurídica que presidiu à sua construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam logicamente num determinado sentido e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto ou, pelo menos, diverso”.

12. Termos em que sempre terá de ser declarada a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, em observância do disposto no artigo 125.º, n.º 1 do CPPT.

13. Em segundo lugar, impõe-se assinalar que a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece ainda de nulidade por, aparentemente, procurar sustentar o seu sentido decisório em pretensos factos, ou “juízos de facto”, que não estão elencados na matéria de facto dada por provada e em relação aos quais não é, de resto, sequer possível perceber de onde, e com que fundamento, foram os mesmos intuídos pelo Tribunal a quo.

14. Mais concretamente, considerou o Tribunal a quo para procurar fundamentar o seu sentido decisório que “(…) ainda que a decisão final de concessão de crédito ou a celebração de qualquer tipo de contrato seja da competência e responsabilidade do Banco 1... (cfr. cláusula sexta, n.º 3 do Acordo – alínea L. dos factos provados), o certo é que a Impugnante não se limita a transmitir meras informações comerciais, tendo um papel ativo (e até preponderante) na negociação e conformação dos termos contratuais até à fase última de aprovação do contrato de crédito (…)”.

15. Ora, dos factos dados por provados, não de descortina como foi possível ao Tribunal a quo aferir essa suposta “preponderância” da atuação da Recorrente na celebração dos contratos de concessão de crédito entre a sucursal portuguesa do Banco 1... e os clientes finais. De igual modo, dependendo a incidência de imposto do selo sobre esta realidade da natureza de “instituição financeira” da entidade credora das comissões, também não se alcança qual a concreta relevância do papel mais ativo ou menos ativo, mais preponderante ou menos preponderante, por parte da Recorrente na negociação dos créditos.

16. Sem prejuízo disso, parece ser de meridiana clareza que dispondo, no entender do Tribunal a quo, tais factos de relevância para a boa apreciação da causa, então impunha-se que os mesmos tivessem sido devidamente especificados na matéria de facto – o que, indubitavelmente, não se verificou. Neste âmbito, recorde-se que a Recorrente requereu no âmbito da impugnação judicial a produção de prova testemunhal, a qual foi, no entanto, rejeitada por parte do Tribunal a quo…

17. Assim, em face da prova documental produzida, não é compreensível: (i) com base em que concretos fundamentos procede o Tribunal a quo à graduação da preponderância do papel da Recorrente na negociação de créditos; (ii) em que termos é que essa graduação tem relevância para avaliar o preenchimento do elemento subjetivo da norma aqui em relevo; e (iii) ainda que, no entendimento do Tribunal a quo, tal facto fosse suscetível de ter relevância (o que não se concede), porque razão não foi o mesmo devidamente especificado na matéria de facto da decisão.

18. Igualmente neste sentido, note-se que a nulidade aqui em causa fica ainda mais evidente se atentarmos sobre o teor da decisão vertida na sentença, a qual declarou que “Com os fundamentos descritos, decide-se julgar a presente impugnação, intentada por A... Unipessoal, Lda., improcedente, por não provada” [itálico, negrito e sublinhado nosso]. No entanto, a mesma sentença em momento algum densificou que factos, supostamente não provados e relevantes para a boa apreciação da causa, são esses, tendo, de resto, concluído em relação à matéria de facto que “Não existem factos que importe registar como não provados” [itálico, negrito e sublinhado nosso].

19. Termos em que fica igualmente demonstrado padecer a sentença aqui em crise de um manifesto vício de nulidade, nos termos do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT, decorrente do facto de incorrer numa falta de especificação dos seus fundamentos de facto.

20. Por último, o Tribunal a quo incorreu ainda num clamoroso erro na interpretação e aplicação do direito, uma vez que, tal como demonstrado ao longo deste processo, o Imposto do Selo aqui em causa foi autoliquidado com base na verba 17 da Tabela Geral do Código de Imposto do Selo, a qual se reporta a “Operações Financeiras”, mais concretamente, a verba 17.3.4 da TGIS, a qual sujeita a imposto do selo “Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado: (...) Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões” [itálico, negrito e sublinhado nosso].

21. Como visto, esta norma de incidência objetiva depende assim do preenchimento de dois elementos, um de natureza subjetiva e outro de natureza objetiva, para que a mesma possa ser aplicada. Mais concretamente, esta norma exige que: (i) as comissões em causa sejam cobradas por ou com a intermediação de uma instituição financeira; e (ii) que as comissões correspondam a uma contraprestação por um “serviço financeiro”.

22. Tal como a sentença do Tribunal a quo bem reconhece, a lei fiscal não dispõe de qualquer concretização do que se entende por “instituições de crédito”, “sociedades financeiras” ou “instituições financeiras”, pelo que, nos termos do artigo 11.º, n.º 2 da LGT, tal concretização deverá ser procurada na legislação do correspondente ramo de direito (i.e., direito bancário e financeiro), mais concretamente no RGICSF.

23. Por sua vez, este diploma também não consagra uma definição deste tipo de entidades, enumerando, contudo, os tipos de entidades suscetíveis de ser abrangidas por este conceito, mormente nos seus artigos 1.º-A, 3.º e 6.º.

24. Assim, de acordo com o artigo 1.º-A, n.º 1 do RGICSF, “As instituições de crédito são empresas que recebem do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e concedem crédito por conta própria”. O n.º 2 deste preceito determina ainda que também se incluem neste conceito qualquer empresa que, não sendo um operador em mercadorias e licenças de emissão, um organismo de investimento coletivo ou uma empresa de seguros, exerça as atividades de negociação por conta própria, de tomada firme de instrumentos financeiros ou a colocação de instrumentos financeiros com garantia, caso se verifique um conjunto de condições aí previstas.

25. O artigo 3.º apresenta depois um elenco deste tipo de entidades, dispondo ainda de uma norma residual (alínea k) de acordo com a qual se incluem neste conceito “Outras empresas que, correspondendo à definição do artigo anterior, como tal sejam qualificadas pela lei”.

26. Já o artigo 6.º deste diploma segue uma metodologia idêntica, desta feita em relação às “sociedades financeiras”, consagrando também uma norma residual, na alínea l) do seu n.º 1, de acordo com a qual se qualificam como sociedades financeiras “Outras empresas que, correspondendo à definição de sociedade financeira, sejam como tal qualificadas pela lei”.

27. Ora, tal como a própria sentença proferida pelo Tribunal a quo acaba por reconhecer, é manifestamente evidente que dedicando-se a ora Recorrente a uma atividade de locação operacional de veículos e serviços complementares, titulada pelo CAE principal 77120 e pelos CAEs secundários 77110, 77390 e 45110, a mesma nunca poderá ser qualificada como uma “instituição de crédito”, “sociedade financeira” ou “instituição financeira”…

28. De igual modo, como bem reconhece o Tribunal a quo, deve ter-se presente que a norma de incidência aqui em causa apenas estará preenchida quando a entidade credora da comissão em questão se qualificar como “instituição financeira”. Pelo que, não se qualificando a Recorrente como uma instituição financeira, dúvidas não restam de que não estavam reunidos os requisitos de incidência de que depende a aplicação da verba 17.3.4 da TGIS sobre as comissões cobradas por esta ao Banco 1... pelos serviços de negociação de crédito prestados.

29. Ao assim não ter decidido, torna-se notório que o Tribunal a quo confundiu a relação contratual subjacente a esta realidade, o seu objeto, bem como a natureza das partes envolvidas. O exposto, na medida em que resulta claramente da letra da verba 17.3.4 que a mesma apenas será aplicável a situações em que a comissão em causa seja cobrada “por” ou “com” intermediação de uma instituição financeira.

30. Ora, in casu, a única instituição financeira envolvida na relação contratual (i.e., sucursal portuguesa do Banco 1...) foi o destinatário/adquirente do serviço e não o seu prestador ou intermediário. Assim, o prestador deste serviço e, por inerência, credor da comissão devida pelo mesmo foi a ora Recorrente que, tal como visto e admitido pelo próprio Tribunal a quo, não se qualifica como uma instituição financeira.

31. Sendo que, contrariamente ao que o Tribunal a quo procura sustentar, para esta conclusão é inócua a atividade desenvolvida pelo Banco 1... e o papel mais, ou menos, preponderante da Recorrente na negociação dos créditos que depois são celebrados entre o Banco 1... e os clientes finais.

32. Neste sentido, cumpre assinalar, até porque a sentença do Tribunal a quo parece manifestamente esquecê-lo, que a interpretação normativa começa e termina na letra da lei e que tem de ter sempre nesta correspondência (cf. artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil, aplicável ex vi artigo 11.º, n.º 1 da LGT).

33. Em face disto, resulta evidente que o entendimento professado pelo Tribunal a quo na sua sentença é claramente “contra legem”, na medida em que aplica a verba 17.3.4 a uma comissão que não é cobrada nem “por” nem “com” a intermediação de uma instituição financeira (a qual, como sobejamente visto, apenas intervém como adquirente/beneficiária do serviço e devedora da comissão e nunca como intermediária da sua cobrança ou credora da mesma).

34. Em sentido idêntico, veja-se, a título de exemplo, a decisão arbitral proferida no processo n.º 226/2018-T, de 13 de dezembro de 2018, a qual, em relação a uma tema semelhante ao presente concluiu o seguinte: “[p]osto isto, há que ter presente que o que está aqui em causa é a aplicação de uma norma de incidência que, por contender com um elemento essencial do imposto, na sua aplicação lhe são exigidas cautelas especiais, face ao princípio constitucional da legalidade, previsto no art. 103º da CRP. Sendo certo que, pelas mesmas razões, está vedado o recurso à analogia (art. 11º, n.º 4 da LGT). (…) Face ao que se deixou dito, consideramos que não resulta da letra, nem sequer do espírito, da lei que as SCR possam ser incluídas no conceito de instituição financeira da verba 17.3 da TGIS. Pelo que, inexistindo o elemento subjectivo de incidência, não serão de aplicar às comissões por aquelas cobradas, a verba 17.3.4 daquela Tabela” [itálico, negrito e sublinhado nosso], bem como a decisão arbitral proferida no processo n.º 469/2022-T, de 10 de abril de 2023.

35. Termos em que sempre terá de ser ordenada a imediata e integral revogação da sentença do Tribunal a quo, por manifesto erro na interpretação e aplicação do direito, sendo, por conseguinte, ordenada a anulação do indeferimento da reclamação graciosa e do ato tributário que se lhe encontra subjacente.

36. Até porque, sempre terá de se ter em conta que a interpretação da verba 17.3.4 da TGIS propugnada pelo Tribunal a quo, no sentido de que a mesma poderá ser aplicável numa situação em que a comissão em causa não seja cobrada “por” ou “com” intermediação de uma instituição financeira, se assume no limite como inconstitucional, por violação clamorosa do princípio da legalidade, tal como consagrado nos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, inconstitucionalidade esta que para todos os efeitos se invoca. Neste sentido, veja-se, a título de exemplo, a decisão arbitral n.º 757/2020-T, de 27 de setembro de 2021, onde se constata que “Acresce que o n.º 4 do artigo 11.º da LGT proíbe a integração analógica de lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República, e, no caso vertente, está justamente em causa uma norma de incidência subjetiva de imposto que se enquadra na reserva parlamentar, sendo certo que o Código do Imposto do Selo foi aprovado pela Lei n.º 159/99, de 11 de setembro. (…) E, por conseguinte, encontra-se vedado ao intérprete a integração por meio de analogia relativamente à referida disposição da verba 17.3 da TGIS”.

37. Por outro lado, sem conceder, e por mera cautela de patrocínio, importa também assinalar que a concorrer para a conclusão acima exposta, a que o Tribunal a quo lamentavelmente não logrou chegar, está ainda o aspeto de os serviços prestados pela Recorrente consistirem em meros serviços comerciais, de natureza acessória à atividade desenvolvida pela sucursal portuguesa do Banco 1..., não podendo em momento algum ser reconduzidos a “serviços financeiros”.

38. Neste âmbito, não dispondo o Código do Imposto do Selo de uma definição própria de “serviços financeiros”, e novamente nos termos do artigo 11.º, n.º 2 da LGT, deve este conceito ser concretizado com recurso a outros ramos do direito, in casu, o direito bancário e financeiro.

39. Nesta sede, revela-se particularmente elucidativa a análise do artigo 4.º do RGICSF, o qual estabelece quais as atividades prosseguidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras e, por consequência, delimita o conceito de “serviços financeiros”.

40. Sem prejuízo da utilidade deste preceito para a delimitação do conceito de “serviços financeiros”, importa salientar desde já que mesmo no próprio elenco aí consagrado nem todos os serviços aí referidos se qualificam como “serviços financeiros”, uma vez que esse elenco abrange também alguns serviços de natureza meramente administrativa e/ou comercial, entre outras. Assim, conforme referem Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins (Imposto do Selo Operações Financeiras e de Garantia, Almedina, 2019, pp. 101 e seg.), na interpretação do artigo 4.º do RGICSF deve ter-se em conta que o mesmo não abrange apenas “serviços financeiros”, devendo entender-se como abrangidos por este conceito “(…) apenas os serviços típicos da atividade bancária e financeira (…) ficando de fora todos aqueles serviços que, pela sua natureza, possam igualmente ser prestados por qualquer entidade fora do setor bancário e financeiro, não estando por isso sujeita às medidas de regulação e supervisão impostas a quem opera nestes setores de atividade” [itálico, negrito e sublinhado nosso].

41. Ora, a título de exemplo, é notório que os serviços prestados pela Recorrente em momento algum podem qualificar-se como “receção de depósitos ou outros fundos reembolsáveis” (artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do RGICSF); e/ou “operações de crédito, incluindo concessão de garantias e outros compromissos, locação financeira e factoring” (artigo 4.º, n.º 1, alínea b) do RGICSF) ou em qualquer outra categoria de “serviços financeiros” aí prevista. Pelo contrário, conforme foi esclarecido e resulta da matéria de facto provada, os serviços aqui em causa consistem em meros serviços de análise, apresentação, negociação de crédito e/ou divulgação de propostas, os quais assumem assim uma natureza meramente comercial e acessória da atividade desenvolvida pela sucursal portuguesa do Banco 1....

42. Sendo que, não só a prestação destes serviços não corresponde aos “serviços típicos da atividade bancária e financeira” como também não se encontra vedada a “entidades fora do setor bancário e financeiro”, razão pela qual nunca poderão ser subsumidos ao conceito de “serviço financeiro”.

43. Ou seja, os serviços prestados pela Recorrente nunca poderiam ser subsumidos ao conceito de “serviço financeiro” relevante para efeitos de Código do Imposto do Selo, termos em que também este requisito objetivo para o preenchimento da norma de incidência contida na verba 17.3.4 do TGIS não se encontra preenchido. Sendo que também aqui, contrariamente ao que o Tribunal a quo procura sustentar, pouco importa se os serviços são, ou não, prestados numa dimensão acessória à atividade financeira da sucursal portuguesa do Banco 1..., uma vez que, como visto supra, por se tratar de um setor sujeito a apertada regulação, se estes serviços efetivamente dispusessem de natureza financeira a sua prestação estaria reservada apenas às instituições de crédito, sociedades financeiras e/ou instituições financeiras, estando a sua realização vedada à ora Recorrente.

44. Em face de tudo o exposto, resulta manifestamente claro que também os serviços aqui em causa não dispõem de natureza financeira, dispondo antes de natureza meramente comercial, uma vez que: (i) não correspondem a serviços típicos da atividade bancária e financeira; e (ii) não estão sujeitos às medidas de regulação e supervisão impostas a quem opera nestes setores de atividade.

45. Por conseguinte, é de meridiana clareza que sempre terá de ser ordenada a integral revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo e, por conseguinte, ser anulado o indeferimento da reclamação graciosa e o ato de autoliquidação de imposto que lhe está subjacente, ordenando-se o respetivo reembolso do montante de imposto do selo indevidamente liquidado e entregue nos cofres do Estado, acrescido de juros indemnizatórios, desde a data em que se verificou o indeferimento tácito da reclamação graciosa, tudo com as demais consequências legais.

Não houve contra-alegações.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da incompetência deste Tribunal em razão da hierarquia para apreciar o recurso, por essa competência caber ao Tribunal Central Administrativo Sul.

Notificadas as partes do teor do parecer, pronunciou-se a Recorrente pugnando que o recurso se cinge exclusivamente a questões de direito, sendo, portanto, o STA plenamente competente para se pronunciar sobre o seu mérito, devendo ser declarada improcedente a exceção dilatória invocada pelo Ministério Público.

Cumpre decidir.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

2.1.1. A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A. A Impugnante, A... Unipessoal, Lda., é uma sociedade do Grupo B... e exerce a atividade de locação operacional de veículos e serviços complementares, usualmente designada por “renting” (facto não controvertido);

B. Em Portugal, o Grupo B... está também presente através da sucursal portuguesa da entidade financeira Banco 1... GmbH (doravante, Banco 1...), que desenvolve a sua atividade no âmbito do financiamento para compra de veículos oferecendo produtos de crédito clássico, locação financeira e aluguer de longa duração (facto não controvertido);

C. O Grupo B... implementou uma reestruturação a nível europeu, passando, no caso português, a Impugnante a intervir no processo de venda, enquanto negociador de crédito dos contratos comercializados pelo Banco 1... (facto admitido pela Impugnante no artigo 6.º da p.i.);

D. No âmbito dessa operação de restruturação, o Grupo B... passou a oferecer sob uma marca única “C...” produtos bancários, aluguer operacional e serviços, através da sucursal portuguesa da entidade financeira Banco 1... e da Impugnante, respetivamente (cfr. Considerando “C” do “Acordo de Colaboração Comercial”, junto como doc. 4 com a p.i., a fls. 14 a 32 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);

E. O Banco 1..., Sucursal em Portugal, e a Impugnante atuam ambos em obediência ao princípio “one face to the Customer” (facto admitido pela Impugnante no artigo 8.º da p.i.);

F. Em contrapartida pela prestação ao Banco 1... dos serviços de negociação de crédito, a Impugnante tem direito a uma comissão de vendas que, em linhas gerais, é calculada em função dos contratos celebrados em cada mês (facto admitido pela Impugnante no artigo 7.º da p.i.);

G. Para formalização do plano de reestruturação mencionado nas alíneas C. e D. supra, em 20.09.2018, foi celebrado um “Acordo de Colaboração Comercial” entre a Banco 1... GmbH, Sucursal em Portugal e a Impugnante, que entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2018 (cfr. cláusula vigésima do “Acordo de Colaboração Comercial”, junto como doc. 4 com a p.i.);

H. A operação de reestruturação que levou à implementação do acordo comercial referido na alínea antecedente foi objeto de escrutínio pela entidade reguladora competente, o Banco de Portugal, não tendo o mesmo levantado quaisquer reservas à atribuição das tarefas definidas por tal acordo (facto admitido pela Impugnante nos artigos 13.º e 45.º da p.i.);

I. Consta da cláusula primeira do Acordo referido na alínea G., com a epígrafe “Objeto e âmbito de Atuação”, o seguinte:

“(…)

3. Os objetivos do A... referidos no número anterior deverão ter como propósito a estabilização ou incremento (…) da quota de mercado do Banco 1... no mercado português, bem como a melhoria da qualidade do crédito concedido pelo Banco 1... e promovendo a visibilidade e reputação da marca “C...” no mercado português (…).

4. No âmbito do presente acordo, a atividade do A... consiste na negociação de créditos, através da promoção e comercialização de produtos bancários ou financeiros ou soluções de mobilidade, relacionados com o mercado automóvel português (…).

(…)”.

J. De acordo com a cláusula terceira do referido contrato, com a epígrafe “Atividades do A...”):

“1. No âmbito de atuação descrita na Cláusula Primeira, o A... compromete-se a desenvolver as seguintes atividades de negociação de contratos de crédito:

(i) apresentação de propostas de financiamento com Produtos Banco 1... a atuais e potenciais Clientes Wholesale, bem como respetiva negociação nomeadamente no que respeita aos valores e limites de financiamento concedidos, as taxas de juro (TAN) aplicáveis, as garantias e os prazos de pagamento, obtendo o acordo dos Clientes Wholesale e do Banco 1... ao negócio por si proposto e mediado; (…).

2. O A... responsabiliza-se ainda peio desenvolvimento das seguintes atividades:

(i) desenvolver, atualizar e monitorizar a presença de produtos bancários oferecidos pelo Banco 1... (…)”.

K. Nos termos da cláusula quinta do acordo: “1. O desenvolvimento das atividades pelo A..., não implica a assunção por este de poderes de representação do Banco 1... na celebração de qualquer tipo de contrato financeiro ou bancário, com qualquer entidade ou Cliente. (…)”.

L. Consta da cláusula sexta do acordo, com a epígrafe “Responsabilidades do Banco 1...”:

“(…)

3. O Banco 1... será o responsável pela análise de crédito de todas as possíveis contrapartes em contratos de financiamento, competindo-lhe, sem qualquer exceção, a decisão de concessão de qualquer tipo de crédito ou a celebração de qualquer tipo de contrato relacionado com o desenvolvimento da atividade bancária. (…)”.

M. Nos termos da cláusula nona do Acordo, a remuneração da A... é calculada do seguinte modo:

“1. Em contrapartida das atividades de negociação de contratos de crédito desenvolvidas pelo A... nos termos da Cláusula 3.1. do presente Contrato, com vista à promoção e comercialização dos produtos bancários do Banco 1... destinados aos clientes de retalho (consumidores e não consumidores), Clientes Corporate e Clientes Wholesale, o A... será remunerado através de uma Comissão de Vendas, a calcular nos termos seguintes:

1.1. Comissão de Venda de produtos financeiros a Clientes Retalho:

1.1.1 O A... receberá mensalmente uma comissão que resultará da aplicação de uma percentagem ao Valor total do Investimento Médio do Banco 1... dos contratos celebrados em cada mês. O valor do Investimento Médio do Banco 1... entende-se o somatório do capital em divida do cliente no final de cada mês ao longo da vida do contrato anualizado, apurado no momento da celebração do contrato.

1.1.2 A percentagem referida no número anterior é a que resulta da média das percentagens identificadas nas tabelas constantes no Anexo II, tendo em conta o peso relativo das diversas tipologias de contratos aí identificados

1.1.3 O A... receberá as comissões, tal como calculadas na presente cláusula, no pressuposto de que serão cumpridos os objectivos a que se refere a Cláusula Oitava. (…)”.

N. Em 30.01.2019, a “C...” emitiu a fatura n.º ...0 em nome do Banco 1... GmbH, Sucursal Portugal, no valor de € 4.239.942,97, proveniente do “Sales Comission Agreement CRD”, constando da mesma fatura: “Isento Artigo 9.º do CIVA (ou similar)”, “2018”, “Valor base: 4.076.868,24€ + Imposto Selo 163.074,73”, “Operação sujeita a imposto de selo 4%” (cfr. doc. n.º 5 junto aos autos com a p.i., a fls. 33 dos autos);

O. Na mesma data, a “C...” emitiu a fatura n.º ...1 em nome do Banco 1... GmbH, Sucursal Portugal, no valor de € 368.069,17, proveniente do “Sales Comission Agreement CRD”, constando da mesma fatura: “Isento Artigo 9.º do CIVA (ou similar)”, “2018”, “Valor base: 353.912,67€ + Imposto Selo 14.156,51”, “Operação sujeita a imposto de selo 4%” (cfr. doc. n.º 5 junto aos autos com a p.i., a fls. 33 verso dos autos);

P. Em 19.02.2019, a Impugnante autoliquidou IS, no montante de € 177.231,24, referente ao valor recebido pelas prestações de serviço realizadas ao abrigo do contrato referido na alínea G. supra, com o código 317 – IS, referente a “Operações Financeiras” (cfr. doc. n.º 2 junto aos autos com a p.i., a fls. 13 dos autos);

Q. Em 20.02.2019, a Impugnante efetuou o pagamento do valor do IS referido na alínea antecedente (cfr. doc. n.º 6 junto aos autos com a p.i., a fls. 34 dos autos);

R. Em 03.01.2019, a Impugnante deduziu reclamação graciosa contra o ato tributário referido na alínea P. supra, que não foi objeto de decisão (cfr. doc. n.º 1 junto aos autos com a p.i., a fls. 9 a 12 dos autos e PAT apenso, a fls. 108 e ss., numeração sitaf).

2.2. O direito

A primeira questão que cumpre apreciar e decidir, suscitada pelo Ministério Público, é a da incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal Administrativo para conhecer do presente recurso, sendo que esta questão tem prioridade relativamente a todas as outras, conforme decorre do disposto no artigo 13.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), e a sua eventual procedência prejudica o conhecimento de qualquer outra questão.

Vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 26.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), na redacção dada pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro, e no artigo 280.º, nº 1, do CPPT, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, a competência para conhecer dos recursos das decisões de mérito dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário, cabe à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito.

Como o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, o recurso versa exclusivamente matéria de direito quando as questões que nele se colocam se resolverem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas. O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas conclusões do respectivo recurso se suscitar questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (cf. entre muitos, acórdãos STA de 16/12/2009, Processo 0738/09, de 21/04/2010, Processo 0189/10 e de 04/03/2020, Processo 299/19.9BEMDL; de 12/4/2023, Processo 0436/12.4BECBR).

E se o recorrente suscitar qualquer questão de facto, o recurso já não terá por fundamento exclusivamente matéria de direito, ficando, desde logo, definida a competência do Tribunal Central Administrativo, independentemente da eventualidade de, por fim, esse Tribunal vir a concluir que a discordância sobre a matéria fáctica, ou que os factos não provados alegados são irrelevantes para a decisão do recurso.- cf., por todos, acórdão do STA de 19/4/2012, Processo 0297/12.

Na sentença recorrida foi considerado, entre o mais, que a Impugnante não se limita a transmitir meras informações comerciais, tendo um papel activo (e até preponderante) na negociação e conformação dos termos contratuais até à fase última de aprovação do contrato de crédito, tendo, através da celebração do “Acordo de Colaboração Comercial” - e actuando sob uma marca única -, passado a poder intervir na negociação e comercialização de produtos bancários e financeiros, actividade esta que estaria até então reservada à Banco 1..., Sucursal em Portugal, enquanto instituição de crédito registada e sujeita a supervisão do Banco de Portugal. E, nessa medida, concluiu que as operações em causa nos autos são realizadas “por” ou “com” a intermediação de uma instituição de crédito, pelo que se deve considerar preenchido o elemento subjectivo constante da Verba 17.3.4 da TGIS (cf. p. 10/11 da sentença).

Ora, a Recorrente insurge-se, além do mais, contra com o assim decidido, começando logo por alegar na conclusão 2.ª da minuta do recurso que um dos fundamentos por que não se conforma com a sentença recorrida é porque esta não especifica, nem concretiza de onde retira, fundamentos de facto que, aparentemente, tiveram relevância na sua aplicação do direito mas que não foram sequer elencados, seja nos factos provados, seja nos factos não provados.

A Recorrente não se conforma que o tribunal a quo, com base na prova testemunhal e nos factos dados como provados, tenha considerado, designadamente, que ela tem um papel activo (e até preponderante) na negociação e conformação dos termos contratuais até à fase última de aprovação do contrato de crédito, não se limitando a transmitir meras informações comerciais (cf. conclusões 14.ª e 15.ª).

Como bem salienta o EPGA, embora invocando uma pretensa “nulidade da sentença” [sendo que, como decorre do artigo 5.º, n.º3 do CPC, o tribunal não está vinculado à qualificação jurídica dada pelas partes], a verdade é que a Recorrente diverge, nessa parte, dos “juízos de facto” que sustentaram a decisão de considerar preenchido o elemento subjectivo constante da Verba 17.3.4 da TGIS. Ou seja, da leitura das conclusões de recurso [em especial 2.ª e 13.ª a 19.ª] resulta que a Recorrente questiona os juízos de facto extraídos pelo tribunal a quo.

E, assim sendo, é de concluir que o presente recurso não tem por fundamento apenas matéria de direito.

Do que vimos de dizer decorre que a competência em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso pertence não a este Supremo Tribunal Administrativo, mas sim ao Tribunal Central Administrativo Sul.

Nos termos do disposto no artigo 16.º do CPPT, a incompetência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final, sendo que, uma vez declarada, implica a remessa oficiosa do processo ao tribunal tributário competente (artigo 18.º, n.º 1, do CPPT).

3. Decisão

Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em decide-se declarar este Supremo Tribunal Administrativo incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso jurisdicional e declarar competente, para esse efeito, a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul.

Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.


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Oportunamente, remeta-se o processo ao Tribunal Central Administrativo Sul (cf. artigo 18.º, n.º 1 do CPPT).

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Lisboa, 3 de Julho de 2024. - Fernanda de Fátima Esteves (relatora) - José Gomes Correia – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.