Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0466/21.5BELSB
Data do Acordão:07/11/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:PROGRAMA
REGULARIZAÇÃO EXTRAORDINÁRIA
VINCULAÇÃO
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
LEI
Sumário:I - Aos adjuntos do gabinete do Tribunal de Contas aplica-se o regime jurídico do Decreto-Lei n.º 11/2012, de 20 de Janeiro (artigo 3.º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 440/99).
II - Quando os membros dos gabinetes se encontrarem, à data da designação, investidos em cargo ou funções públicas de exercício temporário, por virtude da lei, acto ou contrato, ou em comissão de serviço, o exercício de funções no gabinete suspende o respectivo prazo ou exercício.
III - Para efeitos do preenchimento dos requisitos do PREVPAP (Lei n.º 112/2017) por um adjunto do gabinete deve atender-se à respectiva situação jurídica laboral prévia à nomeação para aquelas funções.
Nº Convencional:JSTA000P32538
Nº do Documento:SA1202407110466/21
Recorrente:AA
Recorrido 1:TRIBUNAL DE CONTAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – RELATÓRIO

1 – AA, com os sinais dos autos, propôs neste Supremo Tribunal Administrativo, contra o TRIBUNAL DE CONTAS, igualmente com os sinais dos autos, e em que indicou diversos contra-interessados citados por edital, acção administrativa, em que formulou o seguinte pedido:
“[…]
A. Deve a presente ação ser julgada integralmente procedente, sendo a decisão do conselho administrativo do Tribunal de Contas de 22.12.2020, e a decisão do Presidente do Tribunal de Contas de 04.01.2021, anuladas, com todos os efeitos legais.
B. Na hipótese de o tribunal julgar que tal consequência não decorre já do despacho do Presidente do Tribunal de Contas de 10.02.2020, que não foi objeto de anulação ou revogação administrativas e/ou impugnação judicial, ser o Tribunal de Contas condenado à prática do ato administrativo devido de reconhecimento de que o autor cumpre todos os requisitos necessários para beneficiar do programa de regularização extraordinária dos vínculos precários instituído pela Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro;
C. E, em consequência, ser ainda condenado o Tribunal de Contas a proceder à abertura de um concurso curricular para regularização do vínculo contratual do autor, no prazo máximo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença;
D. Mais se requer a suspensão da instância, ao abrigo do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do CPC (aplicável ex vi o artigo 1.º do cpta), até que o processo urgente de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, instaurado na presente data, ao abrigo do disposto no artigo 109.º do CPTA, pelo autor neste tribunal administrativo de círculo, e em que é requerido o Tribunal de Contas, seja definitivamente julgado (proc. 465/21.7BELSB).
[…]».

2 – A Entidade Demandada apresentou contestação [fls. 159 e ss. do SITAF], na qual pugnou pela improcedência da acção.

3 – A Relatora proferiu, em 27.05.2024, despacho saneador [fls. 238 do SITAF], determinando a dispensa de realização de audiência prévia, a dispensa de qualquer instrução probatória, bem como de audiência final e de produção de alegações.

4 - As partes não impugnaram o decidido no despacho saneador, que já transitou em julgado.

Cumpre apreciar e decidir em conferência.


II – Fundamentação

1. De facto
Com interesse para a decisão dão-se como assentes os seguintes factos:
«[…]
A) O A. exerce funções nos serviços de apoio do Tribunal de Contas desde ../../2002, data da celebração do primeiro contrato de prestação de serviços entre este e o então Presidente do Tribunal de Contas, representado pelo respetivo Chefe de Gabinete; o que faz de forma ininterrupta até aos dias de hoje – (artigo 13.º da p. i. e não contraditado);

B) Na Declaração emitida em 10.02.2021 pelo Diretor-Geral do Tribunal de Contas e à qual foi aposto “visto” pelo Presidente do Tribunal, pode ler-se o seguinte: “Para os devidos efeitos se declara que AA, a exercer funções no Tribunal de Contas desde ../../2002 até à presente data, desempenhou funções no Departamento de Consultadoria e Planeamento e no Gabinete do Presidente que se consubstanciaram nas seguintes tarefas e responsabilidades (…)” (Doc. 1 junto com a p.i., cujo teor integral aqui se dá por reproduzido);

C) Entre 2002 a 2004, o A. esteve colocado no núcleo de informação Jurídica e Financeira [do Tribunal de Contas}, cujas funções consistiam no tratamento e acompanhamento da documentação jurídica, económica e financeira, assim como o acompanhamento da elaboração de publicações do Tribunal de Contas (Doc. 1 junto com a p.i.);

D) Entre 2005 e 2014, o Autor exerceu funções no Núcleo de Consultoria do Departamento de Consultoria e Planeamento da Direcção-Geral do Tribunal de Contas, onde, designadamente, procedia à elaboração de estudos jurídicos, pareceres e informações de natureza jurídico-financeira e orçamental, mediante a solicitação dos Exmos. Senhores Juízes Conselheiros, do Senhor Presidente do Tribunal e, bem assim, de outros departamentos da Direcção-Geral do Tribunal (Doc. 1 junto com a p.i.);

E) Em Agosto de 2014, o A. passou a assumir as funções do anterior “Consultor do Corpo Especial de Fiscalização e Controlo da Direcção-Geral do Tribunal de Contas”, em virtude de aposentadoria (Doc. 1 junto com a p.i.);

F) Desde Agosto de 2014 e até à presente data, o A. passou a estar fisicamente “colocado” no serviço de apoio (Gabinete do Presidente), passando a exercer as mesmas funções que eram exercidas pelo “Consultor do Corpo Especial de Fiscalização e Controlo da Direcção-Geral do Tribunal de Contas” (Doc. 1 junto com a p.i.);

G) Nos últimos quase 20 anos, o vínculo contratual entre Autor e o Tribunal de Contas teve por base um contrato de prestação de serviços, de duração limitada, mas sucessivamente renovado - (artigo 20.º da p. i. e não contraditado);

H) Desde 2016, o exercício das mesmas funções, e de outras que passou a exercer, passou a basear-se no Despacho n.º 24/20..., de 3 de Outubro, do então Presidente do Tribunal - (artigo 20.º da p. i. e não contraditado);

I) O A. dirigiu ao Director-geral do Tribunal, em 25.06.2018, um requerimento, pedindo o reconhecimento de que exercia, desde ../../2002, funções que correspondem a necessidades permanentes dos serviços de apoio do Tribunal e, por efeito consequente, que se procedesse à abertura do competente concurso curricular para integração na carreira - (artigo 24.º da p. i. e não contraditado);

J) A Direção-Geral do Tribunal, no dia 20.05.2019, emitiu a Informação n.º ...9..., na qual se pode ler o seguinte: “(…) entende-se que o Requerente deverá demonstrar de forma mais completa o preenchimento dos requisitos subjectivos referidos nas subalíneas i [exercício de funções no período entre 1 de Janeiro e 4 de Maio de 2017], iii [correspondência das funções a necessidades permanentes dos serviços] iv [sujeição ao poder hierárquico, de disciplina ou direcção e horário completo] e v [inadequação do vínculo] da alínea b) do ponto 3.2. da Parte II. – (Doc. 2 junto com a p.i., cujo teor integral aqui se dá por reproduzido);

K) Em 06.09.2019, o A. dirigiu ao Director-Geral do Tribunal de Contas uma comunicação escrita na qual complementou a informação já prestada, documento cujo teor não se transcreve, mas que aqui se dá por integralmente reproduzido – (Doc. 3 junto com a p.i.)

L) Em 14.01.2020, o A. dirigiu ao Director-Geral do Tribunal de Contas um aditamento à comunicação de 06.09.2019, cujo teor não se transcreve, mas que aqui se dá por integralmente reproduzido (Doc. 4 junto com a p.i.)

M) Em 21.01.2020, a Direcção-Geral do Tribunal de Contas emitiu a Informação n.º 74/20..., cujo teor não se transcreve, mas que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual consta a seguinte conclusão: “(…)«atento o regime jurídico aplicável à regularização de vínculos precários na Administração Pública, alargado, por efeito da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, aos vínculos inadequados existentes nos serviços de apoio deste Tribunal, considerando o alargado período temporal em que o Lic. AA vem exercendo funções nesta instituição e confirmando-se, superiormente, que no período relevante para aplicação da Lei do PREVPAP, o Autor exercia funções que satisfazem necessidades permanentes do serviço, sem o adequado vínculo jurídico, propõe-se o reconhecimento dessa situação pelo Senhor Presidente do Tribunal de Contas e a consequente abertura de procedimento concursal destinado à respectiva regularização» - (Doc. 4 junto com a p.i.);

N) Na Informação n.º 74/20... foi aposta, de forma manuscrita, em 07.02.2020, declaração do Director-Geral do Tribunal de Contas, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e na qual se pode ler: “(…) sem quaisquer reservas, reconheço que o Senhor Dr. AA, desde 2002, ao longo de cerca de 18 anos, exerceu funções correspondentes a necessidades permanentes, nos Serviços de Apoio do Tribunal de Contas, confirmando-se dever ser aberto o competente concurso curricular em carreira do corpo especial compatível com as funções que veio desempenhando desde 2002(…)”- (Doc. 4 junto com a p.i.);

O) Na mesma Informação n.º 74/20... foi aposto, de forma manuscrita, em 10.02.2020, Despacho do Conselheiro Presidente, cujo teor integral aqui se dá por transcrito e no qual se pode ler: “(…) reconheço que as funções exercidas pelo Requerente satisfazem necessidades permanentes e que o vínculo jurídico não é adequado. Nestes termos, autorizo a abertura de procedimento concursal para regularização do vínculo precário do Requerente(…)” - (Doc. 4 junto com a p.i.);

P) Em 22.06.2020, a Direcção-Geral do Tribunal de Contas emitiu a Informação n.º 225/20..., que não se transcreve, mas cujo teor integral aqui se dá por reproduzido e na qual se pode ler: “(…) «propõe-se que, com a maior brevidade possível se dê seguimento ao despacho autorizador de 10-02-2020 do Conselheiro Presidente do Tribunal de Contas e (…), se abra o procedimento concursal de regularização, com caráter urgente, com vista à integração do Lic. AA no mapa de pessoal da Direção-Geral do Tribunal de Contas – Sede, na carreira de Técnico Verificador Superior, do corpo especial de fiscalização e controlo da DGTC (…)” – Doc. 6 junto com a p.i.;

Q) Na Informação n.º 225/20..., foi aposto, de forma manuscrita, em 29.09.2020, Despacho do Conselheiro Presidente, de designação dos membros do júri do referido procedimento concursal, despacho cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - Doc. 6 junto com a p.i.;

R) Em 22.12.2020, o Conselho Administrativo do Tribunal, deliberou o seguinte: “(…) Analisada a informação relativa à regularização no Âmbito do PREVPAP entendeu o Conselho Administrativo, por maioria, que no período de 1 de Janeiro a 4 de Maio de 2017, o Sr. Dr. AA não se encontrava em situação que permitisse a aplicação do programa de regularização extraordinária dos vínculos precários uma vez que em 30 de Setembro de 2016 viu caducado o seu contrato de prestação de serviço, tendo sido nomeado como adjunto do Gabinete do Presidente em 3 de Outubro do mesmo ano (…)”, tendo o Presidente do Tribunal de Contas lavrado voto de vencido com o seguinte teor: “«Relativamente ao ponto dois da presente Ata, e embora respeitando os argumentos que fundamentam a posição da maioria dos membros do conselho, voto de vencido por entender que, considerando os elementos constantes do processo, designadamente os que se referem o exercício, pelo Dr. AA, de funções para a satisfação de necessidades permanentes dos serviços de apoio do Tribunal, com subordinação hierárquica, se encontram preenchidos os pressupostos para a abertura do concurso para regularização do respectivo vínculo» – Acta n.º ...20 do Conselho Administrativo do Tribunal de Contas Doc. 7 junto com a p.i.

S) Da Acta n.º ...20 do Conselho Administrativo do Tribunal de Contas consta o seguinte Despacho manuscrito do Presidente do Tribunal de Contas, com a data de 04.01.2021: “tomei conhecimento da deliberação do Conselho Administrativo assumindo a posição de não dar execução financeira a essa futura integração do Autor Dr. AA. Dê-se, pois, conhecimento do mesmo ao Autor, para os efetivos que considere convenientes, arquive-se entretanto o processo» - Doc. 7 junto com a p.i.;

T) O A. teve conhecimento das decisões em 07.01.2021 - (artigo 37.º da p. i. e não contraditado);

U) O Autor apresentou em 03.03.2021 uma exposição no sentido de ver revertida a sua situação - (artigo 38.º da p. i. e não contraditado);

V) Em 12.03.2021, o A. teve conhecimento de que se mantinham inalteradas as anteriores decisões - (artigo 39.º da p. i. e não contraditado);

W) Em 22.03.2021, o A. intentou no TAC de Lisboa, intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, que ali correu termos sob o processo n.º 465/21.7BELSB, e, por sentença de 29.04.2021, foi julgada improcedente com fundamento na falta de verificação dos respectivos pressupostos legais enunciados no artigo 109.º, n.º 1 do CPTA. Decisão já transitada em julgado – informação disponível via SITAF;

X) Em 22.03.2021, o A. propôs no TAC de Lisboa a presente acção administrativa;

Y) Por sentença de 15.04.2024, o TAC julgou-se incompetente para conhecer da presente acção e competente para o efeito o STA

Inexistem outros factos com interesse para a decisão a proferir.

2. De Direito

A presente acção tem como objecto principal saber se o A. preenche ou não os requisitos para poder beneficiar do regime jurídico do programa de regularização extraordinária dos vínculos precários, aprovado pela Lei n.º 112/2017.

2.1. Da verificação in casu dos pressupostos do programa de regularização extraordinária dos vínculos precários

A Lei n.º 112/2017, de 29 de Dezembro, estabelece os termos da regularização prevista no programa de regularização extraordinária dos vínculos precários de pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam a necessidades permanentes da Administração Pública (PREVPAP), sem vínculo jurídico adequado, a que se referem o artigo 25.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2017, de 28 de Fevereiro.

O PREVPAP abrange as pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam ao conteúdo funcional de carreiras gerais ou especiais e que satisfaçam necessidades permanentes dos órgãos ou serviços abrangidos pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), sem vínculo jurídico adequado, apesar de estarem sujeitas ao poder hierárquico, à disciplina ou direcção de órgãos, serviços ou entidades (artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 112/2017).

Para beneficiar do PREPAV a lei exige que os “trabalhadores a regularizar” exerçam ou tenham exercido as funções em causa no período entre 1 de Janeiro e 4 de Maio de 2017, ou parte dele, e durante pelo menos um ano à data do início do procedimento concursal de regularização (artigo 3.º, n.º 1, alínea a da Lei n.º 112/2017).

Nas instituições, órgãos ou serviços relativamente aos quais as situações a regularizar não tenham sido apreciadas por uma CAB (como sucedeu com os serviços de apoio do Tribunal de Contas), podem ser opositores aos procedimentos concursais as pessoas que tenham exercido funções entre 1 de janeiro e 4 de maio de 2017, após o respectivo dirigente máximo ter reconhecido que as funções satisfazem necessidades permanentes e que o vínculo jurídico não é adequado (artigo 3.º, n.º 3 da Lei n.º 112/2017). O que também sucedeu no caso dos autos v. ponto O) da matéria de facto assente.

E os serviços de apoio ao Tribunal de Contas, que se encontram previstos e regulados no Decreto-Lei n.º 440/99, de 2 de Novembro, devem considerar-se abrangidos pelo regime jurídico do PREVPAP, uma vez que eles estão abrangidos pela LGTFP como expressamente dispõe o artigo 1.º, n.º 3 da LGTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho.

De acordo com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 440/99, são serviços de apoio ao Tribunal de Contas, o Gabinete do Presidente e os serviços de apoio à Direcção-Geral, os quais dependem hierarquicamente do Presidente e funcionalmente do Tribunal (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 440/99).

Segundo a matéria de facto em assente nos autos [ponto B)], o A. exerceu, desde 2002 a 2014, funções no Departamento de apoio técnico da Direcção-Geral do Tribunal de Contas, nas áreas da consultoria e planeamento (artigo 5.º, n.º 3, alínea e) do Decreto-Lei n.º 440/99) sob o regime de sucessivos contratos de trabalho a termo e em 2014 foi nomeado adjunto do Gabinete do Presidente do Tribunal de Contas, mantendo ainda, materialmente, o exercício de funções no Departamento de apoio técnico da Direcção-Geral do Tribunal de Contas.

De acordo com o disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 440/99 na redacção em vigor à data dos factos: i) os membros do Gabinete são nomeados por despacho do Presidente (n.º 5), como sucedeu com o A. [v. ponto H da matéria de facto assente]; e ii) ao pessoal do Gabinete é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime de nomeação, exoneração, garantias e vencimento consagrado na lei para o pessoal dos gabinetes ministeriais, com ressalva do abono para despesas de representação (n.º 7).

Assim, de acordo com o artigo 3.º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 440/99 ao pessoal do Gabinete do Presidente do Tribunal de Contas, como é o caso do A., aplica-se o regime jurídico do Decreto-Lei n.º 11/2012, de 20 de Janeiro. De acordo com este regime jurídico, o estatuto de quem exerce funções nos gabinetes ministeriais é necessária e inerentemente precário, sendo os mesmos nomeados por despacho de designação (artigo 12.º) e cessando funções por despacho, por cessação de funções da entidade designante ou pelo decurso do prazo quando a designação seja por tempo limitado (artigo 16.º).

E é este, aparentemente, o regime jurídico que motiva o litígio em apreço. Pois o Conselho Administrativo considerou que não estavam reunidos os requisitos legais para a aplicação da Lei n.º 112/2017 por o A. estar a exercer funções como adjunto do gabinete e não ao abrigo do contrato de trabalho a termo, o que indiciava que não só o vínculo precário era adequado ao exercício das funções de adjunto, como ainda que esse vínculo não estava abrangido pelo PREVPAP.

Porém, a tese sufragada pelo Conselho Administrativo enferma de um equívoco (não atenta no facto de ter sido comprovado pelo A. que materialmente continuava a exercer funções (equiparáveis às de consultor) no Departamento de apoio técnico da Direcção-Geral do Tribunal de Contas) e a isso acresce que não se revela compaginável com o respeito pelas garantias previstas no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 440/99. Com efeito, dispõe o n.º 3 do referido artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 440/99, que “quando os membros dos gabinetes se encontrarem, à data da designação, investidos em cargo ou funções públicas de exercício temporário, por virtude da lei, acto ou contrato, ou em comissão de serviço, o exercício de funções no gabinete suspende o respectivo prazo ou exercício”.

E como se explica na Informação da Direcção-Geral n.º 74/2020 [ponto M da matéria de facto assente], a Secretaria de Estado da Administração Pública firmou em 2009 o entendimento de que “o tipo de vínculo subjacente ao exercício de funções de qualquer membro de Gabinete ministerial é o único susceptível de permitir a livre nomeação e exoneração” e, como o A. demonstrou e a Secretaria-Geral do Tribunal de Contas reconheceu [v. ponto M da matéria de facto assente], com base na documentação por ele facultada no âmbito do procedimento administrativo, não só o A. era titular de um contrato de trabalho a termo quando foi nomeado para adjunto do gabinete (contrato que deve estar suspenso ex vi do disposto no artigo 10.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 11/2012, aplicável por efeito do artigo 3.º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 440/99, acrescentamos nós), como manteve, após aquela nomeação, o exercício material das funções até aí desempenhadas aos abrigo do contrato de trabalho a termo, e que eram as de consultoria e apoio técnico ao Senhor Director-Geral, na apreciação de impugnações administrativas, na instrução e na preparação de decisões em processos relativos a reclamações e recursos hierárquicos, assim como na elaboração de estudos e pareceres, como ficou – repetimos – documentalmente comprovado no processo administrativo.

Assim, o que “conta” para efeitos de verificação do requisito do exercício de funções no período entre 1 de janeiro e 4 de maio de 2017 não é a situações jurídica como adjunto do gabinete do Presidente, mas sim o vínculo subjacente ao exercício dessas funções e que é o contrato de trabalho a termo para o exercício das funções de consultor (categoria entretanto extinta pelo Decreto-Lei n.º 121/2023, de 26 de Dezembro), que o mesmo vinha exercendo desde 2002, ao abrigo de contrato de trabalho a termo.

Sendo este único requisito legal que a deliberação do Conselho Administrativo considerou, erradamente, como acabamos de demonstrar, não estar preenchido para a regularização da situação do A. no âmbito do PREVPAP, cabe concluir que o mesmo preenchia, à data da decisão ilegalmente recusada, todos os pressupostos legais para ver a sua situação jurídica de emprego público regularizada ao abrigo do PREVPAP, como ficou documentalmente atestado pelas informações da Direcção-Geral e os Despachos do Presidente do Tribunal de Contas [pontos M), N), O), P) e Q) da matéria de facto assente].

2.2. Da ilegalidade da deliberação do Conselho Administrativo vertida na acta ...20

Concluímos já que a deliberação tomada pelo Conselho Administrativo do Tribunal de Contas e vertida na acta n.º ...20 se revela ilegal por repousar sobre um erro nos pressupostos de facto e uma errada interpretação das normas aplicáveis ao caso, ou seja, por ter tomado em consideração apenas a situação jurídica “estatutária” do Requerente como adjunto do Gabinete, quando deveria ter tomado em consideração o contrato de trabalho a termo celebrado com aquele aquando da nomeação e as actividades que materialmente continuou a desempenhar após a referida nomeação como adjunto do gabinete, e que consubstanciam actividades típicas do vínculo base, prévio àquela nomeação, não podendo o mesmo ser prejudicado pela mesma, como resulta do artigo 10.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 11/2012, aplicável por efeito do artigo 3.º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 440/99.

Nestes termos, sendo a decisão de regularização extraordinária dos vínculos precários uma vinculação legal que se impõe aos serviços abrangidos pela Lei n.º 112/2017, como é o caso, também, dos serviços de apoio do Tribunal de Contas, a deliberação do Conselho Administrativo do Tribunal de 22.12.2020 não se pode manter, como também não se pode manter, por ser igualmente ilegal, o Despacho do Presidente do Tribunal de Contas de 04.01.2021, uma vez que ambos violam o regime jurídico do PREVPAP aprovado pela Lei n.º 112/2017 e o direito do A. dali resultante à regularização extraordinária do seu vínculo precário.

Sendo aqueles actos ilegais pelos motivos já expostos, fica prejudicada a questão de saber se, havendo divergência na interpretação do preenchimento dos requisitos legais para a aplicação do PREVPAP, o Conselho Administrativo do Tribunal de Contas tinha ou não competência para adoptar uma deliberação que recusasse a abertura do procedimento concursal. Tendo nós concluído que a divergência resultava de o Conselho Administrativo ter errado na interpretação normativa que sufragou, a divergência deixa de se verificar. Lembre-se que o que estava em causa na adopção da deliberação era a invocação da falta de um pressuposto legal para a regularização do vínculo, o que resultaria na autorização de uma despesa ilegal. Ilegalidade que agora se demonstrou que não se verificava. Ficando neutralizada a questão da divergência de opinião entre os órgãos do Tribunal de Contas. De resto, importa ainda sublinhar que a deliberação do Conselho Administrativo não se pronunciou sobre os aspectos reservados pela Lei ao dirigente máximo do serviço, ou seja, quanto a saber se havia ou não um vínculo inadequado para o exercício de uma função que correspondia a uma necessidade permanente do serviço, identificada com a função de consultor do Departamento da Direcção-Geral do Tribunal de Contas que o A. materialmente exercia ao abrigo do contrato de trabalho a termo antes da nomeação como adjunto do gabinete e que continuou, materialmente, a exercer após aquela data.

2.3. Da condenação do Tribunal de Contas à abertura de um concurso curricular para regularização do vínculo contratual do Autor

Estando demonstrado o preenchimento de todos os pressupostos legais para a regularização extraordinária do vínculo precário do A. com o Tribunal de Contas, e tendo sido afastados, por ilegais, os actos de impediram o início do procedimento concursal imposto pela Lei n.º 112/2017, cabe concluir pela condenação legal do Tribunal de Contas, através dos órgãos próprios a proceder à abertura do referido procedimento no prazo máximo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, como requerido pelo A.

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em julgar procedente a acção, anular a deliberação do Conselho Administrativo do Tribunal de 22.12.2020 e o Despacho do Presidente do Tribunal de Contas de 04.01.2021, e condenar o Tribunal de Contas a abrir o procedimento concursal imposto pela Lei n.º 112/2017 no prazo máximo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, como requerido pelo A.
Custas pela Entidade Demandada.

Lisboa, 11 de Julho de 2024. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Cláudio Ramos Monteiro - Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho (em substituição).