Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01108/18.1BEBRG
Data do Acordão:07/11/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOÃO SÉRGIO RIBEIRO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
RECURSO DE REVISÃO
Sumário:I - A questão principal a considerar é o pedido de revisão das decisões administrativas de aplicação de coima proferidas pelo Chefe do Serviço de Finanças de Valença.
II - Analisado o artigo 449.º do CPP, conclui-se que não estão verificadas as condições para a admissão do recurso de revisão.
Nº Convencional:JSTA000P32519
Nº do Documento:SA22024071101108/18
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


1. Relatório

1.1. A..., S.A., melhor identificada nos autos, invocando o disposto no artigo 85.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), deu entrada no Serviço de Finanças de Valença, dirigida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de petição de recurso extraordinário de revisão das decisões administrativas de aplicação de coima proferidas pelo Chefe desse Serviço de Finanças, no âmbito dos processos de contraordenação instaurados pela prática de contraordenação decorrente da falta de pagamento de taxas de portagem, também melhor identificados nos autos [designadamente na sentença proferida pelo TAF de Braga, de 16.01.2018, proferida no Proc. n.º 179/17.2BEBRG, no âmbito do processo de execução fiscal que ali correu termos, junta à PI pela recorrente conjuntamente com a demais documentação (fls. 1-60, paginação SITAF)].

1.2. Conclui da seguinte forma as suas alegações de recurso:
«(…)
1.º O presente recurso versa sobre os processos de execução supra identificados que têm origem em processos de contraordenação cujas decisões transitaram em julgado mas que ainda não estão cumpridas voluntariamente ou coercivamente.

2.º Salvo melhor e mais esclarecida opinião, entende a recorrente que seria de todo desejável a apensação nestes autos de todas as decisões contraordenacionais em causa, evitando-se dessa forma a interposição de larga centenas de processos de revisão com o seguinte substrato:

i. A arguida foi a mesma em todos os processos em questão;

ii. O tipo legal de contraordenação foi exatamente o mesmo em todos os processos em questão;

iii. A determinação psicológica foi a mesma em todos os processos em questão;

iv. O quadro externo de cometimento contraordenacional foi o mesmo em todos os processos em questão;

v. As decisões contraordenacionais estão na fase de execução fiscal;
vi. As decisões transitaram em julgado na fase administrativa.

3.º Nestes termos, e por força do princípio da celeridade processual, requer-se a apensação a estes autos de todos os processos de contraordenação que deram origem aos processos de execução fiscal ora em epígrafe e a consequente tramitação.

4.º As decisões que são objeto do presente recurso de revisão transitaram em julgado na fase administrativa, tendo consequentemente a decisão ora recorrida sido praticada pela Administração Sancionatória.

5.º Por força do artigo 85.º do Regime Geral das Contraordenações, o juízo rescindente é da competência do Tribunal de 1.ª instância quando o processo contraordenacional transitou em julgado na fase administrativa. Por outro lado, o juízo rescisório, relativo à prática da nova decisão sancionatória, é da competência da Autoridade Sancionatória.

6.º A Recorrente está a cumprir um Plano Especial de Revitalização.

7.º Encontrando-se a Recorrente em processo de revitalização, requer-se o reconhecimento da isenção subjetiva nos presentes autos.

8.º É sabido que o Regime Geral das Contraordenações é aplicável subsidiariamente ao Regime Geral das Infrações Tributárias, em virtude do artigo 3.º, alínea b deste último diploma.

9.º Resulta do artigo 3.º, número 2 do Regime Geral das Contraordenações que, ocorrendo uma modificação legal de que resulte a aplicação de uma lei mais favorável ao Arguido, essa alteração legal passa a ser aplicável enquanto a decisão contraordenacional não transita em julgado; Ou, transitando em julgado, enquanto a decisão não foi ainda totalmente executada.

10.º O sentido do termo técnico de decisão "já executada" é sinónimo de decisão "integralmente cumprida".

11.º Pretende o legislador que no caso de a decisão transitar em julgado, ela só é modificável enquanto não está integralmente cumprida, voluntária ou coercivamente.

12.º Caso esteja a decisão contraordenacional esteja transitada em julgado e integralmente executada ou cumprida, obviamente que a lei mais atual e mais favorável não lhe é aplicável, em virtude do princípio da segurança jurídica.

13.º Já no caso de a decisão contraordenacional estar transitada em julgado, ela tem de ser substituída por uma nova decisão contraordenacional se o arguido ainda não executou tal decisão definitiva.

14.º In casu, as decisões supra mencionadas ainda não foram cumpridas, voluntariamente ou coercivamente, já que cada processo está pendente, por falta de pagamento da respetiva sanção.

15.º Não tendo sido tais decisões contraordenacionais totalmente cumpridas e havendo uma lei sancionatória à data dos factos que foi modificada em sentido mais favorável, é imediatamente aplicável a nova lei, nos exatos termos do artigo 3.°, número 2 do Regime Geral das Contraordenações, ex vi artigo 3.º, alínea b do Regime Geral das Infrações Tributárias.

16.º A Recorrente pagou as taxas de portagem e respetivas custas associadas na vigência da Lei número 51/2015, conforme informação disponível no serviço tributário recorrido.

17.º Nesse sentido, foi emitido um DUC por cada taxa de portagem paga, relativo a 10% do valor da coima, por força do artigo 2.º, alínea b da referida lei.

18.º Formalmente, não foi emitida uma nova decisão contraordenacional.

19.º Acontece que em virtude daquele pagamento, entende a Recorrente que além da emissão de uma coima no valor de 10% da coima anteriormente fixada ou a fixar, o princípio sancionatório da aplicação de lei mais favorável não foi respeitado, já que houve outras alterações legislativas sancionatórias que não foram aplicadas à ora recorrente e que lhe eram concretamente mais favoráveis.

20.º Enquanto a decisão contraordenacional transitada em julgado não é integralmente cumprida de forma voluntária ou coerciva, é aplicável a lei mais favorável, nos termos do artigo 3.º do Regime Geral das Contraordenações.

21.º O legislador diminuiu o montante mínimo da coima abstratamente aplicável da Lei número 25/2006, com a publicação em 8 de junho da Lei número 51/2015.

22.º Com a adição do número 4 e número 5 ao artigo 7.º da Lei número 25/2006, o legislador criou uma autêntica descontraordenacionalização no que concerne às condutas já praticadas aquando da respetiva entrada em vigor, já que todas as condutas praticadas no mesmo dia, na mesma concessão e com o mesmo veículo se passaram a considerar como uma única contraordenação, enquanto que antes desta nova redação, cada passagem na mesma concessão, com o mesmo veículo e com o mesmo agente se considerava uma contraordenação.

23.º Além da atenuação da coima, conforme impôs o artigo 2.º e 3.º da Lei número 51/2015, deveriam ter sido emitidas novas decisões, previamente àquela atenuação especial, que tivessem por base as novas molduras abstratamente aplicáveis e a extinção de processos contraordenacionais sempre que se estivesse perante uma passagem na mesma concessão, no mesmo dia, com o mesmo veículo - o que não aconteceu.

24.º A Recorrente não pagou, voluntária ou coercivamente, os montantes em dívida, a título de coima, até à presente data.

25.º Manifestamente, quaisquer decisões contraordenacionais que terão transitado em julgado ainda não estão executadas ou cumpridas.

26.º Assim, ao não proceder à aplicação da lei concretamente mais favorável às decisões contraordenacionais transitadas em julgado na fase administrativa e ainda não executadas, violou a Autoridade Administrativa o artigo 3.º, número 2 do Regime Geral das Contraordenações, por força do artigo 3.º, alínea b do Regime Geral das Infrações Tributárias, o artigo 29.º, número 4 da Constituição e o artigo 7.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

27.º Em obediência ao artigo 3.º, número 2 do Regime Geral das Contraordenações, por força do artigo 3.º, alínea b do Regime Geral das Infrações Tributárias, tendo os presentes autos origem em decisões contraordenacionais ao abrigo da Lei número 25/2006 e tendo tal lei sido alterada favoravelmente à Recorrente, devem as decisões contraordenacionais que deram origem aos presentes processos de execução fiscal serem renovadas através da emissão de novas decisões contraordenacionais, aplicando-se desta feita a lei atual, que é manifestamente mais favorável, no que concerne à extinção de contraordenações e a aplicação da nova moldura contraordenacional.

28.º SEM PRESCINDIR E POR MERA CAUTELA,

29.º A aplicação da lei mais favorável ora requerida não pode nunca resultar num valor total a pagar superior aos 10% das coimas que estão ora em execução, já que tal situação está vedada em virtude do princípio da aplicação da lei concretamente mais favorável.
TERMOS EM QUE,
Devem as decisões contraordenacionais que deram origem aos presentes processos de execução fiscal serem renovadas através da emissão de novas decisões contraordenacionais, aplicando-se desta feita a lei atual, que é manifestamente mais favorável, no que concerne à extinção de contraordenações e à aplicação da nova moldura contraordenacional. (…)»

1.2. O Serviço de Finanças de Valença remeteu os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, tendo a Mma. Juíza de direito proferido despacho no sentido da remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo, salientando que “estando em causa uma revisão a favor do arguido e não vindo este invocar novos meios de prova, nos termos do artigo 80.º do RGCO, a admissibilidade da revisão deve ser apreciada à luz do (…) artigo 449.º do CPP “, não estando preenchidos, em sua perspetiva, os requisitos para a admissibilidade do presente pedido, porquanto “os fundamentos invocados pelo Recorrente para a revisão extraordinária, não se enquadram em nenhuma das alíneas do artigo 449.º do CPP”.

1.3. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada «vista» ao Ministério Público, tendo o Digno Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso extraordinário de revisão, nos termos seguintes.

«(…)

II
(Condições de admissibilidade da revisão)

3. O artigo 3.º (Aplicação no tempo), do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (Institui o ilícito de mera ordenação social e respetivo processo), por último alterado pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro (doravante, RGCO), dispõe, nas passagens ora relevantes: “1 - A punição da contra-ordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende.; 2- Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada. (…)

4. O artigo 80.º (Admissibilidade da revisão) nas passagens agora relevantes, dispõe: “1 - A revisão de decisões definitivas ou transitadas em julgado em matéria contra-ordenacional obedece ao disposto nos artigos 449.º e seguintes do Código de Processo Penal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma.”.

5. Finalmente, o n.º 1 do artigo 449.º (Fundamentos e admissibilidade da revisão), do CPP, na passagem agora relevante, dispõe:

“1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.”

6. Como resulta da motivação e das conclusões da douta petição inicial, o fundamento do pedido de revisão das “decisões de fixação da coima” previstas e punidas pelo n.º 2 artigo 5.º (Contraordenações praticadas no âmbito do sistema de cobrança eletrónica de portagens) da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho (Aprova o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem) agora em apreço procede, exclusivamente, da alegada superveniência de uma lei mais favorável àquela, ou seja, da Lei n.º 51/2015, de 8 de junho (Aprova um regime excecional de regularização de dívidas resultantes do não pagamento de taxas de portagem e coimas associadas, por utilização de infraestrutura rodoviária, e procede à oitava alteração à Lei n.º 25/2006, de 30 de junho).

7. Por outra palavras, da motivação e das conclusões em causa, embora providas de doutas considerações sobre as noções de “decisão definitiva [pois não há no caso, por definição, “trânsito em julgado”] já executada” e “lei mais favorável”, não consta qualquer referência ao preceito legal que estabelece as condições de admissibilidade do presente recurso de revisão, ou seja o mencionado artigo 449.ºdo CPP, n.º 1, pelas suas alíneas a) a g), por força da remissão legal do artigo 80.º do RGCO (consta referência ao artigo 85.º deste diploma legal que, todavia, se deverá a lapsus calami).

8. E também das mesmas não consta qualquer afirmação e comprovação que seja passível de subsunção em qualquer uma das sete referidas condições de admissibilidade do presente recurso de revisão: sentença transitada em julgado; factos dados como provados noutra sentença; novos factos e novos meios de prova; provas proibidas; declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral e sentença vinculativa.

9. Aliás, dado o perfil da situação em apreço, sempre se dirá, embora apenas e estritamente ad argumentadum, que o procedimento de revisão eventualmente terá de encetar com um pedido de reforma das “decisões de aplicação das coimas” em causa, perante o órgão competente da autoridade tributária (art. 62.º, n.º 2, do RGCO, que alude à “revogação”, mas quem pode o mais – revogação – poderá o menos – reforma – das prévias decisões).

10. Em qualquer caso, em conclusão, como a justo título consta da informação judicial veiculada no despacho judicial proferido no termos do artigo 454.º do CPP, não foi alegada, e comprovada, qualquer uma das condições de admissibilidade do presente recurso extraordinário de revisão (SITAF, pp. 225 a 230).


III
(Conclusão)
Face ao exposto, por não ter sido alegada, e comprovada, qualquer uma das suas legais condições de admissibilidade, somos de parecer que é de negar provimento ao presente recurso extraordinário de revisão [RGCO, art. 80.º, n.º 1, e CPP, art. 449.º, n.º 1, als. a) a g)]. …»


1.5. Cumpre apreciar e decidir [cfr. art. 3.º, alínea b), do RGIT, art. 80.º, n.º 1, do RGCO, art. 449.º e segs. do CPP e art. 26.º, alínea h), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais].


2. Fundamentação de Facto
Com interesse para a decisão a proferir, resulta dos autos o seguinte circunstancialismo fáctico:

1. No âmbito dos processos de contraordenação n.ºs ...82, ...12, ...36, ...40, ...58, ...92, ...15, ...44, ...09, ...41, ...09, ...49, ...92, ...57, ...03, ...11, ...38, ...84, ...21, instaurados contra o Recorrente pela prática de contraordenação decorrente da falta de pagamento de taxas de portagem, foram proferidas, pelo Chefe de Serviço de Finanças de Valença, decisões de fixação coima e respetivos encargos, datadas de 10.11.2016, 11.11.2026, 14.11.2016 e 15.11.2016, respetivamente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – cfr. Documentos juntos à PI a fls. 1-60 e fls. 61-118, paginação SITAF; tal como as ulteriores referências à mesma.

2. Em 16.01.2018, por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferida no Proc. n.º 179/17.2BEBRG, foi julgada improcedente a oposição deduzida pelo Recorrente à execução fiscal que correu termos sob o Processo n.º ...00 e apensos, por dívida de coimas e encargos resultantes da falta de pagamento de taxas de portagem e custos administrativos, na sequência dos processos de contraordenação a que se alude em 1. - cfr. sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 16.01.2018, junta à P.I., a fls. 1-60 dos autos.

3. O Recorrente apresentou no Serviço de Finanças de Valença, dirigido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, com o registo de entrada neste tribunal n.º 351509, de 28.03.2018, recurso extraordinário de revisão das decisões de aplicação da coima transitadas em julgado, proferidas pelo Chefe de Serviço de Finanças de Valença, no âmbito dos processos de contraordenação melhor identificados em 1., e que deu origem aos presentes autos de recurso.


3. Fundamentação de Direito

3.1. Questão prévia

Na conclusão 7.ª das alegações de recurso, diz-se “[e]ncontrando-se a Recorrente em processo de revitalização, requer-se o reconhecimento da isenção subjetiva nos presentes autos”. Não consta dos autos qualquer documento que ateste que a requerente está em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, de modo a beneficiar de uma isenção de custas, pelo que não poderá ser considerado o teor dessa conclusão no momento da determinação das custas.

3.2. Questão principal

A questão principal a considerar é o pedido de revisão das decisões administrativas de aplicação de coima proferidas pelo Chefe do Serviço de Finanças de Valença.

A título de enquadramento, é importante referir que o recurso de revisão é um recurso extraordinário interposto de decisões definitivas ou transitadas em julgado, cujo regime jurídico se encontra previsto nos artigos 85.º e 86.º, do RGIT, e subsidiariamente, nos artigos 80.º e 81.º do RGCO, e artigos 449.º e seguintes., do CPP. Este regime é aplicável, tanto à revisão das decisões administrativas de aplicação de coima, como às decisões judiciais. Resulta ainda da lei que o recurso não pode ser interposto, se já tiver decorrido o prazo de cinco anos, contados a partir da data do trânsito em julgado/definitividade da decisão a rever (artigo 80.º, n.º 2, do RGCO).

De acordo com os factos que resultam dos autos as decisões são definitivas e entre a data em que foram proferidas e a interposição do recurso não decorreram mais de cinco anos, pelo que estas duas condições não constituiriam óbice à admissão do recurso. Falta, porém, verificar se o fundamento invocado para o pedido de revisão das decisões de fixação da coima está previsto no artigo 449.º do CPP, norma que se aplica por remissão do artigo 80.º, n.º do RGCO.

O artigo 449.º do CPP, quanto aos fundamentos e admissibilidade da revisão, dispõe que:

“1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.

3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.”

O fundamento invocado pela recorrente, tal como resulta das conclusões, assenta, exclusivamente, na alegada superveniência de uma lei que lhe é mais favorável, ou seja, da Lei n.º 51/2015, de 8 de junho (Aprova um regime excecional de regularização de dívidas resultantes do não pagamento de taxas de portagem e coimas associadas, por utilização de infraestrutura rodoviária, e procede à oitava alteração à Lei n.º 25/2006, de 30 de junho).

Mesmo antes de confrontarmos o fundamento referido com aqueles que permitem aferir da admissibilidade da revisão, para determinar se pode neles ser enquadrado, há, desde logo, uma questão que sobressai: todos eles têm uma natureza superveniente o que não quadra com o fundamento invocado, dado que a informação que o sustenta já era conhecida pela altura das decisões de aplicação da coima, podendo ter, nessa fase, suscitado uma reação adequada pela requerente.

Analisados os fundamentos constantes do artigo 449.º CPP, acima transcrito, verificamos que o fundamento invocado pela recorrente para a revisão extraordinária, não se enquadra em nenhuma das alíneas do artigo 449.º do CPP, (não tendo, curiosamente a requerente feito qualquer referência a uma ou mais alíneas desse preceito).

A este respeito, pela sua pertinência, transcrevemos o ponto 8 do parecer do MP:

«E também das mesmas [conclusões] não consta qualquer afirmação e comprovação que seja passível de subsunção em qualquer uma das sete referidas condições de admissibilidade do presente recurso de revisão: sentença transitada em julgado; factos dados como provados noutra sentença; novos factos e novos meios de prova; provas proibidas; declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral e sentença vinculativa.».

Decorre do que se expôs que não estão verificadas as condições para a admissão do recurso.

4. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir a revisão.

Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1.ª UC (uma unidade de conta).


Lisboa, 11 de julho de 2024. - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Isabel Cristina Mota Marques da Silva.